17 de outubro de 2009

Orações às margens do Lago Ohrid


São Nicolau de Ohrid e Zhicha, o Novo Crisóstomo, (+1956) compôs belíssimas orações às margens do Lago Ohrid, onde hoje é a atual República da Macedônia. Entre elas, há algumas orações que fazem alusões e comparações com outras religiões. Em uma curiosa oração, de número XLVIII, Lao-Tsé, Krishna, Buda, Zoroastro e Isaías são chamados de "profetas", os quais antecederam e foram "destinados a teu Filho", isto é, ao Cristo. Há também as orações XIII e LXVIII, nas quais outras alusões são feitas com o Islã e o Hinduísmo.

A tradução e as notas se basearam na tradução do Arquimandrita Todor Mika e do Pe. Stevan Scott.

São Nicolau é comemorado no dia 5/18 de março. A foto acima é do Lago Ohrid.

* * *

Oração XIII

Tu não pedes muito de mim, meu Amor. Na verdade, as pessoas pedem mais.

Estou embalado em uma grossa camada de não-existência, que cobre os olhos da minha alma. Tu pedes apenas que minha alma se dispa de sua embalagem nebulosa e abra seus olhos a Ti, meu Poder e minha Verdade. As pessoas pedem que minha alma se embale mais e mais com embalagens mais e mais grossas e pesadas.

Ó, ajuda-me, ajuda-me! Ajuda minha alma a conquistar a liberdade e a luz, a conquistar a luz e asas aéreas, a conquistar asas aéreas e rodas de fogo ardente.

Histórias são longas, longas demais; a moral é curta -- uma palavra. Histórias derramam-se em mais histórias, assim como a superfície suave do meu lago derrama-se de cor em cor. Onde o derramar colorido da água sob o sol terminará, e onde o derramar de histórias em histórias terminará?

Histórias são longas, longas demais; a moral é uma palavra só. Tu és essa palavra, ó Verbo de Deus. Tu és a moral de todas as histórias.

O que as estrelas escrevem no céu, a relva sussurra na terra. O que a água gorgulha no mar, o fogo ruge sob o mar. O que um anjo diz com seus olhos, o imam brada de seu minarete. O que o passado disse e deixou, o presente está dizendo e deixando.

Há uma essência para todas as coisas; há uma moral para todas as histórias. As coisas são contos do céu. Tu és o sentido de todos os contos. As histórias têm Tua extensão e amplitude. Tu és a brevidade de todas as histórias. Tu és a pepita de ouro em um outeiro de pedra.

Quando digo Teu nome, disse tudo e mais do que tudo.

Ó meu Amor, tem piedade de mim!

Ó meu Poder e Verdade, tem piedade de mim!

Oração XLVIII

Todos os profetas, desde o princípio, têm clamado à minha alma, implorando-lhe para que se torne virgem e se prepare para receber o Filho divino em seu ventre imaculado;

Implorando-lhe para que se torne uma escada pela qual desça Deus ao mundo e pela qual suba o homem a Deus (1);

Implorando-lhe para drenar de si o mar vermelho das paixões sanguinárias, a fim de que o escravo homem possa alcançar a terra prometida, a terra da liberdade (2).

O mago da China adverte minha alma para que fique calma e tranquila, e aguarde o Tao para nela agir. Glória à memória de Lao-Tsé, o mestre e profeta de seu povo!

O mago da Índia ensina minha alma a não temer o sofrimento, pois mediante a sondagem árdua e inexorável em purificação e oração, ela se elevará ao Altíssimo, que a receberá e lhe manifestará Sua face e Seu poder. Glória à memória de Krishna, o mestre e profeta de seu povo!

O príncipe da Índia ensina minha alma a esvaziar-se completamente de toda semente e fruto do mundo, a abandonar todas as tortuosas seduções da matéria caduca e ilusória, para então -- em vacuidade, tranquilidade, pureza e glória -- aguardar o nirvana. Bendita seja a memória de Buda, o príncipe e mestre inexorável de seu povo!

O estrondeante mago da Pérsia diz à minha alma que não há nada no mundo exceto luz e trevas, e que a alma deve livrar-se das trevas como o dia se livra da noite. Pois os filhos da luz são concebidos da luz, e os filhos das trevas são concebidos das trevas. Glória à memória de Zoroastro, o grande profeta de seu povo!

O profeta de Israel clama à minha alma: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome -- o Deus-homem (3). Glória à memória de Isaías, o profeta clarividente da minha alma!

Ó Senhor celestial, abra os ouvidos da minha alma para que ela não se torne surda aos conselhos do Teu mensageiro.

Não mates os profetas que te foram enviados (4), alma minha, pois suas sepulturas não contêm a eles, mas àqueles que os mataram.

Lava-te e purifica-te; torna-te tranquila em meio ao mar turbulento do mundo, e guarda em ti os conselhos dos profetas que lhe foram enviados. Entrega-te completamente ao Altíssimo e dize ao mundo: "Não tenho nada para ti".

Até mesmo os mais justos dos filhos dos homens que crêem em ti são meras sombras débeis as quais, como o justo José, andam em tua sombra. Pois mortalidade gera mortalidade, e não vida. Em verdade te digo: os maridos mundanos erram quando dizem que dão vida. Eles não dão vida, mas a matam. Eles empurram a vida para o mar vermelho e a afundam, não sem antes envolvê-la em trevas e transformando-a em ilusão diabólica. Não há vida, ó alma minha, a não ser aquela que vem do Espírito Santo. Não há realidade alguma no mundo, a não ser aquela que vem do céu.

Não mates os profetas que lhe foram enviados, alma minha, pois a morte é uma ilusão das sombras. Não mates, pois tu não podes matar ninguém a não ser a ti mesma.

Sê virgem, alma minha, pois a virgindade da alma é a única semi-realidade neste mundo de sombras. Uma semi-realidade, até que Deus nasça nela. Então a alma se tornará plena realidade.

Sê sábia, virgem minha, e recebe cordialmente os dons preciosos dos magos do Oriente destinados a teu Filho. Não te voltes ao Ocidente, onde se põe o sol, e não almejes falsos dons.


Notas:


(1) Cf. Gênesis 28:12: E eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela, e João 1:51: Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem.

(2) Cf. Êxodo 14.

(3) Cf. Isaías 7:14: Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel.

(4) Cf. Mateus 23:37: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!


Oração LXVIII

O hindu amaldiçoa o karma. O muçulmano amaldiçoa o kismet. O cristão amaldiçoa o pecado.

Todos eles amaldiçoam suas maldições; em verdade, todas as formas de maldição são uma privação de liberdade.

Todos eles amaldiçoam suas maldições -- a única bendita maldição. Todos eles murmuram contra as cinzas, as quais os mantêm presos a elas e estão certas de vencer.

Em verdade, os jogadores não gostam daquele cuja vitória é certa em um jogo com pessoas mais ineptas.

O hindu não amaldiçoa a privação de liberdade, mas sua vassalagem àquilo que é pior que si próprio. Nem o muçulmano amaldiçoa a privação de liberdade, mas sua vassalagem àquilo que é pior do que si próprio. Nem o cristão amaldiçoa a privação de liberdade, mas sua vassalagem àquilo que é pior do que si próprio. Nenhum deles murmura contra seu mestre como se ele fosse seu mestre, mas como se fosse um mestre inferior a si próprios.

O mundo procura mestres. Ao experimentar os mestres, o mundo submete-se ao papel de servo e, alimentando-se de cinzas, tenta preservar sua dignidade com murmúrios.

Pensei comigo mesmo e perguntei-me: "Tu consegues lançar o karma para trás de ti -- essa montanha enorme, tão antiga quanto o mundo, tão pesada quanto o mundo -- tu consegues lançá-la para trás de ti?

"Pode uma gota d´água realmente encontrar seu caminho na luz? Pode o fogo no coração da montanha conduzir-se até o topo, onde o sol o aguarda?"

Ainda outra vez pensei comigo mesmo e perguntei-me: "Tu consegues criar um kismet para o kismet? Pode um condutor de camelos salvar-se a si próprio e a seu camelo de uma tempestade de areia e ainda chegar a tempo vindo de uma rota sem oásis?

"Pode um filho registrar no seu patrimônio um pai plenipotenciário?

"Pode o legislado tornar-se o legislador?"

Ainda outra vez pensei comigo mesmo e perguntei-me: "Tu podes escapar deste campo de pecados, onde uma simples semente gera cem colheitas?

"Pode alguém que tenha encontrado um campo melhor realmente conseguir abandonar um campo pior?

"Pode alguém que descobriu que seu companheiro de viagem é um malfeitor, virar as costas e se afastar dele?"

Mas o medo em mim retorque: "E se não houver outro campo? E se não houver outro companheiro de viagem?"

Mas o Eu mais corajoso em mim responde: "Quando eu falo de Brahma, não estou falando de outro campo? Quando eu falo de Allah, não estou falando de outro companheiro de viagem? Quando eu falo de Cristo, não estou falando de salvação?"

Ó Rei Celestial, aceita minha alma como Tua serva. Eis que minha única liberdade é servir alguém melhor do que eu mesmo.