Todos os anos, o Mosteiro de São Germano do Alaska publica um calendário ortodoxo bastante completo e rigoroso, e que sempre vem acompanhado de um artigo interessante. Em 2006, o calendário veio com a história da Igreja Ortodoxa em terras germânicas, um artigo que certamente interessará a todos os alemães e seus descendentes ortodoxos. Tenho esperança que este relato inspirará a todos os leitores ortodoxos a buscarem nesses desconhecidos santos suas intercessões junto ao Cristo.
* * *
I. A Igreja Ortodoxa no Ocidente
Muitos povos ocidentais, tanto ortodoxos quanto não-ortodoxos, identificam a Ortodoxia com as igrejas nacionais do Leste Europeu e do Oriente Médio. As pessoas que habitam países ocidentais podem não perceber, mas vivem sobre terra santa na qual repousa um vibrante legado cristão que, por séculos a fio, foi idêntico em espírito e praticamente indistinguível na prática do Cristianismo Oriental.
Em maior ou menor grau, o verdadeiro Cristianismo Ortodoxo já esteve presente nas terras onde hoje se fala o idioma alemão, desde os primeiros dias do surgimento de nossa fé até os tempos do grande cisma de 1054. É possível descobri-lo em velhos documentos e estudos arqueológicos e artísticos, mas também é possível experimentá-lo na veneração de relíquias sagradas, onde quer que tenham sido preservadas e honradas, bem como na leitura das vidas dos santos, escritas por seus discípulos e que não foram posteriormente embelezadas.
II. A chegada do Cristianismo
A chegada do Cristianismo em terras germânicas foi um processo gradual, que durou mais de 800 anos. No começo do século I, boa parte da Europa Ocidental era habitada por povos celtas. Os romanos haviam conquistado vastas regiões do continente, começando a fazer incursões na chamada Germania, onde tribos germânicas a haviam colonizado há não muito tempo. Depois que os romanos foram derrotados na Batalha da Floresta de Teutoberg, no ano 9 d.C., seus ambiciosos planos de conquistar toda a Europa Ocidental foram frustrados. Eles tiveram de se assentar à oeste do Reno e ao sul do Danúbio, sendo incapazes de implantar sua civilização na maior parte do que hoje conhecemos por Alemanha. Trata-se de uma informação importante: devido à sua maior acessibilidade, as terras romanas puderam receber o Cristianismo muito antes das germânicas.
Neste artigo, veremos como o Cristianismo Ortodoxo chegou aos países e regiões onde hoje se fala alemão (clique nos mapas ao lado). Devemos ter em mente que esses países não existiam à época do período missionário. Na verdade, tudo aconteceu muito antes que mudanças populacionais, alterações de fronteiras, guerras e desenvolvimentos lingüísticos resultassem na mistura de povos celtas, romanos e germânicos no Ocidente, que falavam o velho francês, e a leste deles uma grande quantidade de reinos que falavam o velho alemão, com o latim sendo usado somente na igreja. E séculos e séculos antes que Alemanha, Suíça, Áustria, Luxemburgo e Lichtenstein surgissem no mapa, mais ou menos com as fronteiras que hoje possuem.
III. O Cristianismo nas fronteiras romanas, na Era dos Apóstolos e Mártires (33-300 d.C.)
Nos primeiros três séculos, o Cristianismo espalhou-se rapidamente por todas as direções, a partir de Jerusalém. Os primeiros apóstolos e seus discípulos transmitiram o que haviam visto, ouvido e experimentado – a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo e Seus ensinamentos. A esperança que isso engendrou naqueles que tocou, juntamente com a vida que os primeiros cristãos levavam, que era bem diferente daqueles à sua volta, foi contagiosa. Em primeiro lugar, ela se espalhou por famílias judaicas de todo o Império Romano para, em seguida, espalhar-se família a família entre os gentios. Da mesma maneira, atingiu regiões do Império Romano conhecidas como Gália (atual França e regiões alemãs do Reno e de Moselle), Nórico (sul da Bavária e norte da Áustria) e Récia (Suíça e partes da Alemanha). Há indícios em muitos locais de que discípulos dos apóstolos foram enviados a esses territórios (ou através deles), embora não tenhamos registros escritos disso. Na Suíça, dizem que São Beato teria sido batizado em Roma pelo Apóstolo Barnabé e enviado em missão à Suíça pelo Apóstolo Pedro. Há tradições similares segundo as quais discípulos do Apóstolo Pedro teriam chegado a Trier e Colônia, na região do Reno.
Muitos cristãos chegaram às fronteiras romanas, tanto como parte do exército quanto como funcionários públicos; outros, ainda, eram comerciantes da Grécia e da Síria. Como havia muitos soldados germânicos (e mesmo comandantes) no exército romano, alguns deles também devem ter adotado o Cristianismo. O primeiro milagre ocorrido num país germânico resultou de orações feitas no exército romano. Em 11 de junho de 172, no atual norte da Áustria, o exército romano caiu numa cilada, ficando sem água num dia quentíssimo, enquanto lutava contra os bárbaros marcomanos e quades. O exército estava para sucumbir ao calor quando, em resposta às orações dos soldados cristãos, Deus enviou uma tempestade que refrescou os romanos e aterrorizou os bárbaros, tendo sido fragorosamente derrotados.
Embora a perseguição aos cristãos não fosse tão feroz no Ocidente quanto no Oriente, havia mesmo assim períodos de perseguição. Em 177, muitos foram martirizados em Lyons (França); é quase certo que havia comunidades cristãs em cidades ao longo do Reno, tais como as cidades (alemãs) de Colônia e Mainz, portanto é muito provável que algo similar lá aconteceu. Perseguições a cristãos também ocorreram durante o governo do Imperado Diocleciano Maximiano (início do século IV). À época, entre aqueles que deram suas vidas pela fé estão São Maurício e a Legião de Tebas, cristãos africanos que foram martirizados na atual Suíça; outros membros dessa legião estavam estacionados em outros locais, incluindo Colônia, Bonn e Xanten (Alemanha); o Mártir Afra de Augsburgo; Santa Úrsula, a mártir-virgem de Colônia, juntamente com seus companheiros; e o Soldado-Mártir Floriano e seus 40 companheiros em Lorsch (Áustria).
A importância que esses primeiros mártires têm na propagação do Cristianismo e na piedade do povo foi enorme. Assim que o Imperador Constantino acabou com a perseguição aos cristãos em 313, igrejas foram construídas sobre os locais onde repousam os mártires, tornando-se pontos importantes de peregrinação. As pessoas neles se ajuntavam em busca de consolação e cura, sabendo que eles eram seus heróis espirituais e que deram seu último sacrifício em sua própria terra.
IV. De Constantino às invasões bárbaras
No começo do século IV, a jovem Igreja era vibrante em termos de fé, mas pequena em número. Ela se fazia representar em todas as cidades do Império Romano, mas as reuniões se davam em igrejas caseiras e eram materialmente pobres – seu clérigo freqüentemente se via obrigado a sustentar-se com empregos seculares. Isso estava para mudar no governo de Constantino. Após ter derrotado Maxêncio em 312, sob o sinal da Cruz que vislumbrara numa visão, ele cessou a perseguição aos cristãos e começou a apoiá-los. Durante sua vida, ele concedeu liberdade, subsídio e imunidade à Igreja, convocando o Primeiro Concílio Ecumênico a fim de estabelecer a unidade entre os cristãos.
Durante alguns anos, Constantino, assim como seu pai, foi chefe da parte ocidental do Império Romano, que tinha a cidade de Trier (Alemanha) como sua capital. É por isso que temos tantos tesouros espirituais nessa cidade. Sua mãe, Santa Helena, tendo viajado à Palestina e descoberto a Verdadeira Cruz, levou um dos pregos da Cruz a Trier. O Bispo Antióquio, a quem ela havia chamado de Antioquia para servir em Trier, adicionou ao tesouro as relíquias do Apóstolo Matias. A cabeça da própria Santa Helena repousa lá, assim como a sandália do Apóstolo André, as relíquias de Santa Ana, mãe da Santíssima Mãe de Deus, e as relíquias de muitos outros santos.
Embora Constantino não tenha forçado ninguém a se converter, o Cristianismo cresceu rapidamente no seu governo e no de seus sucessores. As pessoas eram atraídas pelo santo exemplo dos cristãos e pelo entusiasmo e apoio mútuo em participar de um grupo cristão. Outras causas para as conversões foram a influência de cônjuges cristãos e os muitos milagres – especialmente os de cura – desempenhados pelas orações dos santos e petições nos túmulos de mártires e ascetas.
No entanto, muitos se tornaram cristãos apenas para usufruir dos favores do Imperador, supondo que o batismo seria o passaporte para o poder e a riqueza. Essa “Era da Hipocrisia” durou cerca de 100 anos. E, apesar disso, tornou-se o ímpeto para o movimento mais puro e verdadeiramente ortodoxo da época: o monasticismo.
V. O monasticismo na Gália dos séculos IV e V
No Egito, muitos homens e mulheres reagiram a esse Cristianismo aguado migrando para o deserto, desejosos de preservar o caráter supramundano da fé cristã que haviam experimentado durante os tempos de perseguição. Em pouco tempo, no Ocidente, pessoas de espírito semelhante leram a Vida de Santo Antônio e as vidas de outros habitantes do deserto, ou, como São Cassiano, trouxeram suas experiências pessoais da vida ascética ao Ocidente, escrevendo livros sobre isso. E o próprio Ocidente tinha seus grandes ascetas: São Martinho de Tours (+397) e aqueles que vieram da ilha-mosteiro de Lerins (início do século V); São Romano (+460) e São Lupicínio (+480), que iniciarem-se como eremitas nas Montanhas de Jura, atual França, sendo que lá e na atual Suíça fundaram vários mosteiros. Todas as partes dos futuros países germânicos foram afetadas por esse movimento: os que buscavam a Verdade sabiam aonde ir a fim de dedicarem-se integralmente a Cristo.
VI. As migrações das tribos germânicas e o fim do poder romano
Esse crescimento do Cristianismo Ortodoxo, pelo menos naquilo que afetou as terras germânicas, experimentou um revés severo no início do século V, quando diversas tribos germânicas – por causa de seu crescimento e expansão e do avanço dos ferozes hunos vindos do leste – invadiram o território romano. Primeiramente, tropas romanas foram retiradas da fronteira germânica para proteger Roma; depois, a própria Roma caiu, decretando o fim do Império Ocidental. Tribos germânicas cruzavam os rios Reno e Danúbio. Para os cristãos romanos, a vida estava sob ameaça. Igrejas eram freqüentemente destruídas e substituídas por templos pagãos, enquanto as atividades missionárias praticamente cessaram. Alguns cristãos se retiraram para fortalezas romanas, chegando a construir igrejas em seus interiores; alguns foram mortos; os cristãos na Áustria agüentaram enquanto puderam, fugindo então para a Itália.
Um extraordinário santo, que surgiu nesses tempos turbulentos para guiar e proteger os cristãos romanos que restaram no norte da Áustria e da Bavária, foi São Severino. Ele apareceu numa pequena vila como humilde peregrino e eremita, rezando na igreja local e vivendo na casa de um velho. Numa determinada ocasião, ele exortou todos a jejuarem, rezarem e darem esmola para evitar uma invasão. Quando eles o ignoraram, ele “sacudiu o pó de seus pés” e mudou-se para uma cidade próxima. Mais tarde, aquele velho com quem morara surgiu nos portões da cidade, muito chocado e temeroso – as previsões de Severino haviam se cumprido; seu estalajadeiro foi o único sobrevivente da primeira cidade. Os habitantes da segunda cidade seguiram os conselhos de Severino e foram poupados de semelhante destruição.
Deu-se início a uma extraordinária missão, na qual toda a região buscava o guiamento de Severino para obter segurança e salvação. Ele fundou mosteiros, aconselhou reis, libertou cativos, alimentou e vestiu o povo. Ele sabia quando a luta seria bem-sucedida ou quando seria melhor fugir. Ele ensinou o povo muitas e muitas vezes a confiar em Deus e não em seus próprios poderes, a ser humilde e generoso com o pouco que tinha. No final, todas as pessoas que sobraram foram reunidas numa área e escaparam em segurança para a Itália.
Também houve mártires de Cristo assassinados pelos bárbaros invasores; conhecemos alguns pelo nome, como os São Crescêncio, São Teonesto, Santo Áureo e São Máximo, todos de Mainz.
O bispo e alguns cristãos permaneciam nas grandes cidades. Eles comumente transmitiam a cultura romana aos bárbaros, e foram respeitados por isso. No entanto, na ausência de militares e funcionários públicos romanos, os bispos assumiam cada vez mais tarefas seculares, resultando numa queda do nível de espiritualidade.
VII. A conversão dos francos
A tribo germânica dos francos vivia nas proximidades, e depois dentro, das fronteiras romanas. Muitos francos serviram no exército e no governo romano, até mesmo em altos cargos. Após o colapso do Império Ocidental, no século V, os francos deram início ao domínio do resto da Gália. Deu-se início ao que poderíamos chamar de “conversão reversa”: ao invés dos conquistadores imporem sua religião à população celto-romana, os francos absorveram e imitaram sua cultura e religião. No começo, isso significava adicionar os deuses romanos aos seus; depois, alguns se tornaram cristãos no governo de Constantino; e , finalmente, no batismo de Clóvis em 498/499, um grande número de seguidores de Clóvis voluntariamente o seguiram nas águas do batismo, e muitos o fizeram mais tarde.
A conversão de Clóvis foi muito significativa para as tribos germânicas que estavam localizadas nas áreas que nunca haviam sido conquistadas pelos romanos. Quando as conquistas de Clóvis continuaram, incluindo grande parte da atual Alemanha e partes da Áustria, abriram-se as portas para ações missionárias nessas regiões, já que estavam sob a proteção de um governador cristão.
VIII. Missionários da Gália
Os primeiros a chegarem nesse novo território missionário foram monges e padres do reino dos francos ocidentais, que haviam sido menos afetados pelas invasões. Do final do século VI até a metade do século VIII, eles restabeleceram o Cristianismo ao longo do Reno, levando-o, pela primeira vez, a outros territórios. Entre eles estavam o Santo Bispo Everglésio de Colônia e São Goar, também do Reno; Santo Emerão, Santo Erhard e São Corbiniano, na Bavária.
IX. Os missionários irlandeses
Na mesma época, missionários irlandeses começaram a chegar. A Irlanda, que nunca havia sido conquistada pelos romanos nem pelos invasores germânicos, recebeu o Cristianismo no século V, principalmente pelas mãos de São Patrício. Corajosos, cultos e extremamente disciplinados em seu asceticismo, os monges irlandeses chegaram ao continente individualmente ou em pequenos grupos, a partir do século VI.
Alguns se assentaram nas florestas, em cavernas ou em ilhas, tornando-se eremitas locais ou santos. Em muitos casos, apenas seus nomes são conhecidos. Outros, como São Columbano, fundaram mosteiros de grande importância. (Ele e seus doze companheiros fundaram três mosteiros na França, sendo que monges ali formados se dispersaram para fundar outros mosteiros na França e Suíça). Seu discípulo, São Gall, homem de grande cultura e humildade, assentou-se nas proximidades do Lago Constance [situado na atual fronteira entre Alemanha, Áustria e Suíça – N. do T.], tornando-se o Iluminador da Suíça e levando o Cristianismo, pela primeira vez, aos povos das montanhas e vales da região. Mais tarde, a famosa Abadia de São Gall foi construída na região por outro santo, Santo Otmar.
O compatriota de São Gall, São Fridolin, atuou de maneira semelhante na região do Alto Reno, convertendo os alemanos, no atual sudoeste da Alemanha. A fé, a sabedoria e as habilidades agrícolas e artísticas que levaram ao continente contrastavam fortemente com o nível de Cristianismo e cultura que lá permanecera, onde as escolas haviam desaparecido por completo e as cidades e estradas romanas estavam destruídas ou mal conservadas. E, obviamente, os vastos territórios que nunca estiveram sob domínio romano - assim como a maioria dos povos que recentemente se assentaram na Gália, Nórico e Récia – eram totalmente estranhos à vida cristã.
Por 500 anos, os irlandeses continuaram a migrar, freqüentemente formando a espinha dorsal da ortodoxia, da santidade e da renovação cristãs, além de preservarem os tesouros culturais com suas habilidades artísticas e literárias. Diversos santos famosos nas terras germânicas provavelmente eram irlandeses: São Virgílio e São Ruperto de Salzburgo; São Quiliano de Würzburg, o Apóstolo da Francônia; São Arbogasto de Estrasburgo; São Albuíno (Wittan), o Apóstolo da Turíngia; e São Aldo, fundador de Altomünster, na Bavária.
Mas seriam os anglo-saxões – retornando ao continente para converter seus próprios irmãos germânicos (os “velhos saxões”, como os chamavam), assim como os frísios e outros – que completariam a conversão da Alemanha.
X. Os missionários anglo-saxões e seus discípulos
Os anglos e os saxões germânicos conquistaram a Inglaterra e, por meio de esforços missionários de Roma e da Irlanda, foram convertidos ao Cristianismo no século VII. Inflamados de zelo cristão, alguns deles conceberam o desejo de ir ao continente e levar a palavra de Deus a seus irmãos pagãos. Na região onde hoje se situa a atual Alemanha, o mais importante desses missionários anglo-saxões foi São Bonifácio, conhecido como o Iluminador da Alemanha. Por onde andou, este homem poderoso e complexo entregou-se completamente à correção de erros, corrupções e heresias nos remanescentes da Igreja. Ele adentrava corajosamente nas regiões onde não havia igrejas, nas quais os germânicos ainda praticavam sacrifícios humanos, divinizações e adorações de demônios, e botava ordem na Igreja devastada pela guerra e apenas esporadicamente visitada por monges peregrinos. Ele possuía a rara habilidade de atrair grandes ajudantes: em suas viagens a Roma, ele persuadiu três santos compatriotas a se juntarem a ele na Alemanha (São Vilibaldo, São Vunibaldo e São Lull); por meio de cartas para abadessas inglesas, ele conseguiu inspirar muitas santas mulheres a fundarem conventos em terras germânicas e evangelizar mulheres (Santa Leoba e Santa Valburga são alguns exemplos). Ele sofria de solidão e de saudades de sua terra natal, mas nunca parou de servir àqueles a quem Cristo o havia chamado a ministrar.
No fim de sua vida, ele estabeleceu bispados em Mainz, Regensburgo, Eichstätt e Salzburgo, reformou o clérigo decadente, que era cristão apenas no nome, e batizou e educou uma quantidade enorme de pessoas. Após assinalar São Lull como seu sucessor, São Bonifácio deixou os principais centros de sua atividade (as terras germânicas da Turíngia, Hesse e Bavária), levando sua mortalha fúnebre consigo. Ele partiu para a Frísia, já idoso, onde ele e mais 42 pessoas foram martirizadas por pagãos, após trabalhos missionários bem-sucedidos. Ele está enterrado em seu mosteiro em Fulda, Alemanha.
XI. A conversão do norte da Alemanha
Os frísios e os saxões ocidentais eram as principais tribos do norte da atual Alemanha. Eles se apegaram a seus deuses pagãos, sobretudo porque identificavam o Cristianismo com a derrota para uma potência estrangeira. É verdade de Carlos Magno tinha fortes motivações políticas para converter os saxões pois, como se localizavam na costa do Mar do Norte, estavam perturbando seu reinado. Mas, diferentemente de seus famosos predecessores, o Imperador Constantino e o Rei Clóvis, Carlos Magno usou da força bruta para empreender tais conversões, o que somente resultou em rebeliões. Felizmente, verdadeiros santos também trabalharam na área para converter os corações e mentes dos povos a Cristo, por meio do amor e da mansidão.
Os mais antigos missionários foram São Suitberto e os dois Santo Evaldo. São Suitberto missionou os bructuares, uma tribo saxônia, embora tenham posteriormente se espalhada após invasões. Santo Evaldo, o Preto, e Santo Evaldo, o Branco, eram missionários anglo-saxões que tentaram converter os saxões. Enquanto esperavam encontrar o líder local, eles foram assassinados por seus homens, que não queriam abrir mão de seus deuses pagãos.
São Ludgero, pelas suas qualidades pessoais e pelo período tardio em que atuou, foi de longe o mais bem-sucedido missionário a converter os frísios e os saxões. Pela Providência de Deus, seu avô abandonara o reino dos frísios enquanto eles ainda eram bárbaros, pois seu caráter cordial e imparcial era incompatível com seus modos cruéis. Ele e sua família se tornaram cristãos na terra dos francos.
Quando a Frísia Ocidental (Holanda) foi conquistada pelos francos (cristãos), a família migrou de volta para a região próxima a Utrecht. Seu lar estava aberto aos grandes missionários cristãos e, quando menino, Ludgero conheceu São Bonifácio na região, logo antes de seu martírio. Inspirado pelo histórico de sua família e pelos encontros com esses missionários, ele levou o Cristianismo aos bárbaros. Sua fluência no idioma frísio e sua familiaridade com os usos e costumes frísios, bem como sua extraordinária educação monástica adquirida em Utrecht e York (Inglaterra), o qualificavam para a tarefa. Quando a Frísia Oriental (norte da Alemanha) também foi conquistada pelos francos, Ludgero recebeu, enquanto território missionário, cinco distritos frísios que se opunham virulentamente contra o Cristianismo. Eles concordaram em se tornar cristãos se lhes fossem enviados um mestre que falasse sua língua. Embora tenha deixado a região por duas vezes, em função de revoltas, Ludgero converteu a região com sucesso, viajando sem parar e construindo mosteiros e pequenas igrejas de madeira. Ele rejeitou o bispado da distinta cidade de Trier para melhor expandir as atividades missionárias entre os vizinhos saxões, que acabavam de ser conquistados pelos francos de Carlos Magno. Lá, então, finalmente aceitou o posto episcopal, tornando-se o primeiro Bispo de Münster. Por fim, ele construiu um grande mosteiro, nos moldes beneditinos, na cidade de Werden, no Ruhr (próxima da atual Essen), trazendo monges da Frísia, Saxônia e Francônia; foi aí que escolheu ser enterrado e onde suas relíquias repousam até hoje. Um pouco mais ao norte, outro missionário, o anglo-saxão São Vilehado, primeiro Bispo de Bremen, levou as Boas Novas de Cristo ao território que inclui Bremen e Oldenburgo.
XII. Prússia
A última parte da atual Alemanha a ser missionada foi a Prússia, no leste. Esta região, porém, nunca havia sido ortodoxa, pois seu povo permanecera pagão e se opunha violentamente ao Cristianismo, assassinando os dois primeiros missionários a chegarem ao território: Santo Adalberto de Praga (+997) e São Bruno de Querfort (+1009). Eles não se tornaram cristãos até serem convertidos à força pelos católicos romanos em 1249.
XIII. A Ortodoxia alemã pós-cisma
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I. A Igreja Ortodoxa no Ocidente
Muitos povos ocidentais, tanto ortodoxos quanto não-ortodoxos, identificam a Ortodoxia com as igrejas nacionais do Leste Europeu e do Oriente Médio. As pessoas que habitam países ocidentais podem não perceber, mas vivem sobre terra santa na qual repousa um vibrante legado cristão que, por séculos a fio, foi idêntico em espírito e praticamente indistinguível na prática do Cristianismo Oriental.
Em maior ou menor grau, o verdadeiro Cristianismo Ortodoxo já esteve presente nas terras onde hoje se fala o idioma alemão, desde os primeiros dias do surgimento de nossa fé até os tempos do grande cisma de 1054. É possível descobri-lo em velhos documentos e estudos arqueológicos e artísticos, mas também é possível experimentá-lo na veneração de relíquias sagradas, onde quer que tenham sido preservadas e honradas, bem como na leitura das vidas dos santos, escritas por seus discípulos e que não foram posteriormente embelezadas.
II. A chegada do Cristianismo
A chegada do Cristianismo em terras germânicas foi um processo gradual, que durou mais de 800 anos. No começo do século I, boa parte da Europa Ocidental era habitada por povos celtas. Os romanos haviam conquistado vastas regiões do continente, começando a fazer incursões na chamada Germania, onde tribos germânicas a haviam colonizado há não muito tempo. Depois que os romanos foram derrotados na Batalha da Floresta de Teutoberg, no ano 9 d.C., seus ambiciosos planos de conquistar toda a Europa Ocidental foram frustrados. Eles tiveram de se assentar à oeste do Reno e ao sul do Danúbio, sendo incapazes de implantar sua civilização na maior parte do que hoje conhecemos por Alemanha. Trata-se de uma informação importante: devido à sua maior acessibilidade, as terras romanas puderam receber o Cristianismo muito antes das germânicas.
Neste artigo, veremos como o Cristianismo Ortodoxo chegou aos países e regiões onde hoje se fala alemão (clique nos mapas ao lado). Devemos ter em mente que esses países não existiam à época do período missionário. Na verdade, tudo aconteceu muito antes que mudanças populacionais, alterações de fronteiras, guerras e desenvolvimentos lingüísticos resultassem na mistura de povos celtas, romanos e germânicos no Ocidente, que falavam o velho francês, e a leste deles uma grande quantidade de reinos que falavam o velho alemão, com o latim sendo usado somente na igreja. E séculos e séculos antes que Alemanha, Suíça, Áustria, Luxemburgo e Lichtenstein surgissem no mapa, mais ou menos com as fronteiras que hoje possuem.
III. O Cristianismo nas fronteiras romanas, na Era dos Apóstolos e Mártires (33-300 d.C.)
Nos primeiros três séculos, o Cristianismo espalhou-se rapidamente por todas as direções, a partir de Jerusalém. Os primeiros apóstolos e seus discípulos transmitiram o que haviam visto, ouvido e experimentado – a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo e Seus ensinamentos. A esperança que isso engendrou naqueles que tocou, juntamente com a vida que os primeiros cristãos levavam, que era bem diferente daqueles à sua volta, foi contagiosa. Em primeiro lugar, ela se espalhou por famílias judaicas de todo o Império Romano para, em seguida, espalhar-se família a família entre os gentios. Da mesma maneira, atingiu regiões do Império Romano conhecidas como Gália (atual França e regiões alemãs do Reno e de Moselle), Nórico (sul da Bavária e norte da Áustria) e Récia (Suíça e partes da Alemanha). Há indícios em muitos locais de que discípulos dos apóstolos foram enviados a esses territórios (ou através deles), embora não tenhamos registros escritos disso. Na Suíça, dizem que São Beato teria sido batizado em Roma pelo Apóstolo Barnabé e enviado em missão à Suíça pelo Apóstolo Pedro. Há tradições similares segundo as quais discípulos do Apóstolo Pedro teriam chegado a Trier e Colônia, na região do Reno.
Muitos cristãos chegaram às fronteiras romanas, tanto como parte do exército quanto como funcionários públicos; outros, ainda, eram comerciantes da Grécia e da Síria. Como havia muitos soldados germânicos (e mesmo comandantes) no exército romano, alguns deles também devem ter adotado o Cristianismo. O primeiro milagre ocorrido num país germânico resultou de orações feitas no exército romano. Em 11 de junho de 172, no atual norte da Áustria, o exército romano caiu numa cilada, ficando sem água num dia quentíssimo, enquanto lutava contra os bárbaros marcomanos e quades. O exército estava para sucumbir ao calor quando, em resposta às orações dos soldados cristãos, Deus enviou uma tempestade que refrescou os romanos e aterrorizou os bárbaros, tendo sido fragorosamente derrotados.
Embora a perseguição aos cristãos não fosse tão feroz no Ocidente quanto no Oriente, havia mesmo assim períodos de perseguição. Em 177, muitos foram martirizados em Lyons (França); é quase certo que havia comunidades cristãs em cidades ao longo do Reno, tais como as cidades (alemãs) de Colônia e Mainz, portanto é muito provável que algo similar lá aconteceu. Perseguições a cristãos também ocorreram durante o governo do Imperado Diocleciano Maximiano (início do século IV). À época, entre aqueles que deram suas vidas pela fé estão São Maurício e a Legião de Tebas, cristãos africanos que foram martirizados na atual Suíça; outros membros dessa legião estavam estacionados em outros locais, incluindo Colônia, Bonn e Xanten (Alemanha); o Mártir Afra de Augsburgo; Santa Úrsula, a mártir-virgem de Colônia, juntamente com seus companheiros; e o Soldado-Mártir Floriano e seus 40 companheiros em Lorsch (Áustria).
A importância que esses primeiros mártires têm na propagação do Cristianismo e na piedade do povo foi enorme. Assim que o Imperador Constantino acabou com a perseguição aos cristãos em 313, igrejas foram construídas sobre os locais onde repousam os mártires, tornando-se pontos importantes de peregrinação. As pessoas neles se ajuntavam em busca de consolação e cura, sabendo que eles eram seus heróis espirituais e que deram seu último sacrifício em sua própria terra.
IV. De Constantino às invasões bárbaras
No começo do século IV, a jovem Igreja era vibrante em termos de fé, mas pequena em número. Ela se fazia representar em todas as cidades do Império Romano, mas as reuniões se davam em igrejas caseiras e eram materialmente pobres – seu clérigo freqüentemente se via obrigado a sustentar-se com empregos seculares. Isso estava para mudar no governo de Constantino. Após ter derrotado Maxêncio em 312, sob o sinal da Cruz que vislumbrara numa visão, ele cessou a perseguição aos cristãos e começou a apoiá-los. Durante sua vida, ele concedeu liberdade, subsídio e imunidade à Igreja, convocando o Primeiro Concílio Ecumênico a fim de estabelecer a unidade entre os cristãos.
Durante alguns anos, Constantino, assim como seu pai, foi chefe da parte ocidental do Império Romano, que tinha a cidade de Trier (Alemanha) como sua capital. É por isso que temos tantos tesouros espirituais nessa cidade. Sua mãe, Santa Helena, tendo viajado à Palestina e descoberto a Verdadeira Cruz, levou um dos pregos da Cruz a Trier. O Bispo Antióquio, a quem ela havia chamado de Antioquia para servir em Trier, adicionou ao tesouro as relíquias do Apóstolo Matias. A cabeça da própria Santa Helena repousa lá, assim como a sandália do Apóstolo André, as relíquias de Santa Ana, mãe da Santíssima Mãe de Deus, e as relíquias de muitos outros santos.
Embora Constantino não tenha forçado ninguém a se converter, o Cristianismo cresceu rapidamente no seu governo e no de seus sucessores. As pessoas eram atraídas pelo santo exemplo dos cristãos e pelo entusiasmo e apoio mútuo em participar de um grupo cristão. Outras causas para as conversões foram a influência de cônjuges cristãos e os muitos milagres – especialmente os de cura – desempenhados pelas orações dos santos e petições nos túmulos de mártires e ascetas.
No entanto, muitos se tornaram cristãos apenas para usufruir dos favores do Imperador, supondo que o batismo seria o passaporte para o poder e a riqueza. Essa “Era da Hipocrisia” durou cerca de 100 anos. E, apesar disso, tornou-se o ímpeto para o movimento mais puro e verdadeiramente ortodoxo da época: o monasticismo.
V. O monasticismo na Gália dos séculos IV e V
No Egito, muitos homens e mulheres reagiram a esse Cristianismo aguado migrando para o deserto, desejosos de preservar o caráter supramundano da fé cristã que haviam experimentado durante os tempos de perseguição. Em pouco tempo, no Ocidente, pessoas de espírito semelhante leram a Vida de Santo Antônio e as vidas de outros habitantes do deserto, ou, como São Cassiano, trouxeram suas experiências pessoais da vida ascética ao Ocidente, escrevendo livros sobre isso. E o próprio Ocidente tinha seus grandes ascetas: São Martinho de Tours (+397) e aqueles que vieram da ilha-mosteiro de Lerins (início do século V); São Romano (+460) e São Lupicínio (+480), que iniciarem-se como eremitas nas Montanhas de Jura, atual França, sendo que lá e na atual Suíça fundaram vários mosteiros. Todas as partes dos futuros países germânicos foram afetadas por esse movimento: os que buscavam a Verdade sabiam aonde ir a fim de dedicarem-se integralmente a Cristo.
VI. As migrações das tribos germânicas e o fim do poder romano
Esse crescimento do Cristianismo Ortodoxo, pelo menos naquilo que afetou as terras germânicas, experimentou um revés severo no início do século V, quando diversas tribos germânicas – por causa de seu crescimento e expansão e do avanço dos ferozes hunos vindos do leste – invadiram o território romano. Primeiramente, tropas romanas foram retiradas da fronteira germânica para proteger Roma; depois, a própria Roma caiu, decretando o fim do Império Ocidental. Tribos germânicas cruzavam os rios Reno e Danúbio. Para os cristãos romanos, a vida estava sob ameaça. Igrejas eram freqüentemente destruídas e substituídas por templos pagãos, enquanto as atividades missionárias praticamente cessaram. Alguns cristãos se retiraram para fortalezas romanas, chegando a construir igrejas em seus interiores; alguns foram mortos; os cristãos na Áustria agüentaram enquanto puderam, fugindo então para a Itália.
Um extraordinário santo, que surgiu nesses tempos turbulentos para guiar e proteger os cristãos romanos que restaram no norte da Áustria e da Bavária, foi São Severino. Ele apareceu numa pequena vila como humilde peregrino e eremita, rezando na igreja local e vivendo na casa de um velho. Numa determinada ocasião, ele exortou todos a jejuarem, rezarem e darem esmola para evitar uma invasão. Quando eles o ignoraram, ele “sacudiu o pó de seus pés” e mudou-se para uma cidade próxima. Mais tarde, aquele velho com quem morara surgiu nos portões da cidade, muito chocado e temeroso – as previsões de Severino haviam se cumprido; seu estalajadeiro foi o único sobrevivente da primeira cidade. Os habitantes da segunda cidade seguiram os conselhos de Severino e foram poupados de semelhante destruição.
Deu-se início a uma extraordinária missão, na qual toda a região buscava o guiamento de Severino para obter segurança e salvação. Ele fundou mosteiros, aconselhou reis, libertou cativos, alimentou e vestiu o povo. Ele sabia quando a luta seria bem-sucedida ou quando seria melhor fugir. Ele ensinou o povo muitas e muitas vezes a confiar em Deus e não em seus próprios poderes, a ser humilde e generoso com o pouco que tinha. No final, todas as pessoas que sobraram foram reunidas numa área e escaparam em segurança para a Itália.
Também houve mártires de Cristo assassinados pelos bárbaros invasores; conhecemos alguns pelo nome, como os São Crescêncio, São Teonesto, Santo Áureo e São Máximo, todos de Mainz.
O bispo e alguns cristãos permaneciam nas grandes cidades. Eles comumente transmitiam a cultura romana aos bárbaros, e foram respeitados por isso. No entanto, na ausência de militares e funcionários públicos romanos, os bispos assumiam cada vez mais tarefas seculares, resultando numa queda do nível de espiritualidade.
VII. A conversão dos francos
A tribo germânica dos francos vivia nas proximidades, e depois dentro, das fronteiras romanas. Muitos francos serviram no exército e no governo romano, até mesmo em altos cargos. Após o colapso do Império Ocidental, no século V, os francos deram início ao domínio do resto da Gália. Deu-se início ao que poderíamos chamar de “conversão reversa”: ao invés dos conquistadores imporem sua religião à população celto-romana, os francos absorveram e imitaram sua cultura e religião. No começo, isso significava adicionar os deuses romanos aos seus; depois, alguns se tornaram cristãos no governo de Constantino; e , finalmente, no batismo de Clóvis em 498/499, um grande número de seguidores de Clóvis voluntariamente o seguiram nas águas do batismo, e muitos o fizeram mais tarde.
A conversão de Clóvis foi muito significativa para as tribos germânicas que estavam localizadas nas áreas que nunca haviam sido conquistadas pelos romanos. Quando as conquistas de Clóvis continuaram, incluindo grande parte da atual Alemanha e partes da Áustria, abriram-se as portas para ações missionárias nessas regiões, já que estavam sob a proteção de um governador cristão.
VIII. Missionários da Gália
Os primeiros a chegarem nesse novo território missionário foram monges e padres do reino dos francos ocidentais, que haviam sido menos afetados pelas invasões. Do final do século VI até a metade do século VIII, eles restabeleceram o Cristianismo ao longo do Reno, levando-o, pela primeira vez, a outros territórios. Entre eles estavam o Santo Bispo Everglésio de Colônia e São Goar, também do Reno; Santo Emerão, Santo Erhard e São Corbiniano, na Bavária.
IX. Os missionários irlandeses
Na mesma época, missionários irlandeses começaram a chegar. A Irlanda, que nunca havia sido conquistada pelos romanos nem pelos invasores germânicos, recebeu o Cristianismo no século V, principalmente pelas mãos de São Patrício. Corajosos, cultos e extremamente disciplinados em seu asceticismo, os monges irlandeses chegaram ao continente individualmente ou em pequenos grupos, a partir do século VI.
Alguns se assentaram nas florestas, em cavernas ou em ilhas, tornando-se eremitas locais ou santos. Em muitos casos, apenas seus nomes são conhecidos. Outros, como São Columbano, fundaram mosteiros de grande importância. (Ele e seus doze companheiros fundaram três mosteiros na França, sendo que monges ali formados se dispersaram para fundar outros mosteiros na França e Suíça). Seu discípulo, São Gall, homem de grande cultura e humildade, assentou-se nas proximidades do Lago Constance [situado na atual fronteira entre Alemanha, Áustria e Suíça – N. do T.], tornando-se o Iluminador da Suíça e levando o Cristianismo, pela primeira vez, aos povos das montanhas e vales da região. Mais tarde, a famosa Abadia de São Gall foi construída na região por outro santo, Santo Otmar.
O compatriota de São Gall, São Fridolin, atuou de maneira semelhante na região do Alto Reno, convertendo os alemanos, no atual sudoeste da Alemanha. A fé, a sabedoria e as habilidades agrícolas e artísticas que levaram ao continente contrastavam fortemente com o nível de Cristianismo e cultura que lá permanecera, onde as escolas haviam desaparecido por completo e as cidades e estradas romanas estavam destruídas ou mal conservadas. E, obviamente, os vastos territórios que nunca estiveram sob domínio romano - assim como a maioria dos povos que recentemente se assentaram na Gália, Nórico e Récia – eram totalmente estranhos à vida cristã.
Por 500 anos, os irlandeses continuaram a migrar, freqüentemente formando a espinha dorsal da ortodoxia, da santidade e da renovação cristãs, além de preservarem os tesouros culturais com suas habilidades artísticas e literárias. Diversos santos famosos nas terras germânicas provavelmente eram irlandeses: São Virgílio e São Ruperto de Salzburgo; São Quiliano de Würzburg, o Apóstolo da Francônia; São Arbogasto de Estrasburgo; São Albuíno (Wittan), o Apóstolo da Turíngia; e São Aldo, fundador de Altomünster, na Bavária.
Mas seriam os anglo-saxões – retornando ao continente para converter seus próprios irmãos germânicos (os “velhos saxões”, como os chamavam), assim como os frísios e outros – que completariam a conversão da Alemanha.
X. Os missionários anglo-saxões e seus discípulos
Os anglos e os saxões germânicos conquistaram a Inglaterra e, por meio de esforços missionários de Roma e da Irlanda, foram convertidos ao Cristianismo no século VII. Inflamados de zelo cristão, alguns deles conceberam o desejo de ir ao continente e levar a palavra de Deus a seus irmãos pagãos. Na região onde hoje se situa a atual Alemanha, o mais importante desses missionários anglo-saxões foi São Bonifácio, conhecido como o Iluminador da Alemanha. Por onde andou, este homem poderoso e complexo entregou-se completamente à correção de erros, corrupções e heresias nos remanescentes da Igreja. Ele adentrava corajosamente nas regiões onde não havia igrejas, nas quais os germânicos ainda praticavam sacrifícios humanos, divinizações e adorações de demônios, e botava ordem na Igreja devastada pela guerra e apenas esporadicamente visitada por monges peregrinos. Ele possuía a rara habilidade de atrair grandes ajudantes: em suas viagens a Roma, ele persuadiu três santos compatriotas a se juntarem a ele na Alemanha (São Vilibaldo, São Vunibaldo e São Lull); por meio de cartas para abadessas inglesas, ele conseguiu inspirar muitas santas mulheres a fundarem conventos em terras germânicas e evangelizar mulheres (Santa Leoba e Santa Valburga são alguns exemplos). Ele sofria de solidão e de saudades de sua terra natal, mas nunca parou de servir àqueles a quem Cristo o havia chamado a ministrar.
No fim de sua vida, ele estabeleceu bispados em Mainz, Regensburgo, Eichstätt e Salzburgo, reformou o clérigo decadente, que era cristão apenas no nome, e batizou e educou uma quantidade enorme de pessoas. Após assinalar São Lull como seu sucessor, São Bonifácio deixou os principais centros de sua atividade (as terras germânicas da Turíngia, Hesse e Bavária), levando sua mortalha fúnebre consigo. Ele partiu para a Frísia, já idoso, onde ele e mais 42 pessoas foram martirizadas por pagãos, após trabalhos missionários bem-sucedidos. Ele está enterrado em seu mosteiro em Fulda, Alemanha.
XI. A conversão do norte da Alemanha
Os frísios e os saxões ocidentais eram as principais tribos do norte da atual Alemanha. Eles se apegaram a seus deuses pagãos, sobretudo porque identificavam o Cristianismo com a derrota para uma potência estrangeira. É verdade de Carlos Magno tinha fortes motivações políticas para converter os saxões pois, como se localizavam na costa do Mar do Norte, estavam perturbando seu reinado. Mas, diferentemente de seus famosos predecessores, o Imperador Constantino e o Rei Clóvis, Carlos Magno usou da força bruta para empreender tais conversões, o que somente resultou em rebeliões. Felizmente, verdadeiros santos também trabalharam na área para converter os corações e mentes dos povos a Cristo, por meio do amor e da mansidão.
Os mais antigos missionários foram São Suitberto e os dois Santo Evaldo. São Suitberto missionou os bructuares, uma tribo saxônia, embora tenham posteriormente se espalhada após invasões. Santo Evaldo, o Preto, e Santo Evaldo, o Branco, eram missionários anglo-saxões que tentaram converter os saxões. Enquanto esperavam encontrar o líder local, eles foram assassinados por seus homens, que não queriam abrir mão de seus deuses pagãos.
São Ludgero, pelas suas qualidades pessoais e pelo período tardio em que atuou, foi de longe o mais bem-sucedido missionário a converter os frísios e os saxões. Pela Providência de Deus, seu avô abandonara o reino dos frísios enquanto eles ainda eram bárbaros, pois seu caráter cordial e imparcial era incompatível com seus modos cruéis. Ele e sua família se tornaram cristãos na terra dos francos.
Quando a Frísia Ocidental (Holanda) foi conquistada pelos francos (cristãos), a família migrou de volta para a região próxima a Utrecht. Seu lar estava aberto aos grandes missionários cristãos e, quando menino, Ludgero conheceu São Bonifácio na região, logo antes de seu martírio. Inspirado pelo histórico de sua família e pelos encontros com esses missionários, ele levou o Cristianismo aos bárbaros. Sua fluência no idioma frísio e sua familiaridade com os usos e costumes frísios, bem como sua extraordinária educação monástica adquirida em Utrecht e York (Inglaterra), o qualificavam para a tarefa. Quando a Frísia Oriental (norte da Alemanha) também foi conquistada pelos francos, Ludgero recebeu, enquanto território missionário, cinco distritos frísios que se opunham virulentamente contra o Cristianismo. Eles concordaram em se tornar cristãos se lhes fossem enviados um mestre que falasse sua língua. Embora tenha deixado a região por duas vezes, em função de revoltas, Ludgero converteu a região com sucesso, viajando sem parar e construindo mosteiros e pequenas igrejas de madeira. Ele rejeitou o bispado da distinta cidade de Trier para melhor expandir as atividades missionárias entre os vizinhos saxões, que acabavam de ser conquistados pelos francos de Carlos Magno. Lá, então, finalmente aceitou o posto episcopal, tornando-se o primeiro Bispo de Münster. Por fim, ele construiu um grande mosteiro, nos moldes beneditinos, na cidade de Werden, no Ruhr (próxima da atual Essen), trazendo monges da Frísia, Saxônia e Francônia; foi aí que escolheu ser enterrado e onde suas relíquias repousam até hoje. Um pouco mais ao norte, outro missionário, o anglo-saxão São Vilehado, primeiro Bispo de Bremen, levou as Boas Novas de Cristo ao território que inclui Bremen e Oldenburgo.
XII. Prússia
A última parte da atual Alemanha a ser missionada foi a Prússia, no leste. Esta região, porém, nunca havia sido ortodoxa, pois seu povo permanecera pagão e se opunha violentamente ao Cristianismo, assassinando os dois primeiros missionários a chegarem ao território: Santo Adalberto de Praga (+997) e São Bruno de Querfort (+1009). Eles não se tornaram cristãos até serem convertidos à força pelos católicos romanos em 1249.
XIII. A Ortodoxia alemã pós-cisma
O Cristianismo Ortodoxo foi levado às atuais Alemanha, Áustria e Suíça por refugiados ou trabalhadores da Rússia, Sérvia, Bulgária, Grécia e demais países ortodoxos. Hoje, há diversas igrejas ortodoxas nos países de língua alemã, assim como um mosteiro sérvio que mantém a maior parte de seus ofícios na Alemanha (Mosteiro de Santo Espiridião, em Geilnau, Alemanha). Atualmente, os alemães estão descobrindo a Igreja Ortodoxa.
Há também alguns conhecidos alemães que deixaram seu país e se tornaram santos ortodoxos na Rússia. Os mais notáveis são os loucos-por-Cristo São Procópio de Ustiug, Santo Isidoro e São João, o Misericordioso, ambos de Rostov, a Mártir Czarina Alexandra e a Mártir Grã-Duquesa Elizabete. Eles, juntamente com o jovem mártir Alexander Schmorell, membro da resistência “Weisse Rose” durante o regime nazista, são muito reverenciados pelos cristãos ortodoxos alemães atuais.
Há também alguns conhecidos alemães que deixaram seu país e se tornaram santos ortodoxos na Rússia. Os mais notáveis são os loucos-por-Cristo São Procópio de Ustiug, Santo Isidoro e São João, o Misericordioso, ambos de Rostov, a Mártir Czarina Alexandra e a Mártir Grã-Duquesa Elizabete. Eles, juntamente com o jovem mártir Alexander Schmorell, membro da resistência “Weisse Rose” durante o regime nazista, são muito reverenciados pelos cristãos ortodoxos alemães atuais.