5 de agosto de 2024

Os objetivos da psicoterapia tomista


1. Educação

Em algum grau todos nós fomos mal-educados pelo meio (pais, família, professores, cultura). A primeira providência para enfrentar essa situação é retirar o paciente da posição de vítima, ou, mais especificamente, combater a postura vitimista que o paciente traz ao consultório. O passado, por mais duro, injusto e cruel que tenha sido, tem de ser trazido para o presente e nele articulado. O aqui e agora é o que importa. O paciente tem de entender que a direção da vida é competência dele. É ele quem deverá enxergar o que não foi construído resultando em ignorância, o que foi destruído resultando em malícia e o que foi mal construído resultando em fraqueza. Para isso, o passado será usado como instrumento meramente pedagógico, ou seja, o paciente nunca será convidado a "morar" nesse passado.

Observa-se que toda terapia tem caráter pedagógico, e isso torna-se claro quando notamos que há um projeto de desenvolvimento humano que busca não uma resolução específica de um tema ou problema, mas a integralidade da saúde psíquica do paciente. O todo, do ponto de vista aristotélico-tomista, é superior à simples soma das partes. É ele, o todo, que tem de ser tratado. A pessoa humana como um todo precisa de ordem, e o terapeuta precisa ser o porta-voz dessa ordem. Um mau terapeuta será aquele que reforçará a soberba do paciente: é o mundo que está errado, não o paciente. 

Aqui, segundo Rafael de Abreu, entra o papel da correta definição dos termos:

[É] fundamental que o paciente saiba de forma ordenada o que ele está expressando. Diante de uma má definição um paciente pensa de modo equivocado, sente de modo equivocado e age de modo equivocado. [...] Nomear errado abre espaço para pensar e imaginar como foi nomeado, sentir com foi nomeado e, como consequência, agir errado. [...] O paciente vai construindo uma narrativa em cima de uma mentira. É uma mentira não necessariamente porque ele inventou um fato, mas porque omitiu alguns outros. Ao não falar o que deveria e só pronunciar algumas coisas forma-se uma mentira na qual ele vai acreditando ao longo do tempo. Essa atitude é justamente a neurose na qual ele passa a acreditar e que passa a transfigurar a existência da pessoa. Os pacientes chegam ao consultório com a neurose das palavras. Como consequência, surge o vício das meias palavras. [...] Após ouvir atentamente a fala do paciente, será necessário apontar a falta de clareza e objetividade dele para que a comunicação seja mais ordenada e alcance o objetivo: permitir que o outro compreenda o que ele realmente deseja transmitir. [...] Quanto mais o paciente vive no mundo da neurose das palavras, mais se distancia da verdade. É a realidade paralela. [...] Em muitos momentos, para neutralizar a neurose das palavras, o psicoterapeuta terá de explicar de forma clara e objetiva aquilo que o paciente está tentando expressar sem sucesso. [...] Dar uma boa definição para termos usados no dia a dia faz o paciente se movimentar...para o bem, para a beleza e para a verdade.

2. Ordenamento das paixões

A “paixão” é uma resposta emocional à percepção de algo. O problema obviamente não é “ter” paixões, mas ser vencido por elas. No paciente, nota-se que a paixão é o motor de seus atos porque ele deixa de fazer o que deveria fazer por alguma questão emocional. A rigor, ele é vencido por um sentido (interno ou externo, não importa). As paixões, portanto, não devem ser eliminadas, mas ordenadas. Dessa forma, a vontade, antes escravizada às paixões (a “criança mimada”, o “adolescente rebelde”), será libertada. Vejamos o que diz Tomás de Aquino a respeito:

Pois, estando todas as potências da alma radicadas na essência dela, necessariamente, quando uma [potência] exerce com veemência o seu ato, as outras [potências] sofrem remissão no seu ato, ou mesmo, são totalmente impedidas dele. E isto porque toda potência, capaz de muitos atos, torna-se remissa; onde e ao contrário, quando [uma potência] tende com veemência para um só objeto torna-se-lhe menos possível produzir outros. Ou porque, operações da alma exigem uma certa intensidade, e esta [operação], aplicada veementemente a um objeto, não pode atender a outro [objeto] com a mesma veemência. E deste modo, por uma como distração, quando o movimento do apetite sensitivo se fortifica, por uma determinada paixão, necessário é que sofra remissão ou fique totalmente impedido o movimento próprio à vontade, apetite racional. De outro modo, por parte do objeto da vontade, que é o bem apreendido pela razão. Pois o juízo e a apreensão da razão ficam impedidos pela veemente e desordenada apreensão da imaginação e pelo juízo da faculdade estimativa, com se vê claramente nos dementes. Ora, é manifesto, a apreensão da imaginação e o juízo da estimativa dependem da paixão do apetite sensitivo, assim como a apreciação do gosto depende da disposição da língua. Por isso notamos que os lesados por uma paixão não desviam facilmente a imaginação do objeto do seu afeto. Portanto e consequentemente, o juízo da razão quase sempre é consecutivo à paixão do apetite sensitivo; e, por conseguinte, também o movimento da vontade, que segue naturalmente o juízo da razão. (I-II q.77 a.1)

Muito característico do desordenamento das paixões é a maneira como o amor é encarado nos dias de hoje. Há dois modos, ambos equivocados: ou o amor é algo puramente subjetivo (“toda forma de amor é válida”), ou o amor é apenas um sentimento (ternura, meiguice, doçura). Em ambos os casos está ausente o amor humano, a saber, o amor sublime, ou seja, o amor ordenado capaz de fazer a pessoa superar os prazeres sensíveis. Somente quando as paixões começam a ordenar-se, ou seja, quando o paciente adquire certa liberdade, que ele será capaz de enxergar o valor das coisas à sua volta e se direcionar livremente a elas. O “amor sensível” não liberta ninguém, mas, ao contrário, é mero fruto da escravidão: ele é fruto da autoafirmação, que leva o paciente a concluir que tudo que ele sente é bom e verdadeiro porque “veio dele”. Impossível não detectar aí os males do subjetivismo e do voluntarismo. O amor, em vez de ser um sacrifício unitivo, é um caminho para o mal e o falso. O verdadeiro amor manifesta-se em reeducar a vontade mediante o sacrifício de prazeres sensíveis presentes em prol de um bem maior futuro.

3. A inteligência como centro da personalidade

Personalidade é a pessoa desprovida dos vícios que a impedem de afirmar-se pelo amor. Em outras palavras, uma vida dedicada ao cumprimento de vícios resiste ao florescimento da personalidade porque o amor humano permanece meramente germinal, como que atrofiado.

A inteligência é quem governa a personalidade. Enquanto a vontade, e não a inteligência, estiver no centro da personalidade não haverá autêntica personalidade. Isso porque somente com a inteligência somos capazes de ver o próximo como pessoa, e não como mero objeto do qual possamos nos servir e usar.

O primeiro passo para posicionar a inteligência no centro da personalidade é por meio do dever, pois ele é o lugar de ordenamento. Conforme ordenamos as paixões, torna-se possível estabelecer os deveres, os objetivos, da vida e a eles submeter a conduta, os sentimentos e os pensamentos.

4. Lidar com as dores

Quando por hábito possuímos um bem que queremos então atingimos a felicidade, que, evidentemente, não será a felicidade plena, mas a felicidade possível neste mundo. Um bem que esteja fora da reta ordem será, portanto, um vetor de desordem. A felicidade, conclui-se, é para os fortes, ou seja, para aqueles capazes de enfrentar a si mesmos para se ordenarem.

5. Desenvolvimento de virtudes

Segundo Tomás de Aquino, “A virtude torna bom quem a tem assim como as obras que pratica”. O desenvolvimento de virtudes é, portanto, o mesmo que melhoramento, aperfeiçoamento, aprimoramento. São 4 as virtudes cardeais:

a. Prudência. É o conhecimento das coisas que devemos buscar e evitar. Ela é o índice da maioridade moral, o índice da liberdade.

b. Justiça. É atribuir a cada um o que lhe pertence, o que implica reconhecer a alteridade, ou seja, o outro como um ser pessoal diferente do próprio ser pessoal.

c. Fortaleza. É a capacidade de enfrentar e suportar o sofrimento pelo amor ao bem; é a disposição de arriscar a própria vida para salvá-la, para salvar a honra, isto é, a dignidade humana, pela fidelidade aos próprios valores. É a firmeza para fazer o bem e suportar o mal.

d. Temperança. É moderar o amor a si mesmo. É tomar as necessidades desta vida como a medida do uso dos prazeres. É moderar o agradável, é não dispersar o apetite sensitivo na multiplicidade de objetos que podem atrai-lo. “Não há prazer onde só há prazer”, como dizia Chesterton.

Entre os vícios capitais estão a vanglória (gloriar-se de algo indigno, cujo remédio é a humildade), a avareza (apego a posses materiais, cujo remédio é a generosidade), a luxúria (obsessão pelo prazer sexual incapacitante para a intimidade, cujo remédio é a temperança), a ira (dificuldade em acolher cobranças ou correções, cujo remédio é a paciência), a gula (apetite desordenado por comida e bebida típico de fracos, preguiçosos e egoístas, cuja remédio é a temperança), a inveja (tristeza pelos bens alheios que inutiliza a pessoa para a comunhão social, cujo remédio é a compreensão ordenada) e a acídia (tristeza pelo bem interior, cujo remédio é a diligência).

Fonte: Rafael de Abreu, Introdução à psicoterapia tomista, Editora Domine, Osasco, SP, Brasil, 2023.