15 de julho de 2018

Razão e emoção na psicoterapia


Finalmente solucionei, pelo menos para meu gosto, o grande mistério do porquê tantos milhões de seres humanos não apenas se tornam emocionalmente transtornados, mas por que eles persistem em permanecer assim. O própria recurso da linguagem, que os torna essencialmente humanos -- a capacidade de falar aos outros e de falar a si mesmos -- também os capacita a abusar desse recurso ao falar asneiras a si mesmos: definir as coisas como terríveis e inaceitáveis quando, na pior das hipóteses, essas coisas são apenas muito inconvenientes ou perturbadoras.

Em especial sua capacidade de falar, de falar a si mesmas, e sua capacidade de filosofar permite às pessoas que esqueçam que suas necessidades de sobrevivência são físicas ou sensoriais -- tais como comidas, fluidos, abrigo e boa saúde. Suas capacidades linguísticas os permitem, de maneira ilegítima, a traduzir seus desejos psicológicos -- tais como amor, aprovação, sucesso, lazer -- em necessidades definicionais. Assim, uma vez que definam seus desejos ou preferências como necessidades, ou aceitem as definições de seus pais ou de outras pessoas, a habilidade autocomunicante dos seres humanos continuará a lhes brindar com a doce e meiga capacidade de continuar a definir suas ¨necessidades¨ de maneira distorcida, mesmo que não haja nenhuma evidência que respalde suas definições.

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Definir o que somos pelo que fazemos é o que chamo de salto ¨mágico¨ na terra do non-sequitur. E o que é pior: esse tipo de pensamento definicional praticamente arruina seus próprios fins. Pois o objetivo de chamar-se de ¨mau¨ quando você faz coisas más é ajudar a que você cometa menos atos desta natureza no presente e no futuro. Mas uma vez que você se defina como ¨mau¨ então você apenas e tão-somente fará ¨coisas más¨ e uma vez que você aja como se assim fosse então quase sempre desempenhará mais ações más.

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1. Muitas preferências e valores mais que questionáveis são incutidos pelos pais durante a tenra infância, tais como as preferências de completa abstinência sexual antes do casamento. Mas em geral estas preferências não são transtornantes até que sejam transformadas em um ¨tem que¨ absolutístico: ¨Eu tenho que ser perfeitamente abstinente em todos os momentos antes do casamento e nunca nem mesmo desejar sexo não-marital!¨

2. Os ¨tem que¨ absolutistas, incondicionais, são parcialmente incutidos pelos pais, mas de maneira altamente inconsistente e contraditória. Assim, quando seus pais lhe dizem ¨Você tem que ser sexualmente abstinente¨ ou ¨Você sempre tem que fazer a lição de casa¨ e você os desobedecer, o que realmente poderá lhe acontecer? Quase sempre, pouco ou nada. Eles gritam e esperneiam por alguns minutos, e acabou: eles voltam a serem amorosos e gentis com você! Então a mensagem que eles continuam a transmitir é: ¨É preferível, em nossa família e cultura, que você continue virgem, meu querido, e a gente nõ vai gostar se você deixar de ser, mas obviamente você pode fazer praticamente qualquer coisa que quiser em termos sexuais e nada terrível vai acontecer com você¨. Mas é quando você toma de maneira séria e literal esses ¨tem que¨ e os transforma em seus próprios comandos é que você tende a se transtornar com isso.

3. Portanto seus ¨tem que¨ em geral não são aprendidos, mas são inventados por você mesmo, fabricados a partir de valores (frequentemente aprendidos) ou preferências, e os transforma em comandos neuróticos, perfeccionistas.

Convenhamos, na maioria das vezes somos nós mesmos que nos autoneurotizamos.

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Praticamente todos os seres humanos têm a tendência inata de transformar suas fortes preferências em exigências e deveres absolutistas, dogmáticos.

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As pessoas transtornadas pensam irracionalmente -- e sentem e se comportam de maneira autodestrutiva -- porque possuem tendências inatas para agir assim, aprendem a agir assim a partir de seus pais e do ambiente cultural, e tendem a praticar e a se habituarem a agir assim desde a tenra idade. Elas muito facilmente acabam pensando de maneira disfuncional. Alguns dos principais processos de pensamento nos quais elas se inculcam -- e que inclusive se sobrepõem e se reforçam muturamente -- são: (1) Elas criam falsas generalizações. (2) Elas tiram conclusões irrealistas. (3) Elas lançam mão de non-sequiturs. (4) Eles encaram as afirmações definicionais e tautológicas como se fossem factuais. (5) Elas acreditam devotamente em conclusões teológicas infalsificáveis. (6) Elas persistem em inventar e sustentar conclusões autodestrutivas. (7) Elas tiram conclusões sobre seus transtornos que acabam produzindo outros transtornos secundários. (8) Elas criam conclusões desesperançosas. (9) Elas se convencem de que seus pensamentos e sentimentos tem existência ¨objetiva¨ e independente, ao invés de serem em sua grande maioria inventados por elas mesmas. (10) Elas desprezam ou rejeitam as relações entre suas crenças irracionais neuróticas e seus comportamentos.

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1. Os seres humanos desenvolvem pensamentos e processos conscientes e inconscientes, e criam seus sentimentos e comportamentos neuróticos com crenças irracionais conscientes e inconscientes. Contudo, em vez de esses pensamentos irracionais estarem ocultos ou reprimidos (como ensina a teoria psicanalítica), quase sempre se encontram imediatamente abaixo do nível da consciência (aquilo que Freud chamava de pensamento pré-consciente) e podem facilmente ser resgatados e revelados mediante uso da teoria REBT.

2. Embora antigos eventos e sentimentos traumáticos possam estar inconscientemente reprimidos, isso é bem mais raro do que se imagina; e mesmo assim os sentimentos transtornantes que acompanham tais memórias traumáticas não sobrevivem por causa desse condicionamento antigo. Na maioria das vezes, os traumas infantis e as filosofias neuróticas que originalmente os acompanham (e que frequentemente são inventados pelos indivíduos neurotizados) são mantidos vivos pelas próprias pessoas ¨traumatizadas¨. É em grande medida seu próprio comportamente retraumatizante (assim como as tentativas naturais de dar conta ao que aconteceu) que mantém vivas as antigas perturbações. Boa parte desta retraumatização pode estar inconsciente -- ou seja, acompanham as crenças básicas horrorizantes e autodestrutivas.

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Há algo importante que não posso deixar de dizer. Estou convencido, embora não de maneira dogmática, de que existem limitações biologicamente inerentes aos seres humanos que os impedem de pensar consistentemente e construtivamente sobre seus próprios comportamentos. A resistência a novas ideias é uma parte estatisticamente normal da vida humana.

Fonte: Albert Ellis, Reason and Emotion in Psychotherapy, Birch Lane Press, Nova York, NY, EUA, 1994. Trechos selecionados.