4 de outubro de 2022

A estupidez inteligente e outros insights estoicos


Em um ensaio entitulado "On Stupidity", Robert Musil distingue duas formas de estupidez (amathia), a chamada "honorável", já que decorre de uma simples incapacidade natural, e a chamada "inteligente", que seria muito mais sinistra e danosa.

A estupidez inteligente não é falta de inteligência, mas um fracasso da inteligência, ou seja, a inteligência se orgulha de certas realizações de que não tem direito. A estupudez inteligente não é uma doença mental, embora seja muito letal; uma doença perigosa que põe em perigo a própria vida. O perigo não esta na incapacidade para compreender, mas em negar-se a compreender, e nenhuma cura é possível por meio de argumentos racionais, por meio de acúmulo de dados e informações, ou por meio da experiêcia de sentimentos novos e diferentes. Em vez disso, a estupidez inteligente é uma doença espiritual e precisa de uma cura espiritual.

As pessoas que se caracterizam pela amathia não podem ser persuadidas simplesmente com argumentos racionais, pois compreendem o argumento, mas apresentam uma deficiêcia crucial em seu caráter, o qual, como demonstram os estoicos, se desenvolveu ao longo do tempo como uma combinação de instintos, influências ambientais (em especial a orientação da família) e a razão. Se algo vai mal nos primeiros estágios de desenvolvimento de uma pessoa, é difícil que a razão por si só consiga retificar a amathia resultante em um estágio mais avançado da vida.

Então, por que indignar-se com essas pessoas? Pelo contrário, por que não sentir pena delas, já que você quer sentir alguma coisa?

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Os psicólogos modernos, como Leon Festiger, descobriram um fenômeno pertinente conhecido como dissonância cognitiva. Em suma, a pessoa está consciente do conflito entre duas opiniões que acredita serem igualmente certas. Então, para reduzir a dissonância, se respalda em qualquer expicação que apresente o que acredita serem boas razões para chegar a uma opinião sensata. Quanto mais inteligete a pessoa, tanto melhor será a racionalização das fontes de suas disonâncias cognitivas.

Quanto a nós, recordar que as pessoas fazem coisas más por falta de sabedoria não é apenas uma recordação para que sejamos compassivoa com elas, mas também nos serve para que constantemente nos recordemos de como é importante que aumentemos nossa sabdoria.

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O objetivo do estoicismo não é suprimir ou ocultar as emoções, mas se trata de reconhecer nossas emoções, refletir sobre o que as provoca e redirecionà-las para nosso próprio bem.

A razão pricipal que me fez converter ao estoicismo é que esta filosofia é a que fala mais direta e convincentemente sobre a inevitabilidade da morte e como se preparar para ela, como morrer de maneira digna de tal forma que nos permita alcançar a tranquilidade mental e que sirva de consolo para os que ficam.

Para os estóicos, a vida é um projeto em desenvolvimento e a morte sua meta lógica e natural, não é nada especial em si mesma, não é nada de que devemos ter medo.

O estoicismo se origniou e desenvolveu em uma época de inestabilidade política; a vida das pessoas podia mudar radicalmente em um instante e a morte podia chegr a qualquer um a qualquer momento.

O estoicismo é a raiz filosófica de uma série de terapias psicológicas baseadas em estudos científicos, entre elas a logoterapia de Viktor Frankl e a terapia cognitivo-comportamental de Albert Ellis e Aaron Beck.

Embora o estoicismo tenha se definido desde o princípio como uma filosofia eminentemente prática, não seria uma "filosofia" se não se baseasse em algum tipo de marco teórico. Esse marco é a ideia de que para viver uma boa vida ("boa" no sentido de vida eudaimônica) se devem compreender duas coisas: a natureza do mundo (e, por extensão, nosso lugar nele) e a natureza do raciocínio humano (inclusive quando fracassa, o que é algo muito frequente).

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1. Examinar nossas impressões
Converta em uma prática o fato de dizer a cada impressão forte: "você é somente uma impressão, não a fonte da impressão". Isso está sob meu controle ou não? Se não é algo que você controle, então esteja preparado para reagir da seguinte forma: "isso não é da minha conta". A ideia não é que não devamos nos preocupar com as coisas que acontecem. Mas se realmente não há nada a fazer em relação a essa situação, então não deveríamos continuar nos "preocupando" com ela.

2. Lembre-se da fugacidade das coisas
Quando der um beijo na sua esposa ou filho, repita o seguinte: "estou beijando um mortal". Dessa maneira não ficará tão desconsolado quando lhes forem arrebatados. Trata-se de uma visão realmente profunda da condição humana, pois entre outras coisas nos aconselha a que cuidemos e apreciemos muito o que temos agora precisamente porque o destino pode tomá-las amanhã.

3. A cláusula da reserva
Sempre que planejar uma ação pratique mentalmente o que o plano implica.

4. Como posso usar a virtude aqui e agora?
Ao ser provocado pela visão de uma mulher atraente você descobrirá em seu interior o poder contrário do autocontrole. Ao enfrentar a dor você descobrira o poder da resistência. Quando lhe insultarem você descobrirá a paciência. Utilizemos portanto cada uma dessas ocasiões, desses desafios, como uma maneira de exercer a virtude, de nos convertermos em seres humanos melhores mediante sua aplicação constante.

5. Fazer uma pausa e respirar fundo
Lembre-se, não basta que lhe batam ou insultem para que você seja ferido, mas você tem de acreditar que vai ser ferido. Se alguém conseguir lhe provocar, observe que sua mente é cúmplice da provocação. Eis porque é essencial que não respondamos umpulsivamente às impressões que recaem sobre nós.

6. Alterizar
Quando morre a esposa ou filho de alguém todos dizem o mesmo: "Pois é, a morte faz parte da vida". Mas se for a morte de algum membro da nossa família então dizemos: "Que desgraça! Pobre de mim!" Seria melhor se lembrássemos como reagimos quando uma perda dessas acontece com alguém. Os acidentes, as feridas, as doenças e a morte são inevitáveis e, mesmo que seja compreensível que nos sintamos desconsolados ante tais eventos, podemos nos consolar sabendo que se trata da ordem normal das coisas. O universo não nos persegue, ou ao menos não persegue ninguém em particular.

7. Falar pouco e bem
Deixe que o silêncio seja seu objetivo na maioria das ocasiões. Diga somente o que for necssário e seja breve. Nas raras ocasiõe em que lhe pedirem para falar, fale, mas nunca sobre banalidades.

8. Escolha bem suas companhias
Evite fraternizar com não-filósofos. Mas se tiver que fazê-lo, tenha cuidado para não baixar a seu nível; porque, você sabe, se um companheiro estiver sujo, seus amgos não podem evitara que se sujem um pouco também a despeito do limpo que estavam em princípio.

9. Responder aos insultos com humor
Se souber que alguém está falando mal de ti, não tente defender-se dos rumores; em vez disso, diga: "sim, e ele não sabe nem a metade, pois poderia ter dito ainda mais". Responsa de maneira autodepreciativa. Assim nos sentiremos melhor e o difamador, envergonhado, ou pelo menos desarmado.

10. Não falar muito de nós mesmos
Nas suas conversas, não se alongue muito em suas conquistas ou aventuras. Só porque goste de contá-las não significa que os demais extraiam o mesmo prazer ao escutá-las.

11. Falar sem julgar
Se alguém toma banho com pressa, não diga que toma banho mal, mas que toma banho com pressa. Se alguém bebe muito vinho, não diga que bebe mal, mas muito. Enquanto não conhecer as razões pelas quais fazem essas coisas, como você pode concluir que suas ações são más? Fazendo assim você evitará perceber algo com clareza, mas que depois se expresse de maneira diferente.

12. Reflita sobre seu dia
Onde errei? O que fiz ou deixei de fazer? Revise suas ações e então, por seus atos infames, admoesta-se, pelos seus atos bons, alegre-se.

Fonte: Massimo Pigliucci, Como Ser un Estoico, Editorial Planeta, Barcelona, Espanha, 2018.