14 de setembro de 2024

A íntima relação entre os logoi de São Máximo e a analogia entis de Tomás de Aquino


Trechos de um importante artigo sobre a relação entre a doutrina ortodoxa dos logoi das coisas criadas, exposta entre outros por São Máximo, o Confessor, e a doutrina da analogia entis, exposta por Tomás de Aquino e desenvolvida posteriormente por tomistas como Cardeal Caetano e outros. Ambas doutrinas foram exploradas neste blog. Em especial, este artigo é útil para pôr em dúvida a ideia original, mas altamente duvidosa, defendida pelo Pe. John Romanides de que não há absolutamente nenhuma semelhança entre criado e Incriado.

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Em um “Simpósio Máximo” em Belgrado em 2012, o Pe. Máximo Simonopetrites (também conhecido como Nicholas Constas) apresentou um artigo sobre a recepção do pensamento de São Máximo no Oriente e no Ocidente. O fio condutor deste artigo é o que o Pe. Máximo chama de "doutrina da assinatura dos logoi" do Confessor. É intrigante que tantos leitores de Máximo tenham feito pouco desta doutrina, notavelmente São João Damasceno, em outros aspectos profundamente caudatário do Confessor. Há exceções a esta história de negligência: o Pe. Máximo chama a atenção para o desenvolvimento da doutrina dos logoi por Isaque, o Sebastokrator, um contemporâneo um pouco mais jovem de Miguel Psellos e irmão mais velho do Imperador Alexios I Komnenos. São Gregório Palamás, no entanto, não é exceção; o Pe. Máximo especula que foi o uso que Barlaam fez da noção dos ‘princípios internos (λόγοι) da criação’, fundamentados na ‘mente divina, primordial e criativa’, cujas imagens eram encontradas na alma, que levaram Palamás a rejeitar a doutrina dos logoi. O Pe. Máximo segue comentando sobre a ‘rejeição aparentemente sumária’ dessa doutrina por Palamás, apontando como em tratamentos posteriores deste problema, ele parece ignorar Máximo em favor do pensamento estoico. O Pe. Máximo segue comentando:

É lamentável que o ataque escolástico-humanista ao hesicasmo tenha impedido Palamás de desenvolver a doutrina dos logoi de Máximo em uma analogia entis ortodoxa, segundo a qual Deus e suas criaturas não seriam colocados sob a mesma categoria geral de ser e que explicaria completamente suas diferenças irredutíveis.

Deixemos de lado por um momento o fato de doutrina da analogia entis, seja em Tomás de Aquino, Cardeal Caetano ou Erich Przywara, ter a intenção precisamente de evitar o perigo de incluir Deus e as criaturas sob a mesma categoria geral de ser. Ponderemos brevemente sobre a sugestão do Pe. Máximo de que a doutrina dos logoi poderia cumprir algo que a doutrina da analogia entis cumpriu no Ocidente. Para começar nossa reflexão, vamos relembrar a conclusão a que chegamos [em seções anteriores deste capítulo] ao pensar sobre a compreensão de Vladimir Lossky sobre a analogia em Dionísio; sugerimos que ele encontra um contraste entre uma maneira de pensar sobre analogia como nos permitindo entender o que queremos dizer quando predicamos qualidades, ou nomes, de Deus e outra maneira de pensar sobre analogia que se preocupa com nossa capacidade de fazer algo do que é revelado de Deus por esses nomes. O contraste me parece ser algo como a maneira como Antoine Lévy caracteriza a diferença entre a compreensão de Máximo e de Tomás de Aquino sobre a divisão incriado/criado, quando ele fala do ‘ktizocentrisme’ de Máximo e do ‘ktistocentrisme’ de Tomás de Aquino: criação-centrismo e criatura-centrismo. A perspectiva de Máximo é a do ato da criação: ele olha para a maneira como Deus está relacionado, por meio de suas energias/atividades, ou de outra forma por meio dos logoi, à sua criação; enquanto Tomás de Aquino olha para a maneira como o ser humano se esforça para entender a ordem criada e Deus precisamente da perspectiva de ser uma criatura. Lévy comenta: ‘A simetria inversa das perspectivas leva à diferença de conceituação, de linguagem; mas não leva a nenhuma divergência doutrinária, porque o processo causal é estritamente idêntico nas duas perspectivas.’

Talvez alguém pudesse sugerir que a doutrina dos logoi da criação e a doutrina da analogia entis são complementares de forma semelhante. Ambas estão preocupadas com a relação do Criador com sua criação; ambas preocupadas com o um e os muitos, e de fato com a reconciliação do um e dos muitos. Os muitos logoi são um no único Logos, que é o Logos feito carne em Cristo; então Máximo afirma por diversas vezes que ‘o único Logos é muitos logoi e os muitos logoi são Um’ (por exemplo, Amb. 7: 1081B). A doutrina da analogia entis tenta encontrar um meio termo entre incluir Deus e a criatura sob uma categoria geral de ser (o caminho da univocidade) e entender o ser de Deus e o nosso ser como completamente diferentes, sem nenhum ponto de comparação entre Deus e a criatura. Tanto a doutrina dos logoi quanto a doutrina da analogia entis, devidamente entendidas, buscam interpretar a divisão fundamental entre o incriado e o criado — uma divisão tão radical que Máximo a chama em um ponto de γνοια, ignorância (Amb. 41: 1305A) — não para comprometê-la de forma alguma. Mas as perspectivas dessas doutrinas são muito diferentes e levam a conceitos e linguagem que podem parecer incompatíveis (por trás da doutrina dos logoi da criação, embora não, eu acho, idêntica a ela, está a doutrina, sistematizada por Palamás, da essência e energias de Deus), mas, estritamente falando, não há divergência doutrinária. A doutrina dos logoi leva à prática da contemplação natural e, na tradição bizantina, isso faz parte da vida espiritual: assim como o asceticismo limpa as portas da percepção, assim também em nossa oração alcançamos a ver o significado e a coerência da ordem criada, como um passo em direção à contemplação de Deus. A doutrina da analogia entis se preocupa com as condições sob as quais o intelecto criado pode afirmar qualquer coisa inteligível sobre Deus. Parece que deve permanecer uma doutrina abstrata e filosófica, embora sempre tenha me parecido que os quatro princípios transcendentais de Bernard Lonergan: ‘Seja atento, seja inteligente, seja razoável, seja responsável’ emergem em um mundo de pensamento sustentado pela analogia entis, mas traçam um tipo de asceticismo do conhecimento que pode ser visto como uma dimensão da vida espiritual.

Começamos nossas reflexões, em sintonia com o assunto central deste simpósio, explorando como a analogia — precisamente a rejeição da analogia — pode indicar algum tipo de engajamento entre Karl Barth e a Ortodoxia. Nossa discussão rapidamente se tornou menos um diálogo entre dois elementos, mas mais um engajamento mais complexo entre três: Barth, a tradição católica ocidental e a Ortodoxia. Tenho a sensação de que desse engajamento triplo surgiu um engajamento bem diferente e mais tradicional entre o Ocidente católico e o Oriente ortodoxo. Onde está Karl Barth em tudo isso? Não tenho certeza de que quaisquer paralelos aparentes entre a atitude de Barth em relação à analogia e a negligência ortodoxa, ou mesmo a rejeição, da analogia levem a algum lugar muito significativo. Se, no entanto, pensar sobre a rejeição de Barth à analogia nos levou a alguma reflexão sobre o lugar que a analogia pode desempenhar na teologia ortodoxa, ou mesmo por que não o faz, então nosso pensamento, talvez, não tenha sido em vão.

Fonte: Andrew Louth, Selected Essays, Volume II: Studies in Theology, Oxford University Press, Oxford, Reino Unido, 2023.