Creio que as grandes questões culturais e filosóficas de nosso tempo devam ser analisadas e entendidas a partir de uma mentalidade devidamente fundada na Tradição e na autoridade mística e dogmática dos Santos Padres. O podcast de Clark Carlton procura fazer exatamente isso, especialmente na série Faith and Science, já citada anteriormente, e cujas transcrições o autor gentilmente me encaminhou e que passo a publicá-las aqui.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã. Se quiserdes, e obedecerdes, comereis o bem desta terra (Isaías 1:18-19).
Olá. Bem-vindos de volta ao programa Faith and Philosophy [Fé e Filosofia]. O assunto de hoje é Fé e Ciência.
Gostaria de novamente tocar num assunto do qual falei no começo deste ano, numa série sobre Ortodoxia e a cultura moderna. Já que a relação entre fé e ciência é um assunto sempre conflituoso neste país, achei que fosse uma boa idéia tentar dar meus pitacos a respeito.
Hoje, pretendo me focar especificamente na definição e no escopo da ciência, e, em particular, na sua relação com a doutrina filosófica do materialismo, que afirma que a matéria (acho que tenho que emendar essa fórmula um pouquinho, dizendo: matéria mais energia) é a única realidade.
Estou levantando essa questão porque uma das críticas mais comuns que os evangélicos fazem contra a ciência moderna é que ela é materialista. Isso parece ser algo ruim. Seria preciso uma abordagem científica que não estivesse comprometida com o materialismo. Uma que estivesse aberta a coisas como design e criação inteligentes.
Todavia, tais críticas, que encontramos nas obras de Philip Johnson, entre outros, tendem a fazer vista grossa a uma distinção crucial. Há uma diferença enorme entre materialismo enquanto pressuposição metodológica e materialismo enquanto pressuposição metafísica.
O que quero dizer é o seguinte: A ciência estuda o mundo material. Seu método básico é o da observação empírica. A razão e a matemática são invocadas para que tais observações façam sentido, mas isso não muda o fato de que a fundação de toda a ciência moderna é a observação. A ciência lida exclusivamente com o que pode ser experimentado e/ou medido.
Portanto, a ciência é metodologicamente materialista, pois lida exclusivamente com o mundo material. Quando um fato ou evento material é observado, os cientistas tentam encontrar uma causa para ele. É isso o que os cientistas fazem. Por isso, “ciência criacionista” é algo que não faz sentido. A ciência não tem como avaliar a afirmação de que algo na natureza (ou a natureza em si) foi causado por algo fora da natureza.
Nem mesmo a ciência do “design inteligente” faz sentido. Tudo bem, admito que certos aspectos do design inteligente tenham implicações filosóficas: por exemplo, o conceito de Michael Behe da complexidade irredutível. Contudo, mesmo isso não é ciência, pois se trata de uma crítica filosófica ao método científico em si. Ele diz que há certas coisas em nosso mundo que a seleção natural não é capaz de explicar. A propósito, eu concordo com essa idéia. Mas ela não fornece um modelo alternativo porque um Designer inteligente não é algo testável.
Mas e se não houver nenhuma resposta materialista a determinado problema? E daí? Bem, é neste ponto que a ciência pára de atuar. Pois a ciência é metodologicamente materialista e, portanto, por definição, limitada ao universo material. A ciência pode perguntar “Como?” no sentido de quais circunstância e ações materiais provocaram este evento em particular, mas ela não consegue perguntar “Por quê?”, filosoficamente falando.
Mas nós sabemos muito bem que os cientistas raramente se contentam com esse horizonte limitado. Para muitos, a ciência deve perguntar “Por quê?”. Porém, é neste ponto que cruzamos a fronteira da ciência genuína e entramos no cientificismo, e a demarcação entre uma coisa e outra é exatamente a adoção, por parte do cientificismo, do materialismo enquanto pressuposição metafísica.
Gente como Carl Sagan e Richard Dawkins podem ser considerados como expoentes desse tipo de raciocínio. Toda sua abordagem científica é marcada pela suposição metafísica de que o mundo material é tudo o que existe ou pode existir. Assim, a teoria da seleção natural, por exemplo, não apenas descreveria o processo mecânico pelo qual os organismos mudam e evoluem, mas é também a chave para entender o sentido de toda a existência biológica.
Ora, não há absolutamente nada científico nesse tipo de suposição. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein ensinava que se você desenhasse uma linha e dissesse “A realidade termina aqui”, você estaria fazendo uma afirmação metafísica, mesmo que dissesse que do outro lado dela não houvesse nada.
A ciência, enquanto ciência, deve ser agnóstica nessas questões porque estão além do seu escopo.
Deixe-me ilustrar isso melhor, citando Tomás de Aquino. Muitos aprenderam na faculdade as “Cinco Provas” de Tomás de Aquino para a existência de Deus. A essência de seu argumento é algo que mais tarde foi chamado de argumento cosmológico para a existência de Deus. Embora associemos este argumento com Tomás de Aquino, o grosso veio integralmente de Aristóteles.
Vou dar aqui uma versão “Reader´s Digest” da coisa. Sabemos que um corpo em repouso permanecerá em repouso até que uma força externa atue sobre ele. Portanto, se um objeto físico for movido, ele teve que ser movido por outro objeto ou força física. Pense num dominó, por exemplo. Se esse dominó cair, deve ter havido uma razão ou causa para isso. Uma rajada de vento, isto é, ar em movimento, deve ter atingido o dominó, ou um objeto caiu sobre ele (outro dominó, talvez). Mas o ponto é: o que quer que tenha movido o dominó também estava se movendo pois, do contrário, não teria movido o dominó.
Digamos que o dominó A tenha caído, ocasionando a queda subseqüente do dominó B. Mas eis a questão: O que fez o dominó A cair? Teoricamente, poderíamos prosseguir com essas perguntas para sempre, mas Aristóteles diz que não. Ele ensinava que o movimento teve que ter um início, para além do qual não poderíamos prosseguir. Mas o Primeiro Motor tinha que ter uma característica bastante particular. O Primeiro Motor não poderia ser movido, senão teríamos de perguntar o que o moveu. Portanto, o Primeiro Motor é um Motor Imóvel, e isto, Tomás de Aquino acrescenta, meio afoito para meu gosto, todo mundo sabe que é Deus.
O maior problema nessa história é que nem todo mundo concorda com Aristóteles, ou seja, nem todo mundo concorda que uma regressão infinita é impossível. Muitos cosmólogos modernos propõem um universo infinito, e isso não lhes dá nem um pouco de insônia.
Porém, este argumento nos ajudará a esclarecer o tópico aqui em discussão. A maioria das pessoas despreza o fato de que no contexto da disputa na qual as Cinco Provas se inserem o argumento cosmológico desempenha um papel importante. Tomás de Aquino está lidando com a objeção de que a existência de Deus seria desnecessária porque poderíamos explicar o mundo sem Deus. Se pensarmos a respeito, veremos que é exatamente o que muitos ateístas modernos e devotos do cientificismo dizem.
Ora, o ponto crucial do argumento de Tomás de Aquino é demonstrar que nenhum sistema é auto-explicativo. As leis da física explicam os movimentos no interior do cosmos, mas elas não podem explicar a existência do próprio cosmos. Em outras palavras, este argumento levanta a seguinte questão: Por que há algo ao invés do nada? O ponto crucial deste argumento é mostrar que a questão não pode ser respondida de dentro do próprio sistema.
Assim, chegamos a uma dicotomia cabal. Ou o mundo teve um Início, que situa-se fora do mundo e é completamente distinto de qualquer coisa do Cosmos (um Motor que move sem ser movido), ou o cosmos de uma forma ou de outra sempre existiu e sempre existe.
Se a primeira hipótese for a verdadeira, então temos de buscar um sentido para nossa existência fora da ciência; conforme notara Wittgenstein, se houver algum sentido no mundo, ele tem de estar fora do mundo. Por outro lado, se o mundo não teve começo então não pode ter sentido também. É simplesmente assim. A pergunta “Por quê?” seria não apenas irrelevante, mas sem sentido. Ela não pode nem mesmo ser perguntada.
Portanto, voltamos aonde começamos. A ciência pode responder à pergunta “Como?”. Como os furacões se formam? Como os organismos se adaptam ao meio-ambiente? etc. Mas a ciência não pode perguntar, muito menos responder, questões como: Por que há algo ao invés do nada? Qual o sentido da vida humana?
Mas sinto que estou indo longe demais, então vou continuar esse assunto na próxima semana, quando abordarei a questão da evolução.
E que nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo, que criou o universo sem a ajuda de cientistas ou pseudo-teólogos, pelas intercessões de Santo Inocêncio do Alaska e do abençoado Ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de nós e conceda-nos uma entrada rica em Seu reino eterno.
Meu nome é Clark Carlton, falando para a Ancient Faith Radio.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã. Se quiserdes, e obedecerdes, comereis o bem desta terra (Isaías 1:18-19).
Olá. Bem-vindos de volta ao programa Faith and Philosophy [Fé e Filosofia]. O assunto de hoje é Fé e Ciência.
Gostaria de novamente tocar num assunto do qual falei no começo deste ano, numa série sobre Ortodoxia e a cultura moderna. Já que a relação entre fé e ciência é um assunto sempre conflituoso neste país, achei que fosse uma boa idéia tentar dar meus pitacos a respeito.
Hoje, pretendo me focar especificamente na definição e no escopo da ciência, e, em particular, na sua relação com a doutrina filosófica do materialismo, que afirma que a matéria (acho que tenho que emendar essa fórmula um pouquinho, dizendo: matéria mais energia) é a única realidade.
Estou levantando essa questão porque uma das críticas mais comuns que os evangélicos fazem contra a ciência moderna é que ela é materialista. Isso parece ser algo ruim. Seria preciso uma abordagem científica que não estivesse comprometida com o materialismo. Uma que estivesse aberta a coisas como design e criação inteligentes.
Todavia, tais críticas, que encontramos nas obras de Philip Johnson, entre outros, tendem a fazer vista grossa a uma distinção crucial. Há uma diferença enorme entre materialismo enquanto pressuposição metodológica e materialismo enquanto pressuposição metafísica.
O que quero dizer é o seguinte: A ciência estuda o mundo material. Seu método básico é o da observação empírica. A razão e a matemática são invocadas para que tais observações façam sentido, mas isso não muda o fato de que a fundação de toda a ciência moderna é a observação. A ciência lida exclusivamente com o que pode ser experimentado e/ou medido.
Portanto, a ciência é metodologicamente materialista, pois lida exclusivamente com o mundo material. Quando um fato ou evento material é observado, os cientistas tentam encontrar uma causa para ele. É isso o que os cientistas fazem. Por isso, “ciência criacionista” é algo que não faz sentido. A ciência não tem como avaliar a afirmação de que algo na natureza (ou a natureza em si) foi causado por algo fora da natureza.
Nem mesmo a ciência do “design inteligente” faz sentido. Tudo bem, admito que certos aspectos do design inteligente tenham implicações filosóficas: por exemplo, o conceito de Michael Behe da complexidade irredutível. Contudo, mesmo isso não é ciência, pois se trata de uma crítica filosófica ao método científico em si. Ele diz que há certas coisas em nosso mundo que a seleção natural não é capaz de explicar. A propósito, eu concordo com essa idéia. Mas ela não fornece um modelo alternativo porque um Designer inteligente não é algo testável.
Mas e se não houver nenhuma resposta materialista a determinado problema? E daí? Bem, é neste ponto que a ciência pára de atuar. Pois a ciência é metodologicamente materialista e, portanto, por definição, limitada ao universo material. A ciência pode perguntar “Como?” no sentido de quais circunstância e ações materiais provocaram este evento em particular, mas ela não consegue perguntar “Por quê?”, filosoficamente falando.
Mas nós sabemos muito bem que os cientistas raramente se contentam com esse horizonte limitado. Para muitos, a ciência deve perguntar “Por quê?”. Porém, é neste ponto que cruzamos a fronteira da ciência genuína e entramos no cientificismo, e a demarcação entre uma coisa e outra é exatamente a adoção, por parte do cientificismo, do materialismo enquanto pressuposição metafísica.
Gente como Carl Sagan e Richard Dawkins podem ser considerados como expoentes desse tipo de raciocínio. Toda sua abordagem científica é marcada pela suposição metafísica de que o mundo material é tudo o que existe ou pode existir. Assim, a teoria da seleção natural, por exemplo, não apenas descreveria o processo mecânico pelo qual os organismos mudam e evoluem, mas é também a chave para entender o sentido de toda a existência biológica.
Ora, não há absolutamente nada científico nesse tipo de suposição. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein ensinava que se você desenhasse uma linha e dissesse “A realidade termina aqui”, você estaria fazendo uma afirmação metafísica, mesmo que dissesse que do outro lado dela não houvesse nada.
A ciência, enquanto ciência, deve ser agnóstica nessas questões porque estão além do seu escopo.
Deixe-me ilustrar isso melhor, citando Tomás de Aquino. Muitos aprenderam na faculdade as “Cinco Provas” de Tomás de Aquino para a existência de Deus. A essência de seu argumento é algo que mais tarde foi chamado de argumento cosmológico para a existência de Deus. Embora associemos este argumento com Tomás de Aquino, o grosso veio integralmente de Aristóteles.
Vou dar aqui uma versão “Reader´s Digest” da coisa. Sabemos que um corpo em repouso permanecerá em repouso até que uma força externa atue sobre ele. Portanto, se um objeto físico for movido, ele teve que ser movido por outro objeto ou força física. Pense num dominó, por exemplo. Se esse dominó cair, deve ter havido uma razão ou causa para isso. Uma rajada de vento, isto é, ar em movimento, deve ter atingido o dominó, ou um objeto caiu sobre ele (outro dominó, talvez). Mas o ponto é: o que quer que tenha movido o dominó também estava se movendo pois, do contrário, não teria movido o dominó.
Digamos que o dominó A tenha caído, ocasionando a queda subseqüente do dominó B. Mas eis a questão: O que fez o dominó A cair? Teoricamente, poderíamos prosseguir com essas perguntas para sempre, mas Aristóteles diz que não. Ele ensinava que o movimento teve que ter um início, para além do qual não poderíamos prosseguir. Mas o Primeiro Motor tinha que ter uma característica bastante particular. O Primeiro Motor não poderia ser movido, senão teríamos de perguntar o que o moveu. Portanto, o Primeiro Motor é um Motor Imóvel, e isto, Tomás de Aquino acrescenta, meio afoito para meu gosto, todo mundo sabe que é Deus.
O maior problema nessa história é que nem todo mundo concorda com Aristóteles, ou seja, nem todo mundo concorda que uma regressão infinita é impossível. Muitos cosmólogos modernos propõem um universo infinito, e isso não lhes dá nem um pouco de insônia.
Porém, este argumento nos ajudará a esclarecer o tópico aqui em discussão. A maioria das pessoas despreza o fato de que no contexto da disputa na qual as Cinco Provas se inserem o argumento cosmológico desempenha um papel importante. Tomás de Aquino está lidando com a objeção de que a existência de Deus seria desnecessária porque poderíamos explicar o mundo sem Deus. Se pensarmos a respeito, veremos que é exatamente o que muitos ateístas modernos e devotos do cientificismo dizem.
Ora, o ponto crucial do argumento de Tomás de Aquino é demonstrar que nenhum sistema é auto-explicativo. As leis da física explicam os movimentos no interior do cosmos, mas elas não podem explicar a existência do próprio cosmos. Em outras palavras, este argumento levanta a seguinte questão: Por que há algo ao invés do nada? O ponto crucial deste argumento é mostrar que a questão não pode ser respondida de dentro do próprio sistema.
Assim, chegamos a uma dicotomia cabal. Ou o mundo teve um Início, que situa-se fora do mundo e é completamente distinto de qualquer coisa do Cosmos (um Motor que move sem ser movido), ou o cosmos de uma forma ou de outra sempre existiu e sempre existe.
Se a primeira hipótese for a verdadeira, então temos de buscar um sentido para nossa existência fora da ciência; conforme notara Wittgenstein, se houver algum sentido no mundo, ele tem de estar fora do mundo. Por outro lado, se o mundo não teve começo então não pode ter sentido também. É simplesmente assim. A pergunta “Por quê?” seria não apenas irrelevante, mas sem sentido. Ela não pode nem mesmo ser perguntada.
Portanto, voltamos aonde começamos. A ciência pode responder à pergunta “Como?”. Como os furacões se formam? Como os organismos se adaptam ao meio-ambiente? etc. Mas a ciência não pode perguntar, muito menos responder, questões como: Por que há algo ao invés do nada? Qual o sentido da vida humana?
Mas sinto que estou indo longe demais, então vou continuar esse assunto na próxima semana, quando abordarei a questão da evolução.
E que nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo, que criou o universo sem a ajuda de cientistas ou pseudo-teólogos, pelas intercessões de Santo Inocêncio do Alaska e do abençoado Ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de nós e conceda-nos uma entrada rica em Seu reino eterno.
Meu nome é Clark Carlton, falando para a Ancient Faith Radio.