14 de março de 2006

Verdade em religião


Em Truth in Religion, Mortimer J. Adler responde a uma pergunta fundamental: Como detectar o que é verdadeiro e falso nas diversas religiões? Originalmente feita em Six Great Ideas, a pergunta procura sondar se há elementos transculturais nas religiões, ou se elas não passam de questão de gosto, como é o caso da culinária, da moda etc.

A resposta, como veremos a seguir, não é de difícil compreensão. Em verdade, a resposta é uma análise das religiões cujos critérios podem ser resumidos no próprio subtítulo do livro -- The Plurality of Religions and The Unity of Truth (A Pluralidade das Religiões e a Unidade da Verdade) -- embora tal subtítulo não seja autoexplicativo, merecendo maiores elucidações. Adler, como sempre, é cuidadoso em preparar o terreno antes de embrenhar-se na resposta.

Mas antes de mergulharmos no raciocínio do autor, algumas considerações merecem ser citadas. Retirei deste estudo as ácidas críticas que Adler dedica a algns filósofos e teólogos (Wendy Doniger O´Flaherty, Joseph Campbell, Harvey Cox e Hans Küng) não porque não concorde com elas, mas porque elas pouco acrescentam ao estudo, servindo apenas para reforçar o argumento de Adler. Como fiz em Six Great Ideas, retirei também as considerações de Adler a respeito da Física Quântica e o princípio da incerteza de Heisenberg, por dois motivos: (1) O assunto merecerá de mim um estudo à parte, pois Adler versa sobre a questão em outras obras, sob diversos ângulos, e (2) o assunto é marginal ao tema aqui tratado.

Ao final, mesmo em posse de sólidos critérios para verificar se uma religião é verdadeira, Adler tece considerações a respeito das religiões do Extremo Oriente que são, no mínimo, polêmicas.

Mais uma vez, peço desculpas ao leitor pela brevidade e simplicidade do estudo. Nem preciso dizer que as palavras são minhas, não do autor, e qualquer barbeiragem nas explicações deve ser debitada em minha conta.

A lógica da verdade

(1) As diversas religiões se opõem principalmente em termos de contrariedade. Um exemplo de contrariedade é a afirmação segundo a qual Deus existe e a afirmação segundo a qual muitos deuses existem. Ambas afirmações não podem ser simultaneamente verdadeiras, mas ambas podem ser simultaneamente falsas. Afinal, um meio-termo entre as afirmações é possível como, por exemplo, a afirmação segundo a qual Deus nem deuses existem. Tal contrariedade é o que chamamos, em lógica, de disjunção fraca.

Raramente as religiões se opõem em termos de contradições. Isso quer dizer que raramente há um choque de afirmações a partir da qual somos obrigados a tomar um dos lados como verdadeiro e o outro como falso, isto é, ambos não poderiam ser simultaneamente verdadeiros nem ambos poderiam ser simultaneamente falsos. Esse tipo de disjunção, incomum às religiões, é o que chamamos em lógica de disjunção forte.

(2) As questões de verdade religiosas, ao contrário das ciências empíricas e racionais, estão além da prova, ou seja, qualquer proposição religiosa tida como correta ou incorreta não pode ser avaliada por pesquisas empíricas ou investigações racionais. Por exemplo, a crença em Deus, o Criador do Céu e da Terra, é um artigo de fé cristão, judaico e muçulmano. Os artigos de fé não podem ser provados ou refutados.

No entanto, mesmo sendo os artigos de fé irrefutáveis, isso não quer dizer que não contenham verdades em si. E se contêm verdades em si, então as crenças religiosas incompatíveis devem ser submetidas à lógica da verdade assim como qualquer proposição científico-empírica, isto é, ambas não podem ser simultaneamente verdadeiras.

(3) Que a verdade é a correspondência do que pensamos ou afirmamos com a realidade, já sabemos do estudo de Six Great Ideas. Mas como podemos determinar ou testar tal veracidade?

Para isso, Adler achou útil introduzir alguns conceitos do pragmatismo na busca da verdade. Em suma, se alegamos que algo seja verdadeiro, isto é, correspondente à realidade, então nossa ação baseada nessa proposição é um dos testes que permitirá julgarmos sua veracidade ou falsidade.

Isso serve apenas para lembrar que, caso sua veracidade seja confirmada, então nosso atual corpo de conhecimento deverá adaptar-se à entrada desta nova verdade, ganhando coerência com o todo.

Tal coerência foi introduzida na lógica da verdade por meio da controvérsia entre Santo Tomás e os defensores de Averróis. Segundo Averróis, há dois tipos distintos de verdade: as verdades da razão e as verdades da fé; sendo que as verdades da razão não entram em conflito com as verdades da fé e vice-versa, ou seja, algo que seja cientificamente ou filosoficamente verdadeiro poderia ser simultaneamente falso na fé religiosa.

Santo Tomás sustentava o contrário: ambas as verdades são do mesmo tipo, podendo entrar em conflito uma com a outra. Santo Tomás chamava de "averroísta" todo aquele que afirmava que as crenças religiosas e as proposições científicas não fazem parte do mesmo tipo de verdade. Ele ensinava que a verdade é um todo coerente e íntegro.

(4) Mas como os conflitos entre a religião e as outras partes da verdade devem ser resolvidos?

Adler conhece apenas uma maneira: o método de Santo Agostinho para interpretar as Escrituras Sagradas. Há duas regras, segundo Santo Agostinho, para interpretar as Escrituras Sagradas:
  1. Abrace as Escrituras Sagradas sem titubear, pois elas são a verdade revelada.
  2. Se uma dada interpretação das Escrituras Sagradas for provada falsa, abandone-a imediatamente.
E para provar se uma dada interpretação das Escrituras Sagradas é falsa, Adler apela para a doutrina da unidade da verdade de Santo Tomás, conforme descrita no item (3) acima. Por exemplo, se os especialistas em Inteligência Artificial lograrem êxito na construção de uma máquina indistingüível da inteligência humana, então a crença cristã na imortalidade da alma deverá imediatamente ser quesionada, uma vez que ela, por sua vez, está baseada na imaterialidade do intelecto humano.

Modernamente, julga-se conflitante a crença numa dimensão espiritual da realidade e as descobertas da física. Porém, o verdadeiro conflito não é com o conhecimento científico propriamente dito, mas com o materialismo dogmático dominante entre os cientistas. A existência dos anjos não é algo impossível. Uma proposição existencial pode ser provada, mas uma proposição existencial negativa não pode ser provada. Eis a fraqueza dos ateístas: tudo o que fazem é fornecer argumentos retóricos, não lógicos, cujo objetivo é desacreditar, e não refutar, a crença em Deus, anjos etc.

Mitologia e Religião

É necessário que estudemos alguns tópicos em religião, antes de concluirmos nosso raciocínio a respeito se há verdade nela, e como detectá-la.

(1) O que é religião? Segundo Adler, "Religião é uma forma organizada e institucionalizada de crença e conduta humanas que envolvem comunidades constituídas de tal maneira que um indivíduo e membro dela ou está fora dela, sendo que tal comunidade de membros consiste num número grande de pessoas". E eis as características que as religiões devem possuir:
  1. Alguma forma de adoração.
  2. Separação entre o que é sagrado do que é profano.
  3. Separação entre sacerdocidade e laicidade.
  4. Um código de leis, preceitos ou prescrições religiosas.
  5. Obrigação de seus membros afirmarem como verdadeira uma série de crenças explícitas, que constituem o credo.
(2) Como são classificadas as religiões? Elas são, grosso modo, classificadas da seguinte forma:
  1. Religiões que possuem uma ortodoxia, ou seja, credos explícitos na forma de artigos de fé dogmaticamente declarados vs. Religiões que possuem apenas uma ortopraxia, ou seja, prescrições explícitas e ortodoxia implícita.
  2. Religiões que afirmam uma ou mais divindades, chamadas de religiões teológicas monoteístas ou politeístas vs. Religiões que afirmam características espirituais do cosmos, chamadas de religiões cosmológicas.
  3. Religiões com pouco conteúdo mitológico vs. Religiões com muito conteúdo mitológico.
  4. Religiões que alegam base em Revelações, possuindo perfil mais religioso vs. Religiões que não alegam base em Revelações, possuindo perfil mais filosófico.
No quadro abaixo, preparado por Adler com o auxílio da Profª Wendy Doniger O´Flaherty, constam as grandes religiões e suas características aproximadas, segungo os critérios acima:
(3) Qual a relação entre mitologia e religião? Uma coisa é um mito quando ela é uma ficção, e não um fato. Todas as religiões devidamente institucionalizadas (especialmente as que possuem credos explícitos) são mitológicas.

As religiões contêm verdades poéticas, não verdades lógicas. Se forem tomadas como fatos, e não como ficção (um dos erros cometidos pelos cientistas e pelos religiosos fundamentalistas), todas as religiões seriam falsas. As religiões não são histórias propriamente ditas (embora contenham trechos eminentemente históricos, aos quais, sim, se apliocam os critérios das verdades lógicas), mas mitos, que formam a substância das verdades lógicas e factuais declaradas em suas doutrinas.

Mas o fato de serem mitos (verdades poéticas) não lhes subtrai seu significado. Pois algo pode ser perfeitamente significativo sem ser factualmente verdadeiro. É o caso, por exemplo, dos romances.

Não faz sentido tentar desmitificar trechos das Escrituras Sagradas quando eles não subtraem ou obscurecem as verdades lógicas e factuais da doutrina religiosa.

As estórias do Jardim do Éden, de Adão e Eva etc. são mitos, mas cheios de significados a serem extraídos por uma interpretação não-literal e não-narrativa.

A Verdade em Religião

(1) Adler afirma não ser permitido aplicar a lógica ocidental às culturas do Extremos Oriente porque lá ela não tem autoridade. O Extremo Oriente vive num estado psicologicamente esquizofrênico, aceitando de maneira latente, senão explicitamente, o averroísmo.

Em relação às religiões politeístas, dado que é possível provar a existência de Deus, criador do cosmos, tal prova acaba por refutá-las. Elas são incompatíveis com a teologia filosófica.

Em relação às religiões cosmológicas, dadas as verdades sobre o cosmos que as ciências naturais nos trazem, tudo aquilo que é incompatível com elas é falso. Elas são incompatíveis com a ciência empírica.

Como as religiões do Extremo Oriente são averroístas, tal incompatibilidade seguem olimpicamente ignoradas.

(2) Se esquecermos por um momento a ortodoxia das religiões e nos concentarmos em suas ortopraxias, veremos que elas aproximam-se em maior grau.

As doutrinas morais, em sua base, devem possuir uma filosofia moral consistente e sólida. As prescrições, para serem verdadeiras, têm de ser embasadas por verdades descritivas ou factuais. Por exemplo, a Regra de Ouro ("não fazer aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com você") é afirmada por todos as grandes religiões, sejam ocidentais ou orientais. O pressuposto desta Regra é a verdade de que os homens diferem em tipo, não somente em grau, dos animais. Você não deve tratar os animais a partir do ensinamento desta Regra.

Mas esta observação é paralela, uma vez que o fato de as religiões compartilharem essas verdades filosóficas por meio de suas ortopraxias não tem a ver com uma igual equivalência entre suas crenças não-filosóficas.

Conclusão

A partir de tudo o que foi dito, Adler extrai dois princípios fundamentais a respeito da verdade em religião:

(a) Princípio da unidade da verdade. As diversas partes do todo da verdade devem ser mutuamente compatíveis, não importa de que maneira tais partes da verdade tenham sido extraídas ou recebidas.

(b) Princípio da transculturalidade. Num dado tempo qualquer, as verdades tecnológicas, matemáticas e das ciências naturais são transculturais; poranto, tudo aquilo que declare ser verdadeiro deve ser compatível com essas verdades científicas.

Se a religião e a filosofia são transculturais, suas verdades declaradas devem ser compatíveis com as verdades científicas. E, se for este o caso, então a teologia filosófica deverá ser adotada como critério para decidir o que é ou não é verdadeiro nas religiões.

É por isso que Adler não considera as religiões do Extremo Oriente como verdadeiras. Como não aceitam um Deus, mas muitos deuses independentes e des-hierarquizados, as religiões orientais politeístas vão de encontro à verdade do monoteísmo, provada pela teologia filosófica. Similarmente, as religiões orientais cosmológicas não aceitam (ou ignoram) as verdades sobre o cosmos provadas pela ciências naturais.

Adler conclui que apenas Judaísmo, Cristianismo e Islã podem ser consideradas religiões coerentes tanto com a teologia filosófica quanto com as ciências naturais.

Minha opinião é que Adler, embora correto ao delinear os princípios que ajudam a identificar religiões falsas ou incoerentes, está provavelmente errado ao condenar as religiões do Extremo Oriente segundo seus próprios critérios. Adler aparentemente aceita lugares-comuns ocidentais a respeito das religiões orientais ou simplesmente está mal informado. Talvez teria lhe feito bem tomar contato com os escritos perenialistas, como René Guénon, Fritjhof Schuon ou Ananda Coomaraswamy, o que provavelmente não lhe teria pedir muito, já que sua composição ideológica é essencialmente grega (Platão e Aristóteles) e cristã tradicional (Santo Agostinho e Santo Tomás).

Por exemplo, segundo informações de meu bom amigo Alexander Gieg, no Xintó "diz-se haver 8 milhões de divindades (kamis). Mas cuidado para não confundir: politeísmos "strictu sensu", isto é, onde os deuses são encarados como entes distintos e mutuamente independentes [justamente aquilo que Adler julga ser o Xintoísmo e demais religiões do Extremo Oriente], são religiões decaídas que perderam seu núcleo espiritual. Já os politeísmos tradicionais reconhecem que os deuses todos são na realidade expressões particulares de um princípio espiritual único, sendo no fundo, portanto, monoteístas".

2 de março de 2006

Seis Grandes Idéias

Eis um breve resumo da obra mais famosa de Mortimer J. Adler depois de How to Read a Book: Six Great Ideas. Inspirado numa série de palestras que o autor proferiu no Aspen Institute, Six Great Ideas é, ao lado de Aristotle for Everybody, um apanhado geral do pensamento deste filósofo americano. Maiores detalhes de sua filosofia podem ser encontrados em livros que tratam de certos temas específicos. Sua visão em política (bastante controversa), por exemplo, é aprofundada em Haves Without Have-Nots; sua visão em metafísica em How to Think About God, The Angels and Us, Intellect: Mind over Matter e Truth in Religion; sua visão em estética em Art, the Arts, and the Great Ideas; sua visão em ética em The Time of Our Lives; sua visão sobre a Filosofia em The Four Dimensions of Philosophy; e assim por diante.

Fiz o estudo em forma de perguntas e respostas, nem sempre respeitando a divisão original em capítulos. Como se trata de um resumo pessoal, boa parte do raciocínio de Adler não está explicitamente descrito, mas pode ser derivado a partir do que aqui está exposto.

Introdução Geral

O que o autor espera do leitor, ao final da leitura?

Espera-se que o leitor, ao final da leitura, tenha conhecimento dos diversos significados de cada idéia, sendo capaz de lidar melhor com as questões que se lhe apresentarem no dia-a-dia, indo além do elementar.

O que é uma “idéia”?

Uma idéia, no sentido utilizado por Adler, não é o conteúdo de nossos pensamentos, como quando dizemos “Tive uma idéia”. Uma idéia é um objeto de pensamento, algo sobre o qual todos podemos versar. Uma analogia poderá nos ajudar a entender isso: se alguém me ajuda a vestir uma jaqueta, ambos teremos impressões distintas dela; no entanto, mesmo assim, a jaqueta será uma e a mesma jaqueta para ambos, ou seja, será o mesmo objeto para ambos. É por isso que Platão estava certo ao afirmar que as idéias existem enquanto objetos. Mas, acredita Adler, Platão estava errado ao atribuí-las existência independente das mentes humanas. Ou seja, se eu paro de pensar sobre gatos, isso não quer dizer que a idéia de gato deixe de existir. Mas se todas as mentes do mundo pararem de pensar sobre gatos, então a idéia de gato não mais existirá.

Por que devemos estudar as grandes idéias?

Devemos estudar as grandes idéias porque elas fazem parte do vocabulário de todas as pessoas. Ao contrário do vocabulário de um especialista, que é recheado de termos técnicos e específicos, as grandes idéias são de uso comum, mesmo que em variados graus. Como a ciência que lida com as idéias é a Filosofia, segue-se que a Filosofia deveria ser do interesse de todos. Como a Filosofia não lida com objetos sensíveis ou imagináveis, não empreende pesquisas científico-investigativas, não precisa de dados provenientes de outras ciências para ser aplicada (como é o caso da Física, da Economia, da Matemática etc), todos estão, em princípio, aptos a estudá-la.

Quais as grandes idéias versadas pelo autor?

As idéias versadas pelo autor são estas:

· Verdade
· Bondade
· Beleza
· Liberdade
· Igualdade
· Justiça

Por que o autor escolheu especificamente estas idéias?

O autor escolheu estas idéias porque são elas, na maioria dos casos, que iluminam o entendimento sobre as outras grandes idéias. As primeiras três idéias, que são as principais, referem-se a idéias com as quais julgamos coisas e pessoas. Elas são necessárias, mesmo se vivêssemos sozinhas numa ilha deserta. As últimas três idéias referem-se a idéias com as quais julgamos e convivemos. Se vivêssemos sozinhos numa ilha deserta, seu estudo seria inútil.

1) Verdade

O que é verdade?

Há duas definições de verdade, que correspondem aos dois tipos de verdade:

I) Verdade discursiva. Verdade é quando o que se fala ser aquilo que se pensa. Por exemplo: "Acho que este é um bom livro". Se, apesar disso, penso que o livro é ruim, então estarei mentindo.

II) Verdade de pensamento. Verdade é quando o que se fala corresponder à realidade dos fatos e das coisas. Por exemplo: "Este livro tem 500 páginas". Se, apesar disso, o livro tiver na realidade apenas 242 páginas, então estarei mentindo.

Em suma, dizer a verdade é colocar os predicados ontológicos no lugar certo, isto é, dizer "é" quando é e "não é" quando não é.

É possível duvidar da existência da verdade?

Sim, é possível duvidar da existência da verdade. Há desde as formas extremas de ceticismo, como a do filósofo grego Pirro, até formas mais brandas de ceticismo, como a de David Hume. A forma extrema é facilmente dispensável, uma vez que se autocontradiz ao afirmar que nada é certo ou verdadeiro.

Os céticos brandos ou moderados podem ser divididos em três grupos:

I) Aqueles que pensam ser sempre saudável duvidar um pouco dos julgamentos a respeito do que é certo ou errado, ou do que é verdadeiro ou falso. Esta é a posição adotada por David Hume.

II) Aqueles que pensam que o que é verdade para mim pode não ser verdade para você. Chamamos tal posição de relativismo ou subjetivismo.

III) Aqueles que pensam que o que era verdade ontem pode não ser verdade hoje.

Das três posições acima, apenas a última é digna de ser adotada porque não nega, em si, a objetividade da verdade, mas apenas enfatiza sua porção subjetiva, que pode, sim, mudar. Por exemplo: a Terra nunca foi plana, apesar de agumas pessoas sustentarem essa opinião no passado. Sempre foi verdade que a Terra não é plana, ontem e hoje. Se não fosse pelo terceiro ceticismo, estaríamos até hoje convictos de que a Terra é plana. Este terceiro ceticismo, portanto, é saudável na medida em que nos faz lembrar de quão poucass afirmações podemos ter certeza absoluta.

Quando algo deixa de ser duvidoso e passa a ser certo? Quando acaba a dúvida e começa a certeza?

O critério para identificar aquilo que é conhecimento líquido e certo é o seguinte:

I) O julgamento estabelecido não pode ser questionado por novas evidências.

II) O julgamento estabelecido não pode ser questionado por novas reflexões, raciocínios etc.

Ou seja, a diferença entre os julgamentos práticos que fazemos no dia-a-dia e a certeza genuína é a finalidade (isto é, quando já chegou ao fim) e a incorrigibilidade do julgamento indubitável. Por isso, mesmo as ciências (Biologia, Psicologia etc.) não são conhecimento, no sentido forte do termo, porque têm futuro (cf. o terceiro ceticismo branco acima), isto é, podem ser questionadas e melhoradas.

Conhecimento strictu sensu são somente as chamadas verdades auto-evidentes ("triângulo não tem diagonal", por exemplo) e as evidências perceptuais (a percepção direta dos objetos ao nosso redor).

Quando algo é verdadeiro e objetivo e quando é apenas uma questão de gosto pessoal, subjetivo?

A esfera da verdade é aquela na qual não há intromissão de emoções, preferências pessoais e wishful thinking (p.ex.: Matemática, Biologia etc.). Nessa esfera, a correção de disputas e discórdias é uma obrigação, como diz o lema de veritate disputandum est. É uma esfera transcultural e global.

A esfera do gosto é aquela na qual está em jogo questões puramente pessoais (p.ex.: culinária, moda etc.). Sobre elas, não vale a pena discutir, como diz o lema de gustibus non diputandum est.

Nos casos específicos da Filosofia e da Religião, Adler acredita que ambas não são nem 100% questão de verdade nem 100% questão de gosto. A Filosofia, entende Adler, mostrou-se muito menos concorde ao longo dos anos do que a Matemática ou a Biologia. Tal elevado grau de irreconciliabilidade não permite que classifiquemos a Filosofia inteiramente como uma questão de verdade. Raciocínio semelhante vale para a Religião. Há algo, nessas duas áreas, que escapa à análise puramente racional. No caso da Religião, Adler dedicou um livro específico, a ser estudado em breve aqui.

2) Bondade

Qual a diferença entre verdade e bondade?

Enquanto "verdadeiro" e "falso" são termos que aplicamos ao conteúdo de nossas mentes estar de acordo com a realidade, os termos "bem" e "mal" (ou "bom" e "mau") são aplicados às coisas em relação a nossos desejos.

Mas pode uma afirmação prescritiva ("você deveria fazer isto, pois é bom, e não aquilo, pois é mau") ser classificada de verdadeira ou falsa?

Sim, as prescrições não são puramente subjetivas, isto é, puramente questão de gosto. Para entendermos o porquê, temos de ampliar o escopo do que é verdadeiro. Aristóteles ensina um outro modo de verdade: a conformidade do julgamento ao desejo certo. Esse modo é o que se aplica às prescrições.

O que é desejo certo?

Desejo certo é aquilo que temos de desejar. E o que temos de desejar são os bens reais, ou seja, aqueles que herdamos de nossa natureza humana, presente em todos os indivíduos (são os needs). Ao contrário, os bens aparentes são aqueles que adquirimos ao longo da vida, que são circunstanciais, pessoais, individuais (são os wants). Podemos até mesmo desejá-los, desde que não interfiram na aquisição dos bens reais.

Um dos needs dos homens é o conhecimento, por exemplo.

Quais são esses bens?

Para melhor entendermos quais são esses bens, é útil elaborarmos algumas outras classificações, além da divisão básica entre bens reais e bens aparentes já delineada.

I) Bens que desejamos ter: podem ser reais ou aparentes. Subdividem-se em:
a) Posses, como riquezas e amigos. São sempre externas ao indivíduo.
b) Perfeições, como saúde. São sempre internas ao indivíduo.
ou
c) Bens por escolha, como bons hábitos e conhecimento. São sempre internos ao indivíduo.
d) Bens por acaso, como boa criação, amigos e riquezas. São sempre externos, pelo menos em parte, e dependem de sorte.

II) Bens que desejamos fazer: são as ações que são boas para nós porque nos fazem aproximar de nossos needs (ou, pelo menos, beneficiam outras pessoas), cujos bens resultantes são sempre reais. Por exemplo, quando agimos com correção e justiça em sociedade.

III) Bens que desejamos ser: é a excelência de um bom homem. Um bom homem é aquele que alcançou as perfeições que preenchem suas potencialidades de ser humano, e contam com a participação dos bens que desejamos ter e fazer. São sempre bens reais. Os bens que desejamos ser são medidos em graus de existência, por meio da actualização de nossas potencialidades. Por exemplo, segundo Santo Agostinho, é melhor ser um rato do que uma pérola porque o rato pode actualizar e melhorar suas capacidades, enquanto a pérola não.

A quais bens devemos dar prioridade?

Devemos dar o menor nível de prioridade aos bens que não são bens em si, mas meios para se alcançar outros bens melhores. Neste patamar encontram-se todos os bens externos.

Devemos dar um nível intermediário de prioridade aos bens que tanto podem servir como meio para alcançar outros bens melhores como podem ser bens em si. Neste patamar encontram-se, por exemplo, riqueza e saúde.

Devemos dar o maior nível de prioridade aos bens que são bens em si. Neste patamar encontram-se as perfeições, como o conhecimento.

Qual o maior bem de todos?

Não há exatamente um maior bem de todos. O que há é um bem que engolba todos os outros bens da escala de bens exposta acima. Trata-se da felicidade. É importante notar:

(1) A felicidade não é um bem terminal e superior aos outros bens (isto é, não é o summum bonum), mas é a totalidade de todos os bens (totum bonum). É o bem, e não apenas um bem.

(2) A felicidade não é um bem que possa ser plenamente atingível em vida pois a felicidade se define como uma vida preenchida pelos bens reais que todos necessitamos, além dos bens aparentes que este ou aquele indivíduo possa querer. Sendo "uma vida", não é possível haver um momento na vida em que se possa dizer "agora sim sou feliz". Somente no além, conforme ensinam os religiosos, há um estado terminal de felicidade, como a desfrutada pelos santos na presença de Deus.

(3) A felicidade pode diferir de um indivíduo para outro por causa dos bens aparentes que decidam buscar. Lembre-se que os bens aparentes fazem parte da definição de felicidade.

(4) A felicidade não é ilusória. Embora não possamos alcançá-la em plenitude aqui, podemos desfrutar de um grau ou porção dela. Cada indivíduo, então, terá seu grau de felicidade.

Como alcançar a felicidade?

Como dizia Santo Agostinho, "Feliz é o homem que no decurso de uma vida completa tem tudo o que deseja, desde que não deseje nada de errado".

Isso quer dizer que há dois fatores indispensáveis na busca da felicidade: (a) hábitos de escolher aquilo que é compatível com o alvo certo (virtude moral) e (b) ser abençoado com sorte, isto é, com as circunstâncias externas que facilitem a obtenção dos bens reais e aparentes.

3) Beleza

O que é beleza?

Santo Tomás define a beleza como "aquilo que nos dá prazer ao ser visto". Comidas, bebidas e roupas também nos dão prazer, mas não ao serem vistos, portanto não são passíveis de serem belos. Kant ensina que o prazer que a beleza nos dá deve ser totalmente "desinteressada". Se nós desejamos possuir aquilo que nos dá prazer ao ser visto, então deixa de ser belo.

Vale lembrar que "ver" vem do latim visum, que tem o sentido de contemplar, de conhecimento mental. É o que ocorre quando dizemos: "Vejo que você tinha razão". Isso inclui, se nos detivermos na definição de beleza acima, as músicas, poemas, e até mesmo a beleza encontrada em demonstrações matemáticas.

Essa contemplação, Kant notara, está destituída de conceitos, ou seja, está restrita a aquele objeto individualmente, em si e por si.

Há algo de objetivo na beleza? Ou é ela toalmente subjetiva?

Vimos na resposta acima que a beleza é aquilo que nos dá prazer ao ser visto. É a chamada beleza desfrutável, subjetiva, que varia de indivíduo para indivíduo. Mas a beleza nem sempre é uma questão de gosto.

Há um outro tipo de beleza, que chamamos de beleza admirável. A diferença é que enquanto a beleza desfrutável é imediata, a beleza admirável é mediada pelo pensamento e depende do conhecimento. O admirável é aquilo que possui excelência ou perfeição intrínseca, cujas partes estão coerentemente em ordem, formando uma unidade proporcional e clara.

O admirável exige um gosto superior (mais ainda gosto) ao desfrutável. Um expert admira uma pintura e, por conseguinte, desfruta dela. Um leigo poderá não desfrutar dela porque lhe falta a educação e treino para tanto; ou até mesmo poderá desfrutar dela, mas sem saber por quê.

No entanto, o admirável está objetivamente ligado às propriedades intrínsecas do objeto. Ao contrário da beleza desfrutável, que está destituída de conceitos, a beleza admirável depende de conceitos, tipos e classes. É por isso que um connoisseur de quadros não pode ipso facto ser um connoisseur de cães ou pérolas.

Conclusão: há, sim, objetividade na beleza, mas é necessário um gosto superior, treinado, conceitual (subjetivo, portanto) por parte do observador para detectá-la e, assim, admirá-la.

4) Beleza, bondade, verdade

Qual a relação entre beleza, bondade e verdade?

A beleza admirável é um tipo de bondade. Conforme vimos, a bondade de algo é comensurável pelo grau de seu ser, pela capacidade de actualizar e desenvolver suas potencialidades. Lembremos que, a partir dessa constatação, é melhor ser um rato do que uma pérola.

Mas quando comparamos coisas de mesmo tipo ou espécie (duas rosas, por exemplo), elas também possuem seus respectivos graus de perfeição ou excelência intrínsecos. O grau de excelência admirável é seu grau de bondade enquanto exemplar ou espécie desse tipo. Se uma rosa admirável fosse tida como uma rosa ideal, ela possuiria todas as perfeições que uma rosa ideal teria.

A teologia nos explica esse tipo de bondade. A excelência existencial de uma rosa, medida pelo seu grau de ser, reflete a bondade existencial de Deus enquanto Ser Supremo. Essa bondade existencial leva a uma verdade existencial, também identicamente intrínseca na beleza admirável. A rosa ideal, então, possui um si verdade e beleza existenciais que refletem (ou estão em conformidade) como que é uma rosa ideal na mente de Deus.

5) Justiça, liberdade, igualdade

Qual a relação entre justiça, liberdade e igualdade?

Das três idéias que regulam nossas ações em sociedade, apenas a justiça é um bem ilimitado, isto é, nunca é um bem que possuímos em excesso.

A liberdade ilimitada, como querem os libertários, acaba produzindo desigualdade de condições.

A igualdade ilimitada, como querem os igualitários, acaba produzindo falta de liberdade individual.

A justiça regula esses excessos, permitindo o exercício da liberdade ao mesmo tempo que exige certo grau de liberdade de condições.

6) Liberdade

Quais os tipos de liberdade?

Há três tipos de liberdade:

I) Liberdade inerente à natureza humana (liberdade natural). É o chamado livre arbítrio ou livre escolha.

II) Liberdade associada à sabedoria e à virtude moral (liberdade adquirida). Às vezes é chamada de liberdade moral. A virtude consiste em habitualmente fazer aquilo que é certo, isto é, escolher os bens reais que temos de desejar. Nossas paixões e apetites geram wants em conflito com os needs, e portanto devem ser controlados.

III) Liberdade dependente de circunstâncias externas (liberdade circunstancial). Ela pode ser possuída em diferentes graus, ao contrário das outras duas, que ou se tem ou não se tem. Consiste em fazermos o que quisermos, não importa se moralmente for certo ou errado.

Esta última liberdade é a que precisa ser regulada pela justiça. Se a liberdade circunstancial for ilimitada, isto é, se eu puder fazer o que bem entender a qualquer hora, isso resultaria num estado de total anarquia, ou de autonomia ("eu sou a lei de mim mesmo"). Há, portanto, a necessidadde de certos limites serem impostos quanto à liberdade cinrcunstancial.

A lei justa comanda ações que devem ser seguidas e proíbe ações que não devem ser feitas. O homem virtuoso continuará, sob um governo justo, a fazer o que quiser, pois ele faz aquilo que a lei já permite e não faz aquilo que a lei já proíbe.

Aristóteles ensina que o homem virtuoso faz livremente aquilo que o criminoso faz por temor à lei. Uma lei injusta diminui a liberdade do homem virtuoso.

Como é uma sociedade justa, em relação à liberdade?

Numa sociedade justa, temos direitos que correspondem aos nossos needs (saúde, conhecimento etc.). Chamamos a esses direitos de direitos naturais.

Mas o homem, ao contrário das abelhas e formigas, não é um ser meramente gregário. Ele é também político. Isso quer dizer que não agimos baseados apenas em instintos, mas também no exercício do raciocínio. Ou seja, as sociedade humanas não são apenas naturais, mas são convencionais.

É por isso que Aristóteles dizia que o homem é um animal político. Por isso, um outro direito natural é o de liberdade política, com as exceções de praxe: doentes mentais, crianças e criminosos.

7) Igualdade

Quais são os tipos de igualdade?

Podemos abordar a igualdade de três modos ou dimensões.

I) a) Igualdade pessoal
- Igualdade natural (genética etc.)
- Igualdade adquirida ( treino, hábito, estudo etc.)

b) Igualdade circunstancial
- Igualdade de condições (todos são iguais diante da lei, p.ex.)
- Igualdade de oportunidade (todos começarem com a mesma riqueza, p.ex.)

II) a) Igualdade declarativa: é quando se diz que algo é ou não é igual. A igualdade declarativa é válida tanto para a igualdade pessoal quanto para a circunstancial.

b) Igualdade prescritiva: é quando se diz que algo deve ou não deve ser igual. A igualdade prescritiva vale apenas para a igualdade circunstancial, simplesmente por que não faz sentido para a igualdade pessoal. P.ex.: todos devem poder votar.

III) a) Igualdade de grau. P.ex.: numa democracia moderna, todos podem votar, mas alguns acabam tendo mais poder político do que outros (uns são funcionários públicos nomeados, outros são delegados de polícia, outros são deputados, senadores, governadores, presidentes etc.). Todos tem um mínimo de poder político, mas uns têm mais poder político do que outros. É a desiguadade de grau.

b) Igualdade de tipo. P.ex.: numa democracia antiga, nem todos podiam votar. Isso significa que havia entre o não-eleitor e o eleitor uma desigualdade política de tipo. Uns tinham um mínimo de poder político, mas outros não tinham nenhum.

Como é uma sociedade justa, em relação à igualdade?

À exemplo da liberdade, as igualdades a que temos direito devem ser deduzidas a partir da natureza humana, para que preencham os nossos needs.

Os homens são iguais em sua humanidade, ou seja, todos compartilham as mesmas características da espécie humana. Neste aspecto, são todos iguais em tipo.

Portanto, a todos os homens deve ser dado o direito igual e circunstancial em termos políticos e econômicos.

Direitos políticos: Todos têm direito à cidadania com sufrágio, garantindo a todos o direito à participação política. Como vimos, isso garante a todos um direito político igual em tipo, mas não em grau.

Direitos econômicos: Um mínimo de alimento, vestuário, habitação, escolarização (para preencher os needs de conhecimento e habilidade), saúde, tempo livre para lazer e divertimento.

Todos devem ser iguais em tipo e em grau?

Jamais. Vale ressaltar novamente que a justiça requer que todos tenham tais igualdades em tipo, não em grau.
Na esfera política, os homens com maior capacidade e talento se encarregariam de funções que lhes dariam maior poder político.

Na esfera econômica, os homens com maior capacidade e talento se encarregariam de fazer as maiores contribuições à produção de riquezas. Aqueles que contribuem mais têm, com justiça, direito a receber mais.

Na esfera política, é impossível que um homem consiga obter, legalmente, uma quantidade de poder político que chegue a ponto de diminuir (ou destruir) o mínimo de poder político (sufrágio) a que todos têm direito.

Na esfera econômica, as coisas não são assim: é legalmente possível que um ou mais homens obtenham tanta riqueza que chegue a ponto de destruir o mínimo de riqueza a que alguns homens tenham direito. Portanto, no caso da esfera econômica, um limite para o acúmulo de riquezas deve ser estabelecido.

Chamamos de democracia a justa distribuição de poder político. Chamamos de socialismo a justa distribuição de riquezas. Há duas alternativas para alcançar-se o socialismo: pelo comunismo (capitalismo de Estado) e pelo capitalismo socializado (mercado livre, com algumas poucas restrições). Ambos são tipos de welfare state. O comunismo é um meio errado para um fim certo. Segundo Adler, o ideal socialista só pode ser atingido pelo capitalismo de livre mercado.

8) Justiça

Quais os tipos de justiça?

Há dois domínios nos quais a justiça atua:

I) A justiça do indivíduo em relação aos outros indivíduos e ao Estado.

O indivíduo merece ser tratado (ou ele deve tratar) de maneira justa nestes casos: (a) em função de seus direitos naturais (needs), (b) em comparação a outros indivíduos que mereceram mais ou menos sob as mesmas condições (p.ex., é um injustiça quando uma medalha de honra deixa de ser concedida a um soldado mas foi concedida a outro, quando ambos estavam exatamente sob as mesmas condições), (c) agir para o bem comum, isto é, para promover a ordem pública e o Estado de Direito (p.ex., não cometer traição contra a nação, não subornar um funcionário com fins ilícitos etc.).

Repare que todas essas formas de justiça não obrigam o indivíduo a fazer o bem para os outros, mas apenas a fazer o que é devido ou meritório. Do contrário, seria amor, não justiça.

II) A justiça do Estado em relaçao ao indivíduo.

A forma justa de governo é uma república com sufrágio universal, que possua uma constituição que assegure os direitos políticos e econômicos a todos, isto é, uma república democrática e socialista.

Como a lei ganha autoridade?

A autoridade da legislação é derivada das pessoas que a fizeram serem autorizadas a legislar para o bem comum e na própria lei ser justa no cumprimento dos preceitos da justiça natural.

A lei deve, portanto, ter uma fonte autoritativa, isto é, que lhe confira autoridade. É claro que, além disso, a lei precisa da força para que seja cumprida. Afinal, como disse Alexander Hamilton, "Se os homens fossem anjos, o governo não seria necessário".

A posição acima apresentada é a posição naturalista, ou seja, de que a justiça dos direitos naturais precede (é anterior) à formulação da lei. A posição positivista, ao contrário, sustenta que a lei é que determina o que é e o que não é justo. Trata-se, segundo Adler, de um erro tipicamente moderno. Segundo a posição positivista, a lei não pode ser classificada de justa ou injusta, já que é a própria lei que dá a medida de justiça a todo o resto. A lei, para os positivistas, não é justa ou injusta; ela simplesmente é.

Há, é claro, certas convenções e regras (como as leis de trânsito, por exemplo), cuja justiça ou injustiça é conferida pela própria lei. São os casos de mala prohibita. Por exemplo, o fato de um carro trafegar na contramão é injusto apenas porque a lei assim o determina. Se a mão de direção tivesse sido alterada naquele mesmo instante, trafegar na contramão teria sido justo.

Roubar, estuprar, matar a esmo etc. são mala per se, ou seja, mesmo que a lei permitisse tais males, continuariam sendo injustos do mesmo jeito. Os positivistas, como se vê, são incapazes de distinguir entre mala prohibita e mala per se, reduzindo tudo a mala prohibita.