23 de janeiro de 2006

O mistério das duas naturezas de Cristo

Recomendo a leitura do artigo The Mystery of the Two Natures, de James Cutsinger.

Em suma, Cutsinger conclui que a afirmação segundo a qual "Jesus é Deus" está correta, mas sob certo ponto de vista apenas. O erro, segundo ele, seria afirmar que Jesus é Deus e Deus é Jesus , ou seja, que em Jesus estavam presentes todos os atributos de Deus Pai.

Os Pais da Igreja repudiavam esse tipo de raciocínio, e até mesmo há, teologicamente, o nome das três heresias que se seguem a esse raciocínio:

1) A tradição ensina que foi o Filho, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que encarnou-se em Jesus, não a Primeira Pessoa do Pai. Confundir as Pessoas ou, pior, igualá-las, constitui uma heresia chamada monarquianismo modalista.

2) Embora Cristo tenha participado integralmente em cada aspecto de nossa physis humana (exceto o pecado), ele não participava conosco de nossa personalidade humana. Ele era fisicamente homem pois sentia emoções, privações físicas (fome, sede etc.), mas era o Logos encarnado. Pensar que Jesus Cristo foi um "homem excepcional", sobre quem a divindade foi projetada, constitui uma heresia chamada monarquianismo dinamista.

3) As duas naturezas de Cristo estão hipostaticamente ligadas, de maneira que nenhuma eclipsa ou sufoca a outra, numa perfeita communicatio idiomatum. Supor o contrário, ou seja, que a humanidade de Jesus foi sobrepujada pela Divindade que nEle estava manifesta, constitui uma heresia chamada monofisitismo.

Cutsinger lembra que Jesus, embora tenha dito que Eu e meu Pai somos um, disse também Meu Pai é maior do que eu. Isso quer dizer que, embora Jesus seja Deus, ele é a Segunda Pessoa e apenas a Segunda Pessoa, permancendo Absoluto para as criaturas mas subordinado à Primeira Pessoa. É por isso que Jesus orava a Deus Pai. Se Jesus fosse Deus e Deus fosse Jesus, então para quê orar? Temos de admitir que a divindade de Jesus era derivativa, ou seja, Jesus não era a Essência Divina, mas a auto-determinação dessa Essência Divina ao nível do Ser. No entanto, como vimos, o argumento de Cutsinger é refutar a tese exclusivista segundo a qual Jesus = Deus. Dizer que Jesus é Deus está correto, mas a conexão verbal "é" não deve ser entendida como uma igualdade matemática ("Jesus é igual a Deus").

É aqui, nessa igualdade matemática, que muitos cristãos equivocadamente se apegam.

Cutsginer continua, raciocinando da seguinte forma: Ok, Jesus é o Filho de Deus, mas será Jesus o único Filho de Deus? Observem que o argumento do artigo refuta apenas a identidade exclusivista Filho = Pai, mas não o exclusivismo Jesus-único-Filho-de-Deus. Cutsinger afirma que os Pais da Igreja e as diversas fórmulas conciliares jamais deram a entender que Jesus fosse o único Filho de Deus mas admite que, dentro do "planeta" que cada religião representa (nas palavras de Schuon), é perfeitamente compreensível que se desenvolva um grau de egoísmo que contamine os dogmas exotéricos.

17 de janeiro de 2006

A Fé Explicada - O Credo

Em A Fé Explicada (The Faith Explained), cuja primeira edição data de 1959, o Pe. Leo J. Trese procura introduzir o catecismo católico explicando suas principais doutrinas e ensinamentos. O livro é excelente para aqueles que desejam conhecer a posição oficial da Igreja Católica a respeito dos dogmas centrais do Cristianismo mas não querem ainda tomar contato com opiniões e julgamentos alheios. Trese apega-se ao vocabulário utilizado no Catecismo Católico, o que permite ao leitor acostumar-se com ele desde já.

O ponto fraco do livro é que, por vezes, Trese acaba simplificando demais as explicações de certas questões, tornando inevitável o surgimento de dúvidas que só poderão ser sanadas em outras fontes.

O livro é constituído de três partes: (1) O Credo, (2) Os Mandamentos e (3) Os Sacramentos e a Oração. Neste post, resumirei apenas a primeira parte. Futuramente, as outras duas serão acrescentadas. Os nomes dos capítulos foram alterados para facilitar a consulta.

* * *

I - Por que estamos aqui? O que Deus quer de nós?

Por que nos fez Deus? Para participarmos de sua eterna felicidade no céu. A isso chamamos fruição do amor. (Vale lembrar que os momentos que experimentaremos no Céu - chamados de aevum pelos teólogos - não são ciclos temporais, cronometráveis). Essa fruição do amor no Céu exige um princípio de amor aqui na terra. E foi para isso que Deus nos colocou aqui: para que, amando-O, estabeleçamos os alicerces necessários para a nossa felicidade no Céu. O amor é como os olhos que nos permitem ver aqui na terra; o amor permitirá que "enxerguemos" a Deus no Céu.

E como sabemos se O amamos ou não? Simples: se fazemos o que Ele quer que façamos, então O amamos. É por isso que o amor a Deus reside na vontade, e não nos sentimentos. Não são os gemidos, choros ou gritos que dão testemunho de nosso amor a Deus. E quanto mais fizermos aqui por Deus, tanto maior será a nossa felicidade no Céu. Em conseqüência, uns terão maior capacidade de felicidade que outros.

P: Que devemos fazer para adquirir a felicidade no Céu? R: Devemos conhecer, amar e servir a Deus nesta vida.

Será que Deus nos deixa a sós na tarefa de conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo? Ou seja, será que Deus espera que nossas forças humanas sejam suficientes para cumprirmos essas tarefas? Não. Deus concede um poder sobrenatural aos bem-aventurados (já que a felicidade no Céu será sobrenatural, e não naturalmente humana como a da terra ou do limbo) chamado lumen glorie (luz de glória).

P: Quem nos ensina a conhecer, amar e servir a Deus? R: Jesus Cristo, o Filho de Deus, que nos ensina por meio da Igreja.

As principais verdades ensinadas por Cristo foram resumidas pela Igreja no Credo dos Apóstolos, o mesmo credo recitado pelos primeiros cristãos (Cornélio, Apolo, Áquila, Priscila e outros). E muitas das revelações divinas foram guardadas na Bíblia Sagrada. No entanto, muitos ensinamentos orais de Cristo e dos Apóstolos não foram registrados na Bíblia, sendo transmitidos de geração em geração por intermédio dos bispos. É o que chamamos de Tradição da Igreja, que, juntamente com a Bíblia, compõem a revelação divina completa, todas as verdades em que devemos crer.

II - Deus é um espírito infinitamente perfeito

Quem é Deus, afinal? Assim como os bebês bêm dos pais e as flores vêm das sementes, tem de haver alguém que não foi feito por outro, que tenha existido sempre, alguém que não teve começo. Segundo o catecismo, Deus é um espírito infinitamente perfeito; ou seja, é infinitamente bom; Seu conhecimento é infinito. Deus é onipresente e onipotente. Sua justiça é infinita, ou seja, é misericordioso para nos perdoar mas justo em não nos perdoar caso recusemo-nos a amá-Lo. Deus não é um tirano nem um velho bonzinho.

III - A Trindade

As verdades de fé como a da Santíssima Trindade chamamos de mistérios de fé. Isso quer dizer que Deus manifestou essa verdade, mas não por inteiro. Assim, temos de esperar chegarmos ao Céu para que Ele nos revele por inteiro.

A Trindade diz que há apenas uma natureza divina, mas três Pessoas divinas. Ao contrário dos homens, que possuem uma natureza e uma pessoa (por exemplo, numa sala de aula com quarenta alunos diremos que lá há quarenta pessoas), Deus possui três Pessoas.

1) Deus Pai. É Deus conhecendo-se (ou pensando) a Si mesmo. Como esse pensamento é perfeito, então deve incluir a existência, já que a existência é própria da natureza de Deus. Então...

2) Deus Filho. É a expressão do conhecimento (ou pensamento) de Deus sobre Si mesmo. A essa expressão viva chamamos Palavra ou Verbo Divino.

3) Deus Espírito Santo. É Deus enquanto resultado do amor por Si mesmo. O Pai e o Filho contemplam Sua natureza bela e boa, engendrando um amor em grau infinito. A esse amor vivo chamamos Amor Divino.

Nenhuma dessas pessoas é mais poderosa, mais sábia ou maior que as demais. Não há qualquer tipo de subordinação entre o Filho e o Pai, por exemplo.

IV - Os anjos e seu pecado original

As primeiras obras de criação divina são os anjos. Um anjo é um espírito, isto é, um ser com inteligência e vontade mas sem corpo. Eis a ordem ascendente dos anjos: anjos, arcanjos, principados, potestades, virtudes, dominações, tronos, querubins e serafins.

Deus fez os anjos com livre-arbítrio para que fossem capazes de fazer seu ato de amor a Deus. Mas Lúcifer, um dos anjos mais dotados, chefiou um rebelião de anjos, que se recusaram a servir a Deus. O terrível grito non serviam ("não servirei") percorreu os Céus. E assim começou o inferno. Ao contrário dos homens, as vontades dos anjos permanecem fixas contra Deus. Ao contrário dos homens, aos anjos não é possível o arrependimento. Fizeram a sua escolha por toda a eternidade. Neles arde um ódio eterno contra Deus e Suas obras. Eis então o objetivo do diabo: arrastar os homens ao mesmo caminho de rebelião contra Deus.

O diabo não é capaz de fazer-nos pecar. Quem peca somos nós. O diabo pode é nos tentar, mas vale lembrar que nem toda tentação vem do diabo. Elas podem vir do diabo, de paixões interiores e do mundo que nos rodeia.

Algumas considerações quanto às influências do diabo:

1) Possessão diabólica. Ela existe, conforme a Bíblia e a experiência da Igreja atestam. O diabo penetra no corpo de uma pessoa, controlando suas atividades físicas. Mas, mesmo na possessão, o diabo não controla a alma da pessoa.

2) Obsessão diabólica. É quando o diabo ataca de fora, derrubando a pessoa da cama, atormentando-a com ruídos horríveis etc.

O exorcismo é o rito religioso para expulsar o demônio de uma pessoa possessa ou obsessa. É quando a Igreja apena para sua própria Cabeça, o Cristo, para expulsar o demônio.

V - Os homens e seu pecado original

A alma do homem é espiritual como a dos anjos mas seu corpo é matéria como do animais. O homem tem, portanto, um pé na eternidade e outro no tempo. O corpo e a alma humanas se fundem, como o bronze, que não é nem cobre nem zinco, mas uma substância nova. Mas a parte mais importante da pessoa humana é a alma, pois ela é imortal, enquanto o corpo é mortal.

No início, Deus conferiu a Adão e Eva dons chamados preternaturais. Preternatural significa fora ou além do curso ordinário da natureza. Os principais dons preternaturais de Adão e Eva eram (1) uma sabedoria de ordem imensamente superior, um elevado conhecimento natural de Deus e do mundo, (2) uma elevada força de vontade e perfeito controle das paixões e dos sentidos e (3) ausência de dor e de morte. Quando tivessesem acabado seus anos de vida temporal, entrariam na vida eterna em corpo e alma, sem experimentar a terrível separação de alma e corpo a que chamamos morte.

Mas Deus também conferiu a Adão e Eva um dom sobrenatural. Sobrenatural significa algo que está totalmente sobre a natureza de toda e qualquer criatura. Esse dom sobrenatural que Deus conferiu a eles é o dom da graça santificante, que permite a participação na própria natureza divina.

Porém, ao desobedecerem a Deus e falharem na prova de amor a Ele, Adão e Eva cometeram o primeiro pecado, que chamaos pecado original. Num instante, eles perderam todos os dons preternaturais e a graça santificante, reduzindo-se ao mínimo essencia que lhes pertencia pela sua natureza humana. Como todos nós estávamos potencialmente presentes naquele momento, todos sofremos esse pecado. É por isso que diz-se que nascemos em estado de pecado original.

É verdade que o Batismo nos devolve o dom sobrenatural da graça santificante, mas ele não restaura os dons preternaturais. De Adão para cá, um só ser humano (sem contar Cristo) possuiu uma natureza humana em perfeita ordem: a Santíssima Virgem Maria. Ela foi preservada desde o primeiro instante de sua existência da escuridão espiritual do pecado original. A este privilégio chamamos Imaculada Conceição de Maria.

VI - Os homens e seus pecados atuais; os sete pecados capitais

Além do pecado original, em cuja sombra nascemos, temos de enfrentar outro tipo de pecado: o que nós mesmos cometemos. É o pecado atual. O pecado atual pode ser venial ou mortal, segundo seu grau de malícia. O venial é o pecado de pequena gravidade. Um filho que desobedece os pais, ou conta uma mentirinha, comete um pecado venial, mas não por isso deixa de amar os pais. Mas um filho que desobedece os pais, ferindo-os ou afligindo-os intensamente, comete um pecado mortal, amando a si mesmo mais do que a eles. Vale lembrar que podemos pecar não só fazendo o que Deus proíbe (pecado de ação), como deixando de fazer o que Ele ordena (pecado de omissão).

Quanto aos pecados mortais, são necessárias três condições para cometê-lo:

(1) A matéria deve ser grave, seja por pensamento, palavras ou obras.
(2) Devemos saber que o que fazemos é grave, ou seja, não podemos pecar por ignorância.
(3) O pecado só é mortal se cometido de maneira resoluta, ou seja, se eu livremente resolver praticar determinada ação (ou omissão) que é contra a Vontade de Deus.

Quais a raiz do pecado? A raiz do pecado é a intenção na mente e na vontade da pessoa. Por esta razão, somos culpados de pecado no momento em que decido cometê-lo, mesmo que não tenha oportunidade de praticá-lo ou mesmo que depois mude de opinião. É claro que o ato exterior tem sua importância. Na verdade, realizar a má intenção e praticar o ato acrescenta gravidade ao pecado, intensifica a sua malícia.

Há sempre um defeito que se destaca em nós mais do que outros possíveis defeitos, um defeito que representa verdadeiro obstáculo para nosso crescimento espiritual. São as chamadas paixões dominantes. As virtudes, por outro lado, são os hábitos bons que praticamos com

Os sete principais defeitos, chamados de pecados capitais, são:

(1) Soberba: procura desordenada da nossa própria honra e excelência.
(2) Avareza: imoderado desejo de bens temporais.
(3) Luxúria: pecado contra a castidade.
(4) Ira: estado emocional desordenado que nos empurra a desforrar-nos dos outros, a opor-nos insensatamente a pessoas ou coisas.
(5) Gula: atração desordenada pela comida ou bebida.
(6) Inveja: tristeza causada pelo fato de outros estarem numa situação melhor que a nossa; sofrimento pela melhor sorte dos outros.
(7) Preguiça: desgosto e recusa ante o cumprimento de nossos deveres, especialmente de nossos deveres para com Deus, conformando-nos com a mediocridade espiritual.

VII - Maria e o Menino Jesus

Quando Deus criou a alma de Maria, eximiu-a do pecado original no mesmo instante em que a Virgem foi concebida no seio de Ana. Portanto, Maria recebeu a herança perdida por Adão: desde o início do seu ser, esteve unida a Deus.

A aparição do anjo ococrreu quando Maria ainda morava com seus pais. O pecado veio ao mundo por livre decisão de Adão; Deus quis que a livre decisão de Maria trouxesse ao mundo a salvação. (Por isso, Maria é chamada de corredentora dos homens). No exato instante em que aceitou, Deus Espírito Santo engendrou no ventre de Maria o corpo e a alma de uma criança, a quem Deus Filho se uniu no mesmo instante.

Quanto ao Menino Jesus, frequentemente se pergunta se Ele, ao crescer, teve que aprender as coisas como as demais crianças. Para tanto, temos de entender que Jesus possuía dois tipos de conhecimento:

(1) Conhecimento infinito, isto é, conhecimento de tudo que evidentemente Jesus, como Deus Filho, possuía.

(2) Conhecimento humano, que, por sua vez, se subdivide em três espécies: (a) conhecimento beatífico (conhecimento similar quando virmos Deus no céu), (b) ciência infusa (conhecimento completo das coisas criadas, semelhante aos anjos, que prescinde de raciocínios como os humanos) e (c) conhecimento experimental (que Jesus ia adquirindo à medida que crescia).

VIII - Redenção

Enquanto Jesus não morresse na Cruz, ninguém podia ver a Deus face a face. E, não obstante, haviam existido muitos homens que tinham crido em Deus e na sua misericórdia, e guardado suas leis. Como estas almas não haviam merecido o inferno, permaneciam num estado de felicidade puramente natural, sem visão direta de Deus. Eram muito felizes, mas com a felicidade que nós poderiamos alcançar na terra, se tudo nos corresse perfeitamente bem.

O estado de felicidade natural em que essas almas aguardavam chama-se limbo. A estas almas Jesus apareceu enquanto jazia na sepultura, para anunciar-lhes a boa nova da sua redenção; para, poderíamos dizer, acompanhá-las e apresentá-las pessoalmente a Deus Pai.

Segundo havia prometido, Jesus ressuscitou dentre os mortos ao terceiro dia, com um corpo glorificado, idêntico ao que será o nosso depois da nossa ressurreição, e decidiu permanecer quarenta dias na terra com a seguinte missão: completar a preparação e missão de seus doze Apóstolos. Na Última Ceia, na noite da Quinta-feira santa, tinha-os ordenado sacerdotes. Agora, na noite do Domingo de Páscoa, complementa-lhes o sacerdócio, dando-lhes o poder de perdoar os pecados. Em outra ocasião, cumpre a promessa feita a Pedro e o fz cabeça da sua Igreja. Explica-lhes o Espírito Santo. Instrui-os confiando-lhes as linhas gerais do seu ministério. E, finalmente, dá aos seus Apóstolos a missão final de ir e pregar ao mundo inteiro.

Depois da sua ascensão ao Pai, a próxima vez em que Cristo aparecerá à humanidade será no dia do fim do mundo, para julgar o mundo que seu Pai lhe deu.

IX - A graça santificante e como recuperá-la: orações, graças atuais, sacramentos e mérito

A graça é um dom de Deus, sobrenatural e interior, que nos é concedido pelos méritos de Jesus Cristo para nossa salvação. Esta graça não só nos torna capazes de ter uma união e comunicação com Deus nesta vida, como também prepara a alma para um outro dom que lhe acrescentará após a morte: o dom da visão sobrenatural, o poder de ver a Deus face a face. Chamamos isso de lumen glorie, ou luz de glória.

Resumindo: graça santificante = união com Deus nesta vida; lumen glorie = união com Deus após a morte.

Quanto à graça santificante, há três condições que os homens devem observar: (1) que a conservem até o fim, (2) que a recupere imediatamente após perdida em função de um pecado mortal cometido e (3) que procurem fazê-la crescer.

Mas os homens são incapazes de alcançar a graça por conta própria. Precisam da ajuda de Deus, que concede aos homens as graças atuais. Elas atuam na mente ou na vontade humanas, geralmente nas duas. Veja como atuam:

(1) Deus ilumina a mente do pecador para que veja o mal que cometeu. Se repele essa primeira graça, provavelmente não terá a segunda.

(2) Se o pecador aceita a primeira graça, então Deus fortalecerá sua vontade, que lhe permitirá um ato de contrição. Se a contrição do pecador for perfeita (se o seu motivo principal for o amor a Deus), a agraça santificante retornará imediatamente à sua alma.

(3) Se a contrição for imperfeita, baseada principalmente no temor à justiça divina, haverá um novo impulso da graça.

Se a graça concedida por Deus for forte o suficiente até mesmo para vencer nossas fraquezas e corações duros, chamamo-la de graça eficaz. No entanto, podemos fazer com que muitas graças se desperdicem. A nossa indiferença ou indolência ou, pior ainda, nossa resistência voluntária, podem frustrar a ação da graça divina em nossa alma.

É importante termos em mente que a graça santificante cresce na alma mediante a oração e os outros seis sacramentos.

P: O que é a oração? R: A oração é uma elevação da mente e do coração a Deus para adorá-lo, dar-lhe graças e pedir-lhe o que necessitamos.

Há dois tipos de oração:

(1) A oração se faz por meio de palavras, sejam as nossas sejam as escritas por outros, contanto que nos façamos entender por meio delas. É a oração vocal.

(2) A mente e o coração fazem todo o trabalho, sem recorrer a palavras. É a oração mental.Por exemplo, se eu vejo um crucifixo e me vem ao pensamento o muito que Jesus sofreu por mim, então fiz uma oração mental. Por sua vez, há dois tipos de oração mental: (a) a meditação, como a que exemplificamos e (b) a contemplação, uma tipo de oração mais elevada, em que a mente e o coração são elevados a Deus e nEle descansam.

Quando falamos de pecado mortal e perda de graça santificante, vem à mente o sacramento da Penitência. De fato o fim primário da Penitência é devolver a vida quando se perdeu a graça santificante pelo pecado mortal. Mas a Penitência também possui um fim secundário, que é revigorar a vida para a alma que já está em estado de graça. No entanto, o sacramento que é fonte de vida por excelência é o da Sagrada Eucaristia. Nela, Deus vem a nós como alimento e bebida sob as aparências do pão e do vinho. Na Missa, nossa alma se ergue até o seio da Santíssima Trindade. Na Consagração, por sua vez, tocamos a divindade, mas por um processo reverso: ao contrário da Missa, na Consagração Deus é que vem a nós.

Por último, há ainda a questão do mérito. O mérito é a propriedade de uma obra obra em habilitar, a quem a realiza, a receber uma recompensa. A recompensa será tripla: (1) aumento da graça santificante, (2) vida eterna e (3) maior glória no céu. Porém, só a alma que esté em graça santificante pode adquirir mérito por suas ações.

E não nos esqueçamos que, para alcançar a vida eterna, devemos é claro morrer em estado de graça. Esta vida - é só esta vida - é o tempo de prova, o tempo de merecer.

X - Virtudes sobrenaturais, dons do Espírito e frutos do Espírito

P: O que é virtude? R: Virtude é o hábito permanente da alma que lhe dá inclinação, facilidade e prontidão para conhecer e praticar o bem e evitar o mal.

A virtude pode ser natural quando adquirida por nós mesmos, e sobrenatural quando infundida na alma diretamente por Deus.

As virtudes sobrenaturais são infundidas na alma no momento do Batismo, juntamente com a graça santificante. São elas:

(1) Virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Têm esse nome porque dizem respeito a Deus.
(2) Virtudes morais ou cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança. têm esse nome porque dizem respeito indiretamente a Deus e diretamente às pessoas e coisas.

Fé é a virtude pela qual cremos firmemente em todas as verdades que Deus revelou, baseados na autoridade do próprio Deus, que não pode enganar-se nem enganar-nos.

Esperança é a virtude pela qual confiamos que Deus, que é todo-poderoso e fiel às suas promessas, nos concederá a vida eterna e os meios necessários para alcançá-la.

Caridade é a virtude pela qual amamos a Deus por si mesmo, sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos, por amor a Deus. A caridade é chamada a rainha das virtudes porque as outras, tanto as teologais quanto as morais, nos conduzem a Deus, mas a caridade é a que nos une a Deus.

Prudência é a faculdade de julgar retamente; ela aperfeiçoa a inteligência. Justiça é a faculdade que aperfeiçoa a nossa vontade, salvaguardando os direitos de nossos semelhantes à vida e à liberdade, à santidade do lar, ao bom nome e à honra, aos bens materiais. Fortaleza é a faculdade que nos inclina a fazer o bem apesar das dificuldades. Temperança é a faculdade que nos ajuda a dominar nossos desejos e, em especial, a usar dignamente das coisas que agradam aos sentidos.

Além da graça santificante e das virtudes, o Batismo também nos fornece os sete dons do Espírito Santo. Estes dons são qualidade que se comunicam à alma e que a tornam sensível aos movimentos da graça, facilitando-lhe a prática da virtude. São eles:

(1) Sabedoria, que nos dá o sentido da proporção para apreciarmos as coisas de Deus, dando ao bem e à virtude seu verdadeiro valor, para encaramos os bens do mundo como degraus para a santidade, não como fins em si.

(2) Entendimento, que nos dá a percepção espiritual necessária para entendermos as verdades da fé.

(3) Conselho, que aguça nosso juízo, nos ajudando a perceber e escolher a decisão que será par a maior glória de Deus.

(4) Ciência, que nos torna aptos para reconhecer o que é espiritualmente útil ou prejudicial.
Está intimamente ligado ao dom do conselho. O conselho nos move a escolher o útil e repelir o nocivo, mas, para escolher, devemos antes conhecer.

(5) Fortaleza, que robustece nossa debilidade humana.

(6) Piedade, que nos ajuda a manter uma atitude de confiante intimidade com Deus, como uma criança que respeita a seus pais: uma combinação de amor, confiaça e reverência.

(7) Temor de Deus, que equilibra o dom da piedade, nunca nos esquecendo que Ele é o Juiz da justiça infinita, diante de quem um dia teremos que responder pelas graças que nos concedeu.

O resultado de tudo isso, isto é, da graça, das virtudes e dos dons, são manifestos nos chamados doze frutos do Espírito, a saber:

(1) Caridade, pela qual vemos Cristo no seu próximo, e estamos sempre dispostos a ajudá-lo.

(2) Gozo, pelo qual somos alegres e otimistas.

(3) Paz, pela qual somos serenos e tranqüilos.

(4) Paciência, pela qual não nos irritamos facilmente, não guardamos rancor pelas ofensas, não nos perturbamos nem ficamos desapontados quando as coisas nos correrem mal ou as pessoas se comportarem mesquinhamente.

(5) Benignidade, pela qual somos amáveis.

(6) Bondade, pela qual defendemos com firmeza a verdade e o direito, mesmo que todos nos deixem só.

(7) Longanimidade, pela qual não nos revoltamos com o infortúnio e o fracasso, com a doença e a dor.

(8) Mansidão, pela qual somos delicados.

(9) , pela qual a religião é a coisa mais importante da vida.

(10) Modéstia, pela qual há uma decência no que fazemos, fortalecendo a virtude dos outros, nunca infraquecendo.

(11) Continência, pela qual mostramos domínio admirável de nós mesmos, quer na comida, na bebida, no trabalho ou na diversão.

(12) Castidade, pela qual sentimos uma grande reverência pela faculdade de procriar, vendo o sexo nunca como divertimento ou como fonte de prazer egoísta.

XI - A Igreja Católica: seus deveres, suas marcas, seus atributos e a comunhão dos santos

Por que Cristo instituiu uma Igreja na terra? Quais os deveres dessa Igreja? São três:

(1) Santificar. Cristo conhecia nossa necessidade de uma segurança visível. Então Ele preferiu canalizar as suas graças através de símbolos sensíveis: instituiu, pois, os sacramentos, para que pudéssemos saber quando, como e que espécie de graça recebemos. O agente que guarda e deistribui os sacramentos é a Igreja instituída pelo próprio Cristo.

(2) Ensinar. Jesus fundou a Sua Igreja parar ensinar aos homens as verdades que Ele ensinou, as verdades necesárias à salvação.

(3) Governar. Da mesma maneira que seria inútil a um país ter uma Constituição sem alguém que a interprete, a Igreja interpret a Revelação de maneira apropriada, decidindo, por exemplo, quem pode receber este ou aquele sacramento, que pode ser membro da Igreja, como permanecer nela etc.

P: O que é a Igreja? Igreja é a congregação de todos os batizados, unidos na mesma fé verdadeira, no mesmo sacrifício e nos mesmos sacramentos, sob a autoridade do Sumo Pontífice e dos bispos em comunhão com ele.

Esse tríplice dever - santificar, ensinar e governar - dos Apóstolos foi por eles transmitido a outros homens, os bispos. Os bispos atuais são, portanto, os sucessores dos Apóstolos. E o pode de Pedro, a quem Cristo constituiu cabeça de tudo, reside hoje no bispo de Roma, o Papa.

Eis, portanto, o Corpo da Igreja de Cristo: (1) no cume o Papa, (2) mais abaixo o Colégio Episcopal, (3) mais abaixo os sacerdotes e (4) o povo de Deus, todos os batizados.

Mas a Igreja é o próprio Corpo de Cristo: é o Corpo Místico de Cristo. Isso quer dizer que a Igreja não é apenas uma instituição jurídica, mas um organismo vivo, um Corpo que vive, cuja Cabeça é Cristo, cujos membros são os batizados e cuja alma é o Espírito Santo. É um Corpo em que cada membro se beneficia de cada Missa que se celebra, de cada oração que se oferece, de cada boa obra que se faz por cada um dos outros membros, em qualquer lugar do mundo. Assim, todos são chamados a ser apóstolos (com 'a' minúsculo), ou seja, todos têm a missão de ajudar o Corpo Místico de Cristo a crescer e a manter-se são.

Cristo, ao instituir a Sua Igrja, deixou nela estampada a sua marca. Podemos dizer que a marca da Igreja é um quadrado:

(1) Unidade. Os membros da Igreja devem manifestar unidade de credo. Uma fé, uma cabeça, um culto.

(2) Santidade. Segundo o Catecismo, a Igreja é santa "porque foi fundada por Jesus Cristo, que é saanto; porque ensina, segundo a vontade de Cristo, uma doutrina santa e oferece os meios para se levar uma vida santa, formando assim membros santos em todas as idades".

(3) Catolicidade. A Igreja Católica existiu todo o tempo desde Domingo de Pentecostes até os nossos dias, é a única que ensina todas as verdades e é também universal em extensão.

(4) Apostolicidade. A Igreja que pretenda ser de Cristo deve provar sua legítima descendência dos Apóstolos. A Igreja Católica tem a lista dos bispos de Roma, que se remete do Papa atual numa linha contínua até São Pedro.

Tais marcas, necessários à Igreja que que queira se dizer de Cristo, são acompanhadas, conseqüentemente, de três atributos ou qualidades, a saber:

(1) Autoridade. É o direito de falar em nome de Cristo e de ser escutada.

(2) Infalibilidade. É a certeza de estar livrer de erro quando proclama solenemente as verdades de Deus. O católico sabe que o Papa pode pecar e errar, como qualquer pessoa, e sabe que as opiniões do Papa têm a força que sua sabedoria humana lhes pode dar. Mas quando o Papa, solenemente, declara que certas verdades foram reveladas por Cristo, então ele não erra.

(3) Indefectibilidade. É a permanência da Igreja até o fim dos tempos como Jesus a fundou, que não é perecível, que continuará a existir enquanto houver almas a salvar.

Com comunhão dos santos devemos entender que existe uma união, uma comunicação entre as almas em que o Espírito Santo tem a sua morada. Há três "ramos", por assim dizer, da comunhão dos santos:

(1) Igreja militante, isto é, os santos aqui da terra que ainda militam (lutam) contra o pecado e o erro.

(2) Igreja padecente, isto é, as almas do purgatório que ainda não podem ver a Deus, mas o Espírito Santo está com elas.

(3) Igreja eterna, isto é, as almas dos bem-aventurados que se encontram no céu. É essa Igreja que absorverá tanto a militante quanto a padecente depois do Juízo Final.

Na prática, a comunhão dos santos significa que devemos ter consciência das necessidades dos outros. Os santos do céu oram pelas almas do purgatório e por nós. Nós, de nossa parte, devemos venerar e honrar os santos. Não só porque podem e querem interceder por nós, mas porque o nosso amor a Deus assim o exige. Nós devemos, ainda, orar pelas benditas almas do purgatório. É evidente que devemos, também, rezar uns pelos outros.

XII - O fim do mundo: morte, Juízo Particular, inferno, purgatório, ressurreição da carne e vida eterna

A morte é a separação da alma e do corpo. E o que acontece então? No exato momento em que a alma abandona o corpo, é julgada por Deus. Tal juízo individual da alma imediatamente após a morte chama-se Juízo Particular. O que ocorre é que a alma se vê como Deus a vê, em estado de graça ou em pecado e, consequentemente, sabe qual será o seu destino segundo a infinita justiça divina.

A alma que morre em pecado mortal está no inferno. Mas suponhamos que morremos confortados pelos últimos sacramentos e com uma indulgência plenária bem ganha no momento da morte. O juízo da alma será a imediata visão de Deus: a visão beatífica.

Mas o que acontecerá se, ao morrermos, o Juízo Particular não nos encontrar separads de Deus pelo pecado mortal mas também não com a perfeita purezaz de alma? É aqui que se põe de manifesto a doutrina do purgatório. Mesmo que esta doutrina não tivesse sido transmitida pela Tradição desde Cristo e os Apóstolos, a simples razão nos diria que deve haver um processo de purificação final que lave até a menor imperfeição que se inerponha entre a alma e Deus.

A grande diferença entre o sofrimento do inferno e o do purgatório é que no inferno há a certeza da separação eterna e no purgatório a certeza da libertação.

Quanto ao fim do mundo, não sabemos quando virá. O que sabemos é que quando o mundo acabar, os mortos ressuscitam, e depois vem o Juízo Final. O Juízo Final não oferecerá surpresas em relação ao nosso eterno destino. Já teremos passado pelo Juízo Particular; a nossa alma já estará no céu ou no inferno. A diferença é que a sentença que recebemos no Juízo Particular será agora confirmada publicamente.