tag:blogger.com,1999:blog-124159822024-03-15T13:37:43.977+01:00A Vida IntelectualEdward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comBlogger318125tag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-74811682797048091362024-03-15T05:00:00.002+01:002024-03-15T13:37:12.349+01:00A tríade trágica<p></p><p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8rHwRhsCDwM_bSIlvq80jtkNONmk7p4dVBFMD9CJZilaN2RAEhP2uU8mRsl40dl5LwQc7MvojxHo8ZpOIYoOEv8F2kniJAfBe581YUJA2UkQzfcC0__IUQWYeGeSrdqjqLFivk6Cemsd-20WgO0xU_63Ua19cZYRpuHXIbnNFBGfD5jqEiTK6bg/s960/tragictriad.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="960" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8rHwRhsCDwM_bSIlvq80jtkNONmk7p4dVBFMD9CJZilaN2RAEhP2uU8mRsl40dl5LwQc7MvojxHo8ZpOIYoOEv8F2kniJAfBe581YUJA2UkQzfcC0__IUQWYeGeSrdqjqLFivk6Cemsd-20WgO0xU_63Ua19cZYRpuHXIbnNFBGfD5jqEiTK6bg/s320/tragictriad.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Todo ser humano passa pela <i><u>tríade
trágica</u></i>: <i>dor/sofrimento</i> (todo mundo vai sofrer), <i>culpa</i>
(todo mundo vai errar) e <i>morte</i> (todo mundo vai morrer). A única forma de
não passar por essa tríade seria não existir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Passo 1</span></i><span lang="PT-BR">.
Aceitar/admitir a tríade trágica com coragem. Portanto, a pergunta "por
que eu?" não faz sentido à luz da tríade trágica. O que faz sentido é
perguntar-se "por que agora?" ou, melhor ainda, "por que não
eu?"<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Passo 2</span></i><span lang="PT-BR">. Compreender
o trauma. Em outras palavras, buscar compreender o sofrimento mediante a
contextualização, entendendo como o sofrimento aconteceu. A ideia não é
encontrar uma "explicação" para o sofrimento, mas preparar para a
posterior conferência de novos significados às experiências traumáticas. O
sentido da vida continua a existir nas experiências traumáticas porque elas
fazem parte da vida. A ideia não é buscar um "porquê", mas um
"para quê". O homem que enfrenta o sofrimento e é capaz de
transformar o sofrimento em conquista é o que Frankl chama de <i>homo patiens</i>
e também de “homem superior”, por ser esta a maior capacidade humana. Alberto
Nery chama esta transformação de “alquimia do sentido”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Passo 3</span></i><span lang="PT-BR">.
Aprender a praticar o perdão. O perdão é uma escolha, mas pode ser aprendido e
exercido. Perdoar é uma noção de magnanimidade, ou seja, é colocar-se acima do
sofrimento. Mas note que a ideia é não apenas perdoar o próximo quando somos vítimas,
mas perdoar a si mesmo porque boa parte do nosso sofrimento tem a ver com
culpa. Quando nos culpamos nos colocamos como vítimas de nós mesmos. Lembre-se:
a culpa faz de você outra pessoa, portanto culpar-se prolongadamente é não apenas
prejudicial, mas irracional. A culpa é um privilégio que nos faz refletir, mas não
podemos nos deter na culpa. Para as pessoas religiosas, perdoar a Deus é
fundamental porque as experiências traumáticas podem fazer com que elas percam sua
fé.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Portanto, superar um trauma significa que
aquilo não vai doer mais, ou pelo menos não dói a ponto de lhe “ferir” novamente.
O trauma será lembrado como um pesadelo, como algo que durou pouco. É como uma
cicatriz que aponta para uma ferida que um dia doeu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">:
Alberto Nery, <i>A logoterapia e a superação de traumas emocionais</i>, <a href="https://www.youtube.com/watch?v=OsPcvdfRshQ" target="_blank">YouTube</a>,
2019.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-74891104886402999092024-03-14T16:48:00.001+01:002024-03-14T17:03:18.568+01:00A guerra invisível<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBBVak5W9SEl4GpfRXZs5pIJ8fxsZ2TYj95xsOVWrPfL93OL5KawuFlWTQAXz2TmU2t3CN3XlMvIUHme98MXb3lmAVCL4bwZtuWQXDBrFoM0WhDWIpiFK0lzua3BfBqEBpno6mYypsOChNBJClWD403DGdHF3cXylBHsjfKoFjm0dTytO-Yh7qGQ/s1280/medieval-warfare.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="1280" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBBVak5W9SEl4GpfRXZs5pIJ8fxsZ2TYj95xsOVWrPfL93OL5KawuFlWTQAXz2TmU2t3CN3XlMvIUHme98MXb3lmAVCL4bwZtuWQXDBrFoM0WhDWIpiFK0lzua3BfBqEBpno6mYypsOChNBJClWD403DGdHF3cXylBHsjfKoFjm0dTytO-Yh7qGQ/s320/medieval-warfare.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Vimos em inúmeras postagens neste blog que
todo aperfeiçoamento espiritual requer um processo fundamental sem o qual o
progresso que se obtenha neste campo não passará de ilusão ou coisa pior.
Trata-se da purificação do coração. Jesus Cristo deixou claríssimo, ao
contrário do que popularmente se acredita hoje em dia, que é do coração que <i>saem
os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, os furtos, a
avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba,
a loucura</i>. Isso é assim porque os homens, por amor-próprio, cultivam sua
imagem, sua grandeza, sua reputação, seu orgulho. Fazem deuses de si mesmos e
assim se autoiludem ao construírem uma torre de Babel em seus corações. Essa
torre, esse ídolo, é o <i>ego</i>. O ego ocupa o coração do homem e é ele quem
produz todo tipo de impureza e maldade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A purificação do coração é pré-requisito
para o progresso espiritual. Sem ele todo pretenso aprimoramento será apenas e
tão-somente mais um tijolo na torre do ego. Imerso em sua própria ilusão, o indivíduo
assegura que está progredindo espiritualmente quando, na verdade, está
progredindo na estrada da perdição.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">É neste contexto que a obra do padre
católico romano Lorenzo Scupoli foi traduzida e editada por São Nicodemos
Hagiorita e posteriormente revisada por São Teófano, o Recluso. Ambos
reconheceram o enorme valor e importância dessa obra para os cristãos
contemporâneos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A purificação do coração apresenta três caminhos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">a. <i>Caminho moral</i>: a disciplina da <i>vontade</i>
e do caráter para neutralizar as paixões ao mesmo tempo que enaltece as
virtudes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">b. <i>Caminho contemplativo</i>: a
disciplina do <i>intelecto</i>, pela qual o homem educa os sentidos, a memória
e a imaginação ao mesmo tempo que se educa para perceber Deus em todas as
coisas materiais e Sua ação na história. Um estágio mais avançado incluir
livrar a mente das imagens sensíveis (visão e imaginação) a fim de atingir a <i>gnosis
</i>e a <i>sophia</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">c. <i>Caminho noético</i>: a disciplina do <i>noûs</i>,
pela qual o homem, mediante <i>deprecações </i>(súplicas)<i>, orações, intercessões,
e ações de graças</i> (1 Timóteo 2:1), comunica-se com Deus para obter o
necessário para atingir a <i>hesychia</i>. Este estágio é o da oração pura, na
qual a imaginação e o intelecto cessam de intrometer-se na comunhão com Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Eis os destaques dos 53 pontos da guerra
invisível:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">1. Somos chamados à perfeição, e a maior e
mais perfeita aspiração dos homens é aproximar-se de Deus e viver em união com
Ele. No entanto, há nos homens vontades e desejos que clamam por satisfação e
que não obstante nada tem a ver com a vontade de Deus. É necessário, portanto, que
os homens lutem incessantemente contra si mesmos e contra tudo aquilo que
desencadeie e insufle suas vontades e desejos. O homem nunca será livre
enquanto for escravo de suas paixões. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Há 4 disposições fundamentais para essa
guerra:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">a. </span><i style="text-indent: -0.25in;">Sempre desconfie de você</i><u style="font-style: italic; text-indent: -0.25in;">
em tudo</u><i style="text-indent: -0.25in;">.</i></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">b. Cultive em seu coração a
confiança única e exclusiva em Deus.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">c. Lute sem cessar.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">d. Coloque-se constantemente em
estado de oração.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">2. Deus quer que tenhamos consciência e
experiência de nossa insignificância. Deus é a fonte suprema de toda boa ação e
bom pensamento. Há 4 atitudes a serem tomadas aqui:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">a. Conscientize-se de sua
insignificância. “O fundamento de toda virtude é a conscientização da fraqueza
humana”. (São Máximo, o Confessor)</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">b. Peça ajuda a Deus em orações
calorosas e humildes.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">c. Acostume-se a ser cauteloso e
temer seus inúmeros inimigos.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;"><span style="text-indent: -0.25in;">d. Se cair em alguma transgressão,
rapidamente volte-se à conscientização de sua fraqueza. Deus permite nossas
transgressões para que nos tornemos cônscios de nossa fraqueza. Note, no
entanto, que nem sempre Deus usa este subterfúgio, mas apenas quando as
atitudes a, b e c acima não são seguidas e/ou não surtem efeito. Deus também
faz uso, nestes casos, de “má sorte”, doenças, tribulações perigos,
necessidades.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">3. Não devemos simplesmente desconfiar de
nós mesmos e nos desesperar. Não, devemos desconfiar de nós mesmos e confiar em
Deus. É Ele quem sabe o que é realmente bom para nós. A vitória (salvação) lhe
será concedida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">4. O critério que distingue o homem
autoconfiante do homem que confia em Deus é que aquele, quando cai, se lamenta
profundamente e prepara planos para superar a queda e, no futuro, ser
bem-sucedido, enquanto este, quando cai, se lamenta moderadamente e conscientiza-se
da sua falta de confiança em Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">5. O homem que se lamenta profundamente é
aquele que se orgulha profundamente, que tem uma opinião muito elevada de si
mesmo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">6. Na guerra invisível somos todos
perdedores, sem exceção. Os únicos que vencem são aqueles que lutam confiando
em Deus. Toda vitória é dEle, não sua.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">7. A mente tem de se livrar da ignorância
da seguinte forma: (a) Implorar em oração para que o Espírito derrame Sua luz
divina em nossos corações, (b) procurar sabedoria nos escritos dos homens
santos e entender que a vitória não vem das vitorias no mundo, mas das vitorias
espirituais. Na calúnia e na difamação está a verdadeira glória, no perdoar os
inimigos e fazer-lhes o bem está a verdadeira magnanimidade, no desprezo pelo
mundo está a verdadeira força e poder, na obediência voluntaria está a
verdadeira coragem e força de espírito, na superação de suas más tendências
está o verdadeiro louvor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">8. Não julgue as coisas de maneira
imediata, apenas pelas aparências. É necessário certo desapego, certa
distância, para em seguida julgar as coisas e situações com a mente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">9. O cultivo da mente implica em não se
contentar com a ignorância, mas, por outro lado, também em não a afogar com
conhecimento excessivo, ou seja, com meras curiosidades. O orgulho da vontade é
visível à mente, que pode esforçar-se em corrigi-lo. Mas o orgulho da mente
será visto de que forma? Quem poderá curá-lo? Eis que a mente tem certa
proeminência em relação à vontade, e eis que o orgulho da mente é pior que o
orgulho da vontade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">10. E como fazer a vontade de Deus e não a
sua? (a) Somente com um coração puro é possível discernir quando estamos
fazendo a vontade de Deus ou quando, sub-repticiamente, estamos fazendo nossa
própria vontade, (b) se você é incapaz, ou sente-se inseguro, de perceber se
Deus está movendo as coisas externamente, mas sobretudo internamente, mantenha
pelo menos a disposição de tentar perceber Sua vontade e confie nos mais
experientes, (c) o homem que faz a vontade de Deus nunca “prefere” uma coisa em
relação a outra porque preferir é obviamente introduzir sua vontade na
atividade, (d) o homem deve antes buscar agradar a Deus do que escapar do
inferno ou ganhar o céu (é melhor dar um pouco de dinheiro a um mendigo para
agradar a Deus do que doar uma fortuna para ganhar o céu).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">11. Deus mantém os homens vivos a cada
momento, a cada instante, todo o tempo. Ele os criou do nada. Honrar Sua
grandeza e majestade é uma conclusão óbvia a que todos deveríamos chegar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">12. Há duas vontades no homem: a vontade
inteligente superior e a vontade sensorial inferior. O livre arbítrio
fundamentalmente inclina-se para uma ou outra, e um dos objetivos supremos da
guerra invisível é precisamente não se inclinar pelos ditames da vontade
inferior carnal, impetuosa e “apaixonada”. Uma vez que o livre arbítrio se
enrede nos ditames da vontade carnal, aí permanecerá como um cabresto mantém um
burro de carga sob controle. Para livrar-se dessa vontade inferior dos desejos,
a ajuda da graça de Deus é imprescindível. O cristão, que é chamado não apenas
para aprimorar-se, mas para aperfeiçoar-se, deve forçar-se a negar esses
desejos de maneira total. Isso significa não apenas abandonar os desejos mais
enraizados e escravizantes, mas os menores também. O cristão tem de aprender a
amar a guerra invisível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">13. Passo a passo para superar os desejos
(as paixões da vontade inferior): (a) assim que notar seu surgimento, force-se
imediatamente em não as atender, (b) crie um sentimento de raiva contra eles,
(c) peça ajuda e força a Cristo, (d) se possível, faça o contrário do que
sugere a paixão, (e) cultive uma resolução interior que torne impossível
inclinar-se a tais tendências impetuosas como, por exemplo, considerar-se
genuinamente digno de todo insulto e assim acolhê-los com alegria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">14. A luta contra as paixões será
obviamente reforçada pela oposição do inimigo, que vai tentar te convencer de
que a luta é inglória e que a rendição é inevitável. Mas isso é absolutamente
falso: “Deus concedeu a nosso arbítrio um poder tão grande que mesmo que todas
as faculdades humanas, o mundo inteiro e todos os demônios se unam contra a
vontade, não a subjugarão”. Isso significa que não há desculpa, por mais
“plausível” que seja, que justifique inclinar-se a nenhum impulso de nenhuma
paixão. No entanto, entenda que você é apenas um homem, ou seja, você
isoladamente é incapaz de vencer essas batalhas. É necessário reunir em ti a
convicção de sua impotência humana para, a partir daí, pedir em oração a ajuda
de Deus. Persevere, e a ajuda virá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">15. Para uma guerra rápida e vitoriosa,
você deve centrar-se em todas as suas paixões, mas especialmente no
amor-próprio, caracterizado pela autoindulgência e pela autopiedade. No
entanto, não esqueça que o inimigo está nas mãos de Deus, ou seja, a vitória
será retrasada pelo simples motivo de que Deus quer que você lute com todas as
suas forças até o fim. Tenha isso claro: não há homem que esteja livre dessa
guerra, “seja em vida, seja na morte”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">16. Ao acordar de manhã reze a Oração de
Jesus por alguns momentos e ponha-se imediatamente em guarda, sabendo que à sua
esquerda está seu inimigo e à sua direita está seu Comandante, o próprio
Cristo, e Sua mãe, a Santíssima Virgem, e seus santos e anjos. O inimigo
imediatamente ventilará em sua alma impulsos para a autoindulgência e lhe
“garantirá” que ceder será melhor e menos custoso. Neste instante invoque a
ajuda do Alto e, mesmo que lhe cause dor [combater o ego], insista na labuta
espiritual. A vitória, isto é, a coroa que receberá nesta e na próxima vida,
virá mediante incessantes batalhas. Retome o que ensinamos no passo 13.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">17. Ataque primeiro aquilo que mais lhe
perturba, ou seja, o maior obstáculo a seu progresso espiritual. A única
exceção é quando algo repentinamente surge no transcurso do dia. Neste caso,
ataque estes eventos insurgentes primeiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">18. Alguns passos para prevenir os ataques
súbitos: (a) toda manhã antecipe mentalmente as ocasiões favoráveis e
desfavoráveis aos impulsos e irritações, (b) se o impulso surge, procure
“descer” imediatamente a seu coração e isole o impulso, (c) se não lograr
êxito, não expresse o impulso ou irritação nem por palavras, olhares ou gestos,
(d) eleve-se a Deus e procure substituir o mal impulso por um bom impulso, (e)
e o mais importante: elimine as causas dos impulsos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">“No trato com as pessoas, você será
auxiliado lembrando-se de que elas também são criaturas de Deus, moldadas,
assim como você, à imagem e semelhança de Deus e pelas mãos todo-poderosas do
Deus vivo; que elas estão redimidas e regeneradas pelo precioso sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo; que elas também são seus irmãos e membros da mesma
humanidade, as quais é errado odiá-las nem mesmo em pensamento. [...] Lembre-se
especialmente de que, mesmo que supostamente elas sejam dignas de desprezo e
hostilidade, se conceder-lhes suas amizade e amor, você estará assemelhando-se
a Deus, que ama todas as Suas criaturas e não despreza a nenhuma delas”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">19. Quanto às paixões sexuais: (a) Evite
contato com o sexo oposto para combater paixões luxuriosas, (b) preste atenção
à ociosidade e à preguiça, observando de perto seus pensamentos, (c) nunca desobedeça
a seus mestres e pais espirituais, (d) nunca julgue seu irmão quando cair, mas
tome seu exemplo com humildade, (e) não se imagine superior e imune aos ataques
do inimigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">20. A negligência se forma quando formamos
o hábito de só fazermos o que gostamos. Fazer o que se gosta leva, em última
instância, à paralisia, à inação, à preguiça. Você tem de entender que fazer
uma única vontade de Deus, uma simples genuflexão a Seu favor, vale
infinitamente mais do que todos os tesouros da terra. Combata a negligência
tendo a ciência de que o que quer que faça você enfrentará não muitos, mas
apenas um e o mesmo inimigo, e que ele, por mais forte que você que seja, será
derrotado porque você confia na ajuda de Deus, que é infinitamente superior a
seu inimigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">21. Evite direcionar seus sentidos externos
a esmo, em busca de prazer e satisfação de seus gostos. Uma técnica para não se
deixar contaminar pelos sentidos é treinar seu olhar a estar convicto de que,
por trás de tudo o que se vê, ouve, cheira, sente etc. está o próprio Deus, que
dá ao que quer que seja sua beleza, bondade, verdade, perfeição. É o conteúdo
interior das coisas que deve impressioná-lo, não seu aspecto aparente.
Lembre-se, você é uma criatura inteligente, não um animal. Encontre nas
criaturas seu Criador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">22. Aproveite para ascender a Cristo e Sua
história na terra quando ouvir, ver ou sentir coisas que O evoquem. Por
exemplo, rochas, mar, pedras, espinhos, martelos, o amor entre Suas criaturas,
sol, água, vinho, vestes, murmúrios, dor, aflição, luto etc. etc. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">23. Similarmente, a beleza das coisas, o
sol, os céus, o cantar dos pássaros, a beleza das pessoas: tudo aponta para o
Criador e, mais ainda, tudo isso é palha ante a beleza e o esplendor do Reino
de Deus. Evidentemente, estes métodos não precisam ser usados sempre, mas
quando necessário. A ideia é que você saiba reunir sua mente e seu coração no
Senhor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">24. A <i>virilidade da alma</i> é enfraquecida
ao entregar-se a paixões, belezas, texturas, sons prazerosos etc. Guarde seus
sentidos para fortalecer sua alma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">25. Acima de tudo, guarde sua língua. O que
move a língua é o coração. Os sentimentos que buscam expressar-se em palavras
são em sua maioria egóicos porque expressam a lisonja de nosso amor-próprio e
nos apresentam, imaginamos, sob a melhor luz. Na maioria dos casos, a
loquacidade é sinônimo de conversa vazia. Da conversa vazia vêm as críticas, as
calúnias, as fofocas, as sementes da discórdia, a vaidade, o falar com
superioridade, o autoelogio disfarçado etc. O silêncio é um dos maiores aliados
na guerra invisível. O hábito do silêncio se adquire praticando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">26. Sobre a <i>imaginação</i>.<i> </i>Os
objetos sensíveis e os sentidos externos são com carimbos, e a imaginação a
marca do carimbo. Mas dado que a imaginação é uma força desprovida de razão e
age de maneira puramente mecânica, obedecendo as leis de associação de imagens,
enquanto a vida espiritual é a imagem da pura liberdade, concluímos que a
atividade da imaginação é incompatível com a vida espiritual. A imaginação é um
poder da alma que, por sua própria natureza, é incapaz de adentrar no âmbito da
união com Deus. Os Santos Padres ensinam que a imaginação é como uma ponte da
qual os demônios se aproveitam para atingir a alma, mesclando-se a ela.
Filósofos e pensadores a usam para especular sobre as coisas do Alto, as quais
são inacessíveis à imaginação e à fantasia, mas sem antes purificar sua mente
das paixões e imagens ilusórias do mundo sensível. O resultado é que ensinam
mentiras e não encontram a verdade. Esforce-se em limpar a imaginação de
impressões externas mediante a oração e o recolhimento. Quando estiver cansado,
desfrute da liberdade em reflexões divinas e contemplações, mas somente aquelas
contidas das Escrituras e naquilo que as criaturas de Deus inspirarem; elas são
imateriais e, portanto, afins à mente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">27. O cristão deve evitar que os percalços
da vida agitem o coração: medos, sofrimentos, tristezas e alegrias repentinas,
doenças, ferimentos, mortes de parentes, guerras, incêndios, memórias de
pecados e transgressões passadas etc. A ideia é entender que, no que quer que
lhe acometa ao cristão, ele tem de inserir esse acontecimento em sua vida
espiritual e confiar na Providência. Se algo de bom e positivo lhe acontece,
eis uma oportunidade para arrepender-se. Se algo de mal e negativo, eis uma
oportunidade para cogitar se são meus pecados que estão me conduzindo a tal
situação ou, ainda, Deus está me provando. Não importa o que aconteça ao
coração, o homem tem a virtude e a capacidade de suportar o sofrimento e
reestabelecer a paz em si mesmo contanto que se submeta a Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">28. Se acontecer de você cometer alguma
falta pequena, como falar algo grosseiro, perder a calma, um desejo ardente se
acender, um pensamento inadequado se formar etc., não se condene ou se julgue.
Tal condenação ou julgamento vem, ao contrário do que inicialmente poderíamos
supor, de nosso orgulho, de nosso ego. Todos os pecados já foram rasgados na
cruz de Jesus Cristo. Estão já perdoados. Portanto, para que desça a graça é
necessário fundir o sentimento de culpa com o sentimento de perdão em um só
sentimento, aliado à firme decisão de não mais voltar a incorrer nesse pecado.
O inimigo vai tentar convencê-lo de que esse exercício de arrependimento pode
esperar só mais um pouquinho e, de pouquinho em pouquinho, a visão do pecado
torna-se cada vez mais turva até que, com o tempo, o pecado faça parte de seus
hábitos e se normalize.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">29. O inimigo não tem uma única tática para
combater o homem. Ele adota diferentes táticas a depender da situação de cada
ser humano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">30. Uma tática muito comum do inimigo é
manter o homem em pecado ao dissuadi-lo dos pensamentos que poderiam trazer-lhe
à consciência sua vida perniciosa e, agindo assim, lhe aprofunda mais no
pecado. No lugar dos pensamentos saudáveis, o inimigo implanta pensamentos insanos.
Quanto mais cego, mais insana se tornará a pessoa e, assim, mais perdida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">31. No entanto, àqueles que de alguma forma
atingiram a consciência de sua vida insana o inimigo insufla pensamentos de
procrastinação (“depois”, “mais tarde” etc.). Lembre-se: o que está nas suas
mãos é o hoje, o agora, o neste momento. O amanhã pertence a Deus. Tome a firme
decisão de mudar <i>agora</i>, de emendar-se <i>agora</i>. O amanhã poderá
distrai-lo mais e a resolução e visão que agora tem poderá perder-se. De novo,
a hora é <i>agora</i>. Somente a prática vai fortalecer a visão que tem e a
decisão que deve tomar. Adiá-la necessariamente irá enfraquecê-la. Isso vale
também para quem leva uma vida decente: a oportunidade de fazer o bem não deve
ser deixada escapar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">32. Outra tática do inimigo é “limpar o
terreno”, ou seja, é sugerir ao cristão que tem avançado na vida espiritual que
ele não precisa de conselhos de fora, de conhecimentos daqueles mais
experientes como santos, <i>staretzi</i> (anciãos), homens sábios etc. A ajuda
externa seria desnecessária. O novato se entrega a seus próprios conhecimentos
e tentativas pessoais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">33. O inimigo também adota a tática de
enviar pedras de tropeço e ciladas para que o cristão tropece.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">34. Mais uma tática do inimigo é
lisonjeá-lo, é sugerir que você está no caminho certo, que você atingiu um
grande patamar espiritual etc. Por mais que seja verdade, ou seja, por mais que
você tenha realmente crescido espiritualmente, orgulhar-se disso jogará por
terra todo seu progresso. A chave para evitar essa sugestão diabólica é fortalecer
a convicção de que você é <i>nada</i>. Suas disposições, sua existência, as
leis que regem seu corpo, sua alma, sua essência, as pessoas que cuidaram de
você, as pessoas cuja união possibilitaram sua existência, enfim, tudo o que há
de bom em você tem sua raiz em Deus, no Logos, no Criador. Medite bem e conclua
que orgulhar-se de suas conquistas é um ato profundamente falso, profundamente
egoísta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">35. Algumas armas a serem usados pelos
cristãos na guerra invisível: (a) atacar a paixão que mais lhe prejudica, a que
mais lhe causa derrotas, (b) nunca parar, ou seja, nunca abandonar a guerra
contra a paixão quando atingir algumas vitorias; a guerra nesta vida termina no
fim desta vida, (c) seja sábio e sensato ao atribuir práticas espirituais como
jejuns, orações, trabalhos físicos etc.; faça algo que seja desafiador, mas, ao
mesmo tempo, que não lhe castigue amargamente, (d) ataque a paixão no momento
exato em que surge; o momento da batalha é <i>agora</i>, esqueça o passado e o
futuro, a batalha é <i>agora</i>, (e) transforme-se em um inimigo do conforto,
do prazer, da autoindulgência, (f) comece sua batalha fazendo uma confissão
geral; trata-se não apenas de algo conveniente, mas necessário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">36. Quanto à prática das virtudes,
concentre-se em adquirir uma e, com o tempo, outra, e assim por diante; não
procure adquirir todas, ou mesmo algumas, de uma vez, mas lembre-se que, uma
vez conquistada uma, a seguinte será mais fácil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">37. Atingir uma virtude significa que ao
executá-la emprega-se o mesmo esforço e a mesma prontidão que empregava quando
você não a executava. Em outras palavras, é como se a virtude passasse a fazer
parte de sua natureza, de sua essência. Portanto, de manhã procure prever os
momentos em que enfrentará dificuldades ao executá-la e, à noite, relembre os
momentos em que foi incapaz de executá-la. Prepara-se antes e revise depois,
eis uma estratégia inteligente. E não se esqueça, evidentemente, de pedir ajuda
do Alto, sem a qual nada será conquistado: Deus se regozija quando alcançamos
uma virtude e, ao mesmo tempo, quando o fazemos pelo simples objetivo de
agradá-Lo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">38. O trajeto para a conquista das virtudes
apresenta um aspecto diretamente proporcional ao trajeto que percorremos
fisicamente. Quanto mais caminhamos, mais nos cansamos. No caminho das
virtudes, no entanto, quanto mais avançamos, mais fortes nos tornamos. Isso
acontece porque estar forte no mundo espiritual significa ao mesmo tempo estar
fraco no mundo sensível. Ademais, a ajuda do Alto deposita-se na parte superior
da alma, enquanto a parte inferior, carnal, não recebe nenhuma ajuda.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">39. Por isso, uma vez mais, reforçamos a
importância de escapar dos prazeres carnais e da luxúria em geral.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">40. (a) Quando uma ocasião favorável se
apresentar, <i>sempre</i> pratique a virtude. Mesmo em situações menores,
praticá-la lhe dará forças quando as situações mais importantes se
apresentarem. Não zombe das oportunidades que Deus lhe dá em resposta às suas
próprias orações. (b) Lembre-se que, apesar de Deus não desejar seu pecado e
das demais pessoas, mesmo eles são permitidos por Ele para nossa admoestação e
humildade; aceitemos esse cálice como vindo das próprias mãos de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">41. e 42. (a) O sinal de que estamos
praticando a virtude é que a exercemos mesmo em momentos de esfriamento e obscurecimento
da alma. (b) Quanto mais fracos forem os impulsos carnais, mais isso quer dizer
que progredimos nas virtudes. (c) Quanto mais fácil for o arranque para a
prática de uma virtude, tanto mais isso significa que fizemos um bom progresso.
(d) Se a mente ascende facilmente a bons pensamentos com pouco ou nenhum
esforço, eis outro sinal de progresso espiritual. (e) Idem para a oração, que
cumpre-se sem perambular em pensamentos e conjecturas. (f) Quando lágrimas
fluírem naturalmente durante um pensamento ou memória, isso também denota
progresso espiritual. (g) Quando pensamentos elevados descem ao coração e ali
permanecem por tempo prolongado, eis outro sinal de progresso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">43. Querer-se livrar de uma aflição é
dar-lhe mais importância do que realmente tem. As aflições têm de ser
suportadas com paciência, com confiança em Deus, com humildade. Elas durarão o
tempo que tiverem de durar. Querer livrar-se delas é uma questão de orgulho, de
petulância.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">44. Quando fazemos algum progresso, o
inimigo o tentará fazendo-lhe acreditar que está próximo da perfeição e, assim,
que você deveria exercer ainda mais esforço físico e mental para atingi-la.
Isso acabará lhe atirando no abismo. As mortificações são em geral uma tentação
e uma perdição para os homens. Busque fazer aquilo que é proporcional às suas
condições morais. Não imite os santos externamente, mas os imite nas
disposições da alma e do espírito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">45. O amor-próprio engendra o vício do
julgamento alheio. O problema é que o julgamento alheio não apenas se funda no
orgulho, mas o alimenta, que retroativamente alimenta o julgamento alheio. O
inimigo se aproveita desse fenômeno e abre nossos olhos. Sim, ele <i>abre</i>
nossos olhos, mas não àquilo que fazemos e dizemos, mas àquilo que <i>os outros</i>
fazem e dizem. Prestamos especial atenção aos gestos, palavras, posturas e ações
alheias com o objetivo de encontrar defeitos e, assim, julgar e condenar o próximo.
Para superar esse vício, (1) repila o pensamento de julgamento imediatamente, lembrando-se
das boas qualidades do próximo, (2) lembre-se de seus próprio defeitos e falhas
(“cura-te a ti mesmo” (Lucas 4:23), “tira primeiro a trave do teu olho” (Mateus
7:5)), (3) lembre-se que quando julgamos severamente alguém isso significa que
uma pequena raiz da mesma maldade existe no seu coração, e que é essa mesma
raiz no coração que permite que você faça suposições sobre os outros e os
condene.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">46. O que é necessário para que a oração
surta seu pleno poder? (1) Manter sempre vivo a intenção de servir a Deus em
tudo o que fizer. (2) Manter viva a fé de que Deus quer conceder-lhe tudo o que
é necessário para servi-Lo corretamente. (3) Manter viva a intenção de fazer a
vontade de Deus, e não reduzir a vontade de Deus à sua vontade. Nossa vontade
está sempre contaminada em maior ou menor grau com o amor-próprio, o que a
torna suspeita. Se genuinamente não souber qual é a vontade de Deus, peça para
Ele lhe esclareça. E não se esqueça que as virtudes são agradáveis a Deus, mas
elas devem ser exercidas com o intuito de agradá-Lo e servi-Lo, e não motivos
espúrios quaisquer. (4) A oração por virtudes tem de ser feita concomitantemente
com esforços genuínos de sua parte para exercê-las, sob pena de tentar a Deus.
Rezar de maneira negligente, ou pedir a um santo que lhe ajude sem que você
mesmo “se ajude”, é hipocrisia. (5) Combinar na oração os 4 elementos básicos ensinados
por São Basílio, o Grande: (a) glorifique a Deus, (b) dê graças a Ele pelas bênçãos
e misericórdias que lhe concede, (c) confesse suas faltas e transgressões, (d)
peça-Lhe o que necessita, especialmente do que necessita para sua salvação. (6)
Mantenha viva a confiança da generosidade imensurável de Deus, mas também em
Jesus Cristo. E não se esqueça de pedir ajuda à Mãe de Deus, aos anjos, santos,
pastores, mestres, ao anjo da guarda, ao seu santo padroeiro etc. (7) Rezar com
incansável entusiasmo e diligência, ou seja, não esperar que o que pede venha
em curto prazo. Mantenha viva em seu coração a fé em Sua ajuda. Mesmo que não receba
o que pediu, não procure entender o porquê, mas entenda que poderá receber algo
diferente do que pediu ou, mesmo que não receba absolutamente nada, lembre-se
de sua própria indignidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">47. Quanto à oração mental, ou oração
interior, trata-se da oração feita com a mante (<i>noûs</i>) em silêncio no
coração. É como reunir, ou efetivamente “recordar”, a oração no coração. A
ideia é que o coração sinta (“<i>se afete</i>”) por aquilo que é rezado. Há
ainda a oração perfeita, que é a oração rezada pelo Espírito Santo no coração
do fiel cristão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">48. Rezar com o livro de orações é não apenas
útil, mas necessário. No entanto, é comum que a mente divague enquanto rezemos.
A oração torna-se algo mecânico, frio. A ideia é combinar mente e coração em uma
e mesma direção. Para isso: (1) Reflita ao longo do dia sobre a oração, mas não
no momento da própria oração. Relembre sua importância, seu objetivo, seu
mérito, seu propósito. Dessa forma, no momento de rezar, será mais fácil que a
mente se concentre na oração e o coração responda afetivamente a ela. (2) Decore
a oração para que a mente mais facilmente possa se concentrar-se nela, e não se
lembrar dela. (3) Não se entregue à leitura das orações sem antes se preparar
para ela. A mente tem de estar calma, livre de preocupações, aflições, perigos
etc. (4) Lembre-se que orar significa colocar-se diante de Deus. (5) Leia as orações
com atenção, com a mente no coração. Se a mente divagar, volte a leitura ao
ponto onde a mente começou a divagar. (6) Se durante a oração surgir de repente
algum tema que lhe chame a atenção e sobre o qual necessita orar, pare a
leitura de orações e reze sobre o tema que lhe surgiu até que se encontre
satisfeito. (7) Quando tenha terminado suas orações, não pense que a mente pode
livremente divagar no resto do dia e esquecer-se do Alto. Lembre-se que a mente
sempre tem de preservar um “estado de oração” e não se esqueça que Deus está
sempre presente em todos os lugares. (8) A oração tem de ser feita completa e
sem interrupções, diariamente. Se um dia você reza bem e no outro não, e essa
oscilação se torna um hábito, nunca a oração se estabelecerá e seus frutos não serão
colhidos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">49. A vida de oração deve começar pela
memorização das orações do livro de orações. Quando se enxertarem, então aprenderemos
a rezar de maneira pessoal, ou seja, o coração aprenderá a rezar adequadamente.
Não tente rezar por sua própria conta sem que o coração sinta um impulso e uma
necessidade reais. Por regra geral, as orações espontâneas são egoístas, orgulhosas,
petulantes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">50. Escolha uma oração curta para ser
rezada ao longo do dia e habituar sua mente e seu coração a rezá-la. Recitar
uma oração curta é o ideal, mas de qualquer forma o objetivo aqui é manter a
atenção viva na lembrança de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">51. A Oração de Jesus deve ser rezada não apenas
com palavras, mas com a mente e o coração. Seu conteúdo tem de ser sentido,
repercutido, no coração. Com o tempo e muita prática, as palavras desaparecem e
apenas o movimento da mente (noûs) e do coração permanecem. (1) Reserve em sua
regra de oração um tempo para a Oração de Jesus. (2) Aumente a quantidade de
orações na medida em que desfrutar dela. (3) Não a recite de maneira
atabalhoada, mas com atenção, lembrando sempre que o coração tem de repercutir
seu conteúdo. (4) Insira a oração nos intervalos de seu dia, sempre que possível.
(5) Acrescente uma reverência a cada recitação. Essa prática fortalece o poder
da oração e seus frutos. (6) Leia a Philokalia, especialmente São Simeão, o
Novo Teólogo, São Gregório do Sinai, São Nicéforo, São Calixto e Santo Ignácio.
(7) Ao rezá-la concentre-se na parte no coração físico, ou seja, na porção logo
acima do mamilo esquerdo. Se uma sensação dolorida surgir, mova a atenção para
a parte superior do peito. (8) Tenha um pai espiritual experiente. Não aceite
as insinuações do inimigo de que você alcançou a oração mental. (9) Não estabeleça
uma meta temporal para alcançar esta oração. Isso levará muito, muito tempo. Não
tente controlar o progresso, ele não está sob seu alcance.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">52. Mais orientações para rezar. (1) Coma,
durma e descanse com moderação. Não se entregue a comidas e bebidas de acordo
com os impulsos e desejos imediatos. <i>Não dê trégua à carne</i>. (2) Reduza o
contato com o mundo exterior o mais que possível. Quando a oração se
estabelecer, você saberá o que pode ser acrescentado em termos de contato exterior.
(3) Leia livros espirituais e adequados à sua condição. Vá a igreja quando
puder porque simplesmente estar ali já sugere um clima de oração. (4) O
progresso na vida espiritual exige progresso na vida cristã. Purifique-se mediante
a confissão regular. (5) Não omita nenhum tipo de oração, sejam as orações do
livro de orações, sejam as orações livres, sejam os breves apelos a Deus, seja
a Oração de Jesus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">53. A oração é uma arma invencível na guerra
invisível apenas quando tiver se estabelecido incessantemente no coração. Neste
ponto, o coração torna-se impenetrável pelo inimigo. No entanto, até que isso
aconteça, a oração mesmo assim não apenas é valiosa, como é a arma mais
importante na guerra invisível. Assim que uma imagem se formar na alma, seja de
alguém que lhe fez mal, ou de alguma mulher bonita, ou de bens, roupas, o que
seja, resista recorrendo à oração e, em geral, à Oração de Jesus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">: Lorenzo
Scupoli, editado por São Nicodemos, o Hagiorita, e revisado por São Teófano, o
Recluso, <i>Unseen Warfare</i>, St. Vladimir’s Seminary Press, Crestwood, NY,
EUA, 1997.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-13666867403045332312024-02-23T15:03:00.005+01:002024-02-23T19:02:47.427+01:00O papel dos logoi nas artes sacras<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCGil2lae5uo3fh6mRp-w6YM48nsj815WQg8psm1z20NNbV48tWBVUN2rk50ZBK7ZD3C4djAdrbmgfDkj8Lguk6nYkRLvD7jt8HClNhB_ve8nFDvo5gDUdrOH8NYkhZWoGX_t4en2nJGX-MTW7Kf6GSMhrYrJZESlo9GqHP-Qrq8LI212fiXph2Q/s705/sherrard.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="705" data-original-width="606" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCGil2lae5uo3fh6mRp-w6YM48nsj815WQg8psm1z20NNbV48tWBVUN2rk50ZBK7ZD3C4djAdrbmgfDkj8Lguk6nYkRLvD7jt8HClNhB_ve8nFDvo5gDUdrOH8NYkhZWoGX_t4en2nJGX-MTW7Kf6GSMhrYrJZESlo9GqHP-Qrq8LI212fiXph2Q/s320/sherrard.JPG" width="275" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O principal objetivo da obra de Philip Sherrard
foi opor-se ao dualismo metafísico, cosmológico e antropológico. Este
tipo de dualismo acabou se automatizando em uma espécie de "estado de espírito geral", e está, segundo Sherrard, na base do fracasso espiritual do mundo moderno. Não sendo uma mera “opção
filosófica”, o pensamento dualista funciona como uma patologia da
(auto)percepção do mundo. Ele molda a forma como olhamos aos
nossos semelhantes, e ao mundo material que nos rodeia, e os tornam recursos a
serem explorados a fim de satisfazerem nossas necessidades egoístas. Na raiz da
crise do mundo moderno encontra-se um erro no olhar epistêmico do mundo: a ilusão de
adquirir conhecimento sem referência ao fundamento metafísico das próprias
coisas que contemplamos, que é a única instância que pode realmente investir
essas coisas com realidade e, em última instância, com sentido.
Assim, um objeto físico não pode por si só legitimar sua existência e seu sentido: não pode haver nenhuma física separada da metafísica, e, sem seu
fundamento metafísico (<i>das Ding an Sich</i>), toda a física é uma ilusão
epistêmica e ontológica. O homem não pode por si só conferir realidade às
coisas exteriores; eis o dilema do evolucionismo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O conhecimento da natureza é também uma
ilusão, que passou a ser dogmatizada pela ciência moderna com o seu imperativo
de renunciar a qualquer teoria metafísica; esta renúncia não pode basear-se
senão numa mentira, pois a própria existência humana aponta para a esfera metafísica
e não pode ser concebida fora dela. A “ciência” moderna também está errada
porque postula dois aspectos diferentes do objeto sob sua investigação: um
físico, que daria fundamento a um conhecimento acessível a todos os homens dotados de sã consciência, e outro metafísico, cujo conhecimento é supostamente subjetivo e, portanto
falso para aqueles que não compartilham da mesma visão. O paradigma do
conhecimento universalmente aceitável é, portanto, a matemática, que por sua
vez não pode dar fundamento metafísico ao mundo físico, mas que acaba por
quantificar o cosmos. Até mesmo Deus, privado de sua relevância metafísica,
torna-se o “Grande Matemático”. Assim, tudo, mesmo Deus, é reduzido a mera
quantidade, como argumentou anteriormente René Guénon. Se o papel de Deus no
mundo for reduzido ao mero ofício de um relojoeiro, o próprio cosmos torna-se
um mecanismo gigantesco, que não necessita mais da intervenção do seu próprio
Criador, podendo funcionar independentemente dele, e de acordo com “suas
próprias” leis mecânicas. Esta ideia está, segundo Sherrard, na base da crise
ecológica moderna.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">De acordo com Sherrard, existem dois modos
opostos de consciência humana: a “consciência utilitarista do ego”, um termo
que possivelmente sugere a teoria patrística de que todo mal humano tem sua
raiz no “amor-próprio” (<i>philautia</i>) e uma “consciência espiritual”, também
chamada de “consciência angélica”. Seus correspondentes órgãos de conhecimento
seriam, portanto, a razão discursiva e o intelecto. Este duplo conhecimento
representa, no entanto, um condicionamento cultural infundido por dinâmicas
específicas na história da cultura ocidental. A responsabilidade por esta
divisão epistêmica e (portanto) por este fracasso é, segundo Sherrard, da
teoria medieval da dupla verdade, que põe em movimento a autonomização da
racionalidade contra a fé e contra a metafísica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Segundo Sherrard não existe natureza (<i>physis</i>)
à parte de Deus, ou seja, não é possível conceber um lugar em que a natureza
seja autônoma e separada de Deus. Assim, não pode existir sagrado e profano (e,
portanto, nenhum sagrado oculto no profano, como pensava Mircea Eliade), mas
apenas diferentes níveis ontológicos de ser, natureza e homem, que portam em diferentes
graus a sacralidade imutável do divino. Para Sherrard não há lugar filosófico
para a teoria da criação a partir do nada (<i>ex nihilo</i>), exceto no caso em
que “nada” seja apenas outro nome (apofático) para o próprio Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Sherrard não teme em usar a noção de
panenteísmo para expressar a ideia de que toda a criação está acontecendo em
Deus, está em Deus. Segundo ele, esta é a intuição fundamental da pregação de
São Paulo no Areópago, quando citou as palavras do antigo poeta Arato (Atos 17:28),
bem como em sua epístola aos romanos (Romanos 3:36). Esta visão de São Paulo
foi assumida pelos primeiros autores cristãos, que tentaram uma síntese de sua
fé (São Justino, o Mártir, Santo Irineu de Lyon, Orígenes), e mais tarde por
São Máximo, o Confessor, em seu ensinamento sobre os <i>logoi</i> divinos da
criação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O mistério da criação é evidente, segundo
Sherrard, na relação entre a doutrina da Trindade, da criação e da Encarnação, formando
uma visão teológica "teoantropocósmica". O <i>Logos</i> divino, que é
o Filho de Deus e, ao mesmo tempo, o Filho do Homem, é o mesmo no ato da
criação e na sua encarnação. Ele é desde a eternidade e na eternidade o mesmo
Cristo cósmico (Deus-homem e Deus-criatura), e a natureza é o próprio Corpo de
Cristo, antes mesmo do próprio ato de criação, porque a geração eterna do <i>Logos</i>
e a criação são o mesmo ato divino, único e eterno, sem que isso implique que o
mundo existiria desde a eternidade, mas levando-se em conta o eterno
Plano/Pensamento divino do Deus Tri-Uno. Além disso, o ato da criação não deve
ser atribuído à vontade de Deus, como se Deus pudesse ter decidido não criar o
mundo, mas deve ser entendido como uma expressão da natureza amorosa de Deus:
assim como Deus não pode deixar de amar (!), da mesma forma Ele não pode não
ter criado o mundo. Como expressão da sua própria natureza divina, a criação é
um nível eterno da autoconsciência do próprio Deus, da sua própria revelação
para si mesmo, manifestada em diferentes níveis de autorrevelação. Há neste
ponto alguns acentos que aproximam as especulações metafísicas de Sherrard das
de René Guénon, especialmente na equivalência entre ser e conhecer, bem como na
conceptualização dos diferentes níveis do ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">De volta ao processo intradivino de
desvelamento do ser, Sherrard propõe distinguir entre várias “fases”,
correspondendo a diferentes níveis de diferenciações internas do divino. A
primeira corresponde à atualização das potências divinas de Deus Pai em seu <i>Logos</i>,
no sentido de este se tornar imagem (ícone) do Pai. Essas potências são
identificadas com os nomes de Deus, que por sua vez são individualizados em
diferentes formas, como <i>logoi</i> divinos ou “imagens-arquétipos” do mundo
criado. Esses <i>logoi</i> também representam a realidade divina de cada coisa
criada. Estas considerações levarão Sherrard a argumentar em termos sofiológicos
a favor da sacralidade da natureza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A doutrina dos <i>logoi</i> é fundamentada
patristicamente nos escritos de São Máximo, o Confessor, mas Sherrard modifica
e expande sua visão para muito além do domínio estritamente cosmológico,
privilegiado por Máximo, para o domínio dos processos intradivinos. Sherrard
minimiza ainda mais o acento cristocêntrico de São Máximo, embora declare a
definição cristológica do Concílio de Calcedônia (451 d.C.) como o único modelo
real que conceitualiza as várias encarnações dos <i>logoi</i> divinos no cosmos
e no homem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Além disso, as glosas trinitárias de
Sherrard relativas aos processos intradivinos de individuação e diferenciação
também não são muito consistentes com a noção cristã da Trindade. Por exemplo,
mesmo que o Logos desempenhe um papel central na sua exposição, há pouca menção
ao papel do Espírito Santo, apesar da relevância teológica da pneumatologia
para uma doutrina da criação. Surpreendentemente, outro ponto vital da doutrina
ortodoxa, que não é levado em consideração, além de algumas breves declarações,
é a doutrina das energias incriadas de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Philip Sherrard não almejava, de fato, a uma
formulação rigorosa da doutrina patrística dos <i>logoi</i> divinos, mas
tentava adaptar alguns impulsos patrísticos às suas opiniões pessoais, a saber,
a função semelhante à dos <i>logoi</i> das “imagens-arquétipos” e seu papel no
processo estético.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A realidade arquetípica dos <i>logoi</i>
divinos, como uma espécie de “ponteiro metafísico” imediato de cada coisa
visível, é entendida por Sherrard nos termos daquilo que o francês Henri Corbin
referiu como <i>mundus imaginalis</i>. Esta expressão é uma tradução do árabe
ˁālam al-mithāl (ءالم المثال) nos escritos do místico sunita Ibn ʿArabī
(1165-1240) ou do xiita Suhrawardī (1154-1191), termo este usado para designar
a realidade ontológica do coisas reveladas, um mesocosmos de imagens e,
fenomenologicamente falando, o próprio “lugar” dos acontecimentos proféticos e
angélicos da história da salvação. Para aceder a este nível ontológico, os homens
são dotados de um órgão sensorial especial – a imaginação –, mas que não deve
ser entendida em termos puramente psicológicos, ou seja, como sendo mera “fantasia”
e, portanto, mera “ilusão”. As implicações epistêmicas desta noção já são
evidentes no trabalho do próprio Corbin, que via o papel deste termo como um
manifesto anticartesiano concreto e parte de uma hermenêutica antimoderna.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">As maneiras pelas quais Philip Sherrard
concebe a identificação das imagens-arquétipos com este <i>mundus imaginalis</i>
nunca são explicitamente detalhadas, exceto por algumas escassas referências,
mas fica claro em seus escritos que Sherrard pretendia com isso articular
alguns contornos fundamentais de uma teoria estética. Assim, já na sua tese de
doutorado sobre a poesia grega moderna, Sherrard refere-se ao mundo dos arquétipos
como a fonte de inspiração poética por excelência. Nesses seus primeiros
escritos, as referências concretas ainda eram apenas a Platão, mas já então a
própria possibilidade da arte era descrita em termos do acesso do artista ao
mundo dos arquétipos. Para Sherrard, os arquétipos nada tinham a ver com o
domínio psicológico e individual da mente humana, e vem daí sua acirrada
polêmica com C. G. Jung. Mesmo seu próprio impacto estético original, que está
na base da sua conversão à Ortodoxia, é interpretado retrospectivamente por
Sherrard como tendo sido uma intuição da realidade ontológica dos arquétipos,
como parte da outra mente (greco-bizantina) da Europa. Para este conteúdo
filosófico platônico dos arquétipos, o Cristianismo Oriental contribuiria com
seu próprio sentido da intuição do próprio <i>Logos</i> oculto na
matéria/criação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Sherrard raramente menciona de que tipo de
arte está falando: para ele só pode haver arte sacra, arte que se abre à
infusão do reino transcendente. Não só a arte é sacra por definição, mas também
outras instâncias como a natureza, a vida, o homem, na medida em que também se
abrem e testemunham o transcendente, através do seu <i>logos</i> divino
interior. Consequentemente, se entre o divino e a criação existe uma relação
simbiótica, então todo o cosmos é apenas um gigantesco sacramento e, de acordo
com o princípio da homogeneidade sacramental da natureza, não existe o profano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">No entanto, uma sensação de desconforto
acompanha esta visão luminosa da dignidade da natureza: a consciência de que
vivemos num mundo caído e de que a natureza sacramental do mundo criado está apenas
potencialmente ativa, mesmo que seja em menor grau. Ainda mais do que uma mera potência,
o mundo como sacramento designa a realidade numenal das coisas percebidas (as “coisas
em si”), bem como o seu <i>telos</i> divino, temporariamente ofuscado pelo
pecado. O papel da arte sacra é dar expressão ao mundo divino e inteligível,
que está logo atrás das coisas perceptíveis e que representa a própria razão (<i>logos</i>)
de sua existência, bem como seu sentido. Isto é possível porque o mundo
perceptível é imagem e ícone do inteligível, cópia dos arquétipos divinos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Esta qualidade icônica da criação é em si
uma legitimação da iconografia enquanto arte sacra cristã, dado que o ícone
pintado é capaz de representar o mundo tal como ele é em si, na sua dimensão
numenal, ou seja, na forma como o próprio Deus o vê. O aspecto numênico da
realidade além das coisas quantificáveis do mundo (caído) torna-se visível
através da arte sacra do ícone, num processo de desfenomenização do mundo, no
qual ele é percebido não como aparece, mas como realmente é. Sherrard
arrisca-se mesmo a dizer que, como representações dos arquétipos divinos da
criação, os ícones tornam visíveis vários níveis do próprio ser divino, tal
como se manifesta nesses arquétipos, e até tornam possíveis várias
"encarnações dos arquétipos".<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A forma do ícone não pode assim ser
historicizada, como mera expressão de uma moda artística (passageira) num
determinado tempo e lugar, mas é imposta pelo próprio arquétipo divino à medida
que se revela ao artista, que se torna assim ao mesmo tempo um vidente das
coisas divinas (um místico) e um profeta. Assim, a originalidade do ícone nada
tem a ver com a descoberta de novos modos de expressão artística, mas é apenas
determinada pela sua relação com a sua origem (divina).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A arte sacra pressupõe a contemplação das
realidades invisíveis e inteligíveis, das razões divinas (<i>logoi</i>) da
criação, o que equivale a uma experiência direta do próprio Deus. Sendo uma
expressão da contemplação espiritual, o ícone é também uma ferramenta na
contemplação de Deus. A própria contemplação só é perfeita quando o conhecedor
ou o pintor se identifica com o conhecido, que é Deus, ou seu aspecto divino (arquétipo)
responsável por inspirar o ícone pintado, e para isso o pintor deve renunciar e
negar a si mesmo, porque sua individualidade pessoal pode ofuscar a revelação
do arquétipo divino. É por isso que o iconógrafo não deve autografar seu
ícone, como testemunho do fato de não ter deixado sua própria individualidade
tornar-se o espaço no qual o arquétipo divino pode manifestar-se plenamente. A
vocação do artista é tornar-se um hierofante, ou mesmo tornar-se ele próprio um
sacramento vivo, um testemunho da revelação contínua de Deus no mundo
percebido. Na verdade, tal vocação do artista dirige-se a todos os seres
humanos: todos somos convocados a tornar-nos ícones vivos do grande mestre da
pintura, que é Deus, como Ele mesmo planejou e ordenou que fôssemos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">: Ionuţ
Daniel Băncilă, trechos do capítulo <i>Philip Sherrard's Orthodox Esotericism</i>
da obra <i>Meeting God in the Other</i>, LIT Verlag, Münster, Alemanha, 2020.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-70109545569674945412024-02-19T15:39:00.007+01:002024-02-22T17:10:54.107+01:00Cinco provas da existência de Deus<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDGfl4huxqDY2NvUtSQT0TMH2PlW6kIOmoy3KpT0F2L3uf_XygJ0_zrceizWIrceELIXGXyr_l3KT3HCgQJUkqhnaWjiRSfPJQmSvCVoR8nvRXP9mQJt-zMIp-wj1fEwyTQTbRMRMlCHfs2xy49tcekPpvQhu-YRccToWeLu6oSwzHpsf6zdGQMw/s899/God_the_Geometer.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="899" data-original-width="656" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDGfl4huxqDY2NvUtSQT0TMH2PlW6kIOmoy3KpT0F2L3uf_XygJ0_zrceizWIrceELIXGXyr_l3KT3HCgQJUkqhnaWjiRSfPJQmSvCVoR8nvRXP9mQJt-zMIp-wj1fEwyTQTbRMRMlCHfs2xy49tcekPpvQhu-YRccToWeLu6oSwzHpsf6zdGQMw/s320/God_the_Geometer.jpg" width="234" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O filósofo americano Edward Feser apresenta
5 provas da existência de Deus apelidando-as de acordo com o filósofo
que melhor as representa. Isso não significa que estes filósofos tenham efetivamente desenvolvido as provas nos moldes que Feser as apresenta, mas são os filósofos que, digamos, inspiraram Feser a desenvolvê-las.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">1. Prova aristotélica (ou: A existência só
pode vir do Ato Puro)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aristóteles ensinava que toda mudança é a
atualização de uma potência. Então, por exemplo, quando um café esfria ele
atualiza a frieza que tem em potência. Observe, no entanto, que essa frieza,
embora esteja em potência, já é algo. Em outras palavras, a frieza não é
exatamente “nada”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Mas a passagem da potência para o ato não
explica a mudança. Por que a potência se atualizaria? Por que as coisas não se
mantêm como estão, sem mudanças, sem alterações? Ora, a mudança exige um
“mudador”. E mais: esse “mudador” precisa ele mesmo ser atual. No caso do café
poderia ser um cubo de gelo, a frieza do ambiente etc. No entanto, se o
“mudador” está ele mesmo experimentando mudança, então é necessário, por
conseguinte, que haja outro “mudador”. E assim, linearmente (ou seja,
temporalmente). Isso, no entanto, não significa que seja necessário um primeiro
“mudador” num passado remotíssimo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">No entanto, a ideia de mudança linear nos
ajuda a vislumbrar outro tipo de mudança: a mudança hierárquica. Ora, a xicara
de café exige que a mesa a sustente, que por sua vez exige que o chão a
sustente, que por sua vez exige que a Terra a sustente etc. Isso tudo
simultaneamente. Aqui não constatamos a mudança tal como a constatamos no caso
da mudança linear, mas a atualização de potências não nos permite negar que há,
sim, uma mudança: a xícara tem a potência de estar a um metro do chão que é
atualizada pela mesa, e assim sucessivamente. Há uma relação de <i>dependência </i>entre
ao membros. A mesa, o chão, a Terra etc. não têm o poder para sustentar nada a
não ser que <i>derivem</i> esse poder de algo. Eles são, digamos, meros <i>instrumentos</i>.
E aqui uma observação crucial: enquanto a mudança linear não requer um primeiro
membro, a mudança hierárquica sim o requer. Ora, se um dos elementos da série
hierárquica não cumpre seu “papel”, a xícara deixa de atualizar sua potência de
estar a um metro do chão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O primeiro membro da série hierárquica não
precisa ser primeiro no sentido que venha antes do segundo, do terceiro etc.,
mas primeiro no sentido de que tem poder causal <i>inerente</i> ou <i>incorporado</i>,
enquanto os demais têm poder meramente <i>derivatrivo.</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Entretanto, a série linear tem de pressupor
que haja uma hierarquia. Me refiro à própria existência dos elementos. O que
faz com que a xícara de café não apenas esteja onde está, mas que continue a
existir? O que sustenta a existência da xícara? Poderíamos apelar à estrutura
atômica da xícara, às partículas subatômicas etc., mas isso apenas esconderia a
pergunta debaixo do tapete. O que sustenta a existência das partículas
subatômicas? Por que elas se atualizam como se atualizam e não de outra forma?
O que lhes dá existência às potências que elas têm? Tem de haver um primeiro
membro a tudo isso que não seja ele mesmo uma potência, mas um <i>atualizador
não atualizado</i>. Um puro ato ou, como diria Aristóteles, um motor imóvel.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">É notória a semelhança desta prova com a
<a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2006/04/pensando-sobre-deus.html" target="_blank">prova apresentada por Mortimer J. Adler</a>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">2. Prova plotiniana (ou: O composto só pode
vir do Uno)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">As coisas de nossa experiência são
compostas de partes. Um composto depende fundamentalmente (atemporalmente) de
suas partes. Uma cadeira depende da existência, em todo e qualquer momento, da
adequada disposição de suas partes para existir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A exemplo do raciocínio que empreendemos na
prova aristotélica, a cadeira deve ter sido construída por alguém no passado e
assim sucessivamente. É uma série causal linear. Mas todos os elementos que
agora, neste instante, compõem a cadeira precisam existir agora, neste
instante. Trata-se de uma série causal hierárquica. Aqui pouco importam os
princípios metafísicos de forma-matéria ou essência-existência. O que importa é
que <i>todo composto tem uma causa que o mantém composto que, por sua vez, é
também composta</i>. Novamente, uma primeira causa faz-se necessária para
explicar os compostos, mas que seja ela mesma <i>simples</i>, sem partes, nem
materiais, nem metafísicas. É o que o filósofo neoplatônico Plotino chamava de
Uno.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">3. Prova agostiniana (ou: Os objetos
abstratos têm de existir num Intelecto)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os objetos abstratos (universais,
proposições, números, objetos matemáticos, mundos possíveis) existem de alguma
forma. Eles não existem totalmente independentes do mundo (como o mundo das
ideias de Platão) nem totalmente imanentes ao mundo (como no hilomorfismo
aristotélico). Feser evidentemente descarta as alternativas nominalista – que
nega a realidade dos objetos abstratos – e conceitualista – que admite sua
realidade enquanto objetos construídos única e exclusivamente pela mente
humana. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A solução é o que Feser chamar de “realismo
escolástico”, que nada mais é do que o realismo aristotélico com um
“acabamento” platônico. O “terceiro reino” platônico, embora incoerente, serve
de inspiração para localizar o reino dos objetos abstratos fora da mente humana
e do mundo material. Em concreto, adotando uma famosa tese atribuída a Santo
Agostinho, Feser sustenta que tais objetos existem em um intelecto infinito,
eterno e divino. O realismo escolástico é um compromisso aceitável, que evita
os erros realistas de Platão e Aristóteles. Esses objetos têm de existir no
Intelecto divino.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">4. Prova tomista (ou: A existência tem de
vir da Existência)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O mundo está
povoado por uma enorme quantidade de coisas. Apesar da miríade de coisas que há
no mundo, sabemos duas coisas distintas a respeito delas: sabemos <i>o que </i>são
(a natureza/essência das coisas) e sabemos <i>que</i> são (a existência das
coisas). O homem ser um animal racional é saber sua natureza/essência, e que
realmente haja homens é saber que existem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Há vários
motivos para defendermos a distinção entre essência e existência. O primeiro motivo
foi apresentado por Feser em seu <i>Scholastic Metaphysics</i>. Procure sua
<a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2024/02/metafisica-escolastica.html" target="_blank">explicação sobre a existência de leões, dinossauros e unicórnios</a>. O segundo motivo
tem a ver com a <i>contingência </i>das coisas. Elas existem, mas poderiam não ter
existido. Se sua existência não fosse distinta de suas essências então, por sua
própria essência teriam de existir, ou seja, seriam <i>necessárias</i>, o que é
absurdo. O terceiro motivo é que seria impossível que houvesse mais de uma
coisa cuja essência contivesse a existência. Ora, se há algo cuja essência não seja
distinta da existência então nessa coisa essência e existência são idênticas. Sua
essência seria <i>simplesmente</i> sua existência. Essa seria a única coisa
realmente existente. Todas as demais não poderiam existir, dado que essência e existência
supostamente são idênticas, o que é absurdo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Portanto, se
algo existe então a fonte de sua existência tem de vir de fora. Mas essa
existência não se aplica somente quando a coisa <i>começa</i> a existir, mas <i>depois</i>
que ela existe e <i>enquanto</i> ela existir. Essa fonte da existência não pode
ser ela mesma contingente, mas algo que <i>seja</i> a própria existência. Algo
que, nas palavras de Tomás de Aquino, seja “a própria existência subsistente”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">5. A prova
leibniziana (ou: Tem de existir um ser necessário)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Trata-se do
princípio de razão suficiente. É a ideia de que para tudo há uma explicação para
sua existência, para os atributos que apresenta, para a situação em que se
encontra. É um princípio difícil de explicar não por ser complexo, mas, ao contrário, por
ser demasiado óbvio para que se diga algo a favor ou contra. A própria confiança
que depositamos em nossa percepção sensível e nas ciências empíricas nos impede
de negar o princípio de razão suficiente. Negar o princípio da razão suficiente
é minar a possibilidade de toda e qualquer indagação racional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Não confundamos a
causalidade com o princípio de razão suficiente. Feser relembra o exemplo
dado pelo próprio Leibniz. Imagine uma série infinita de livros de geometria
sendo que cada um deles foi copiado do anterior. Sabemos a causa imediata de
cada livro, mas obviamente não explicamos tudo. Por que livros de <i>geometria</i>?
Por que não outros livros? Por que não outros objetos? A mera relação causal não
explica uma outra relação que não é exatamente causal, mas existencial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Não há como
evitar a conclusão de que para que exista uma série de seres contingentes tem
de haver algo que seja necessário, cuja existência não seja explicada por nada
mais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="ES" style="mso-ansi-language: ES;">Fonte</span></i><span lang="ES" style="mso-ansi-language: ES;">: Edward Feser, <i>Cinco pruebas de la existencia de Dios</i>, Ediciones
Cor Iesu, Toledo, Espanha, 2021.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-44275614411950547282024-02-11T16:07:00.000+01:002024-02-11T16:07:16.891+01:00Marte vs. Vênus<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8lIhDnD38qME_Ws6UZBVaNtt_1JGb3M1OpHGwHJ5eJ_a7BqSTD6CU0HzRuXD4uQurawMcDuOvadZLuwrMYjxUn6NhNksvbhMkcoHLDOqy83J5RyoP2QjO7JhbcavD5vTamu9O0AjpSFq0YGhfP-hi9NhvFWyrtUcSQY1kkxuaCrSpvi2yw1yHWg/s1350/gray.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="673" data-original-width="1350" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8lIhDnD38qME_Ws6UZBVaNtt_1JGb3M1OpHGwHJ5eJ_a7BqSTD6CU0HzRuXD4uQurawMcDuOvadZLuwrMYjxUn6NhNksvbhMkcoHLDOqy83J5RyoP2QjO7JhbcavD5vTamu9O0AjpSFq0YGhfP-hi9NhvFWyrtUcSQY1kkxuaCrSpvi2yw1yHWg/s320/gray.JPG" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A origem dos conflitos entre homens e
mulheres está sobretudo na ideia subjacente de que as mulheres deveriam se
comportar como homens e, vice-versa, que os homens deveriam se comportar como
mulheres. O amor entre ambos só poderá voltar a desabrochar se começarem a
entender, e aceitar, que homens e mulheres sentem, pensam e agem de maneiras
diferentes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A mulher quando compartilha seus
sentimentos busca empatia por parte do homem, mas o homem, ignorando como
pensam as mulheres, pensa que a mulher quer uma solução para os conflitos e
problemas que está expondo. Os homens valorizam o poder, a competência, a eficiência
e a realização. Os homens em geral fazem coisas para se aprimorarem e ganharem
conhecimento e habilidades. <i>O sentido de vida masculino é produzir resultados.</i>
As mulheres se voltam mais para pessoas e sentimentos, enquanto os homens se
voltam mais para objetos e coisas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para os homens, atingir metas e produzir
resultados são importantes porque é a maneira masculina de provar seu valor,
sua dignidade. Mas para atingir essas metas e produzir esses resultados os
homens têm de fazer isso <i>sozinhos</i>. Quando um homem recebe um conselho
que não pediu ele presume que a mulher entende que ele, o homem, é incapaz de
fazer algo por si mesmo. Pedir ajuda, para um homem, é sinal de fraqueza. É por
isso que os homens oferecem soluções para as mulheres: eles entendem que elas,
sendo “homens”, ao exporem seus sentimentos e dramas pessoais, estão pedindo
ajuda. Não é isso que elas querem. Conversar sobre problemas, para uma mulher, não
é pedir soluções.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para as mulheres, a comunicação, a beleza e
os relacionamentos são importantes porque é por meio deles que elas se amparam
e se ajudam mutuamente. <i>O sentido de vida feminino é criar relacionamentos</i>.
A satisfação feminina vem do compartilhar e se relacionar com os outros. Para uma
mulher, muito mais importante do que cumprir metas ou alcançar resultados é
expressar sua bondade, seu amor e sua atenção. Quando uma mulher conversa, ela
busca aproximação e não necessariamente uma solução.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quando um homem enfrenta algum problema ao
qual não tem solução é comum que se retire para sua “caverna”. Em outras
palavras, o homem reduz sua comunicação ao mínimo necessário até que em seu
mundo mental ele consiga vislumbrar uma solução, ou pelo menos uma linha de
ação, para o problema. Portanto, quando um homem está nessa caverna é
irracional exigir que ele saia e se comporte como antes de entrar. Seria
igualmente irracional pedir que uma mulher aborrecida seja calma e razoável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens ficam motivados e fortalecidos
quando se sentem <i>necessários</i>. Quando o homem sente que não faz diferença
na vida da mulher será difícil para ele se importar com a vida e os
relacionamentos da mulher. É difícil ficar motivado quando ele não é necessário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">As mulheres ficam motivadas e fortalecidas
quando se sentem <i>acalentadas</i>. Quando a mulher sente que o homem não se
importa com seus sentimentos e relacionamentos será difícil para ela se sentir
feliz. É difícil se sentir feliz quando ela está sozinha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens precisam entender que o espírito competitivo,
ou seja, o espírito de que eu ganho enquanto você perde, tem seu lugar em
diversos aspectos da vida cotidiana. No entanto, o espírito competitivo não pode
prevalecer no relacionamento com uma mulher. Por mais piegas que possa parecer,
num relacionamento é necessário que ambos vençam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">De maneira geral, quando as mulheres entram
na vida adulta se dão conta do quanto ela pode desistir de si mesma para
agradar um homem. Por outro lado, quando os homens entram na vida adulta se dão
conta do quanto podem servir e respeitar mais uma mulher. Isso significa que
quando uma mulher se doa demais a culpa não é do homem. Similarmente, quando um
homem se dedica pouco a culpa não é da mulher. Ambas as posturas são uma espécie
de tendência natural de cada sexo. As mulheres em especial precisam estar
atentas ao que podem dar sem se ressentirem. O ressentimento mais tarde
funcionará como um efeito rebote: ela dará menos porque entenderá que o homem não
dá o mesmo em troca.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens têm de entender que para as mulheres
não é fácil receber. Para elas, receber é sinal de que podem transmitir a
mensagem de que são muito dependentes, e isso lhes desperta uma grande culpa.
Em geral, as mulheres nutrem a ideia, desde a infância, de que não merecem a
ajuda que recebem, e por isso frequentemente a negam. Elas podem desenvolver a
ideia de que são “menos” do que os homens e, assim, terem medo de aceitar, muito
menos pedir, ajuda. Os homens, por sua vez, se sentem frustrados e desmotivados
quando têm sua ajuda rejeitada. Um curioso, e destrutivo, ciclo se forma aí.
Precisar dos outros coloca a mulher em uma posição vulnerável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens têm medo de que não sejam bom o
suficiente. Em geral compensam esse medo se esforçando para serem ainda melhores
e mais competentes. Se as mulheres têm medo de receber – porque isso lhes traz
a sensação de que são um fardo para os homens –, os homens têm medo de dar –
porque isso lhes traz a sensação de que correm o risco de falhar com as
mulheres. Os homens têm de entender que quando fracassam isso não significa que
eles <i>sejam</i> um fracasso. O homem quer ser o herói da mulher e, nessa ânsia,
não a ouve.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Ademais, e por consequência das diferenças
fundamentais entre homens e mulheres expostas acima, as mulheres tendem a se expressar
de maneira hiperbólica, generalista e, digamos logo, exagerada. Quando uma mulher
diz a um homem que “você só pensa em você”, isso não significa que realmente
pense assim, mas significa simplesmente que ela sente tal intensidade no
momento exato em que está falando. Esse uso de figuras de linguagem confunde os
homens que, de maneira geral, tendem a ser mais precisos com as palavras e as
acabam tomando literalmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Muitas mulheres adotam uma estratégia bastante
disseminada – e bastante errônea – para conseguir o que querem de um homem:
criticar e dar conselhos sem que tenham sido pedidos. É a ideia de que o homem “tem
que mudar”. A “mudança” não apenas não virá como o problema original tenderá a piorar.
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A grande maioria não sabe como pedir o
que quer porque, antes de mais nada, acha que “amar é não precisar pedir”. A
mulher tem de aprender a aceitar o homem, e é disso que ele precisa. <i>Os
homens precisam encontrar maneiras de mostrar que se importam, enquanto as
mulheres precisam encontrar maneiras de mostrar que confiam</i>. A mulher nunca
deve ser julgada por precisar de reafirmação, enquanto o homem nunca deve ser
julgado por precisar de “caverna” (isolamento).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Gray ensina um mnemônico para entendermos
homens e mulheres. Os homens são como <i>elásticos</i> porque têm a tendência a
se afastarem das mulheres para depois se reaproximarem delas. As mulheres são como
<i>ondas</i> porque seu estado de ânimo cai repentinamente e depois volta a
subir. Os homens ingenuamente esperam que seu ânimo esteja sempre em alta, o
que é tão irreal quanto esperar que todo dia faça sol. Quando uma mulher não se
sente segura em seu estado de baixo ânimo ela tenderá a evitar intimidade e
sexo e/ou intensificar vícios como comida, bebida, cigarro, trabalho excessivo
etc. Qualquer que seja a estratégia para proteger-se, a mulher tenderá a ficar insensível
e incapaz de sentir amor. Os homens discutem pelo direito de serem livres, as
mulheres discutem pelo direito de ficarem aborrecidas. Os homens querem espaço,
as mulheres querem compreensão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Teoricamente uma discussão não precisa ser destrutiva.
Ela pode ser uma conversa estimulante que expresse diferenças e discordâncias. No
entanto, a maioria dos casais comete o erro sutil, mas crasso, de não discutir
o <i><u>é</u></i> da coisa, mas o <i><u>como</u></i> da coisa. Resolver uma discussão
requer uma ampliação dos nossos pontos de vista para incluir e integrar um
outro ponto de vista. Quanto mais íntimos de alguém mais difícil fica para
ouvir objetivamente o seu ponto de vista sem reagir aos sentimentos negativos. Não
é o <i><u>que</u></i> dizemos que machuca, mas o <i><u>como</u></i> dizemos. Na
maioria das vezes, o que faz com que o outro resista ao argumento não é o que
está sendo dito, mas como está sendo dito. As mulheres, muitas vezes sem se
darem conta, aumentam a agressividade da discussão ao criticarem o
comportamento do parceiro e, ainda pior, quando dão conselhos não solicitados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para evitar discussões, há 4 comportamentos
(ou 4 “Cs” como diz Gray) que precisam ser evitados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(1) <b>Combater</b>. Postura tipicamente masculina,
trata-se do impulso de começar a discussão culpando, julgando, criticando e
fazendo com que as parceiras pareçam erradas. A intimidação sempre enfraquece a
confiança num relacionamento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(2) <b>Correr</b>. Postura tipicamente
masculina, trata-se do impulso de estabelecer uma guerra fria, recusar-se a
falar e, por fim, nada se resolve. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(3) <b>Camuflar</b>. Postura tipicamente
feminina, trata-se do impulso de fingir que não existe nenhum problema. Há aqui
um medo das mulheres em serem sinceras com seus próprios sentimentos. Ela finge
que está “tudo bem”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(4) <b>Curvar-se</b>. Postura tipicamente
feminina, trata-se do impulso de ceder artificialmente ao argumento alheio e
assumir a culpa e a responsabilidade pelo que quer que esteja acontecendo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">De qualquer forma, toda e qualquer discussão
tem por base um único fundamento: a falta de amor. Um dos dois, ou ambos, não se
sentem amados e tal carência bloqueia a compreensão, a busca pelo entendimento
e a concentração em torno do <i><u>quê</u></i>, e não do <i><u>como</u></i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para encher o tanque de amor (cf. <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2022/09/as-cinco-linguagens-do-amor.html" target="_blank">As cinco linguagens do amor</a>)
de uma mulher, o homem tem de entender que mais vale fazer pequenas, mas múltiplas,
coisas do que algumas poucas e grandiosas coisas. Por outro lado, a mulher tem
de entender que comunicar seu apreço pelo que foi feito é absolutamente fundamental.
Dizer “obrigada”, por exemplo, é mandatório mesmo que você ache que ele tenha
feito “nada mais do que sua obrigação”. Se o ressentimento feminino a impedir
que apreciar o esforço masculino, seu vício por executar apenas coisas grandiosas
dificilmente será curado. O ressentimento é especialmente nocivo na mulher, que
tende a dar mais que receber e posteriormente se ressentir de não receber na
mesma medida de volta. De repente, o “placar” de amor, que originalmente estava,
digamos, 40 a 10 em favor da mulher, é reduzido mentalmente por ela a 30 a 0.
Ou seja, o homem passa a ser um “zero” quando, na verdade, era ao menos 10.
Evidentemente o homem também ficará ressentido. O homem tem de entender que a
mulher, quando se dá livremente, subentende que o homem está contabilizando
tudo isso a seu (da mulher) favor. Para o homem a coisa não funciona assim. O
homem precisa ouvir, literalmente, o pedido de uma mulher. Lembre-se: homens são
homens, e não mulheres. Parece óbvio? Sim, mas no dia a dia a coisa não é nada “óbvia”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens, quando se sentem desamados,
ofendidos ou magoados, precisam aprender a perdoar ao invés de dar “pontos
negativos” à parceira. Eles têm de se lembrar o quanto de bom elas fizeram.
Negar a ela tudo é não apenas injusto, mas é abusivo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Dissemos acima que homens e mulheres,
quando querem apoio, ajuda, conversa etc., precisam pedir. Isso é especialmente
difícil para as mulheres porque elas entendem, erroneamente, que “amar é nunca
ter que pedir”. Nada mais falso. Homens não são mulheres e, portanto, não sabem
instintivamente o que as mulheres querem e precisam. Por mais que pareça frustrando
às mulheres, elas têm de aprender a pedir: a ideia de que “se eu tenho que
pedir não conta” é completamente fantasiosa. Quando enfim chegam no limite e
cedem, as mulheres, em vez de pedir, exigem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Uma dica às mulheres. Os homens são movidos
a apreço. Se não são apreciados desistem de dar. Se você está fazendo muito e
ele pouco, faça um pouco menos para que não se ressinta tanto e possa
apreciá-lo também. Assim o placar se reequilibra e aumentam as chances de você
receber o apoio que precisa e merece. Gray chega ao ponto de declarar que um
relacionamento é saudável quando ambos se sentem livres para pedir o que
precisam e se permitem dizer “não” se assim escolherem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Por fim, cabe lembrar que pessoas que se
amam muito num dia frequentemente brigam no dia seguinte. Essas mudanças são confusas,
mas são comuns e perfeitamente compreensíveis. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><blockquote style="text-align: justify;">“O amor traz à tona nossos sentimentos mal
resolvidos. Num dia estamos nos sentindo amados e, no dia seguinte, estamos
repentinamente com medo de confiar no amor. As memórias dolorosas de rejeições
passadas começam a vir à tona quando ficamos frente a frente para confiar e
aceitar o amor da nossa parceira. Sentimentos que antes não conseguíamos expressar
no passado de repente inundam nossa consciência quando estamos seguros para
sentir. O amor descongela os sentimentos reprimidos, e gradativamente esses
sentimentos não resolvidos começam a vir para a superfície durante um
relacionamento. É como se seus sentimentos não resolvidos esperassem até que você
estivesse se sentindo amado e então vissem à tona para serem cicatrizados.
[...] Quando estamos aborrecidos, cerca de 90% do aborrecimento está relacionado
com nosso passado e não tem nada a ver com o que pensamos que está nos
aborrecendo. Em geral somente 10% do nosso aborrecimento se aplica à experiência
presente”. </blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Tente escrever seus sentimentos, como se fosse
uma carta à parceira, e dessa maneira, distante dela, procure lembrar-se quais
experiências passadas estão sustentando seu aborrecimento e, assim, escrevendo,
talvez você consiga neutralizar a negatividade e ser mais objetivo e, então,
encontrará o tom e as palavras certas para dirigir-se à sua parceira quando
estiver com ela pessoalmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Lembre-se: o amor também é sazonal. Há períodos
(ou “fases”) em que ele é mais árduo. O processo de aprendizado não se resume
apenas a ouvir e aplicar o que aprendeu, mas também em esquecer e relembrar-se.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">: John
Gray, <i>Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus</i>, Editora Rocco, Rio de
Janeiro, Brasil, 1996.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-87183363679143195082024-02-07T17:09:00.005+01:002024-02-19T01:28:45.485+01:00Palavras de Cristo<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe4Ep4wGvMCUZCk0HE6CDm_gFLeUqdGsgiwOxcUF-oiCPfovOP-zIhydVgHNOs7Ay79LgCkX2JUVMo0lv7CDgy-lP04F7l0RiPztM1RgUpspcxHuZYyPoR9KlVOJ83gN25Kvwpgb5HBlwss2AT3mxtn5dHNsiAvdavZ1PPIfginE9nGL-fOPwToA/s343/henry.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="343" data-original-width="307" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe4Ep4wGvMCUZCk0HE6CDm_gFLeUqdGsgiwOxcUF-oiCPfovOP-zIhydVgHNOs7Ay79LgCkX2JUVMo0lv7CDgy-lP04F7l0RiPztM1RgUpspcxHuZYyPoR9KlVOJ83gN25Kvwpgb5HBlwss2AT3mxtn5dHNsiAvdavZ1PPIfginE9nGL-fOPwToA/w286-h320/henry.JPG" width="286" /></a></div><div><br /></div><div><br /></div><div style="text-align: justify;">A genial obra Palavras de Cristo do
filosofo francês Michel Henry foi traduzida para inúmeros idiomas e é
provavelmente seu livro mais conhecido. A estrutura do livro é um pouco confusa,
mas é possível agrupar seus ensinamentos em 4 grandes temas. Vejamos:</div><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">I) Palavras de Cristo aos homens falando-lhes
deles mesmos<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Tais palavras são o que comumente chamamos
de “sabedoria”. É quando Cristo diz, por exemplo, que o mal que há no mundo não
provém do mundo, mas do homem mesmo. Mais especificamente, o mal encontra-se no
coração, que é onde o homem <i>prova</i> tudo o que vive e a si mesmo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">E, chamando outra vez a multidão,
disse-lhes: Ouvi-me vós, todos, e compreendei. Nada há, fora do homem, que,
entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o
homem. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça. Depois, quando deixou a
multidão, e entrou em casa, os seus discípulos o interrogavam acerca desta
parábola. E ele disse-lhes: Assim também vós estais sem entendimento? Não
compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque
não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora, ficando puras todas
as comidas? E dizia: O que sai do homem isso contamina o homem. Porque do
interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as
fornicações, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a
dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males
procedem de dentro e contaminam o homem.</span></i><span lang="PT-BR"> (Marcos
7:14-23)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">No entanto, o homem, obstinado que é,
insiste em depositar seu interesse no mundo, que é menos do que o homem. Cristo,
porém, ensina precisamente o contrário:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos
quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem
quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o
mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que
nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as
alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá,
com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto ao
vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles
crescem; não trabalham nem fiam; e eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a
sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do
campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais
a vós, homens de pouca fé? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos,
ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os
gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas
estas coisas; mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas
estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de
amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.</span></i><span lang="PT-BR"> (Mateus 6:25-34)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A propriedade constitutiva da vida humana,
portanto, segundo Cristo, é <i>provar-se</i>. A realidade do homem, provado no
coração, é, portanto, de natureza afetiva. A <i>afetividade</i> é a essência da
vida. No coração reside nossa realidade, nossa vida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Mas Cristo nos apresenta a vida não somente
como uma oposição entre <i>o homem e o mundo</i>, mas como uma oposição entre <i>o
visível e o invisível</i>. E esta oposição abre a possibilidade do homem viver
em meio à hipocrisia, à falsidade, ao fingimento. É na nossa subjetividade invisível
que reside nossa realidade efetiva, enquanto o visível é tão-só uma aparência.
Portanto, <i>temos de lutar incessantemente contra a hipocrisia</i>. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Cristo ensina que a vida vale mais do que a
Lei. E nesta oposição entre visível e invisível Cristo ensina que a vida humana
não é uma progressão, um aperfeiçoamento, das relações naturais, mas uma <i>ruptura</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Não cuideis que vim trazer a paz à
terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem
contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e assim os
inimigos do homem serão os seus familiares.</span></i><span lang="PT-BR"> (Mateus
10:34-36) <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Cuidais vós que vim trazer paz à terra?
Não, vos digo, mas antes dissensão; porque daqui em diante estarão cinco
divididos numa casa: três contra dois, e dois contra três. O pai estará
dividido contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a
filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra.</span></i><span lang="PT-BR"> (Lucas 12:51-53)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Porque o reino dos céus é semelhante a
um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para
a sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os
para a sua vinha. E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam
ociosos na praça. E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que
for justo. E eles foram. Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o
mesmo. E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos,
e perguntou- lhes: Por que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles: Porque
ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis
o que for justo. E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu
mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos
derradeiros, até aos primeiros. E, chegando os que tinham ido perto da hora
undécima, receberam um dinheiro cada um. Vindo, porém, os primeiros, cuidaram
que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um. E,
recebendo-o, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes derradeiros
trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a
calma do dia. Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço
agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu, e retira-te; eu
quero dar a este derradeiro tanto como a ti. Ou não me é lícito fazer o que
quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom? Assim os
derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são
chamados, mas poucos escolhidos.</span></i><span lang="PT-BR"> (Mateus 20:1-16)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quando meditamos as palavras de Cristo, vemos
que as relações desconcertantes anunciadas por Ele não são vividas dentro das
modalidades da vida, dentro dos sentimentos, dentro do coração. É lá, no
coração, e não no mundo, que serão felizes os que choram, os que são perseguidos,
os que forem odiados, os que forem expulsos, os que forem insultados, os que
forem desprezados. Por outro lado, infelizes são os ricos, os saciados, os que
riem, os que são elogiados. E veja que as relações humanas, com base nessa ruptura
radical das relações naturais, também são rompidas:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Mas a vós, que isto ouvis, digo: Amai a
vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; bendizei os que vos maldizem, e
orai pelos que vos caluniam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a
outra; e ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses.</span></i><span lang="PT-BR"> (Lucas 6:27-29)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aqui Michel Henry desnuda uma característica
crucial das relações humanas que é absolutamente desqualificada e condenada por
Cristo: a <i>reciprocidade</i>. O que os homens fazem e o que os homens são explica-se
a partir deles mesmos, a partir das relações recíprocas que imperam entre eles.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A raça humana já não recebe seu ser da luz
do mundo, mas sim da relação interior com Deus. Abre-se, assim, um <i>novo
abismo</i> no seio do invisível. Esse novo abismo é caracterizado pela não-reciprocidade.
A era do olho por olho, dente por dente, está morta. Esse novo abismo descortina
uma nova reciprocidade: a relação interior dos seres vivos com a Vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Mesmo quando as relações humanas são pautadas
pelo “amor”, esse “amor” vem do coração. Mas do coração provém somente o mal.
Portanto, o “amor” desinteressado que se constata nas relações humanas é um “amor”
perfeitamente interesseiro, cobiçoso, egoísta. Como diz Henry: “Na ausência de
Deus, o amor dissolve-se naturalmente: sou tributário do amor do outro e o amor
do outro é tributário do meu, aleatório, do mesmo modo que a reciprocidade à
qual deve a sua existência fugaz”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">II) Palavras de Cristo aos homens
falando de Si mesmo<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A não-reciprocidade significa a imanência da
vida absoluta nos seres vivos. Uma nova genealogia, que é divina e não mais
humana, se configura nesse novo abismo: não somos mais filhos de homens, mas
filhos de Deus. Essa imanência significa que Cristo não apenas conhece e explica
as coisas do Reino de Deus, mas Ele mesmo intervém na relação com os homens. A
relação dos homens com Cristo, ademais, é revelada como sendo idêntica à
relação de Cristo com Deus. Ao relacionar-se com Cristo, os homens cumprem
automaticamente as bem-aventuranças anunciadas por Cristo. Cristo, portanto,
identifica-Se com o próprio Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Mas quem pode dar testemunho dessa condição
de Jesus Cristo? Quem poderia atestar que Cristo é quem diz que é? Esse testemunho
só poderia ter vindo, e veio, de uma única fonte: o próprio Pai.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">III) Como a palavra de Cristo difere da
palavra humana<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aqui Henry faz uma análise magistral das
palavras de Cristo. As palavras humanas, dissemos acima, permitem o exercício da
hipocrisia, ou seja, permite que o coração e o mal que carrega impere nas relações
humanas: elas afirmam o que não existe e negam o que existe. A palavra de
Cristo, a palavra da Vida, é incapaz de mentir.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Veja, por exemplo, o sofrimento. O
sofrimento prova-se a si mesmo. O sofrimento só é capaz de falar de si mesmo
sofrendo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mesmo que eu diga “eu sofro”
sem estar realmente sofrendo, essa palavra “sofro” é apenas uma significação do
sofrimento, e não o próprio sofrimento. A palavra do mundo fala <i>sobre </i>o
sofrimento. Somente a palavra do sofrimento é a palavra da verdade. A autorrevelação
da vida permite provar, sem erros, o sofrimento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aqui observamos a relação intima e indestrutível
entre Verdade e Vida. “Enquanto que a palavra do mundo fala do que se tornou
manifesto na indiferença da exterioridade, é no sentimento, neste sentimento em
que ela se prova sempre, de modo patético, que fala a palavra da vida”, diz Henry.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Do mesmo modo as palavras de Cristo falam
de maneira inegável da Verdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">IV) Como os homens são capazes de ouvir
a palavra de Deus<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os homens são capazes de ouvir Suas
palavras, e nelas detectar a verdade inegável, porque é o próprio Deus quem
confere este poder aos homens. Quando Cristo diz:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Disse-lhe, pois, Pilatos: Não me falas a
mim? Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te
soltar? Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te
fosse dado.</span></i><span lang="PT-BR"> (João 19:10,11)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Porque sem mim nada podeis fazer</span></i><span lang="PT-BR">. (João 15:5)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Ele não se refere apenas ao poder dado a
Pilatos, mas a todo e qualquer poder. Ora, mas essa não é a experiência que
temos. No dia a dia facilmente assumimos que o exercício dos nossos poderes é
algo que brota de nós mesmos, de nosso eu, de nossa vida. Nós imaginamos que
esse poder nós colhemos de nós mesmos. Imaginamos que se somos a fonte e o
fundamento de nosso poder, somos também a fonte e o fundamento de nosso próprio
ser. Eis a ilusão das ilusões: “Este eu inultrapassavelmente passivo em relação
a si mesmo, sempre já dado a si mesmo na vida, posto nela independentemente do
seu querer, ei-lo a seus olhos um Sujeito omnipotente, senhor de si mesmo, princípio
de algum modo absoluto da sua condição de vivo, de seu eu, do conjunto das suas
capacidades e talentos. [...] É deste coração cego à Verdade, surdo à Palavra
da vida, endurecido, preocupado exclusivamente consigo, tomando-se como ponto
de partida e término das suas experiencias e das suas ações, é dele que sai o
mal”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">É na vida que se encontra aquilo que Henry
chama de “autorrevelação patética”. Esta autorrevelação é o que permite, por
exemplo, que sintamos o sofrimento. O sofrimento é algo que não fala ao mundo,
mas somente ao coração humano. O mesmo podemos dizer da alegria, da angústia,
dos desejos, das emoções, dos quereres, dos pensamentos etc. Tudo é sentido
ali.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O poder de Cristo é igualmente exercido no
coração, onde ocorre uma purificação, uma transformação radical. É Cristo quem
dá a vida, é Ele quem a restabelece, é no coração que o faz. Diz Henry: “Escutar
a palavra é então consubstancial à natureza humana. Esta identidade da
revelação do homem a si, no seu coração, e da revelação de Deus no seu Verbo
explica porque é que Deus vê no íntimo dos corações, um dos grandes temas do
ensino de Cristo dirigido aos homens. [...] A possibilidade de o homem escutar,
no seu coração, a palavra de Cristo é também a possibilidade de compreender as
Escrituras”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Cristo é a Vida. Se a vida é aquilo com que
provamos a alegria, o sofrimento etc. o Cristo é o próprio abraço com o qual
provamos tudo isso. Nossa vida é a Vida. De novo, provar a palavra é
consubstancial a nós.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">* * *</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Um exemplo característico de como as palavras de Cristo, uma vez que ressoam num coração previamente purificado, são acolhidas como verdade inerrante é o de <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2017/12/sao-justino-o-filosofo.html?m=0" target="_blank">São Justino Filósofo</a>. </p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">:
Michel Henry, <i>Palavras de Cristo</i>, Colibri Edições, Lisboa, Portugal,
2003.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-84478713118874618812024-02-05T20:20:00.000+01:002024-02-05T20:20:29.685+01:00Metafísica escolástica<p class="MsoNormal"><b><span lang="PT-BR"></span></b></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3gN24TpJkXywhlPDL3DuEGP6ZTOSsFlf13AFAyyA7PgzFqKagD3QfdHwzjONSVRzOOWLnv-0f7WryCnjI7FxCKXIem4xeSfu-cLmSv6sS-pAJkXgNgpRUISUMU7rIu4H_y-UP5nKAGT86llD2eSVgMuNxBOrNQz9FoQ76S891Nvu9vACz8jnSAg/s298/iconaquinas.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="298" data-original-width="202" height="298" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3gN24TpJkXywhlPDL3DuEGP6ZTOSsFlf13AFAyyA7PgzFqKagD3QfdHwzjONSVRzOOWLnv-0f7WryCnjI7FxCKXIem4xeSfu-cLmSv6sS-pAJkXgNgpRUISUMU7rIu4H_y-UP5nKAGT86llD2eSVgMuNxBOrNQz9FoQ76S891Nvu9vACz8jnSAg/s1600/iconaquinas.JPG" width="202" /></a></b></div><b><br /></b><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">Ato e potência</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Há três tipos de distinções no pensamento
escolástico:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção real</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença na realidade extramental.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção real maior ou
absoluta</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença entre entes, como pessoas,
cachorros, árvores, pedras, ou entre duas metades de uma pedra, uma maçã e sua macieira,
a pata e a perna de um cachorro, ou entre um pedra e sua cor, ou entre a quantidade
e a qualidade de um ente).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção real menor ou
modal</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença entre os modos de um
ente, ou seja, aquilo que não existe à parte do próprio ente (p.ex. um objeto
material e sua localização, ou um objeto material e seu estado de repouso ou
movimento).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção lógica</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença na maneira de pensar a realidade extramental.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção puramente lógica</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença lógica meramente verbal, sem nenhum
fundamento na realidade (p.ex. a distinção entre “ser humano” e “animal
racional”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção virtual</span></i><span lang="PT-BR">: reflete uma diferença lógica que possui algum fundamento na
realidade (p.ex. a natureza humana no mundo real é apenas uma coisa, embora
possa ser abordada sob o aspecto da animalidade e da racionalidade).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção virtual maior ou perfeita</span></i><span lang="PT-BR">: reflete
uma diferença lógica virtual na qual os conceitos não incluem um ao outro
(p.ex. “animalidade” e “racionalidade”).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção virtual menor ou imperfeita</span></i><span lang="PT-BR">: reflete
uma diferença lógica virtual na qual os conceitos se incluem, ou se implicam,
um no outro (p.ex. “ser” e “substância”, pois “ser” abarca tudo o que existe,
inclusive as substâncias, enquanto “substância” é um tipo de ser).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Distinção formal</span></i><span lang="PT-BR"> (Duns Scot): reflete uma diferença intermediária entre distinção
real e lógica (p.ex. para Scot a distinção entre ato e potência é formal, para
Tomás é real).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quanto à potência:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">- <i>Potência real</i> ou <i>potência
subjetiva</i>: é propriamente uma potência, e está enraizada em um sujeito real
(p.ex. o potencial de uma bola derreter a certa temperatura).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Potência ativa</span></i><span lang="PT-BR"> ou <i>poder</i>: capacidade de suscitar um efeito (p.ex. a
capacidade do fogo derreter a borracha). Para os escolásticos, trata-se de um
tipo de ato ou atualidade, uma primeira atualidade, ou seja, um tipo de ato em
relação à substância que a possui e um tipo de potência em relação à ação que a
fundamenta. A potência ativa pura ou poder puro, isto é, aquele que não se
encontra mesclado com nenhuma potencialidade, é pura atualidade e é
identificada com Deus (potência ativa incriada). As demais potências ativas ou
poderes sempre vêm mesclados com alguma potência passiva ou potencialidade
(potência ativa criada).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Potência passiva</span></i><span lang="PT-BR"> ou <i>potencialidade</i>: capacidade de ser afetado (p.ex. a
capacidade da borracha ser derretida). É o que popularmente se chama de
“potência”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva em relação à
coisa que a possui.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva em relação à essência. Quanto às coisas que contêm
matéria:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 2in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Matéria prima: pura
potencialidade para receber uma forma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 2in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Matéria segunda: aquela que já
recebeu alguma forma substancial, mas está em potência relativa à recepção de
formas acidentais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva em relação à existência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva em relação ao
agente que suscita o efeito na coisa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva natural: indica um resultado obtido pelas
capacidades naturais da coisa e que só pode ser atualizado por um agente que em
si é uma mistura de potência ativa e passiva (p.ex. a capacidade de andar,
falar, pensar, querer, escrever poemas, dormir, conhecer verdades cientificas,
teológicas etc.).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Potência passiva supernatural ou obediencial: indica um resultado
que não pode ser obtido somente pelas capacidades naturais da coisa e que só
pode ser atualizado por um agente divino puramente ativo (p.ex. a capacidade
para atingir a visão beatífica).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">- <i>Possibilidade lógica</i> ou <i>potência
objetiva</i>: é um objeto de pensamento (p.ex. unicórnio)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Observa-se que “sujeito” e “objeto” para os
escolásticos têm sentido praticamente inverso ao usado na filosofia
contemporânea.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quanto ao ato:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">- Ato puro<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato absolutamente puro: somente
Deus<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato relativamente puro: anjos,
pois suas essências estão em potência em relação à existência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">- Ato misto<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato operativo. É a operação ou
atividade de uma coisa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato entitativo. É a coisa
estaticamente falando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato essencial. O <i>que</i> a
coisa é, sua essência ou natureza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Forma substancial (ou “ato primeiro”). O que faz a coisa ser o tipo
de substância que é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1.5in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Wingdings; mso-bidi-font-family: Wingdings; mso-fareast-font-family: Wingdings;"><span style="mso-list: Ignore;">§<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Forma acidental (ou “ato segundo”). O que modifica uma substância já
existente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">Ato existencial. <i>Aquilo</i>
que é, a existência da coisa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Observa-se que uma causa eficiente (chamada
na filosofia escolástica de “agente”) é o que suscita o surgimento do ser, ou
modifica o ser, de alguma coisa. A causa eficiente, portanto, atualiza uma
potência mediante o exercício das potências ativas (ou “poderes”) contidos na
própria causa. Sou o autor deste texto, ou seja, sou sua causa eficiente, mas
isso não significa que eu esteja todo o tempo escrevendo este texto. Meu <i>poder</i>
de escrever deve ser distinguido da <i>ação</i> de escrever. Note aqui algo discreto,
mas crucial: o possuidor do poder é a causa propriamente dita, enquanto o poder
é um acidente da substância, não a substância em si. Os eventos não são
“causas”, mas são as substâncias que adentram aos eventos que são causas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">Causalidade<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aristóteles faz uma distinção entre causa
eficiente e causa final. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><span lang="PT-BR">C<i>ausa eficiente</i>. É
chamada na filosofia escolástica de “agente”. É o que genericamente chamamos
simplesmente de “causa” na filosofia contemporânea. É aquilo que suscita algo à
existência, ou que ao menos modifica esse algo de alguma maneira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: Symbol; mso-bidi-font-family: Symbol; mso-fareast-font-family: Symbol;"><span style="mso-list: Ignore;">·<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Causa final</span></i><span lang="PT-BR">. É o que Aristóteles chamava de “aquilo em prol do que” algo existe
ou ocorre. É o fim ou objetivo desse algo. Na filosofia contemporânea
geralmente é chamada de “causalidade teleológica”. Há algumas distinções que
devem ser feitas nas causas finais:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Finalidade intrínseca </span></i><span lang="PT-BR">vs.<i> finalidade extrínseca</i>. A finalidade de um relógio, p.ex.,
é extrínseca às partes do relógio. Quem lhe dá finalidade não é o relógio em
si, mas o fabricante do relógio e o usuário do relógio. A finalidade é como que
imposta ao relógio desde fora. A finalidade de uma bolota, por outro lado, é
desenvolver-se em um carvalho. É algo que de certa forma faz parte da
constituição da bolota. É sua finalidade intrínseca. Os metais do relógio
continuam sendo o que são a despeito da finalidade do relógio, enquanto uma
bolota deixa de ser uma bolota se ela não é capaz de desenvolver-se em um
carvalho. É, a propósito, a diferença entre um <i>artefato</i> e uma <i>verdadeira
substância</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Fim </span></i><span lang="PT-BR">vs. <i>direcionamento</i>. O fim de algo é sempre extrínseco a esse
algo. Dar as horas é o fim, ou pelo menos um dos fins, do relógio, enquanto as
partes desse relógio têm o direcionamento de dar as horas. No caso da bolota, o
fim e o direcionamento estão ambos na própria bolota.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 1in; text-align: justify; text-indent: -0.25in;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="font-family: "Courier New"; mso-fareast-font-family: "Courier New";"><span style="mso-list: Ignore;">o<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i><span lang="PT-BR">Origem próxima </span></i><span lang="PT-BR">vs. <i>origem distante</i>. A origem próxima da teleologia natural
está na própria natureza das coisas, enquanto sua origem distante está no
intelecto ordenador divino. A propósito, segundo a filosofia escolástica, os seres
vivos são distintos dos seres inanimados porque os seres vivos são capazes de <i>causação
imanente</i> (como a digestão p.ex.), enquanto os seres inanimados são capazes
apenas de <i>causação transeunte</i> ou “transiente” (como uma pedra que
movimenta outra mediante um choque p.ex.). <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Está claro para a filosofia escolástica que
a causa final é absolutamente necessária para explicar as causas eficientes. Se
o efeito B é suscitado pela causa eficiente A, então a necessidade está
forçosamente em A. No entanto, para tornar a regularidade dessas causas
eficientes em algo inteligível é forçoso atribuir finalidade a essas causas
eficientes, ou seja, a finalidade está como que <i>nas </i>causas eficientes.
Portanto, não cabe concluir, à moda de Ockham e seus seguidores, que as causas
finais são extrínsecas às coisas. As ciências podem, e devem, nos dizer se esta
ou aquela finalidade é realmente plausível a esta ou aquela coisa, mas não têm
condições de dizer se a finalidade enquanto tal é algo plausível ou não.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Hume chega a duvidar da causalidade e
afirma que qualquer “efeito” pode, em princípio, surgir sem uma causa
correspondente. Feser entende que em toda a sua filosofia Hume confunde
imaginação com intelecção. São atividades essencialmente diferentes, embora os
empiristas insistam em fundi-los. A intelecção tem a ver com a apreensão de
conceitos, enquanto a imaginação tem a ver com a manipulação de imagens mentais
(ou “fantasmas”). Os conceitos se referem a entes abstratos e universais, as
imagens mentais se referem a entes concretos e particulares. Os conceitos podem
alcançar um caráter determinado e inequívoco que nenhuma imagem mental poderia.
Ora, é claro que podemos imaginar um efeito sem causa, mas também tem de ser
claro que não podemos inteligir um efeito sem causa. E aqui cabe introduzir o princípio
da causalidade (PC). Segundo explica Feser, o PC é a ideia de que “a
potencialidade não pode atualizar-se sem a intervenção de um ser que já esteja
atualizado”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para os metafísicos escolásticos, causa e
efeito não são dois elementos ou dois eventos, mas dois elementos de um e mesmo
evento. Eis o aspecto da <i>simultaneidade</i> da causalidade, embora, atenção,
isso não implique em instantaneidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Outra distinção importante entre os
escolásticos é uma série causal ordenada <i>essencialmente</i> de uma série
causal ordenada <i>acidentalmente</i>. Se uma mão move um graveto que por sua
vez move uma pedra, há uma conexão causal essencial entre os membros da série.
Se o primeiro membro renuncia a seu poder causal, os demais não serão capazes
de propagar a cadeia causal. Por outro lado, se um pai gera um filho, o fato de
o pai não estar gerando um filho não anula o poder causal que o filho terá para
gerar outro filho (neto do pai). Neste sentido, a relação entre os membros
dessa série causal é acidental. E observe: <a name="_Hlk156996490">numa relação
ordenada essencialmente a simultaneidade é obrigatória, enquanto numa relação
ordenada acidentalmente a simultaneidade não é obrigatória.</a> E mais: numa
relação ordenada essencialmente a série não pode estender-se para trás
infinitamente, enquanto numa relação ordenada acidentalmente a série pode em
princípio estender-se para trás infinitamente. Isso se explica porque, numa
relação ordenada essencialmente, há uma primeira causa, ou seja, não apenas uma
causa que venha antes da segunda, da terceira, da quarta causa etc., mas uma
primeira causa que não tenha seu poder causal derivado de nenhum outro ente. A
primeira causa é por definição incausada, enquanto as demais têm seu poder
causal meramente instrumental ou derivativo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quanto ao PC, tudo o que estiver no efeito
tem de necessariamente estar na causa total, seja formalmente, virtualmente ou
eminentemente. Por exemplo, se tenho uma nota de 20 reais e a entrego a você,
eu tenho a “forma” de possuir uma nota de 20 reais e causo você a ter a mesma
forma. O efeito está na causa <i>formalmente</i>. No entanto, se tenho 20 reais
na minha conta bancária e os transfiro por PIX à sua conta, o efeito está na
causa total (eu, a conta bancária etc.) <i>virtualmente</i>. No entanto, se
tenho em meu poder uma impressora genuína de notas de 20 reais e imprimo uma
para você, então o efeito está na causa total (eu, a impressora etc.) <i>eminentemente</i>.
As aplicações desse entendimento à existência de Deus são óbvias.<b><o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">Substância<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Ter uma substância (forma substancial) é
ser um objeto “natural” no sentido de algo que “contém em si sua fonte de
mudança e de estabilidade”. Um cipó tem substância, mas uma rede de dormir
feita de cipós não. Enquanto a matéria prima está privada de substância, a
matéria segunda (a matéria que já é água, ou pedra, ou homem, ou cão, ou cipó
etc.) tem, sim, substância. É como se a matéria segunda estive “à espera” das
várias formas acidentais que complementem sua forma substancial. Portanto, no
mundo real a matéria prima só pode vir a existir em conjunto com a forma
substancial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Aqui uma nota importante. Dizemos que a
água é composta de hidrogênio e oxigênio. É verdade, mas, segundo o
entendimento tomista, o hidrogênio e o oxigênio estão apenas <i>virtualmente</i>
presentes na água, mas não <i>realmente</i> presentes. Ora, apenas algumas das
(mas não todas as) propriedade do hidrogênio e do oxigênio estão presentes na
água. Isso significa que somente a forma substancial da água existe na água,
enquanto as formas substâncias do hidrogênio, do oxigênio, dos quarks etc.
estão apenas virtualmente presentes. Segundo Feser, “a forma substancial <i>permeia</i>
a totalidade da substância que a possui, não apenas <i>horizontalmente</i> em
suas partes – há tanta ‘cachorricidade’ no focinho e no rabo do Rex quanto no
Rex como um todo –, mas também <i>verticalmente</i> na própria corporalidade do
Rex; os elementos químicos existem <i>virtualmente</i> no Rex”. Não é o Rex que
pode ser reduzido às suas partículas, mas suas partículas que “se reduzem” aos
objetos naturais dos quais fazem parte. As partículas são menos reais do que o
todo. A questão, observe, é filosófica, não científica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Veja que a substância é o <i>subjectum</i>,
o substrato, no qual os acidentes são inerentes. Por outro lado, a substância é
a coisa que existe por si mesma e não precisa ser inerente em outra coisa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quanto ao acidente, chamamos de <i>acidente
próprio</i> ou “propriedade” aquele que se segue ou “flui” da forma substancial
da coisa. Por exemplo, a capacidade para fazer humor ou o livre arbítrio são
propriedades que se seguem ou “fluem” da natureza humana enquanto animal
racional. Um <i>acidente contingente</i> é aquele que não se segue ou não
“flui” da forma substancial da coisa. Por exemplo, ter pele clara ou ter pele
escuro são meros acidentes contingentes dos seres humanos. A cor da pele,
portanto, não é uma propriedade dos homens enquanto tal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A despeito se própria ou contingente, a
manifestação de um acidente pode ser frustrada: um ser humano pode ser incapaz
de exercitar seu livre arbítrio por portar alguma lesão cerebral ou um cão ser
incapaz de andar por lhe faltar uma perna devido a um acidente ou defeito
genético. Nada disso significa, porém, que essas coisas deixem de ser
acidentes. Isso mostra, na verdade, que a essência de algo não é uma mera
coleção de seus acidentes próprios (ou propriedades).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span lang="PT-BR">Essência e existência<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A essência de uma coisa é aquilo que
captamos intelectualmente quando identificamos o gênero e a diferença
especifica dela. A essência é portanto a natureza da coisa (cf. <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2023/08/a-existencia-nao-existe-estrutura.html" target="_blank">FrederickWilhelmsen</a>).
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Santo Tomás era uma “essencialista”, ou
seja, ele acredita que as essências existem realmente. Os convencionalistas,
por outro lado, acreditam que as essências são dependentes da mente, ou seja, não
têm existência própria. Mas um momento: se as essências dependem da mente, isso
significa que elas pressupõem a existência dessa mente. Se a mente é
ontologicamente (se não cronologicamente) anterior às essências, mas para que a
mente exista é obviamente necessário que sua própria essência exista, então concluímos
que a mente é tanto anterior quanto posterior às essências, o que é obviamente
impossível. Portanto, triangularidade, humanidade, vermilhidade etc. são universais
que existem independentemente da mente, ou seja, não são meras invenções da
mente humano ou artefatos linguísticos. No entanto, um escolástico não entende
que as essências existam numa espécie de “céu platônico”, mas que existem
imanentemente nas coisas em si e são abstraídas pelo intelecto. Então veja: as essências
existem realmente, mas não significa que existam independentemente das coisas
que compõem o mundo. Elas não são nem individuais, nem universais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os empiristas, à moda de Berkeley,
acreditam numa espécie de “imagismo”, isto é, como se os conceitos fossem
imagens mentais, ou aquilo que os escolásticos chamavam de <i>fantasmas</i>. No
entanto, os conceitos são universais e abstratos, enquanto as imagens não podem
ser nem universais, nem abstratas. É verdade que os conceitos provêm do mundo
sensível, mas não se pode tolerar a ideia de que os conceitos são <i>meramente</i>
imagens.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Similarmente, não se pode tolerar a ideia
de que a essência é apenas e tão-somente a reunião das propriedades e das leis
que regem uma coisa. Tais atributos derivam da essência, mas não são a essência.
As propriedade e leis explicam uma essência, mas, novamente, não são a essência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Por fim, cabe distinguir a <i>essência </i>da
<i>existência</i> de algo. De maneira geral, a essência é a potencialidade da
coisa, enquanto a existência é a atualidade da coisa. Observe, por exemplo, que
não há nada na essência de uma arvore que implique que ela exista. Para os
tomistas, a distinção essência-existência é real. Ora, se você nunca tivesse
visto nem ouvido falar de leões, dinossauros e unicórnios, como poderia saber
que leões existem, dinossauros existiram e unicórnios não existem nem
existiram? Eis uma maneira prática de entender que existência e essência são distintas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O ser-em-potência, para os escolásticos, é
diferente do ser-em-ato. Ambos, ato e potência, tem ser, mas “ser”, neste caso,
é um termo equívoca, não unívoco nem equívoco. Eis um esquema que ajuda a
entender a questão:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">1. O ato é real, isto é, tem ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">2. A potência é real, isto é, tem ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">3. A potência é realmente distinta do ato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">4. Se a potência tivesse ser no mesmo
sentido unívoco que o ato tem ser, então a potência não seria realmente
distinta do ato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">5. Se a potência tivesse ser apenas em
sentido equívoco, então a potência não teria ser nenhum.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">6. O único sentido cabível aqui é o sentido
analógico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">7. Portanto, a potência tem ser em um
sentido análogo ao ser que o ato tem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span style="mso-ansi-language: EN-US;">Fonte</span></i><span style="mso-ansi-language: EN-US;">: Edward Feser, <i>Scholastic Metaphysics</i>, Editiones
Scholasticae, Alemanha, 2014.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-61505336822593827592024-01-22T11:45:00.004+01:002024-01-22T17:37:17.651+01:00A vontade na imortalidade<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrRgWcCR53kp_WGjp9BAfS0OC6IRRReHUXm3D3tB8qbmm7k9DLakEKosZRXgVwsyz775Iivca6AbCRH3ewIDqr7RYhkB9PCZOAzj9jD_jxtN99LuMlzZE01uB6q98_oTdIWDAI8wO5K4Z0ayF8oQoIzRXQzBqVSLEhmw_iaxxlGN8Bp7kvS8-YGw/s317/maximus.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="159" data-original-width="317" height="159" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrRgWcCR53kp_WGjp9BAfS0OC6IRRReHUXm3D3tB8qbmm7k9DLakEKosZRXgVwsyz775Iivca6AbCRH3ewIDqr7RYhkB9PCZOAzj9jD_jxtN99LuMlzZE01uB6q98_oTdIWDAI8wO5K4Z0ayF8oQoIzRXQzBqVSLEhmw_iaxxlGN8Bp7kvS8-YGw/s1600/maximus.jpg" width="317" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">As crianças são famosas por fazerem
perguntas inusitadas. Muitas são tolas, mas algumas podem ser constrangedoras
pela profundidade e sabedoria necessárias para respondê-las. Uma delas bem
poderia ser: “Depois de morrer e ir para o céu a gente pode fazer más escolhas
e cair de novo?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A dúvida não é tola. Se um traço
característico e indelével de nossa humanidade é a capacidade de escolher,
então depois da morte, mesmo que na presença do Salvador, não poderíamos
igualmente decidir, em lugar da Verdade, abraçar o erro e a mentira? Uma vez na
imortalidade nossa vontade fica “travada”? Se temos livre arbítrio, o que
acontece com ele depois da morte?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A este tema dedica-se São Máximo, o
Confessor, em alguns trechos de sua obra. No entanto, para lidar com esta
questão do livre arbítrio na imortalidade, São Máximo tem de vencer três
posturas:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(a) Ele tem de vencer o origenismo, ou
seja, ele tem de expor um livre arbítrio que <i>não </i>implique na
possibilidade de novas quedas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(b) Ele tem de vencer o monotelismo, ou
seja, ele tem de expor duas vontades em Cristo que <i>não </i>impliquem em
oposição, embora sejam distintas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(c) Ele tem de vencer o neoplatonismo, ou
seja, ele tem de expor um livre arbítrio que <i>não </i>implique em
distingui-lo da liberdade, mas que disponha efetivamente de múltiplos objetos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Para vencê-los, São Máximo esclarece que,
para haver real livre arbítrio no <i>escathon</i>, é necessário que haja <i>objetos
reais</i> dentre os quais escolher. No entanto – e isto é importante – esses
objetos não podem apresentar uma escala de bondade entre si, ou seja, não podem
uns serem mais bons que outros. Assim, por “objetos reais” o que São Máximo
quer dizer é que não haja objetos aparentes, ou seja, objetos que impliquem
incerteza nas escolhas. Em outras palavras, é necessário que haja uma unidade
ontológica quanto à bondade dos objetos (o que não significa que esses objetos
sejam iguais).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">E também para vencê-los, São Máximo
esclarece que o <i>processo psicológico da volição</i> se reduz no <i>escathon</i>.
Esse processo psicológico, no nosso mundo da incerteza e da hesitação, se
compõe das seguintes etapas: conceito, desejo, investigação, exame,
deliberação, juízo, decisão (escolha). No <i>escathon</i> no entanto ele se
reduz às seguintes etapas: conceito, desejo, decisão (escolha). Observe que a
necessidade de escolha permanece, mas o que desaparece no <i>escathon</i> é a
necessidade de escolhas dialeticamente condicionadas. Não há oposição de
escolhas, mas apenas distinção.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Este arbítrio no <i>escathon</i>,
disfrutado pelos santos, é precisamente o mesmo arbítrio de Jesus Cristo na sua
vida terrestre. Os santos, por definição, estão unidos (deificados) a Deus, e
Cristo, sendo o próprio Deus, não poderia senão apresentar o mesmo tipo de
arbítrio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">São Máximo explica essa diferença do
exercício da vontade aplicando-a aos conceitos de natureza e hipóstase. Por um
lado, temos a vontade natural, a vontade enquanto tal. Por outro, temos a
vontade gnômica, a vontade hipostática, individual, pessoal, enquanto tal. A
hipóstase (ou “verdadeira realidade”, como <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2005/10/estudos-de-giovanni-reale.html" target="_blank">diria J. Ferrater Mora</a>) é o princípio da individualidade e que dá forma e peculiaridade à vontade
natural (i.e. vontade essencial, não vontade “natural” no sentido de natureza
físico-biológica que vulgarmente atribuímos à palavra). Ora, em Jesus Cristo
não existe vontade gnômica (hipostática) porque Cristo não tem uma hipóstase
humana. Quanto a nós, homens decaídos, apresentamos, sim, uma vontade gnômica,
e nosso desafio está precisamente em desenvolver os hábitos que nos afastem da
escolha dos bens aparentes e nos aproximem, o mais que possível, da vontade
livre que exerceremos na imortalidade. Quanto menos os processos intermediários
entre o conceito e a decisão, que são essencialmente incertos, hesitantes e
duvidosos, influenciarem a vontade gnômica, mais ela se aproximará do exercício
da vontade no <i>escathon</i> dos santos deificados e do próprio Cristo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Cabe aqui, então, introduzirmos um assunto
caro a São Máximo: os <i>logoi</i> das criaturas. Como já vimos inúmeras vezes
neste blog, os <i>logoi</i> são os princípios, os “gabaritos”, pelos quais Deus
criou e cria o mundo. No entanto, todos os <i>logoi </i>encontram-se reunidos
em um e mesmo <i>Logos</i>. Mas a questão não é apenas metafísica (por mais
importante que seja), mas é, para muito além disso, cristológica. Eis como
Farrell a explica:</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><blockquote style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os <i>logoi</i> constituem assim uma <i>pluralidade</i>
genuína que é distinta e sem confusão entre os <i>logoi </i>em si, mas também
são Um <i>Logos</i> e <i>preexistem</i> nEle. Esta concepção não é uma mera
concepção metafísica dos <i>logoi</i>, pois está intimamente ligada à concepção
da recapitulação da criação em Jesus Cristo: eles são um com o Único <i>Logos</i>
em virtude do fato de que todas as coisas foram oferecidas ao Pai em
Cristo. É esta fundamentação cristológica dos <i>logoi</i> no <i>Logos</i> que
permite a São Máximo adaptar a fórmula calcedoniana de distinção sem confusão
ao contexto dos <i>logoi</i> <i>considerados em si e por si mesmos</i>, uma
clara antecipação da linguagem da distinção de São Gregório Palamás entre
essência e energias, distinção que “não divide”. Esta é uma negação patente dos
modelos de simplicidade plotiniano e origenista. Os <i>logoi</i> ocupam uma
posição “intermediária” entre Deus e o mundo criado, uma posição que em si é
infinita, pois “em Deus”, segundo São Máximo, há “uma distinção infinita e um
‘meio’ entre as coisas criadas e o Incriado".</span></blockquote><span lang="PT-BR"><o:p></o:p></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Segundo Farrell, portanto, São Máximo não é
nada ambíguo quando identifica os <i>logoi</i> com as energias incriadas. E não
para por aí: para ele, a simplicidade divina é meramente um <i>símbolo</i> da
unidade absoluta e inefável de Deus na qual a essência divina está devidamente
hipostatizada em cada Pessoa sem nenhum tipo de partição.</p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Quando os Padres usam a expressão “em torno
de Deus” ou “ao redor de Deus”, o que querem dizer é na verdade os <i>logoi </i>incriados
e divinos, nas quais as criaturas se movem. E como elas se movem de maneira a conformarem-se
aos <i>logoi</i>? Por meio das virtudes. Mas eis aqui novamente a genialidade
de São Máximo: as virtudes, embora naturais, não ocorrem em todos os homens igualmente
porque “nós não as praticamos em igual medida” aquilo que em nós nos é natural.
A distinção <i>logos</i>/<i>tropos</i> (vimos isso <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2015/01/o-inconsciente-espiritual.html" target="_blank">em Jean-Claude Larchet</a>, por
exemplo) ou natureza/pessoa é fundamental: todos temos as virtudes naturalmente,
mas nem todos as desenvolvem pessoalmente. Quanto ao Cristo, ele possui a
vontade naturalmente humana, mas não a vontade gnômica (pessoal, hipostática).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Eis porque na restauração de todas as
coisas, nem todas as almas encontrar-se-ão sensíveis à Luz divina. Aquelas
almas que em suas vidas terrenas estiveram ligadas aos desejos carnais e cujas
vontades foram privadas da apetência dos verdadeiros bens não suportarão contemplá-la.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span style="mso-ansi-language: EN-US;">Fonte</span></i><span style="mso-ansi-language: EN-US;">: Joseph Farrell, <i>Free Choice in St Maximus the
Confessor</i>, St Tikhon’s Seminary Press, South Canaan, EUA, 1989.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-62774761198107625452024-01-15T16:39:00.002+01:002024-01-15T16:39:38.683+01:00Uma crítica à psicanálise freudiana<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAEHzjcw_bphW0w51Ri1oXKD_H_UChdN5nJnrilTf9EEva-WvuPQTYDw_JFgbLLz8pJu89ndLW7b3NH07S5mHFbXptoCwk0YPSwPx49pxeHN7yYlK0m53CZqWjQaFzmJAzEnj6GbFBfUI_lEOO_sbnqqyFq3PfKWkYk2fv4ZLtBJ-J89ctExqKFg/s922/freud.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="617" data-original-width="922" height="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAEHzjcw_bphW0w51Ri1oXKD_H_UChdN5nJnrilTf9EEva-WvuPQTYDw_JFgbLLz8pJu89ndLW7b3NH07S5mHFbXptoCwk0YPSwPx49pxeHN7yYlK0m53CZqWjQaFzmJAzEnj6GbFBfUI_lEOO_sbnqqyFq3PfKWkYk2fv4ZLtBJ-J89ctExqKFg/s320/freud.JPG" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A crítica do psiquiatra austríaco Rudolf
Allers à psicanálise é importante não somente por sua contundência e amplitude,
mas também pelo fato de ter sido o próprio Allers um dos fundadores da
psicanálise. Allers trabalhou lado a lado com Sigmund Freud por alguns anos,
mas suas diferenças em princípios e valores (Allers era católico romano) o
motivou a afastar-se de Freud e, mais tarde, de Adler também. Outro dado
curioso é o fato de Allers ter sido um dos mestres de Viktor Frankl.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Noções básicas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Talvez o princípio mais importante da
psicanálise seja a ideia de que <i>tudo o que existiu no espírito humano dura
perpetuamente</i>. Tudo, absolutamente tudo, fica registrado na memória, nada é
esquecido. Aqui já há um problema porque evidentemente é impossível provar uma
afirmação dessas. Essa noção, no entanto, é muito cara à psicanálise porque ela
sustenta o conceito de <i>inconsciente</i>. A partir daí surge as noções de <i>repressão</i>
e <i>censura</i>. Repressão é o nome da força ou poder que desloca certos fatos
da consciência para o inconsciente. Censura, por sua vez, é o poder que torna impossível
um regresso espontâneo desse fato à consciência. Alguns fatos são reprimidos
porque se opõem a certas tendências imperativas da consciência. Alguns fatos,
por outro lado, podem ser esquecidos por um conflito entre a memória e o
orgulho, de maneira que se forme uma <i>resistência</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O método psicanalítico, já famoso hoje em
dia, consiste em obrigar a pessoa que a ser analisada para que produza <i>associações
livres</i>. Aqui não cabe detalhar como funciona o processo, mas o objetivo é
descobrir não os instintos em si, já que não fazem parte da vida mental, mas
quais são as ideias e imagens que “representam” os instintos que, por sua vez,
são os responsáveis por direcionar o indivíduo a satisfazê-los. Note-se,
portanto, a importância capital que Freud deposita nos instintos. São eles os responsáveis
pelo desenvolvimento da vida e da personalidade do indivíduo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Freud distingue duas grandes categorias de
instintos: os instintos da <i>libido</i> e os instintos do <i>ego</i>. As
emoções, por sua vez, são secundárias aos instintos, ou seja, são como que
manifestações dos instintos. Uma emoção não tem de ser “descarregada”, mas é o
instinto que tem de sê-lo. A neurose surge quando um instinto não é satisfeito,
mas é “desviado” de seu fim original pelas leis do meio ambiente. A ideia da <i>sublimação</i>
é substituir o alvo primitivo por um alvo novo, normal e saudável. Os instintos
servem-se dos fins não instintivos oferecidos pela realidade para conseguirem a
sua própria satisfação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Os sonhos consistem em símbolos que
representam, por uma forma velada, fins instintivos. Mas, além dos sonhos, há
outros exemplos do afrouxamento da censura: os “atos falhos”, ou seja, todo
tipo de inépcia ou erro causados por fatores inconscientes que se intrometem na
sequência de alguma função consciente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">A psicanálise distingue alguns estratos na
natureza humana. Há o <i>id</i>, essencialmente inconsciente e contendo os
instintos, o <i>ego</i>, que constitui a camada antagonista ao <i>id</i>, e o <i>superego</i>,
que é o receptáculo dos ideais, dos fins conscientes, das noções morais etc.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Sofismas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(1) Quem disse que a interrupção das associações
livres é uma resistência?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(2) Quem disse que a vida consciente tem relação
com o “material inconsciente” trazido à tona pela psicanálise? Quem disse que há
uma relação de causalidade entre uma coisa e outra?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(3) Quem disse que a relação de signo e
coisa significada reduz-se apenas à causa eficiente? A bandeira simboliza a
nação, mas a nação não é causa eficiente da bandeira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(4) Quem disse que os processos mentais são
de natureza energética (<i>cathexis</i>)? Quem disse que há uma transformação de
energia mental potencial em energia corpórea cinética? (Noções vulgares do tipo
“descarregar as emoções”, “força de vontade” etc.; é algo semelhante ao que Dalrymple
chamava de “<a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2016/03/a-desonestidade-emocional.html" target="_blank">teoria hidráulica</a>”).
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(5) Quem disse que há uma identidade entre
o cérebro, por um lado, e o espírito, por outro? (“Psicologia fisiológica”).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(6) Quem disse que a vida mental é uma coexistência
de “átomos mentais” independentes?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(7) Quem disse que tudo, absolutamente tudo,
que ocorre na vida do indivíduo é causado ou por sua constituição física (instinto)
ou pelo seu passado (inconsciente)?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(8) Quem disse que a vida humana é puramente
material e, portanto, moralmente determinista e hedonista?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">(9) Quem disse que identidade de expressão significa
identidade de sensação? Uma criança chupando os dedos não significa satisfação sexual
assim como um homem que adormece profundamente não significa que tenha tomado remédio
para dormir. A psicanálise está recheada de erros lógicos pueris desse tipo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="PT-BR">Fonte</span></i><span lang="PT-BR">:
Rudolf Allers, <i>Freud</i>, Livraria Tavares Martins, Porto, Portugal, 1946.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-81852714417160329392024-01-05T16:21:00.000+01:002024-01-05T16:21:28.244+01:00O homem interessante e a descoberta da intimidade<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMnbTBzUEpv2CgwzXpCc9S6muAEAafBC31Jw7TpytGKhPeJ_PDjtrV4IfNBVRSDE8EnfOZEud2BAiQmRr-In2KJho3zwh4parMePkggR31olSx7FAKslgGaQueQDXPgIA9OqBoPi1e_0B0uymoChQ38W0CFEbonsq3YNTRcv0J8jI0giGL2HlIZg/s827/Juan_Jos%C3%A9_L%C3%B3pez_Ibor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="827" data-original-width="709" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMnbTBzUEpv2CgwzXpCc9S6muAEAafBC31Jw7TpytGKhPeJ_PDjtrV4IfNBVRSDE8EnfOZEud2BAiQmRr-In2KJho3zwh4parMePkggR31olSx7FAKslgGaQueQDXPgIA9OqBoPi1e_0B0uymoChQ38W0CFEbonsq3YNTRcv0J8jI0giGL2HlIZg/s320/Juan_Jos%C3%A9_L%C3%B3pez_Ibor.jpg" width="274" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">Se ignoramos tão grandes províncias de
nosso próprio corpo, não seria nada estranho que ignorássemos algumas províncias
de nosso mundo interior. A situação se mostra ainda mais paradoxal que em nossa
própria corporalidade porque, no caso do corpo, o que ignoramos não deixa de
ser “nosso”. No caso do mundo interior, no entanto, o que se passa frequentemente
duvidamos que seja parte de “nós”. Os sonhos que sonhamos são “nossos”? As
imagens, ideias, memórias, sentimentos, tudo isso é “nosso”?</p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Segundo o psiquiatra espanhol Juan Lopez
Ibor, é impossível dissociar a personalidade, que é o desenvolvimento da pessoa
no meio social, da própria pessoa. Não há, portanto, um “ato gratuito”, à moda
dos existencialistas sartrianos, ou seja, não há um puro existir ao qual se
possa atingir mediante a supressão de todo conteúdo da vida. Eis o paradoxo: o
homem transcende ao mesmo tempo que existe. E é por isso que Ibor entende que a
personalidade, embora seja um mito, é parte intrínseca da realização pessoal do
homem. O contato com os outros serve para nossa própria realização, mas também,
e ao mesmo tempo, serve para nosso próprio conhecimento. Eis o paradoxo em
outras palavras: necessitamos do próximo (exterior) para conhecermos nosso
mundo interior. Se não interviessem em nossas vidas a mulher, o inimigo, o
filho, o agressor etc jamais experimentaríamos o amor, o ódio, a ternura, a violência
etc.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Embora o eu seja inapreensível, há momentos
na vida, que chamamos de “crises”, nos quais o homem desnuda todo o conteúdo da
sua vida e como que se “vê” frente a frente. Eis o que diz Miguel de Unamuno a esse
respeito:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR"></span></p><blockquote style="text-align: justify;">É mau sinal quando pousamos uma mão sobre a
perna e esta não sente aquela nem aquela esta; pior ainda é quando prestamos atenção
em nós mesmos e não nos <i>sentimos</i> espiritualmente. [...] Pessoas assim
carecem da intuição de sua própria substancialidade. Esta é a palavra mais
exata, embora um tanto abstrata: a intuição de sua própria substancialidade.</blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Observe a extraordinária importância das <i>crises
existenciais</i>. E quem é este eu? Segundo Ibor, é Deus em nós. Descobrir o vazio
do eu é uma experiência que costuma vir acompanhada de uma sensação de angústia.
No eu influem todas as linhas de força do ser, embora se mantenham em equilíbrio,
não por si mesmas, mas porque algo as mantêm assim. Esse algo é a <i>imago Dei</i>.
Se o homem conforme cresce for incapaz de perceber a imagem de Deus em si e
notar apenas o vazio em seu centro -- e isso ocorre com enorme frequência no
homem moderno --, o que lhe resta será a angústia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">O objetivo, ensina Ibor, é atingir o ponto
de sermos <i>homens interessantes</i>. Embora o conceito não seja preciso, a
ideia é que o homem interessante tenha uma <i>forma de intimidade</i> que denota
uma vida interior desenvolvida e de um <i>id </i>vivo e tumultuoso. Esse homem é
interessante não em função do que pensa ou em função de sua conduta, mas que
seu pensamento e conduta deixem entrever uma verdadeira originalidade. Por
originalidade não devemos entender que o homem interessante pense e aja de
maneira chocante ou surpreendente. Isso seria apresentar-se meramente de
maneira distinta, inabitual. O homem interessante é original no sentido de que
vive algo <i>novo</i>, <i>germinal</i>. Esteticamente, segundo Kierkegaard, o
homem interessante vive em um estado de animo tedioso. Isso ocorre porque, para
o homem interessante, o mundo tal como se lhe apresenta é velho, estereotipado,
banal, vulgar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR">Curioso mistério esse. O homem enquanto ser
só pode existir transcendendo-se. A vida humana é algo que se escapa a si mesma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span lang="ES" style="mso-ansi-language: ES;">Fonte</span></i><span lang="ES" style="mso-ansi-language: ES;">: Juan Lopez Ibor, <i>El descubrimiento de
la intimidad</i>, Aguilar Ediciones, Madrid, Espanha, 1952.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-79504164910245614312024-01-02T20:37:00.000+01:002024-01-02T20:37:17.739+01:00Orgulho e preconceito<p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8pWjvksT-W5aVX_b6yBskBpPCe9aM-kaQpE4e3WDkKyzpGfEjb611DJpXPVVzA4NTi2Hx5NuzIX_woVv95tUsk9EvTNhwYVNVdDn5NiGKOzaa9XpWS8CZgP0c1ZPYiPM2SakNMMvvEZpYFnYE0e1DJB8boR7NbsVUlcsdPogpdMnpX_O3BU1sBQ/s474/austen3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="266" data-original-width="474" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8pWjvksT-W5aVX_b6yBskBpPCe9aM-kaQpE4e3WDkKyzpGfEjb611DJpXPVVzA4NTi2Hx5NuzIX_woVv95tUsk9EvTNhwYVNVdDn5NiGKOzaa9XpWS8CZgP0c1ZPYiPM2SakNMMvvEZpYFnYE0e1DJB8boR7NbsVUlcsdPogpdMnpX_O3BU1sBQ/s320/austen3.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">Ela [Mrs Bennet] era uma mulher de compreensão medíocre, pouca informação e de temperamento incerto. Quando descontente, imaginava-se nervosa. A razão de ser de sua vida era ver suas filhas casadas; seu consolo eram visitas e novidades.</p><p style="text-align: justify;">* * *</p><p style="text-align: justify;">"Com o seu bom senso, ser tão honestamente cega aos desatinos e aos disparates dos outros! Fingir candura é muiito comum -- encontra-se em toda a parte. Mas ser cândida sem ostentação ou intenção -- apreender o bom do caráter de todos e torná-lo ainda melhor, e nada dizer de mau -- isso só pertence a você."</p><p style="text-align: justify;">* * *</p><p style="text-align: justify;">"O orgulho", observou Mary se orgulhando de suas reflexões, "é uma falha muito comum, penso. Por tudo o que já li, estou convencida que é, de fato, muito recorrente, que a natureza humana é particularmente dada a isso e que há bem poucos de nós que não acalentariam um sentimento de autocomplacência no cômputo de uma ou outra qualidade, real ou imaginária. Vaidade e orgulho são coisas diferentes, embora as palavras geralmente sejam usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vã. O orgulho estã mais vinculado á nossa própria opinião de nós mesmos, e a vaidade, ao que achamos que os outros pensam de nós."</p><p style="text-align: justify;">* * *</p><p style="text-align: justify;">"A cada dez casos, em nove uma mulher demonstra mais afeição do que ela sente".</p><p style="text-align: justify;">* * *</p><p style="text-align: justify;">"Há um bom e velho ditado: 'Guarde seu fôlego para esfriar o seu mingau'."</p><p style="text-align: justify;">* * *</p><p style="text-align: justify;">"Não tenho direito de dar minha opinião", disse Wickham, "quanto a ele [Mr. Darcy] ser agradável ou não. Não sou qualificado a ter uma. Conheço-o há tempos e muito bem, para ser um juiz justo. É impossível para mim ser imparcial. Mas julgo sua opinião sobre ele, em geral, surpeendente -- e talvez você não a expressasse assim tão fortemente em nenhum outro lugar. Aqui você estã com sua própria família".</p><p style="text-align: justify;"><i>Fonte</i>: Jane Austen, <i>Orgulho e Preconceito</i>, Landmark Editora, São Paulo, Brasil, 2017.</p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-29010129456323947562023-10-19T10:21:00.001+02:002023-10-19T12:51:06.755+02:00Dietética<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC05oWw_ZAjL-BfLWWJBoC_MSN5vtMFjZuyYHQV4gXTTMIAZaS11MnHGtO7IHyy30KA0V-GfaIBl24JHauVUTfPUlUYOUqVBjALpDdCnQAUZXwwgAPlCjLSaoFeNC5rJQ0G5IW6kBOacJ-TAZckQynMwVOTrRZAQypIBKJFRQbgT41UrX78BtCHA/s842/wiseman.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="842" data-original-width="672" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC05oWw_ZAjL-BfLWWJBoC_MSN5vtMFjZuyYHQV4gXTTMIAZaS11MnHGtO7IHyy30KA0V-GfaIBl24JHauVUTfPUlUYOUqVBjALpDdCnQAUZXwwgAPlCjLSaoFeNC5rJQ0G5IW6kBOacJ-TAZckQynMwVOTrRZAQypIBKJFRQbgT41UrX78BtCHA/s320/wiseman.JPG" width="255" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quem se
dedica a estudar psicologia certamente já se deu conta da diferença não apenas
de grau, mas de tipo, entre as obras de um Rudolph Allers e um Donald
Robertson, de um Viktor Frankl e um Massimo Pigliucci, de uma Magda Arnold e
uma Ayn Rand ou, para ficarmos em um exemplo local, de um Mário Ferreira e um Flávio
Gikovate. A diferença reside na fundamentação de seus pensamentos: aqueles delineiam
de maneira clara os preceitos que presidem seu pensamento, enquanto estes se
limitam a orientar o leitor em situações cotidianas. Popularmente, diríamos que
aqueles são “teóricos” e estes “práticos”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Isso não significa
que Flavio Gikovate ou Ayn Rand não apresentem um quadro de referência a partir
do qual fundamentam seus preceitos. É famosa a ideia de “medo da felicidade” de
Gikovate ou a “virtude do egoísmo” de Rand, por exemplo, mas nenhum deles
preocupa-se em apoiar tais quadros em uma visão minimamente precisa do ser
humano. Como se divide o ser humano, quais suas emoções básicas, a qual fim se
destina, o que deveria almejar? O que é felicidade, ego e medo? E qual a
diferença entre esses conceitos e contentamento, eu e temor?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Sou levado
a concluir que a autoajuda e a maior parte do que se passa em consultórios de
psicoterapia não são atividades que se encontram no âmbito da psicologia. A
maioria desses profissionais não apenas não tem claros os preceitos
fundamentais de sua prática, como não mostram saber por que escolheram esta terapia
e não aquela. No supermercado da psicoterapia vale o gosto do freguês.
Behaviorismo, logoterapia, terapia cognitiva, psicanálise, uma pitada de
estoicismo, um pouco de Freud aqui, Jung ali, Rogers, Frankl e, por que não?, Mario
Sergio Cortella. Vale tudo e qualquer coisa sob a batuta do gosto pessoal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">No entanto,
em parte é compreensível, e mesmo desejável, essa situação. Parece que a relação
entre psicologia -- sejamos mais precisos, antropologia -- e aconselhamento nunca
foi unívoca. E a confusão reside no fato de que a terapia não tem a ver com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">psicologia</i> mas com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dietética</i>. A arte de bem aconselhar tem raízes na antropologia,
claro, mas de maneira longínqua e, ademais, jamais exclusiva. Elementos
culturais, históricos, econômicos, profissionais, familiares e muitos outros
influenciam no surgimento de neuroses e curá-las implica em compreender quais,
e em que medida, esses elementos as sustentam, e saber identifica-los no
indivíduo. A terapia é uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">arte</i>, não uma
ciência, e confiná-la à psicologia é um erro crasso. A arte, ou técnica, é um conjunto heterogêneo de conhecimentos que só são unificados em vista de um fim. É como montar a cavalo: é necessário algum conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis do equilíbrio e algum conhecimento de comportamento animal, mas ambos os conhecimentos não guardam entre si nenhuma conexão lógica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A filósofa
chilena Diana Aurenque tangencia esse tema ao lembrar que a dietética é uma
arte antiga, cujo objetivo é ordenar a forma de viver, é organizar a existência
e a vida em todos os seus aspectos. Os filósofos de antigamente não apenas
ofereciam explicações sobre as grandes questões metafísicas, mas também
proporcionavam indicações sobre o modo adequado de viver. Em suma, davam fundamentações
éticas para alcançar uma “boa vida”. E o faziam porque os filósofos eram antes
de tudo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">homens sábios</i>, de saber
amplo, não necessariamente, muito menos exclusivamente, psicólogos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O filósofo,
mais precisamente o dietético, incentivava seus discípulos a se conhecerem de tal
forma a terem condições de assumir o controle de suas vidas, de diferenciar
entre aquilo que lhes é benéfico e o que lhes é nocivo. Sua prática se centrava
em conduzir o interlocutor à liberdade, a assumir com responsabilidade o que
ele é, a liberar-lhe de falsas dependências e amarrar-lhe com liberdade àquilo
que o fortalece e assume como imperioso. Essa responsabilidade livre é precisamente
aquilo que chamamos “saúde”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Portanto, as
pessoas aptas a nos guiar a esta liberdade são os sábios, que podem ou não portar
um diploma de psicologia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Leia</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: Diana Aurenque, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Animales enfermos</i>, Fondo de Cultura Económica, Santiago, Chile,
2022.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-83548917607623031142023-10-05T12:22:00.000+02:002023-10-05T12:22:23.884+02:00O intelecto angélico<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVE6N8f0ypyHPuHyDCQ2DEQeFp8QkVNJsBPju_9LZuuykbNch8EHEwAFJebq4ESQLZgpeXsHeyjICN79sDN8TKkipM4FN_zcJZ7sRsMA91nxEC9cgcrYEH5f4_mOWy1Vu7ijVdbOF8iGaOP3sW8OI8EvAybUg6r8Dwtwy7iEUdA4lkT1Z5lCx8xg/s1000/%C3%A3ngel.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="666" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVE6N8f0ypyHPuHyDCQ2DEQeFp8QkVNJsBPju_9LZuuykbNch8EHEwAFJebq4ESQLZgpeXsHeyjICN79sDN8TKkipM4FN_zcJZ7sRsMA91nxEC9cgcrYEH5f4_mOWy1Vu7ijVdbOF8iGaOP3sW8OI8EvAybUg6r8Dwtwy7iEUdA4lkT1Z5lCx8xg/s320/%C3%A3ngel.jpg" width="213" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A mente
angélica é puramente intelectual. Não passa de intelecto e, enquanto tal, é
puro poder de compreender.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Diferente
do intelecto humano, cujos poderes incluem também o juízo e o raciocínio, o
intelecto angélico não pensa. Não encadeia nem desencadeia conceitos para
formar juízos, tal como o faz a mente humana; tampouco reúne juízos segundo um
processo de raciocínio que leva a uma conclusão. Em suma, sua ação não é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">nem reflexiva, nem discursiva</i>. É
puramente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">intuitiva</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quando
descrevemos os processos humanos de juízo, reflexão ou raciocínio como
discursivos, o uso da palavra “discursivo” traz consigo a ideia de que se
desenvolve no tempo. Somente o simples ato intelectual de compreender, de
conhecer um objeto de pensamento, é instantâneo. O mesmo se pode dizer do
simples ato sensorial de compreender um objeto perceptível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ambos os
atos, intelectual e sensorial, podem chamar-se mais intuitivos que discursivos,
pois são instantâneos, não demandam um espaço de tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">[...]<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As ideias
inatas, que são conaturais aos anjos, constituem as naturezas que eles possuem
por serem criaturas de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ao criar
uma multidão de anjos, Deus diversificou suas distintas naturezas ao implantar
diferentes grupos de ideias em cada um. Por isso podemos concluir que não há
dois anjos iguais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Cada um é
superior ou inferior em hierarquia a outro, em virtude das ideias inculcadas pelas
quais compreende e sabe. Os anjos superiores compreendem mais por meio de menos
ideias, embora mais universais e abarcadoras. Os anjos inferiores compreendem
menos por meio de um número maior de ideias, que são menos universais e
abarcadoras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Essa diferenciação
das naturezas angélicas parece incluir as diferenças essenciais e não as
acidentais. Um anjo é o que é em virtude das ideias que tem. Se for assim, isso
favorece a visão de que um anjo difere de outro, assim como uma espécie de
substância difere de outra, mais do que um individuo difere de outro dentro de
uma mesma espécie.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Dado que as
ideias pelas quais os anjos, de forma intuitiva, sabem e compreendem, provêm de
Deus, o intelecto angélico é tão infalível quanto o intelecto divino. No
entanto, a diferença entre o ser infinito de Deus e o ser finito dos anjos traz
consigo o reconhecimento de que o intelecto angélico pode ser infalível sem,
contudo, ser onisciente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fonte</i>: Mortimer J.
Adler, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Los ángeles y nosotros</i>, Javier
Vergara Editor, Buenos Aires, Argentina, 1996.<o:p></o:p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-76163840631659059512023-10-02T13:47:00.000+02:002023-10-02T13:47:04.141+02:00Breve introdução à obra de Tomás de Aquino<p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhusHhujgriq9RPaoImJDEYDfn7Fo16I387ELxAzhX-x0LBciwGhQX72G4u3QTUeOLCRPkoZGM3zww3Eewev5sGWPgVLnL6QsIYsuBwcHn5z1yD0bjAEmIO-nIpBix8828_tgHYOLIrjhyphenhypheng3VAYMeddeotvMIE5gnGOLCFYor8uLNTXCxpyB8HkuQ/s526/Saint_Thomas_Aquinas_Diego_Vel%C3%A1zquez.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="526" data-original-width="440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhusHhujgriq9RPaoImJDEYDfn7Fo16I387ELxAzhX-x0LBciwGhQX72G4u3QTUeOLCRPkoZGM3zww3Eewev5sGWPgVLnL6QsIYsuBwcHn5z1yD0bjAEmIO-nIpBix8828_tgHYOLIrjhyphenhypheng3VAYMeddeotvMIE5gnGOLCFYor8uLNTXCxpyB8HkuQ/s320/Saint_Thomas_Aquinas_Diego_Vel%C3%A1zquez.jpg" width="268" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">Vamos
tentar aqui resumir o tomismo em seus pontos mais importantes. Tomei por base o
estudo feito pelo historiador português João Ameal.</p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">De maneira
geral, Tomás se apoia em dois axiomas basilares:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">- A
realidade objetiva do universo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">- A
inteligência humana é capaz de conhecer o universo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><u><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Conceitos funamentais<o:p></o:p></span></u></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Há, no
entanto, alguns conceitos fundamentais que são necessários para que entendamos
mais claramente a doutrina tomista. Vejamos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">a)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ser</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. O ser é
uma constante irredutível da realidade a qual a inteligência descobre por
abstração. O ser é tudo quanto existe. Se por um lado surgem novos modos e
novos aspectos de existência, por outro apenas o ser permanece. Quanto ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não-ser</i>, já o estudamos em outras
oportunidades (cf. Mário Ferreira, Frederick Wilhelmsen etc.) e ele escapa às
nossas faculdades. Não está claro se Ameal, ou o próprio Tomás, se refere ao
não-ser (nada) absoluto ou relativo (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">me
on </i>vs. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ouk on</i>). De qualquer
forma, para que o conceito de ser se solidifique na mente do estudante é
necessário distinguir bem entre o que existe sempre e o que deixa de existir,
entre o que fica e o que passa, entre o idêntico e o diverso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">b)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Primeiros princípios</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. São os princípios supremos, os “alicerces ontológicos”, aos quais a
inteligência humana não tem alternativa senão subordinar-se. São eles:<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> não-contradição</i> (uma coisa não pode ser
e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">identidade</i> (o ser é sempre idêntico a si mesmo), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">causalidade</i> (todo ser contingente tem
uma causa), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">razão suficiente</i> (todo
ser tem sua razão de ser), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">finalidade</i>
(todo agente opera para um fim).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">c)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Potência e ato</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">.
Nem tudo é ser ou não-ser. Há uma terceira hipótese: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">poder-ser</i>, ou seja, coisas que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não
são ainda</i> ou que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">já não são</i>. A
potência é a capacidade de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vir-a-ser</i>
(ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">devir</i>). Para que o vir-a-ser
venha a ser, é necessário que o ato intervenha. Difícil defini-lo, mas pode-se
dizer que o ato equivale a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">perfeição</i>.
O ato completa o incompleto, determina o indeterminado. A potência limita o
ato, pois do contrário o ato seria ilimitado, imutável, perfeição pura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">d)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Essência e existência</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. Essência (ou natureza, ou quididade, ou forma) é o que caracteriza o
ser, é o que faz o ser pertencer a determinada espécie ou gênero, é o que
distingue o ser dos seres pertencentes a outros gêneros e espécies. As
essências podem ser agrupadas em “ideias universais”, que por sua vez
dividem-se em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideias universais-diretas</i>
(dizem respeito aos elementos constitutivos das essências, mas sem relação com
quaisquer indivíduos) e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideias
universais-reflexas</i>, ou predicáveis (dizem respeito à relação das essências
com os seres: são elas espécie, gênero, diferença, propriedade e acidente). Por
outro lado, existência é o que dá realidade à essência, é o que eleva a
essência à categoria de ser, é o que faz a essência emergir do nada. A essência
em potência torna-se essência em ato mediante a existência. No entanto, mesmo
em ato a essência representa certos tipos de seres sob uma forma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">abstrata</i>: é uma vez mais a existência
que lhes dá conteúdo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">concreto</i>.
Segundo Tomás, quando a existência não se encontra limitada por nenhuma
essência, estaremos diante do Ser absolutamente único e simples, cuja essência
confunde-se com o próprio ato de existir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">e)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Substância e acidente</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. A substância é o elemento permanente do ser, ou seja, aquele elemento
do ser no qual a essência existe nesse ser e não em outro, enquanto acidente é
o elemento ocasional (ou “adventício”) do ser, ou seja, aquele elemento do ser
no qual a essência existe nesse e em outros seres. Todos os seres criados têm
substância e acidentes. Quanto ao modo de existir, há dez categorias. Ameal
introduz um útil exemplo que os resume todos: Paulo é homem – substância; Paulo
é alto – qualidade, Paulo é um corpo orgânico (dotado de diversos órgãos) –
quantidade; Paulo é tio de Luís – relação; Paulo empurra Luís – ação; Paulo é
empurrado por Luís – paixão; Paulo vive há trinta anos – quandocação; Paulo
está sentado – estado; Paulo foi à rua – localização; Paulo está fardado –
hábito. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">f)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Causa</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. Das categorias de ação e paixão deduzimos que
causa é a origem de qualquer ação, ou seja, é aquilo que intervém na produção
de uma coisa. Há quatro causas, que novamente Ameal as resume todas lançando
mão do famoso exemplo da estátua de um rei: o mármore é a causa material, a
figura do rei é a causa formal, o escultor é a causa eficiente, a glorificação
do rei, o adorno da praça ou a ambição do artista é a causa final.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 18pt; text-align: justify; text-indent: -18pt;"><!--[if !supportLists]--><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">g)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";"> </span></span></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Unidade, verdade, bondade</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">. São os três grandes atributos do ser (Ameal cogita incluir um quarto
atributo, a beleza, mas vacila reduzindo-a a uma forma especial de bondade). O
ser é uno (indiviso), verdadeiro (se conforma à inteligência) e bom (solicita e
satisfaz a vontade).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><u><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Deus<o:p></o:p></span></u></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">São famosas
as provas de Tomás de Aquino acerca da existência de Deus. Mas menos famosa é a
ideia de que tais provas não são provas como uma demonstração geométrica é uma
“prova”. O grau de certeza dessas provas não provém de um raciocínio lógico,
mas de uma meditação ontológica. Por isso tais provas, embora levem este
pomposo nome, não são tão convincentes quanto uma prova matemático-geométrica:
o raciocínio lógico parte de uma proposição e, desde aí e para “fora”, atinge
outras certezas. É algo que qualquer um que esteja minimamente desperto e
consciente deverá assentir à sua conclusão. Mas uma meditação ontológica, ou
poderíamos dizer, à moda de Mário Ferreira, um “raciocínio ontológico”, é algo
que parte de uma evidência e, desde aí e para “dentro”, investiga essa
evidência e a explica, a esmiúça. Se o indivíduo, mesmo que esteja desperto e
consciente, não for capaz de ver a evidência, menos ainda será capaz de
assentir às suas conclusões. Veja que a meditação ontológica se faz menos com
raciocínios e mais com intelecções. Aqueles que têm facilidade para a abstração
matemática, caso se apaixonem por essa via, terão dificuldades em assentir ao
terceiro grau de abstração, ao qual pertence a ontologia geral.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
inteligência humana está ordenada ao absoluto. Isso significa dizer que ela
está dirigida à pesquisa das causas; em última instância, a investigar a origem
do ser. No entanto, no seio do tomismo, investigar a origem do ser significa
investigar a origem do próprio Deus. Trata-se de um salto temerário: uma vez
apreendido o ser e meditado a seu respeito, quem disse que a inteligência
humana, por mais que esteja ordenada ao absoluto, capta o Ser enquanto tal?
Quem disse que o ser supremo é o Ser Supremo? O melhor é contentar-se com a
noção de que a inteligência humana, por si só, intui o Ser, mas o máximo que
pode fazer é inspirar, dar ímpeto, à vontade para que busque o Ser por outras
vias, a saber, pelo contato direto com Ele, e não por meio das coisas criadas.
Por sinal, Ameal o admite ao afirmar que “só nos será lícito demonstrar a
existência de Deus pelos seus efeitos; mas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não
há proporção alguma entre Deus e os seus efeitos</i>: estes são finitos, ao
passo que Deus é infinito” (por sua vez inspirado na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sum. Theol.</i>, I, Q, 2, art. 2, Videtur quod). Por outro lado, também
diz, de maneira ambígua:<o:p></o:p></span></p><blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">“[...] não
se contestará que haja desproporção absoluta entre os efeitos finitos e a
Divina Causa infinita. Essa desproporção faz com que seja extremamente
imperfeito [por que “extremamente imperfeito” e não “absolutamente
impossível”?] o nosso conhecimento de Deus, mas não afecta a possibilidade de O
conhecermos. Das Suas obras poderemos deduzir a Sua existência, não atingi-lO
na Sua natureza essencial. O que se discutia, porém, era apenas o primeiro
ponto – e, quanto a esse, chegâmos ao fim que desejávamos: estabelecer que a
existência de Deus é susceptível de demonstração”. (cf. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sum. Theol.</i>, I, Q, 2, art 2, Resp + <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Idem</i>, ad tertium)</span></p></blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Como se
verá, Tomás não se limita a provar a existência de Deus, mas Lhe confere
atributos não a partir de alguma revelação divina, mas a partir da mesma
especulação metafísica. A abordagem de Sertillanges me parece mais sã: “não se
trata de definir ou compreender Deus – por si mesmo indefinível e
incompreensível – mas de definir e compreender um mundo que, sem Ele, não teria
razão de ser, nem poderia subsistir, nem mesmo se tornaria acessível ao nosso
conhecimento” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">S. Thomas d’Aquin</i>).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eis em suma
as cinco vias de Tomás de Aquino:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(1) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Primeiro Motor </i>(ou “ato-potência”). Todo
objeto que se move, seja de lugar, seja em qualidade, aumento ou diminuição,
seja de ação interna sobre si mesmo, tem de ser movido por outro, já que não é,
ao mesmo tempo, o que move e o que é movido. E assim sucessivamente, até necessariamente
encontrarmos o Primeiro Motor, imóvel, ato puro, ou seja, desprovido de
potência. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(2) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Primeira Causa</i> (ou “causa-efeito”).
Partindo da ideia de causa eficiente, não podemos admitir a existência de
efeitos sem causa. Portanto, existe uma Primeira Causa, que é eficiente, mas em
si incausada: Deus. Aqui nota-se o evidente parentesco com a via (1) acima.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(3) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ser Necessário</i> (ou
“necessário-contingente”). Todas as coisas podem ou não existir. Isso significa
que todas as coisas são contingentes. E isso também significa que é forçoso que
o necessário exista. Por conseguinte, deverá haver apenas um único ser
necessário: Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(4) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ser Perfeito</i> (ou
“perfeição-participação). Consideramos as coisas mais ou menos belas, mais ou
menos boas, mais ou menos perfeitas. Isso significa que há um ponto de
referência, um máximo dentro das diversas qualidades, que o atributo
participado tem a sua origem e razão fora dos seres em que se manifesta. Aqui a
influencia de Platão é patente: reduz-se o múltiplo ao uno. Há um Belo
absoluto, uma Bondade absoluta, uma Perfeição absoluta. É claro que esse
raciocínio só ode ser válido no caso dos atributos transcendentes. E também
está claro que, se a inteligência extrai essas qualidade do sensível, então
essas qualidade são também reais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(5) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Primeira Inteligência</i> (ou “causa
final”). Vemos as coisas atuarem segundo um fim, mas não por acaso, e sim em
virtude de determinada intenção (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">ex
intentione</i>). Ora, nada pode tender a um fim se não for dirigido por um ser
inteligente. O conjunto dessas ações intencionais, e que visam o bem de quem as
opera, pressupõe uma unidade de ordem. É necessário que o bem universal seja
também um fim universal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Novamente,
como dissemos acima, nenhuma dessas vias versa essencialmente sobre Deus, mas
apenas sob determinados aspectos. Conclui-se que, em Deus, existir é a Sua
essência. Em outras palavras, essência e existência são a mesma coisa em Deus. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ego sum qui sum</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E,
novamente, cabe reforçar que as provas vêm não de raciocínios lógicos, mas de
raciocínios ontológicos. Elas não servem portanto somente para alicerçar a fé,
mas acima de tudo para balizar os pensamentos e ações humanos, orientando-os à
Causa das causas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Embora se
possa provar a existência de Deus, não é possível defini-lo, por motivos
óbvios: não há gênero próximo nem diferença específica a qual se possa apelar.
Mas pelo menos é possível conferir-lhe atributos, tanto negativos quanto
positivos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(a) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Atributos negativos</i>: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">aseidade</i> (Deus é o único ser que existe <i style="mso-bidi-font-style: normal;">por si (a se)</i>; <i style="mso-bidi-font-style: normal;">infinito</i> (a existência de Deus não tem fim e nenhuma perfeição lhe
falta); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">simples</i> (todos os seres são
compostos, menos Deus, pois Ele não é fisicamente composto de matéria e forma,
nem metafisicamente composto de ato e potência ou essência e existência ou
substância e acidente, nem logicamente composto de gênero e diferenças); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imutável</i> (Deus não é determinado a
qualquer transformação por outro ser); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eterno</i>
(todos os seres existem no tempo); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imenso</i>
(todos os seres são localizáveis em determinado ponto do espaço); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">unicidade</i> (Deus não faz parte da
pluralidade das essências criadas).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(b) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Atributos positivos</i>: Deus é a eminência
das perfeiçoes das criaturas, embora, evidentemente, de modo inexato, devido à
enfermidade de nossa razão, a saber: Inteligência, Bondade, Verdade, Vontade (o
instrumento pelo qual o homem tende à própria perfeição; “em todo ser dotado de
inteligência existe vontade”, diz Tomás), Bem, Beleza, Liberdade, Amor. Não
somente aqui, mas sobretudo aqui, Tomás lança mão da doutrina da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">analogia</i>. Não cabe repetir o que já foi
ensinado por Mortimer Adler sobre analogia, mas cabe sim registrar que o tipo de
analogia empregado por Tomás é a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">analogia
de proporcionalidade</i>, ou seja, a analogia por semelhança e diferença. Essa
analogia representa uma propriedade atribuída a várias coisas que a possuem
intrinsecamente, mas de modo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">diverso</i>
e quando a atribuição é feita pelo fato da relação de uma das coisas com tal
propriedade ser <i style="mso-bidi-font-style: normal;">semelhante</i> à relação
da outra com a mesma propriedade. Então, no caso de Deus e as coisas criadas,
elas possuem intrinsecamente o ser, mas de modo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">diverso</i> (em Deus, identificado à essência, nas criaturas ligado
transitoriamente à essência); por outro lado, a relação que as criaturas
finitas tem com o ser finito é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">semelhante</i>
à de Deus Infinito com o Ser Infinito. Vale a pena reproduzir o que diz Tomás a
esse respeito, pois trata-se de um assunto nuclear para a doutrina tomista:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote style="text-align: justify;">Com grande
precisão, desenvolve São Tomás a doutrina da analogia aplicada ao nosso
conhecimento de Deus, no tratado <i style="mso-bidi-font-style: normal;">De
Veritate</i>. Reproduzimos um trecho elucidativo: -- “Pode haver proporção e,
portanto, conveniência e analogia entre duas coisas pela razão de existir entre
elas uma relação de grau, de distância, de medida, isto é, uma relação real a
reciproca --como, por exemplo, o número 2 está em proporção com a unidade, da
qual é o dobro. Mas pode-se afirmar também uma conveniência entre duas coisas
que não tenham proporção direta, pela razão de uma delas ser a uma terceira o
que a segunda é a uma quarta. Assim, o número 6 parece-se com o número 4 em que
6 é o dobro de 3 como 4 é o dobro de 2. O primeiro gênero de conveniência é de
proporção direta, o segundo de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">proporcionalidade</i>.
Sucede que, segundo o primeiro destes modos, certas noções se aplicam a duas
coisas que possuem direta relação entre si: diz-se que existe o ser na
substância e no acidente por causa da relação em que se encontram... Noutros casos,
uma noção atribui-se analogicamente: assim a palavra <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ver</i> tanto se entende do órgão da vista como da inteligência, por a
inteligência ser para a alma o que os olhos são para o corpo. Como o primeiro modo
de analogia requer uma direta e determinada relação entre as coisas que se dizem
análogas, é impossível haver analogia desta ordem entre os atributos comuns a
Deus e à criatura; pois nenhuma criatura se acha em tal relação com Deus que
essa relação possa servir para determinar a perfeição divina. Mas quanto ao
segundo modo de analogia, em que não é requerida uma relação direta e
determinada entre as coisas que participam duma noção comum, nada impede que,
dentro desse modo, certos nomes sejam ao mesmo tempo ditos de Deus e da
criatura”.</blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Vê-se,
portanto, que Deus tem de conter a totalidade das perfeições das coisas
criadas, mas as contém de modo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">analógico</i>.
Vê-se, portanto, que há uma semelhança analógica entre o criado e o Incriado.
No entanto, Ameal não deixa de salientar que “[a teodiceia de São Tomás] é
insuficiente para traduzir, mesmo de longe, a verdadeira natureza de Deus.
[...] Tudo que a inteligência humana tente para ir além da afirmação da
existência de Deus, para saber <i style="mso-bidi-font-style: normal;">como Deus
é</i>¸ está condenado a seguro malogro. [...] Já que não nos é dado conhecer e
pensar Deus <i style="mso-bidi-font-style: normal;">como Deus é </i>(por não ser
enquadrável nas categorias da nossa inteligência) conhecemo-lO e pensamo-lO <i style="mso-bidi-font-style: normal;">como nós somos</i>: só assim a nossa
inteligência logra alcançá-lO. Desde que nunca percamos de vista a desproporção
entre o que atribuímos a Deus e o que Deus é”. E, por fim, cita São Dionísio
Areopagita em sua Teologia Mística: “— A ciência mais alta que poderemos ter de
Deus, nesta vida, é saber que Deus está acima de tudo que pensarmos a seu
respeito”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><u><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mundo<o:p></o:p></span></u></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Deus criou
o mundo do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">nada</i>, mas esse nada não
pode ser algo pré-existente, algo que tenha realidade, mas algo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">do</i> Ser pré-existente. O mundo, portanto,
nasce por <i style="mso-bidi-font-style: normal;">emanação </i>do Ser. A criação,
por sua vez, contém uma relação de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dependência</i>
com o Princípio do qual emana, ou seja, a criação adere ao próprio ser – enquanto
o ser exista. Depois de existente, o ser dura por si. Mas, de inicio, é
indispensável que haja o ser. E o ser, por sua vez, depende essencialmente de
sua origem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Como não há
relação unívoca, mas apenas analógica, entre Deus e o mundo, não podemos deduzir
da imortalidade de Deus que, por conseguinte, o mundo também seja eterno.
Racionalmente falando, o mundo não é evidentemente eterno nem é evidentemente
temporário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quanto á
multiplicidade dos seres ante a unicidade de Deus, Tomás explica que a variedade
das criaturas é necessária porque o efeito parece-se com sua causa e, portanto,
as criaturas finitas parecem-se imperfeitamente com as perfeições simples de
Deus. A graduação da perfeição nos seres é a maneira sábia de Deus para que se
manifestem nela Suas perfeições.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ora, assim
como em qualquer perfeição, é impossível que as criaturas finitas reflitam a
bondade infinita de Deus. Novamente apelando a São Dionísio, Tomás conclui que
o mal não existe. O que existe é a ausência de bem, ou seja, certa deficiência,
a privação de qualidade que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">deveria
possuir</i>. O mal não é nem uma essência, nem tem realidade. Mal e privação
são, portanto, sinônimos. Sim, é paradoxal, mas é assim: a causa do mal é o bem
porque esse bem é limitado, imperfeito, contingente, que, ao degradar-se,
alcança a condição de “não-bem”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Pouco direi
sobre o hylemorfismo empregado por Tomás. Bata dizer que os princípios físicos
do mundo não são nem a matéria (átomos) nem a imatéria (forças), mas a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">matéria prima</i> e a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">forma substancial</i>. A matéria prima é determinada pela forma
substancial no ser substancial, enquanto a matéria segunda é determinada pela
forma acidental no ser acidental. Portanto, a matéria é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">especificada</i> pela forma enquanto a forma é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">individuada</i> pela matéria. A mudança substancial (não a acidental),
portanto, centra-se na forma substancial. A matéria prima é comum às duas
substâncias, mas o que mudou foi a forma substancial. Na mudança não há nenhuma
criação propriamente, mas literalmente uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">transformação</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os corpos
apresentam diversas propriedades. Cabe menção as seguintes: (1) derivadas da
matéria: quantidade (ou “extensão”), lugar e tempo; (2) derivadas da forma:
qualidades, como figura, cor, som, cheiro, sabor, resistência, temperatura e
forças (mecânicas, físicas e químicas).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O infinito,
segundo Tomás, é algo que não existe em ato na ordem do espaço, mas somente na
ordem do tempo e pertence a Deus, pois somente Ele está acima das categorias do
real.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quanto à
contingência dos seres criados, cabe notar que Deus, apesar de ser a Causa
Primeira, não faz parte por isso da série de causas do mundo: Ele deve ser
entendido mais como uma Super-Causa que, ao conferir às causas criadas o seu
ser, confere-lhes a qualidade de produzir efeitos necessários ou contingentes.
Ambas as modalidades – contingente e necessário – fazem parte da essência do
ser relativo, mas não do Ser Absoluto. Portanto, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Deus determina o contingente a ser indeterminado</i>. A inteligência
humana só é capaz de conhecer o necessário. A nós o contingente é algo incognoscível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Por fim,
quanto à vida, Tomás a define os seres vivos como aqueles que se movem. O
princípio vital nunca deve ser encontrado na matéria, mas sempre na forma
substancial. Ele é uma espécie de força da qual provêm as operações imanentes
dos seres vivos. A esse princípio vital chamamos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">alma</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><u><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Homem<o:p></o:p></span></u></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O corpo,
enquanto potência, tem na alma seu ato. Similarmente, o corpo, enquanto
matéria, tem na alma sua forma. E daqui podemos deduzir sua espiritualidade: a
alma é incorruptível, imaterial e, portanto, imortal. No entanto, a alma não é
espirito puro nem substância pura porque tende a um corpo e, ademais, não consegue
sozinha realizar as operações vegetativas e sensitivas que lhe são próprias.
Conclui Tomás, portanto, que “o homem não é apenas alma, é um ser composto de
alma e de corpo”. Em ainda outras palavras, a alma é o principio ativo que faz
a matéria <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ser em ato</i>, conferindo-lhe
a ambos, alma e corpo, unidade. Há uma união imediata da alma ao corpo como a
forma é unida imediatamente à matéria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Embora o
ser humano seja composto, ou seja, não haja realmente duas “partes” existencialmente
distintas, na sua intelectualidade a alma pode ser independente do corpo por
ser esta intelectualidade imaterial e incorruptível. E pelo fato de ser
imortal, a alma tende necessariamente para a felicidade imortal. Não para uma
felicidade que se possa encontrar em bens particulares, uma vez que a alma não descansará
nesses bens, mas no Bem Infinito, na contemplação inefável da essência divina.
Em outras palavras, na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">beatitude eterna</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quanto aos
princípios das operações (ou “potências”, ou “faculdades”) a alma humana
estrutura-se da seguinte forma:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(a) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Faculdades vegetativas</i>. Ínfimo grau e
importância. Pouco nos interessamos por elas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(b) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Faculdades sensitivas</i>. Há quatro espécies:
a <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>perceptiva</u></i> (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">sentidos externos e internos</i>, a saber:
sentido comum (pelo qual o homem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">cataloga</i>
as sensações externas, segundo as suas afinidades e diferenças), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imaginação</i> (pela qual conserva as
imagens sensíveis e as reproduz mesmo na ausência dos objetos que as
motivaram), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">estimativa</i> ou juízo
instintivo (pelo qual atribui, aos objetos externos percebidos pelos sentidos,
certas propriedades benéficas ou maléficas), <i style="mso-bidi-font-style: normal;">memória sensitiva</i> (pela qual conserva as suas percepções sensitivas
passadas)), a <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>apetitiva</u></i> (que
leva o homem a tender para os bens sensíveis convenientes à sua natureza), a <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>locomotora</u></i> (pela qual se desloca
dum lugar para outro) e a <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>vocal</u> </i>(pela
qual se exprime e comunica com os outros homens).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(c) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Faculdades intelectivas</i>. É a capacidade
de penetrar na essência das coisas e “ler” no interior dos seres (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">intus-legere</i>, intelecto). É o intelecto
que se comunica com o ser das coisas, ou seja, com sua inteligibilidade
fundamental. É no seu ser que as criaturas contingentes participam do Necessário,
que as criaturas mutáveis participam do Imutável, que as criaturas imperfeitas
participam do Perfeito. É por isso, pelo seu ser, que as criaturas são susceptíveis
de conhecimento “intelectual” (que possam ser interiormente “lidas”). E aqui se
introduz um interessante e fundamental conceito: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">modo intencional</i> do conhecimento humano. Trata-se da capacidade do
sujeito que conhece <i style="mso-bidi-font-style: normal;">converter-se</i> no
objeto conhecido. O homem despoja as formas da matéria que lhes mascara o “fulgor
inteligível” e é capaz de contemplar a unidade absoluta das ideias que se reproduzem
na gama dos seus modelos, tornando-se capaz, portanto, de ser outro, de se
tornar outro. Isto, claro, sob certo aspecto apenas, visto “o objeto conhecido
estar naquele que conhece segundo a maneira de ser deste último”, ou seja, a aptidão
para ter em si todas as coisas pelas suas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">formas</i>.
Eis as duas faculdades intelectivas: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>intelecto
agente</u></i> (ou “força abstrativa”, o “luz derivada de Deus”, segundo Tomás),
que isola as essências contidas na realidade concreta formando a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imagem inteligível </i>(a “imagem da
essência”), ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">fantasma</i>, ou ainda a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">species impressa</i>, isto é, a fusão da
inteligência com o ser intencional do objeto; e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><u>intelecto possível</u></i>, que recebe a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">species impressa</i> e se determina em ato, gerando a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">species expressa</i> (ou “verbo mental”),
que encerra em si a ideia abstrata, a ideia em si (ideia de humanidade, por
exemplo). A partir dessa intelecção espontânea e instantânea, o intelecto é
capaz de alçar novos voos e, pela reflexão introspectiva e por silogismos,
adquirir novos conhecimentos, generalizações e juízos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Por fim,
cabe mencionar a importantíssima relação entre inteligência e vontade. A
vontade não é um simples apetite sensitivo, mas um apetite intelectivo. É inato
no homem o agir com conhecimento de causa, o agir para um fim. Os atos
voluntários são os atos que, além da inclinação própria do homem, são acompanhados
de algum conhecimento. O homem naturalmente tende a seu fim último, que é o Ser
Supremo, o Bem Último. Entretanto, as criaturas também contêm em si algo desse
Ser, o que motiva o homem a buscar o conhecimento também destas criaturas
contingentes. O home, enquanto ser racional, não tem o direito de desligar seu
intelecto e não entregar-se ao Fim Último, que está nas criaturas e,
evidentemente, para além delas. A vontade é o apetite que impulsiona o homem a
buscar o encontro com este Fim. Observe, portanto, que inteligência e vontade
alimentam-se e impulsionam-se mutuamente. Evidentemente o apetite sensitivo
também influencia a vontade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
inteligência é superior à vontade porque a inteligência é simples e seu objeto
é a ideia do bem. A vontade tem por objeto o bem. No entanto, e eis o reverso
da medalha, se o bem a desejar for superior à própria alma que deseja, então a
vontade é eminente à inteligência. Entenda-se: se o bem a desejar é Deus,
torna-se muito mais importante amá-Lo do que conhecê-Lo. Se o bem a desejar são
as coisas criadas, torna-se muito mais importante conhecê-las do que amá-las.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As
qualidades da alma que a leva a fazer o bem se chamam <i style="mso-bidi-font-style: normal;">virtudes</i>. Tomás destaca algumas que considera fundamentais: as
intelectuais (para aperfeiçoar a inteligência: sabedoria, ciência,
entendimento) e as morais (para aperfeiçoar a vontade: prudência, justiça, fortaleza,
temperança).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Fonte</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: João Ameal, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">São Tomaz de Aquino</i>, Livraria Tavares Martins, Porto, Portugal,
1947.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-31333873205268937202023-09-19T12:36:00.004+02:002023-09-20T05:27:03.873+02:00A potência cogitativa na TCC<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMunNCI5gwqycYonZsYkksB0Dl0JS5Zey7kh9byPLkzUpM8ujWHEF5tuss4xwIFAr8PFYqqm4s6IUVruDFtbRw5tQMYNZZVJH7-MioRHLBiFVGsXYrj35L6vx-7VK05MQOi5J30z3togA6-LqgQlSXRGwjoL0mkN2coTMs5p7WiDpVwzWM-YZNJQ/s727/butero.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="727" data-original-width="631" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMunNCI5gwqycYonZsYkksB0Dl0JS5Zey7kh9byPLkzUpM8ujWHEF5tuss4xwIFAr8PFYqqm4s6IUVruDFtbRw5tQMYNZZVJH7-MioRHLBiFVGsXYrj35L6vx-7VK05MQOi5J30z3togA6-LqgQlSXRGwjoL0mkN2coTMs5p7WiDpVwzWM-YZNJQ/s320/butero.JPG" width="278" /></a></div><br /></div><div style="text-align: justify;">O psicólogo italiano Giuseppe Butera expõe interessantes pontos de contato que antecipam em Tomás de Aquino alguns tópicos que mais tarde seriam desenvolvidos no âmbito das terapias cognitivo-comportamentais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A <i>potência cogitativa </i>, que nos animais se encontra subdesenvolvida na forma de potência estimativa, é o sentido interno mais importante no homem. É ela que, uma vez alimentada pelos sentidos externos, apreende os objetos, situações e experiências como "adequadas" ou "inadequadas", como se fossem juízos instintivos. No entanto, se nos animais ela é simples intuição sensível, nos homens ela é alimentada pelo conhecimento adquirido pela experiêcia direta (memória) e pela instrução (razão). Como a razão lê o que há de universal, por conseguinte ela é capaz de informar a cogitação, que funciona como uma espécie de "razão particular". Por outro lado, a memória, ao acumular experências prévias, desenvolve certos hábitos imaginativos que informam a cogitação, dando-lhe mais velocidade a aprensões familiares.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Observa-se, portanto, que enquanto nos animais a estimação é fixa, nos homens a cogitação é programável, como se fosse um computador. No entanto, mesmo nos homens ela não é racional nem irracional, mas simplesmente "não-racional".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É a ação da potência cogitativa que desencadeará a reação das paixões (emoções) da alma. Aqui pouco importa se a apreensão é "correta" ou "incorreta", "verdadeira" ou "falsa". A cogitação é incapaz de alcançar tais juízos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Pois bem, Butera conclui que os "pensamentos automáticos", tão extensamente popularizados por Aaron Beck e sua terapia cognitivo-comportamental, são precisamente as reações pré-conscientes da potência cogitativa. São automáticas, mas são reprogramáveis. São pensamentos, mas não são conscientes. Precisamente o que a cogitação é: um sentido interno cuja resposta é automática e age sobre o restante da alma com a vivacidade de pensamentos. É possível perscrutar e identificar as reações da cogitação e reprogramá-las racionalmente, assim como séculos mais tarde Beck descobriu que é possível perscrutar e identificar os pensamentos automáticos e reprogramá-los racionalmente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A cura não é imediata como a programação de um computador. As potências da alma sensitiva, sejam externas ou internas, estão intimamente ligadas ao corpo e, portanto, são pouco maleáveis. É possível reorientá-las, mas é necessário tempo, consistência e paciência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><a href="https://psiquiatria.com/bibliopsiquis/la-anticipacion-de-tomas-de-aquino-a-la-terapia-cognitiva/" target="_blank">Fonte</a></i>: Giuseppe Butera, <i>La anticipación de Tomás de Aquino a la terapia cognitiva</i>, Interpsiquis Vol. XXII, 2021.</div>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-46457638447027994262023-09-16T01:00:00.002+02:002023-09-16T06:28:36.794+02:00Abstração e projeção<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU7jBNy_ADK4sUfulDxBTzxYcuH4S5ejR8fOBbslIv0uHQ5EksN_dAUV6K9rhk5OaO7E-BFcNIzS6RIEhp373eQXc5i9EwpXb1U4-mhgSCGZHltZQJakk4GvQk8iER4gs1Y1mEUuSLSiRZx0wjQyAgtLbimIZorSsqj5q7XSU09DBTrZAWXIqt2g/s750/worringer.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="497" data-original-width="750" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU7jBNy_ADK4sUfulDxBTzxYcuH4S5ejR8fOBbslIv0uHQ5EksN_dAUV6K9rhk5OaO7E-BFcNIzS6RIEhp373eQXc5i9EwpXb1U4-mhgSCGZHltZQJakk4GvQk8iER4gs1Y1mEUuSLSiRZx0wjQyAgtLbimIZorSsqj5q7XSU09DBTrZAWXIqt2g/s320/worringer.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Podemos ser
levados a crer que quanto mais naturalista, detalhada e fiel à realidade
pictórica for uma obra de arte tanto mais desenvolvida e superior ela será em relação
às representações abstratas e de inspiração geométrica. Inspirado pela obra e
ensinos de Alois Riegl, o historiador alemão Wilhelm Worringer chega a
conclusões não só divergentes como de certa forma contrárias a tal senso comum.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Worringer
parte da ideia de que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">o gozo estético
é um autogozo objetivado</i>. Em outras palavras, a beleza extraída de uma obra
de arte é resultado do contraste, ou mesmo fusão, da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ampliação</i> do olhar interno até o ponto que abarque toda a obra com
a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">delimitação</i> da imaginação para que
a isole de seu ambiente originário. Se posso abandonar-me <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sem antagonismo interior</i> à tal atividade de ampliação/delimitação, então
disso resultará um sentimento de liberdade e prazer. O objeto estará como que
compenetrado por minha atividade, por minha vida interior. Eis o “autogozo
objetivado”. O “belo” seria uma projeção positiva, enquanto o “feio” uma projeção
negativa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Concomitantemente, identifica dois polos estilísticos claramente distintos
encontrados na estética das obras de arte: (1) o afã de projeção sentimental (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Einfühlung</i>, ou “empatia”), cuja satisfação
se encontra na beleza do <i>orgânico</i>, e (2) o afã de abstração, cuja satisfação se
encontra na beleza do <i>inorgânico</i>, do que nega a vida, do cristalino.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ora, se o
autogozo objetivado é a definição mesma de gozo estético, então Worringer
rejeita a ideia de que somente a projeção sentimental possa cumprir com louvor
os critérios para extrair tal gozo da criação artística. Isso porque, com base
no método criado por Riegl, a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vontade
artística absoluta</i>, ou seja, a vontade artística desligada de quaisquer
objetos, sendo uma exigência interior latente nos homens, se manifesta como
vontade de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">forma</i>. Toda obra de arte é,
em seu mais intimo ser, tão-somente uma objetivação dessa vontade de forma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Observe que
a arte genuína é uma satisfação profunda de uma necessidade psíquica. Não cabe,
portanto, confundir “arte” com “imitação”. Trata-se de um erro muito comum: a imitação
é mera habilidade manual (um “gosto brincalhão pela reprodução de modelos
naturais”) e carece de importância estética. A arte genuína é a expressão estilística
da vontade artística absoluta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O estilo
resultante do afã de abstração – como nas formas de uma pirâmide ou nos
mosaicos bizantinos – se trata de um impulso diametralmente oposto ao afã de projeção.
A tendência abstrata se revela na vontade de arte dos povos em estado de
natureza, na vontade de arte de todas as épocas primitivas e de certos povos
orientais de cultura superior. Trata-se de uma tendência resultante de uma
intensa inquietação interior ante os fenômenos do mundo circundante. Worringer
lança mão da expressão <i style="mso-bidi-font-style: normal;">agorafobia
espiritual</i> para designar tal impulso: algo como uma ansiedade em ficar em situações
ou locais sem uma maneira de escapar facilmente ou em que a ajuda pode não
estar disponível no caso de a ansiedade intensa se desenvolver. Há uma intensa
necessidade por quietude, por desprender cada coisa individual pertencente ao
mundo exterior de sua condição arbitrária e de sua aparente casualidade e
eternizá-la mediante a aproximação a formas abstratas e em encontrar dessa
maneira um ponto de repouso na fuga dos fenômenos. Observe: não há intromissão do
intelecto no estilo abstrato, ou seja, não há nenhum tipo de aspiração a
conformar-se a supostas leis de regularidade geométrica, mas sim uma
necessidade interior elementar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os dois
polos – projeção e abstração – são, ao fim e ao cabo, diferentes níveis de
uma necessidade comum: a ânsia de alienar-se do próprio ego. Tal ânsia de alienação
é incomparavelmente mais intensa e mais consequente no afã de abstração.
Worringer não deixa de notar que a ânsia de alienação do ego é a essência suprema
do gozo estético e, por que não, da felicidade humana mesmo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Concluo
portanto que a arte abstrata, embora primitiva em termos cronológicos, é
primordial em termos ontológicos, pois é ela que retrata melhor o anseio dos
homens em escapar da escravidão ao ego e alçar novos e maiores voos no plano
sobrenatural. Os povos que não aposentaram sua arte abstrata mas, pelo
contrário, a sofisticaram e aprofundaram, são provavelmente aqueles que melhor
combinaram gozo estético e elevação espiritual.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fonte</i>: Wilhelm
Worringer, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Abstracción y naturaleza</i>, Fondo
de Cultura Económica, Cidade do México, México, 1953.</p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-42923514495335361092023-09-14T11:45:00.002+02:002023-09-14T13:54:53.869+02:00A educação da espontaneidade<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqCXxtW8fNIkdXwxO46DNXpCDSN68buhTc9PS5Ge5T_Faik15OOB52sIEGb-KlIlWPh-HGWsc42h6_swks8Q3lYCvP9I4kRpi8WXQOxFeB40TZIG0bvlmX3cQy_hlB4DUgM5M4JZnDVwVJrD6EFur3ZxCXvmGjUAnAKjK1Z5kZl3vE33aB1SCdiw/s997/julianmarias.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="677" data-original-width="997" height="217" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqCXxtW8fNIkdXwxO46DNXpCDSN68buhTc9PS5Ge5T_Faik15OOB52sIEGb-KlIlWPh-HGWsc42h6_swks8Q3lYCvP9I4kRpi8WXQOxFeB40TZIG0bvlmX3cQy_hlB4DUgM5M4JZnDVwVJrD6EFur3ZxCXvmGjUAnAKjK1Z5kZl3vE33aB1SCdiw/s320/julianmarias.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É possível
educar os sentimentos? Ou, pelo contrário, os sentimentos devem ser o guia em
torno do qual devem orbitar nossos pensamentos, condutas e juízos? Vejamos o
que diz o filósofo espanhol Julián Marías.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O homem tem
um caráter convivial, social e histórico. Em outras palavras, se imagina e se
projeta <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dentro</i> de uma forma histórico-social.
Mas é necessário acrescentar que é possível <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sair</i>
dessa forma, que é algo que muitas vezes tem sido negado com notória falsidade.
Mais ainda: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sempre se sai</i> dessa forma
porque toda situação é instável, e justamente por isso existe a história.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É um grave
erro portanto a “programação”, a fixação das formas, que nunca podem ser mais
do que um ponto de partida. Isso elimina algo decisivo: a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">espontaneidade</i>. Na vida é essencial o aporte dos impulsos, dos desejos,
da imaginação – realidades sobre as quais pesa certo “descrédito”. É
fundamental a reação viva, imediata, direta aos elementos da circunstância, especialmente
às pessoas. É preciso que reivindiquemos a importância e a validade do “gosto”,
que não coincide necessariamente com o prazer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É preciso dar
o devido valor à atração pessoal <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imediata</i>,
que costuma ser muito mais ampla e completa que a atração deliberada ou “racional”
(aquela é mais racional, mas da razão vital).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Alguém
poderia pensar que esta insistência na espontaneidade, esta preferência por
ela, exclui a educação ou a relega a uma posição secundária. Acredito que, pelo
contrário, ela a exige: é preciso <i style="mso-bidi-font-style: normal;">educar
a espontaneidade</i>. Ela se nutre de experiências, imaginações, ensaios, explorações
do desconhecido. Ora, a espontaneidade deseducada é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pobre</i>, limitada à <i style="mso-bidi-font-style: normal;">herança</i>,
não somente biológica, mas sobretudo social. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Entendo a educação como cultivo e incremento à espontaneidade</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É evidente a
enorme influência que a ficção tem aqui: poesia, teatro, literatura, cinema; e não
menos importante, a conversação. Aliada às vivências e experiências reais, as
virtuais que se recebem do outro – do próximo presente com quem se conversa ou
do criador, talvez falecido há séculos – são ótimos instrumentos de dilatação e
intensificação da vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
diversidade de idades, a convivência com várias gerações, é essencial. Isso
permite a libertação da circunstância temporal, a ampliação do horizonte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">[...]<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O “estar”
carrega em si o conceito de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">instalação</i>,
que é a maneira como o homem “se encontra” na vida, fazendo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">já</i> algo e sendo alguém. Poderíamos definir
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">temperamento</i> como a modulação dessa instalação.
O temperamento portanto é uma modulação essencial daquilo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">em que</i> se está quando se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">está
vivendo</i>. [...] Alegria e tristeza, austeridade e jovialidade, severidade e
piada, secura e afetuosidade; eis alguns exemplos possíveis de temperamento,
que contêm incontáveis variedades e matizes. Existem temperamentos habituais
que poderíamos chamar de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vigentes</i>. E
existe a possibilidade de sua alteração estimulada ou artificial, como festas,
orgias, álcool, drogas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
afetividade, o mundo dos sentimentos, é o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">envolvente</i>
da vida. [...] A vida apresenta certos sintomas de grosseria, de pobreza, de
monotonia, de instabilidade; e, mais ainda, de secura, de prosaísmo
(achatamento, insipidez). Será que não nos falta uma educação sentimental
adequada?</span></p></blockquote><p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fonte</i>: Julián
Marías, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">La educación sentimental</i>,
Alianza Editorial, Madrid, Espanha, 1992.</p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-85939226867497394792023-09-05T12:34:00.001+02:002023-09-06T09:27:16.924+02:00A metafísica do amor<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLz0b_4lI1xQ0-0sdn3lGPbLUBfdyGGJkOvRB-QRFzuvlQ72sVNbU5VGq7-xrBNdcDAraw34R1FgAksDPrERX6fMBafu8SLq5BFBBxEkR_hnohHQfv00bK1vQgPxnbMHXY2wCTOOsmBlg0K6_5CurHIdtZ2z8WDQJCxV4ZO0Y2qkLptNfX-8Mb1w/s1500/456.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLz0b_4lI1xQ0-0sdn3lGPbLUBfdyGGJkOvRB-QRFzuvlQ72sVNbU5VGq7-xrBNdcDAraw34R1FgAksDPrERX6fMBafu8SLq5BFBBxEkR_hnohHQfv00bK1vQgPxnbMHXY2wCTOOsmBlg0K6_5CurHIdtZ2z8WDQJCxV4ZO0Y2qkLptNfX-8Mb1w/s320/456.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Frederick
Wilhelmsen acredita que o amor é algo que reside no coração de todo ser humano,
e a melhor forma de abordar o tema, para aqueles que são mais voltados à
meditação filosófica, é por meio da ontologia da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">existência</i>. Aqueles que seguem o Cristo sabem que a lei final é a
lei do amor e que a cidade a que estamos destinados é a Cidade de Deus. Como
inspiração da importância do tema, eis alguns ensinamentos de Jesus Cristo e do
Apóstolo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os
profetas.</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Mateus
22:37-40<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">E no Sermão
da Montanha disse Jesus: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ouvistes que foi
dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos,
bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que
vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos
céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça
sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis?
Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos
irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.</i> Mateus 5:43-48<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O amor é sofredor, é benigno; o amor não é
invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com
indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não
folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão
aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque,
em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é
perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> 1 Coríntios 13:4-10.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É
importante que antes o leitor tome contato com as descobertas de Wilhelmsen
quanto à <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2023/08/a-existencia-nao-existe-estrutura.html" target="_blank">estrutura paradoxal da existência</a>. Em suma, a existência não existe, ou seja, a existência não é
um ente existente como um homem, uma árvore, um cachorro, um anjo, uma montanha, um planeta etc. Estes entes singulares actualizam a estrutura contida em seus universais,
ou seja, em suas essências, mas a existência, em si mesma, não se manifesta
como ente, ela é desprovida de estrutura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As dimensões da existência humana: trágica e
extática<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Com base
nesse entendimento, Wilhelmsen identifica duas ordens, ou dimensões, da
existência humana. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Uma é a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dimensão</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">trágica</i>, na qual o homem se vê como ser contingente, finito, sem
fundamento em si mesmo, sem apoio do mundo (que supostamente é seu); em outras
palavras, como se estivesse perpetuamente caminhando à beira de um abismo que
leva ao nada. Enfrentar a morte e dar-lhe sentido é uma realidade da qual
nenhum homem tem o direito de querer escapar. Que terrível estado de
insegurança vive o homem: embora ameaçado pelo não-ser, o homem continua <i>sendo</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Outra é a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dimensão extática</i>, na qual o homem se vê
obrigado a entregar-se ao mundo das coisas e especialmente ao mundo das
pessoas. O ser do homem é estruturalmente um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ser com outros</i>: (1) na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">comunicação</i>,
ou seja, na exigência por compartilhar sentido com outra pessoa, (2) no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">cuidado</i>, ou seja, quando o contingente
zela por outro contingente; e (3) no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">amor</i>,
o ápice do êxtase, ou seja, quando o ser do homem se torna <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ser-para-o-outro</i>, isto é, o ser autenticamente humano. O homem
inautêntico é, portanto, aquele que não se doa ao outro, mas, pelo contrário,
se apropria do ser do outro para si próprio. Em vez de superar sua pobreza
ontológica abrindo-se para amar o outro, o homem inautêntico acentua essa
pobreza preenchendo seu ser com o ser do outro: ao invés de ser-para-o-outro,
se transforma no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ser-para-o-apropriado</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Que
profundo paradoxo vive o homem: extaticamente deseja dar, tragicamente deseja
ser preenchido; extaticamente precisa jogar-se fora, tragicamente precisa ser
acolhido. Não há nada no homem, nem em suas partes, nem no todo, sobre o qual
possa assentar-se e declarar candidamente que encontrou sua identidade. A
personalidade do homem, ou seja, o aperfeiçoamento de sua pessoa, não é
constituído por um “eu”, mas por um “nós”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Este
entendimento começou a romper-se na Renascença, quando pouco a pouco o
desenvolvimento de uma pessoa (i.e. personalidade) foi sendo entendido como o
cultivo de um ego. Note que o homem medieval desconhecia a dicotomia
sujeito-objeto. Para ele, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sujeito</i> é
aquilo que há de supremo, de eminente, no ser, enquanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">objeto</i> é o conhecimento desse sujeito. O homem conhecedor era
apenas mais um sujeito dentre tantos outros sujeitos no cosmos. Para o homem
moderno, no entanto, o sujeito é somente o ego pensante, enquanto objeto é o
conteúdo desse sujeito pensante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Este
rompimento foi posteriormente, ou concomitantemente, potencializado pela
palavra escrita. Enquanto o homem antigo e medieval filosofava com coisas e
pessoas diante de si, o homem da modernidade clássica filosofava com folhas de
papel diante de si. Homens solitários como Descartes, Spinoza, e mesmo Leibniz,
estavam envoltos em uma cultura livresca na qual as imagens sensoriais eram
eminentemente espaciais, carentes de movimento, posteriormente congeladas em
abstrações transformadas em absolutos ontológicos. Observe como na psique da
filosofia moderna o ego pensante torna-se o centro da existência, o juiz do
mundo, em oposição aos objetos “lá fora”. O ego pensante eleva-se à categoria
de personalidade abstrata, a qual toda a realidade curva-se ante sua validação
e racionalidade. O ego pensante ganha pois ares de divindade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mas talvez
o motivo mais importante esteja no seio mesmo da Idade Média. Wilhelmsen nota
que se abateu na Europa do começo do século XIV uma espécie de “ansiedade
coletiva”. O bom combate ao qual o Apóstolo havia chamado os seguidores do
Cristo, a civilização de camponeses, soldados e monges, começou a cansar em
meio ao nada e à falta de sentido do mundo natural. Pouco a pouco essa
civilização começou a buscar alívio desse fardo da contingência. O homem
renascentista começou a enxergar na natureza uma excelência e uma beleza antes despercebidas.
O corpo humano bem formado e estético, uma racionalidade baseada na moderação
moral da Ética a Nicômaco; a Renascença começou a negar insistentemente a
trágica situação humana e o mistério da contingência de sua existência
temporal. A abertura do ser no homem foi fechada e selada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote style="text-align: justify;">A pessoa
humana é aquele todo no ser que, experimentando-se como finito e contingente,
sem qualquer domínio sobre o seu próprio ser, existe, no entanto, dentro de uma
ordem de ser à qual o seu próprio ser está aberto e na qual deve procurar o seu
destino, a ponto de almejar a superação do mundo e a doação de si mesmo a um
Ser que, não necessitando dele em nenhum sentido, no entanto se dá e cura assim
as feridas da contingência.</blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Wilhelmsen
nota, no entanto, que o ser não deve ser reduzido a um mero “ser-para”, ou
seja, o ser não é apenas a relação que estabelece. O ser é, em suas palavras
paradoxais, “simplesmente ser, mas todo ser está <i style="mso-bidi-font-style: normal;">aberto de si mesmo</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Observe como
a metafísica do ser pode nos ajudar a entender como, e por que, o homem tende a
distanciar-se do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">todo</i> que é em favor
de seu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ego</i>. Por exemplo, quando
estamos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">doentes</i> sentimos que nosso
ser está como que se dissolvendo, se despedaçando, se estilhaçando. É como se o
corpo doente de repente estivesse “aí”, flutuando diante do espírito
observador, como se o corpo fosse uma peça adjacente, um elemento meramente
contíguo à alma. Em termos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">morais</i>
algo semelhante acontece. Observamos nosso passado com certo assombro e
mesquinhez, e nos perguntamos como, afinal, desperdiçamos tanto tempo com bobagens
e negligenciamos o desenvolvimento de nossas qualidades, de nossos
relacionamentos, de nossas carreiras, de nosso crescimento espiritual. Uma vida
reduzida às cinzas da esperança. Ou mesmo em nossas experiências <i style="mso-bidi-font-style: normal;">filosóficas</i> que, por meio da
introspecção típica da meditação cognitiva, termina por concluir de maneira
afobada que o homem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i> seu ego e que
apenas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tem</i> um corpo. Quando estou
morrendo, não devo concluir que meu ser permanece no ego, mas, pelo contrário,
a angústia da morte é sinal de que o corpo também é meu ser. Aqui chama a
atenção que <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2022/12/amor-e-sexo.html" target="_blank">Montserrat Calvo Artes chegará à mesma conclusão</a>: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sou</i> meu corpo,
não <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tenho</i> um corpo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Sim, claro,
é evidente que há um senso de distância entre corpo, alma e espirito. É
evidente que o corpo não participa do ser da mesma forma que o espírito
participa do ser. Mas é evidente também que somos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">um</i> ser, que somos uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">unidade</i>,
e não vários seres meramente aglutinados. Somos um ser (um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i>), que na verdade é um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ente
</i>(um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ens</i>), um “está sendo”. Este é
o ponto: somos inseparáveis de nossa existência. Sou meu corpo, minhas
operações, minhas faculdades: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i>
não é a alma nem o corpo, mas o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i>
toca a alma, a parte formal do corpo. Como demonstrou Santo Tomás de Aquino,
por participação, o corpo também faz parte do ser do participante. É notável o
que acontece quando o homem divorcia o corpo da alma. Quando o exercício do
poder é divorciado do corpo, o homem perde o senso de responsabilidade sobre
seus efeitos. Bernanos comenta sobre o piloto que, embora capaz de apertar um
botão e matar milhares de pessoas, é incapaz de matar uma borboleta com as
mãos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Modernamente,
o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">humanismo</i> em suas diversas formas é
uma maneira de tentar escapar da dimensão trágica da existência humana. O
humanismo é incapaz de entender que, temporalmente falando, o homem não está
acima do cosmos das coisas e valores. O homem é um ser <i style="mso-bidi-font-style: normal;">relacionado a</i>, e não um ser que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">se
relaciona</i>. O efeito de abafar a dimensão trágica é bloquear o chamado ao
êxtase. Desde a psicologia de Jung à educação liberal de Mortimer Adler, todo
humanismo está convicto de que o homem contém em si (mesmo que admita a
existência de Deus) a fonte e o fundamento de sua própria perfeição: o
humanismo veda, sela, isola a pessoa em seu ego e busca <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dentro</i> da pessoa selada a sua personalidade, negligenciando a
abertura do ser, a finalidade mesma do homem. O humanismo se esquece de que a
pobreza do homem é sua glória.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A filosofia espanhola<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Para melhor
esclarecer como se dá a relação do homem com essas dimensões da existência,
Wilhelmsen lança mão de dois filósofos espanhóis: José Ortega y Gasset e Xavier
Zubiri. O fato de ter vivido alguns anos na Espanha e ensinado na Universidade
de Pamplona lhe garantiu um extenso contato com a filosofia deste país.
Ademais, a filosofia nunca se divorcia dos temas e problemas típicos do local
onde se desenvolve, e no caso da Espanha, após a queda do império espanhol e
certo complexo de inferioridade perante os países do norte europeu, Wilhelmsen
não deixa de notar como os filósofos espanhóis do século XX procuraram entender
a relação do passado e do futuro da Espanha no contexto da Cristandade
ocidental, permitindo assim que se concentrassem mais na dimensão histórico/temporal
da existência humana, precisamente o que Wilhelmsen busca para, a partir desse
patamar histórico, elucidar a dimensão aberta (“extática”) da existência
humana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É notável
portanto que a especulação metafísica espanhola se recuse em aceitar uma teoria
do ser que o veja de maneira estática, isolada, fechada. Pelo contrário, os
grandes filósofos espanhóis sempre admitiram, a despeito das orientações
religiosas que defendam, que a existência humana possui uma estrutura histórica
e aberta. É precisamente acerca desse ponto que Ortega cunhou sua hoje famosa
máxima da razão vital: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Yo soy yo y mi
circunstancia.</i> O ser humano, para Ortega, não é propriamente um ser, mas um
“vai sendo” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">va siendo</i>), ou seja, se
por um lado uma realidade físico-matemática é regida e expressa por uma <i>lei</i>,
uma realidade humana é expressa por uma <i>história</i>. Observe que para Ortega a
vida é maior do que o ser porque a vida humana se lança não para aquilo que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não foi</i>, mas para aquilo que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pode ser à luz do que foi</i>. Em outras
palavras, o passado está aqui em mim. Eu sou o passado, mas eu também sou maior
do que meu passado e, portanto, mais amplo que meu ser. O ser estático,
isolado, fechado, é um mero cenário, mas o ser dinâmico, relacional, aberto, é um
drama. Tal ser estático é paralítico assim como são paralíticos os corpos
geométricos. O ser dinâmico é ao mesmo tempo história e tradição porque o ser
dinâmico é ao mesmo tempo um progresso para o eu e um engendramento desse mesmo
eu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Zubiri
concorda que o ser estático, aquele que provém do “é” subsistente às coisas,
tem de ser corrigido à luz do ser quando aplicado à inteligência. O ser do
homem é um “ser-aberto-às-coisas”, um “ser-é-outro”. Ao mesmo tempo, este
“ser-outro” é um retorno da inteligência a si mesma: quanto mais me estendo ao
próximo, tanto mais me torno o eu que sou. Ao ponderar sobre o ser das coisas,
o ser do homem e o ser de Deus, Zubiri alcança um entendimento do ser que, a
exemplo de Ortega, é aberto, extenso, descerrado, destapado. Além disso, Zubiri
também nota a diferença entre a concepção de amor entre cristãos latinos e
cristãos gregos. Para o Padres gregos, o amor (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">agape</i>) tão reiteradamente mencionado por São Paulo e São João deve
ser entendido em um sentido estritamente metafísico. Não se trata de um amor
moral, mas de um amor ontológico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ao mesmo
tempo, Zubiri também nota que a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">energeia</i>
aristotélica, própria dos seres vivos (ver <a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2023/08/a-existencia-nao-existe-estrutura.html" target="_blank">post anterior sobre Wilhelmsen</a>) -- ao contrário da enteléquia, própria das
coisas, que era designada como atualidade --, é melhor designada
como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">atividade</i>, ou seja, como algo
que está <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sendo</i>, que se está
desenvolvendo, que é “ec-stático” (extático), que se difunde a si mesmo
dinamicamente. Zubiri sustenta que o ser estático – fixo e completo – sempre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">recebe</i> enquanto o ser dinâmico – ação
primitiva e radical – sempre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">executa</i>.
Para os gregos, essência não é o correlativo de uma definição, como entendiam
os latinos, mas uma atividade radical constituinte do próprio ser, a própria
raiz de toda sua manifestação. A essência é algo ativo, é como se a essência
fosse uma “para-essência” manifestada numa dinâmica que é a própria verdade da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ousia</i>, pois é esta essência dinâmica que
torna a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ousia</i> cognoscível. Zubiri
sagazmente diz que Deus não é Ato Puro, mas Ação Pura. E tal atualidade, no
caso do homem, é dada, segundo Zubiri, por sua origem. É assim, portanto, que
se dá a personalidade: ela tende para a origem e fundamento de seu ser e, ao
mesmo tempo, àqueles que compartilham da mesma natureza. Estamos falando,
claro, de uma abertura, de uma doação, à Deus e aos demais homens. Estamos
falando não de um simples <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eros</i>, mas
de um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">agape</i>, de um amor místico. Eis
também por que Zubiri concorda com os Padres gregos sobre o primado da
personalidade sobre a natureza, e, por extensão, sobre o primado da Trindade
sobre a Unidade divina, ao contrário do que entendiam os latinos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mais bela
ainda é a meditação empreendida por Wilhelmsen quando nota que algo de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">agape</i> está presente em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eros</i> também. Quando nos dedicamos à
manufatura de algo, à decoração de um aposento, por exemplo, algo dele retorna
a nós. Em outras palavras, obtemos aperfeiçoamento mediante o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eros </i>que nos ligou à construção e uso
daquele objeto. No caso dos seres humanos, algo mais amplo ocorre: quando nos
relacionamos em amor (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">agape</i>) a outros
seres humanos, não só este amor se difunde de nós a eles, mas deles a nós
também. É o típico caso do amor de uma homem por uma mulher, por exemplo. No
caso das coisas, o aperfeiçoamento é uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">certeza</i>;
no caso dos homens, o aperfeiçoamento é uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esperança</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ser, não-ser e amor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">No entanto,
ao longo da história da filosofia, alguns pensadores concluíram que o amor não é
o aspecto eminente do ser, mas sim o poder. Isso é compreensível porque
precisamente em função da dimensão trágica da existência, isto é, a tentativa
de escapar da aniquilação, do “não-ser”, da inexistência, o ser tem de afirmar-se
na existência, arraigar-se no real. Observe que há aí uma dupla negação: o ser
é a negação da negação do ser, ou seja, a negação do não-ser. É o “poder do ser”:
a autoafirmação do ser sem o não-ser não seria autoafirmação, mas uma mera
autoidentidade imóvel. É o não-ser que impele o ser a abandonar sua reclusão e
o força a afirmar-se dinamicamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Assim
pensava o filósofo alemão Paul Tillich, que influenciou grandemente o
Protestantismo. Se ser é poder, então esse poder tem de ser exercido contra
alguma coisa. Essa alguma coisa é o não-ser. É o poder que melhor representa o
ser, eis o aspecto mais eminente da existência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Mas
Wilhelmsen não aceita esse entendimento. A exemplo do que fará em sua obra
sobre a estrutura paradoxal da existência, o filósofo americano não deixa de
notar que o não-ser simplesmente não pode ser articulado intelectualmente e nem
mesmo experienciado imaginativamente. Se cremos que o fizemos é porque transformamos
o não-ser em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">algo</i> que ele não é, em
algo extravagante e evanescente, sem duvida, mas ainda assim <i style="mso-bidi-font-style: normal;">algo</i>. Esse <i style="mso-bidi-font-style: normal;">algo</i>, que evidentemente não é o não-ser, é precisamente o veículo
do caos, o arauto da destruição da personalidade humana. É precisamente a contemplação,
a consideração, que um individuo ou sociedade faça do seu “ser” que determinará
como manejará a ansiedade ante o “não-ser”. Para os antigos gregos, por
exemplo, ser é estrutura, forma, autoconsistência, identidade, ordem. O não-ser
então é o devir, a mudança, a corrupção, a desordem. Antonio Millan Puelles
resumiu brilhantemente a coisificação do não-ser em uma frase genial: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">El no ser es aqui, no la falta de forma,
sino la forma del faltar</i>. A ansiedade grega é conquistada pelo amor grego à
ordem. Os gregos nunca questionaram o ser enquanto tal porque nunca lhes havia
ocorrido a ideia de que o cosmos fosse uma dádiva de Deus e que, portanto,
poderia o ser não ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Wilhelmsen
acredita refutar, ou ao menos responder, à ideia do não-ser com um raciocínio simples.
O universo do ser <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i> simplesmente porque
Deus o causou. Por que Deus o causou? Porque Ele quis. Por que Ele quis? A
pergunta não admite resposta porque se perde no mistério da liberdade divina. Não
há uma “razão” para Deus querer, mas algo que transcende todas as razões: o amor.
Há o ser e não o nada porque há o amor. O amor não é uma razão, mas é uma
causa. A criação não é uma dádiva de Deus para nós; nós somos a dádiva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A pergunta não
é, portanto, por que há o ser e não antes o nada, mas por que todos esses “nadas”
ontológicos estão exercendo o ato de ser? Somos ontologicamente pobres, somos
radicalmente insuficientes. A alternativa à ansiedade do “não-ser” de um mundo
criado por Jesus Cristo é uma só: gratidão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O
fundamento do poder do ser contra as forças da corrupção e do nada é o amor a
si mesmo. Quando amo a mim mesmo eu amo todo o ser do qual eu sou uma parte. Ao
amar o todo eu amo a mim mesmo. O homem é, e ao mesmo tempo não é, o todo no
qual participa – esse todo é evidentemente o ser –, mas o homem somente
participa no ser ao abrir-se à realidade de sua totalidade. Amar a si mesmo é
amar o próximo porque o amor a si mesmo é o próprio ser do homem. Um ato cujo
término é o próximo ama seu término ao amar a si mesmo e ama a si mesmo ao amar
seu término. Em suma, amar a si mesmo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i>
amar o próximo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Abrir-se de
si mesmo e acolher o próximo. Que tolo paradoxo: ganhamos nossa alma ao tirá-la
fora. O verdadeiro amor é tolo, afinal, mas eis a herança que compete à raça
humana. Ao invés de fugir dela, melhor abraçá-la.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Fonte</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: Frederick Wilhelmsen, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">The Metaphysics of Love</i>, Angelico Press, Brooklyn, NY, EUA, 2022.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-2389798156333813102023-08-24T12:42:00.006+02:002023-08-24T13:30:39.957+02:00Evolução mística<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe-LtmvwE6AIWY_XL_6PkwIS00AEwYBbZCWLaDKaHgYiD5EV6gAqdKXW8BXGj01bHZnJSQMHrF3dojja3jKIbYgsOlyaoAzbW3Wpi6B4I-yMSVo9RNmLP5oR2HwILXDtyAnwBgwpAz1KcUReLDgwJhiDcnU8mvP9fu-B-xQfK7GHdOicQvKEjrdA/s330/arintero.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="207" data-original-width="330" height="201" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe-LtmvwE6AIWY_XL_6PkwIS00AEwYBbZCWLaDKaHgYiD5EV6gAqdKXW8BXGj01bHZnJSQMHrF3dojja3jKIbYgsOlyaoAzbW3Wpi6B4I-yMSVo9RNmLP5oR2HwILXDtyAnwBgwpAz1KcUReLDgwJhiDcnU8mvP9fu-B-xQfK7GHdOicQvKEjrdA/s320/arintero.JPG" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O teólogo e sacerdote espanhol
Juan Arintero influenciou de maneira importante a teologia católica do início do século XX ao reunir
em uma série de livros e ensaios os ensinamentos místicos dos santos da Igreja.
Uma de suas queixas, que aliás se aplicam igualmente ao ambiente ortodoxo, é de
que a vida religiosa e paroquial perde o sentido se não estiver conectada à
vida místico-espiritual. A ideia de que a vida mística é exclusiva daqueles que
estão vocacionados para ela equivale a dizer que há homens e mulheres que não estão
vocacionados a serem humanos. O objetivo da vida humana é a união com Deus, e
tal união não é algo que o ser humano tenha o direito de não querer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Anotei aqui
apenas os aspectos que considero convenientes e úteis à minha vida e aos meus estudos,
mesmo porque há uma série de aspectos que, não sem surpresa, se assemelham ao
que é ensinado na Igreja Ortodoxa, mas o leitor não fará mal em aprofundar-se
na obra deste dedicado sacerdote e amante da vida mística. Ademais, por se
tratar de descrições e classificações de experiências místicas, a linguagem
empregada frequentemente se assemelha à linguagem poética, uma vez que os
referentes àquilo que está sendo dito estão em um plano para além do plano que
operamos deste lado da realidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Na sua obra
mais famosa, Arintero explica que a expressão <i style="mso-bidi-font-style: normal;">evolução mística</i> significa o progresso da vida da graça no homem. É
quando se forma em nós o próprio Cristo. Mas há duas sendas na vida espiritual:
(1) a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vida ascética</i> da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">união conformativa</i>, vivida um tanto inconscientemente,
na qual a imensa maioria dos fiéis ao mortificarem as paixões e exercitarem
metodicamente as virtudes e práticas piedosas procura <i style="mso-bidi-font-style: normal;">adquirir moralmente </i>algum tipo de contemplação e, com o tempo, suas
almas começam a sentir os toques do Espírito (embora não os sinta como
sobrenaturais), e (2) a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vida mística</i>
da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">união transformativa</i>, guiada pelo
próprio Espírito, que habita substancialmente (e não apenas acidentalmente,
como no caso das virtudes e ciências) a alma ao moldar o caráter por fora e por
dentro, penetrando até o mais intimo do coração, estabelecendo uma relação não moral,
mas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ontológica</i>, com o fiel.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A revelação
divina nos faz ver como a vida intima de Deus não é a de um Deus <i style="mso-bidi-font-style: normal;">uno </i>e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">solitário</i>, típico do Deus encontrado pelos filósofos, o Deus
absoluto, o “Ser Supremo”, o Deus da unidade nas obras da criação, mas um Deus <i style="mso-bidi-font-style: normal;">trino</i>. O Deus dos filósofos é aquele que
encontramos com base nas simples e naturais <i style="mso-bidi-font-style: normal;">relações
de causalidade</i> na criação, mas o Deus vivo é aquele que encontramos nas sobrenaturais
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">relações de amizade cordial</i>, pois supõe
uma verdadeira semelhança. Por isso dizia Santa Teresa de Ávila que os livros demasiadamente
“concertados” (combinados, encadeados, “lógicos”) a repugnavam e até lhe faziam
perder a devoção, pois o excesso de abstração faz com que percamos de vista o
todo real e vivente que somos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Arintero lança
mão do termo “graça criada” para explicar a ação do Espírito na vida humana,
mas cabe lembrar que tal expressão serve apenas para diferenciar a graça do próprio
Espírito. Parece-me algo semelhante à distinção entre “essência” e “energia”,
ambas incriadas, típica da teologia ortodoxa. Arintero parece admitir que
qualificar tal graça de “criada” pode trazer problemas de interpretação, assim
que explicaque o melhor seria chamá-la de “graça participada” enquanto o
Espírito é a “graça em si”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ademais,
quanto às virtudes, Arintero as classifica como “naturais” (ou seja,
adquiridas) e “infusas” (ou seja, inspiradas, comunicadas gratuitamente, emprestadas).
As virtudes cardeais são tanto naturais quanto infusas. As virtudes teologais e
os dons do Espírito, apenas infusas. Da união das virtudes com o exercício dos
dons do Espírito resultam os frutos do Espírito, entre as quais, as
bem-aventuranças.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Arintero
detalha as virtudes, os dons, os frutos, a “noite escura” pela qual perpassam
os santos a caminho da contemplação divina. Há três graus de contemplação: (1)
a breve oração de recolhimento (infusa, muito superior à oração adquirida com
esforços e diligência humana), na qual não há meditação, nem raciocínio, mas
apenas um simples e tranquilo olhar contemplativo, (2) a longa oração de
quietude, na qual, além do entendimento, a vontade se torna cativa ao Espírito,
(3) oração de união, na qual a alma é introduzida na “câmara régia” e todas as
suas energias se encontram unidas a Ele. Arintero belamente assim a descreve:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote style="text-align: justify;">Às vezes, o
uso dos sentidos externos não é completamente perdido; Estes, principalmente no
início, funcionam um pouco, embora com dificuldade, fazendo com que o que está
sendo falado ou cantado de perto seja ouvido como à distância, e todos os
objetos sejam percebidos como muito confusos. Os poderes internos também não
estão perdidos, mas apenas como se estivessem adormecidos para tudo o que está
fora; porque, estando a alma assim, completamente absorta em Deus, ainda não
tem forças suficientes para se ocupar com as coisas externas ao mesmo tempo. E
se a caridade ou a obediência a compelem, enquanto durar esse doce cativeiro,
deve ser praticada uma violência tão extrema - que faz com que muitos derramem
sangue pela boca - causando-lhes não pouco dano; e mesmo assim, a maioria
deles, para prestar atenção ao que está fora, tem que se soltar na atenção
interna que os absorveu. Tudo o que eles virem lhes causará tédio e desgosto, e
tudo parecerá estranho e como nunca visto antes. Já são habitantes do céu e
concidadãos dos santos e, vendo as belezas celestiais, consideram vil tudo
neste mundo, e não podem deixar de lamentar ao verem como se prolonga o seu
exílio, onde se julgam estrangeiros e peregrinos. E, verdadeiramente, tais
almas encontram-se exiladas entre pessoas ferozes, que as obrigam a zelar por
si mesmas para não caírem nas suas armadilhas e não se perderem ou correrem o
risco de perder os seus ricos tesouros.</blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fonte</i>: Juan
Arintero, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Evolución Mística</i>, Editorial
San Esteban, Salamanca, Espanha, 1989.</p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-75638213846640472812023-08-16T12:00:00.001+02:002023-08-17T23:24:23.703+02:00Elementos de psicologia das emoções: Santo Tomás de Aquino vs. René Descartes<p></p><p class="MsoNormal"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggxXV-rgKGPbpIaCbaG12EqcNkTaSHY88-XjY8VO7EYv_ILAmnlKInflk5siifSgMztZ2sOo5WFsdiQULOdvcYPAG7o003DhKa7rAVl1t0JkpXdEjERuCy_ppygJQfgCcqnHTZXkzhukeCXznOdmuBbDOa6LWtOoHOCvKhhEerR34-p7bICmZ-qw/s900/emotions.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="506" data-original-width="900" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggxXV-rgKGPbpIaCbaG12EqcNkTaSHY88-XjY8VO7EYv_ILAmnlKInflk5siifSgMztZ2sOo5WFsdiQULOdvcYPAG7o003DhKa7rAVl1t0JkpXdEjERuCy_ppygJQfgCcqnHTZXkzhukeCXznOdmuBbDOa6LWtOoHOCvKhhEerR34-p7bICmZ-qw/s320/emotions.jpg" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;">A
psicologia do século XX só pode ser entendida investigando as raízes anteriores
à formação da psicologia científica por Wilhelm Wundt (1832-1920). Estas raízes
fundam-se em duas figuras: René Descartes (século XVII) e Santo Tomás de Aquino
(século XIII). A concepção das emoções em última instância deriva de uma dessas
duas versões clássicas: cartesiana ou tomista.</div><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Tomismo<o:p></o:p></span></i></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Santo Tomás
baseia-se especialmente nos ensinamentos de Aristóteles presentes (mas não só)
em sua Retórica. Seu Tratado das Paixões encontra-se na Suma Teológica, embora
não seja somente aí que ele versa sobre o tema. Embora as paixões (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">emoções</i>) tenham uma dimensão médica
(física), Santo Tomás está mais preocupado com sua dimensão moral (espiritual).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As paixões
são movimentos, ou seja, são atos transitórios, estados passageiros. São o
contrario das disposições estáveis, como os hábitos (vícios e virtudes). Tais
atos são produto de potências, também chamadas “faculdades”, humanas, chamadas
de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apetites</i>. Assim como entender é o ato
da inteligência, assim como recordar é o ato da memória, assim como imaginar é
o ato da imaginação, a paixão é o ato do apetite. A partir do início do século
XIX deixou-se de pensar nas emoções como atos que procedem de uma faculdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os apetites
fazem referência a um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">bem</i> ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mal</i>. Os apetites portanto podem ser por atração
(por um bem) e por repulsão (por um mal). <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Santo Tomás
ensina que há duas ordens de apetite: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apetite
sensitivo</i> e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apetite intelectivo</i>
(ou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">vontade</i>). O apetite intelectivo
(vontade) tende ao bem tal como o capta a inteligência, ou seja, de maneira universal
– não este ou aquele bem, mas o bem enquanto tal. O apetite sensitivo tende ao
bem tal como o capta o sentido, ou seja, de maneira particular.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quanto ao
apetite sensitivo, há dois tipos: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apetite
concupiscível</i> (ou desejo) e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apetite
irascível</i> (ou assertividade).<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O
apetite concupiscível tende ao bem prazeroso, enquanto o apetite irascível
tende ao bem difícil, árduo, ou seja, o sentido capta a coisa como repulsiva,
mas o apetite irascível impulsa o homem a tender ao desagradável (por isso
“difícil”). O sentido que capta a coisa é o sentido interno, chamado também de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">estimativa</i> (cf. <a href="http://avidaintelectual.blogspot.com/2010/11/cosmovisao-medieval.html" target="_blank">A cosmovisão medieval</a>,
de C. S. Lewis), que capta significados particulares (não conceitos
universais). A estimativa é a dimensão que ativa as paixões (emoções).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A paixão,
para Santo Tomás, é psicossomática, ou seja, não é espiritual, mas corporal, e
tem uma forma e uma matéria. Por exemplo, materialmente a ira seria o fervor do
sangue no coração, enquanto formalmente é a vingança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O gênero da
paixão é determinado por seu objeto, ou seja, se é um bem ou mal. Vejamos como
as principais se dividem:</span></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqLL1S4CK4gxOnGkjMNLatHa7JUyFwvNq0aTBi4nDWz4qiVYoWpA-hJjWX4c_0OCC0Us0qM0ZySkIIm2ErM75E5sDTnhjo_XDHLAvOUjXA9zf8mnClARczv9VLlu387yTNGS7fi9Q_Gqt55vzdlEM2WdRO3KQEULaag1szP0bDKesZ-Z0WDTvcZA/s971/echavarria1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="645" data-original-width="971" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqLL1S4CK4gxOnGkjMNLatHa7JUyFwvNq0aTBi4nDWz4qiVYoWpA-hJjWX4c_0OCC0Us0qM0ZySkIIm2ErM75E5sDTnhjo_XDHLAvOUjXA9zf8mnClARczv9VLlu387yTNGS7fi9Q_Gqt55vzdlEM2WdRO3KQEULaag1szP0bDKesZ-Z0WDTvcZA/s320/echavarria1.jpg" width="320" /></a></div><br /><div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Cartesianismo<o:p></o:p></span></i></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Descartes sustenta
uma visão de mundo dualista e isso evidentemente afetará de maneira decisiva a psicologia
das emoções. As paixões (que passam a ser chamadas por Descartes de “emoções”
ou “sentimentos”) são algo da alma, não do corpo. Isso porque o corpo, como
ente material, é dotado exclusivamente de quantidade, e tudo o que é
qualitativo é necessariamente mental.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Talvez o
aspecto mais importante em Descartes seja o início da perda paulatina da ideia
de que as emoções sejam apetitivas. Em outras palavras, para Descartes as emoções
são apenas e tão-somente sensações de modificações corporais. A emoção deixa de
ser um afeto e passa a ser uma sensação. É claro, e isso não se pode negar, que
notamos na emoção certas comoções corporais: nó na garganta, palpitações,
rubor, respiração ofegante etc. Ora, mas o que causa essas comoções? Descartes
acredita que ambas as coisas, as emoções e as comoções corporais, são idênticas.
As emoções perdem seu caráter de tendência a um bem (ou de aversão ante um mal)
e são reduzidas a estados afetivos corporais. Sentir uma emoção é sentir seu
corpo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Na moral
clássica há um conflito a ser harmonizado entre a parte sensitiva e a parte intelectiva,
enquanto que na moral moderna há um conflito a ser harmonizado entre a mente e o
corpo. Em termos gerais, ao longo dos séculos subsequentes, diversas teorias
psicológicas foram desenvolvidas para explicar as emoções, mas que se enquadram
na visão de Descartes: James-Lange, Cannon-Bird, Schachter-Singer, Antonio
Damasio etc. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Magda Arnold</span></i></b><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Essa
psicóloga tcheca se inspira na doutrina das paixões de Santo Tomás e a atualiza
com os avanços biológicos e fisiológicos disponíveis na metade do século XX.
Ela é responsável por um giro cognitivo na psicologia das emoções.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Para
Arnold, sentimentos são níveis baixos de afetividade, nos quais basicamente se
distinguem sentimentos de agrado e desagrado. Por outro lado, as emoções seriam
níveis mais elevados de afetividade e nas quais se interpõem cognições (ela as
chama de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">appraisals</i>, ou avaliações). Estas
cognições não são juízos intelectuais propriamente, mas um juízo sensorial, algo
muito mais imediato, quase instantâneo, que se soma à percepção sensitiva. É
equivalente ao sentido da estimativa de Santo Tomás e que para os homens e
animais lhes dá o juízo de bondade ou maldade de um objeto. A emoção é portanto
uma realidade psicossomática. O juízo sensorial, ou seja, o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">appraisal</i>, é como um detector formal do
objeto. Santo Tomás acrescentaria que o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">appraisal</i>
não é um elemento determinante da conduta, mas a ele acrescenta-se também a
vontade. O homem pode escolher motivar-se de acordo com as emoções/<i style="mso-bidi-font-style: normal;">appraisals</i>, mas também escolher de
acordo com a vontade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ela
desenvolve uma teoria das emoções notoriamente inspirada em Santo Tomás:</span></p></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVn6hFVwsJS-LxYOkZ6AjuLKfWzmlesvfWv8V8AT2UvMxzMxQ1VQe1Bg-kSLj7YUdoGZuW8VOAQbTvp6mR6KLsmXA3KULFK-It3fG8KHK_-fN1dKkXgrJn-W03Gzo1tKt7YxZHB2kv0Mm8L8DSHsxPKtTtJJqbUUMntXjSBGZbVba9MVp7m1Lv8A/s1161/echavarria2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="659" data-original-width="1161" height="182" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVn6hFVwsJS-LxYOkZ6AjuLKfWzmlesvfWv8V8AT2UvMxzMxQ1VQe1Bg-kSLj7YUdoGZuW8VOAQbTvp6mR6KLsmXA3KULFK-It3fG8KHK_-fN1dKkXgrJn-W03Gzo1tKt7YxZHB2kv0Mm8L8DSHsxPKtTtJJqbUUMntXjSBGZbVba9MVp7m1Lv8A/s320/echavarria2.jpg" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"><i>Fonte</i>: Martín Echavarría, <i>Las pasiones humanas</i>, conferência proferida na Universidad de Valencia, Valencia, Espanha, 2020.</div>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-26319411882810950692023-08-09T10:50:00.004+02:002023-08-11T09:04:28.833+02:00A existência não existe: a estrutura paradoxal da existência<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCrOATB4adn9zDf7A_HQRcwzV3bP0Uh9Ph-oe9dWS0EXiEavxtIkIX2xLH--WwaAWym3ECnbp8ddc6_-V004Iwegp7v6JTF5KB9OuCv21NHt0m6cLOR9y-A1sMw97uo5qediIWPc26AboUT5AKY-saqWbtHqkfOIJK-QVbDPO8WWJDocZ_QvrxXw/s651/thomasaquinas.JPG" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="651" data-original-width="434" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCrOATB4adn9zDf7A_HQRcwzV3bP0Uh9Ph-oe9dWS0EXiEavxtIkIX2xLH--WwaAWym3ECnbp8ddc6_-V004Iwegp7v6JTF5KB9OuCv21NHt0m6cLOR9y-A1sMw97uo5qediIWPc26AboUT5AKY-saqWbtHqkfOIJK-QVbDPO8WWJDocZ_QvrxXw/s320/thomasaquinas.JPG" width="213" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A tese
central do filósofo americano Frederick Wilhelmsen é a de que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a existência não existe</i>. Ela carece de
uma estrutura e, portanto, não pode ser afirmada nem negada. Por isso
Wilhelmsen propõe algo como uma “metafísica transdialética”, paradoxal,
barroca, uma metafísica que, nas suas palavras, não seja “covarde”, mas
“cavalheiresca”. Veremos como ele chega lá, mas antes é preciso que retomemos o
desenvolvimento de alguns conceitos metafísicos fundamentais da Antiguidade e
da Idade Média. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Parmênides </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Heráclito </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Platão </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Aristóteles </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Avicena </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Averróis </span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">→</span></b><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Santo Tomás de Aquino<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Parmênides</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> provavelmente foi o primeiro filósofo pré-socrático
que sacrificou o múltiplo, ou seja, o mundo conhecido da sensação. Ele substantivou
o “é” verbal, típico do mundo da intuição sensível, e o transformou em um
“Ser”. Assim, o “é” se converte no Uno, Imutável, Incausado, Infinito etc. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Heráclito</i>, por outro lado, insistiu em
negar qualquer vínculo entre o ser e a realidade sensível. Ele concordava que a
inteligência unifica e apresenta a realidade como algo que “é”, mas negou que
esse fator fosse extramental. Em outras palavras, para Heráclito o Ser é uma
mentira e o mundo real é composto de mudanças constantes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A filosofia
de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Platão</i> representa um esforço para
equilibrar as tensões do ser descobertas por Heráclito e Parmênides. Para
Platão, ser significa “ser igual a si mesmo”, ou seja, o ser platônico é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">isso que já é</i>, o conseguido, o
finalizado, o feito. Ortega y Gasset não deixa de apontar em Platão a velha
tendência grega a interpretar a realidade como presença. De qualquer forma, quando
constitui o ser como “mesmidade”, Platão indica que, apesar do fenômeno da
mudança, o ser permanece em seu estado puro na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">forma</i>. Este celular que tenho em mãos sofre mudanças
constantemente, seja de posição, seja de alguma qualidade (cor etc.), seja sua
constituição material, mas ele continua sendo “si mesmo”. Houve uma mudança de
forma (preto para vermelho, por exemplo), mas o celular continua sendo “si
mesmo”. Ora, se o ser é “mesmidade”, então o ser se encontra em estado puro
somente dentro da mente. As ideias ou formas do ser não mudam. O ser nas coisas
muda, suas formas não. Os homens vêm e vão, as coisas belas se apresentam ao
mundo e logo morrem, mas as ideias de humanidade e beleza permanecem idênticas.
As formas estão “localizadas”, digamos assim, na inteligência humana, que as
capta em sua pureza. Para o homem vulgar, a realidade é apenas e tão-somente aquilo
que afeta os sentidos e paixões. Para o homem inteligente, há uma diferença
entre realidade e ilusão. Platão ensina que o mundo sensível “participa” na
inteligibilidade do mundo das ideias ou formas. As coisas são apenas “exemplos”
imperfeitos e imaturos das formas do ser. As formas existem, ou seja, se
“exibem”, como ensinou Mário Ferreira, mas não existem “em absoluto”, ou seja,
não são ser. Destruir a forma implica, portanto, em destruir o mundo dos entes
e simultaneamente assassinar a inteligência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">No entanto,
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Aristóteles</i> “localizou” a relação
forma-coisas de outra maneira. Platão, como vimos, pensou essa relação como se
originando na mente e terminando nas coisas. Para o Estagirita, no entanto, as
formas são descobertas no mundo das coisas juntamente com suas próprias
configurações. Em outras palavras, Aristóteles nega o “mundo duplicado” de
Platão e nega, portanto, que haja um ser fora das coisas. Ademais, Platão, como
vimos, entendia a mudança como uma substituição de uma forma por outra.
Aristóteles não via assim: para ele, a mudança contém um “princípio” ou
“elemento” que, como bem sabemos, se chama “potência” (ou às vezes
“potencialidade”). Ele descobriu uma primeira potência radical que está
presente em todas as coisas suscetíveis a mudança: o “princípio de não-ser
relativo” (qualquer coisa que é pode deixar de ser) ou “infinitude” (qualquer
coisa é potencialmente qualquer outra coisa). Trata-se da famosa “matéria
prima” aristotélica. É a matéria prima que impede que tudo aconteça ao mesmo
tempo e simultaneamente permite que as coisas possam “acontecer”. A matéria
prima é o princípio do tempo, portanto. Por outro lado, para Aristóteles a
forma é uma limitação estrutural, ou determinação ativa, da coisa. É o que uma
coisa é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">agora</i>. É a famosa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">atualidade</i>. As formas são, portanto, os
atos da matéria, são os princípios que energizam e especificam a matéria,
determinando-a desta ou daquela maneira. A essas duas “causas internas” (matéria
e forma), Aristóteles acrescentou outras duas “causas externas” (o agente e a
finalidade), que, juntas, compõem a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">natureza</i>.
A natureza e as quatro causas são uma e mesma coisa. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A realidade é causalidade</i>. Os erros filosóficos são erros sobre as
causas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Há, no
entanto, atos que não são finalizados ou realizados. Os exemplos simples de
potência e ato que explicam as mudanças cotidianas, como uma parede que antes
era branca e agora é vermelha ou um animal que se move numa floresta, não são
capazes de explicar os “atos vitais”, ou seja, ações como pensar, contemplar,
imaginar, conhecer, amar etc. Posso pensar em “x” e continuar pensando em “x”
indefinidamente, assim como posso amar “y” e continuar amando “y”
indefinidamente etc. Nas mudanças estritamente falando, nas mudanças simples,
há um presente que tem um passado. Nos atos vitais, o “processo” se identifica
com o próprio ato; não há propriamente um ato que emane de uma potência. Em
suma: à mudança estrita chamamos enteléquia, à mudança ampla imanente chamamos
energia. Wilhelmsen aponta que Aristóteles fracassou ao insistir que o ato
formal se esgota na matéria, ou seja, na ordem do ser o ato formal não
desempenha nenhuma atividade “para o ser mesmo”. É como se a transcendência
aristotélica estivesse “encurtada”, algo com uma “transcendência material”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Se para
Platão ser significa forma, para Aristóteles ser significa substância, ou seja,
a raiz ou base do ser. É a substância (ou forma substancial) que faz a coisa
ser o que é e fazer o que faz. A forma, para Aristóteles, simplesmente não existe.
Ele nega ostensivamente que a forma seja o principio ontológico do que quer que
seja. Muito bem, mas essa constatação nos impõe um dilema: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">se o ser só existe nas coisas compostas, ou seja, o principio do ser
não está nem na matéria nem na forma, mas essas coisas compostas só existem
através da matéria e da forma, então como essas coisas compostas podem ser ou
existir através de matéria e forma que não são nada em absoluto?</i> Em poucas
palavras, as coisas compostas têm ser através de forma e matéria que, por sua
vez, não têm ser nenhum. Ortega não deixa de observar que o Deus aristotélico é
um “filósofo que se admira a si mesmo no espelho”. Não faz nada, não governa,
não age.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ora, no
mundo islâmico o pensamento platônico e aristotélico foi mais bem preservado, e
foi no âmbito do Islã que houve certo desenvolvimento de suas descobertas. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Avicena</i> concluiu que se o “cavalo em si”
(ele gostava desse exemplo) existe tanto neste cavalo individual quanto no
“cavalo universal”, então o “cavalo em si” não é nem o existente individual nem
o existente universal. O “cavalo em si” não pode estar em dois “lugares” ao
mesmo tempo. Avicena deduziu uma distinção entre o principio de essência
(natureza) e o principio de ser (existência). Em outras palavras, essência e
existência são realmente distintas e, além disso, são distintas dos universais.
Há um “terceiro elemento” que pode ser compartilhado tanto pela existência
quanto pelos universais. Trata-se da essência (natureza), que em seu estado
puro é pura possibilidade de ser em alguma ordem, seja ela individual ou
universal. Portanto, o possível é anterior ao atual e, consequentemente, a
existência é um acidente da essência (natureza). Nas palavras de Avicena, a
existência “lhe ocorre” à essência (natureza). Enquanto para Aristóteles os
acidentes se derivam do ser, para Avicena o próprio ser também é um acidente da
essência (natureza). Deus confere às essências puras o acidente da existência
(ser) e, de certa forma, a essência desempenha um papel prévio e mais
primordial do que a existência. Ou seja, as coisas são antes de serem, digamos,
e assim a liberdade divina e a liberdade humana se convertem em um mito ou
superstição. A existência é “esvaziada” de importância, pois ele é mero
prolongamento da possibilidade. À moda de Leibnitz, os “predicados” estão
contidos na “mônada”. Xavier Zubiri não poderia estar mais de acordo: a
realidade é algo mais fundamental que o ser ou a existência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Averróis </span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">nota que se a existência é um acidente, se o
ser pertence à ordem acidental, então a existência tem de “funcionar” da mesma
maneira que os demais acidentes “funcionam”. Ora, o ser (existência) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não é</i> substância, nem quantidade, nem
qualidade, nem nenhuma categoria. Portanto, o ser nada <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i> realmente. Absolutamente nada real, nenhuma coisa real, existe. É
necessária uma metafísica que contorne esse absurdo, que veja o ser
(existência) como um princípio último do real, mas que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">de forma alguma se identifique com o real</i>. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Aqui entra
um aspecto sobre o próprio exercício da metafísica como atividade intelectual.
Wilhelmsen nota que tradicionalmente, como o fazem modernamente Étienne Gilson
e outros tomistas, a metafísica é considerada como uma atividade pertencente à
segunda operação da mente, ou seja, ao ato de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">julgar</i>. Isso significa que o ser, a exemplo de quaisquer coisas, é
tratado pela mente como algo que se “vê” ou que se “presencia”, isto é, como
algo que você pode vislumbrar detidamente. Wilhelmsen, a exemplo de Mário
Ferreira dos Santos, discorda: a metafísica é mais bem uma atividade da
terceira operação da mente, ou seja, ao ato de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">arrazoar</i>. O julgamento jamais alcançará a existência, pois a
existência não é um “ser isto ou aquilo”. O ser não é um objeto que possa ser
pensado pela inteligência humana. O intelecto deve portanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">arrazoar sobre </i>o ser como o “é”, e
jamais converter esse “é” a um objeto. Parece-me que Wilhelmsen propõe que a
metafísica parta sempre de raciocínios ontológicos em lugar de raciocínios
lógicos. É como se a metafísica tivesse que contentar-se com a obscuridade,
algo semelhante à obscuridade de que falam os místicos. Nas palavras de
Wilhelmsen, “[a metafísica] não alcança sua glória, mas se mostra orgulhosa por
haver sido fiel à luz da inteligência”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Bem,
retomando o que ensinou Avicena, a essência (natureza) goza de três funções ontológicas:
(1) essência do mundo, no qual existe individualmente, (2) essência na mente,
na qual existe universalmente e (3) essência como essência. Mas, segundo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Santo Tomás de Aquino</i>, a função (3), essência
pura, é uma ficção. É algo que você pode cogitar, que você pode pensar, mas não
é algo que você possa cortar (cindir, como diria Santo Tomás) do ser, sob pena
de reduzir a essência ao não-ser, ao zero, ao nada. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ele conclui que o ser (existência) é o princípio metafísico mais
importante, que engloba a essência sem identificar-se com ela.</i> O “ser” não
pode ser definido porque se situa fora da ordem das definições. A definição é o
que pensamos de uma coisa e responde à determinação da própria coisa, de sua
estrutura, e encontra-se arraigada na forma. Mas o “é” não pode ser concebido
porque não é nem tem estrutura ou forma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ora, embora
a existência englobe a essência, deve haver entre elas uma relação única e
radical. Daí Santo Tomás lança mão do conceito de “ente”. Ente é em português o
particípio presente de ser, assim como “temente” é particípio de “temer”. Ente
indica a atividade de existir, assim como temente indica a atividade de temer.
É quase um gerúndio, que também desempenha funções semelhantes a um particípio
presente. Se todos os entes, todos os “sendos”, são determinados, é impossível
que eles retroativamente determinem o próprio ser, a própria existência. Se a
determinação do ser não pode vir de fora dele, então forçosamente terá de vir
de dentro. O ser transcende a forma e a matéria, mas mostra-se racionalmente
como núcleo transcendente de tudo o que é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A estrutura paradoxal da existência<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O ser ou a
existência é, portanto, uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">extramentalidade
radical</i>. Em outras palavras, a existência não pode ser concebida nem
experienciada pelo homem e, portanto, está enraizada de maneira totalmente
externa à mente humana. É como e a existência portasse um princípio de
não-identidade com a natureza (essência). Enquanto os objetos são como que
“lançados” à inteligência e à sensibilidade, a existência nunca é dada, nunca
“está aí”, nunca é lançada. Assim, a essência ou natureza é o que Wilhelmsen
chama de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ordem analítica da causalidade</i>,
isto é, as causas aristotélicas são a base da análise científica. Uma análise
perfeita, portanto, é a resolução de determinada realidade em suas quatro
causas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">No entanto,
quando uma análise se separa da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">função
sintética da existência</i> ocorre uma “fragmentação”. É o que aconteceu na era
racionalista, inaugurada por Descartes e potencializada por Gutenberg, uma vez
que a realidade foi dissecada em um mosaico de ideias modeladas por palavras
impressas em livros. O prejuízo filosófico foi enorme. A unidade de compreensão
humana do real perdeu-se em meio à fragmentação da vida: econômico vs. lúdico,
sacro vs. profano, alta cultura vs. cultura popular etc. A máquina é uma
espécie de arquétipo da mente analítica que se projeta no real. A análise,
divorciada da síntese, engendra uma hostilidade à unidade do ser e, por que não
dizer, à paz do ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Wilhelmsen
mostra que toda operação analítica perde “algo”. Não importa se a analise é
perfeitíssima: “algo” sempre desaparece. O homem apaixonado por uma mulher, ao
enumerar suas qualidades, perderá “algo” necessariamente. Esse “algo” não é
nada em concreto. É apenas e tão-somente o “ser” do analisado. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O ato de existir transcende a ordem
analítica</i>. Em termos estéticos, o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i>
(ser) é barroco puro, ou seja, não se reduz à mera soma da assombrosa
complexidade de materiais, sintetizando uma pluralidade de essências díspares.
O ser é um catalisador da natureza, das essências. Em termos práticos, não há
sinfonia, poema, crise moral ou intuição criativa que se explique pela
conjunção de suas causas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O filósofo
que assim procede, ou seja, o filósofo que é capaz de entender que o “é” da
existência não se apresenta, não se presencia, no real como um objeto, intui o
que Wilhelmsen chama de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">transcendência
negativa</i>. Em outras palavras, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a
existência não existe</i>, ou ainda, a existência não existe da maneira como a
projeção dinâmica das essências no tempo existe. Se pudéssemos criar uma imagem
da existência, seria algo como o vento que empurra um barco à vela. O vento não
está onde estava e não pode ser visto, mas o barco navega alegremente. Assim
também o Espírito preenche todas as coisas, mas não se identifica com nenhuma
delas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Vale a pena
repetir: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">o ato de existir nem é nem não é</i>.
Se eu afirmo que a atividade existencial <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i>,
então a reduzo a uma coisa dotada ela mesma de existência. Se eu afirmo que a
atividade existencial <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não é</i>, então
reduzo a coisa a um inexistente. O ser é formalmente sua própria contradição. O
ser denota sua identidade com o não-ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
dificuldade em aceitarmos a estrutura paradoxal da existência está no fato de
que abordamos a existência do ponto de vista dialético, ou seja, identificamos
uma tensão entre opostos e a partir daí queremos contradizê-los para buscar uma
unidade superior. O pensador dialético é um sujeito obcecado com a tensão, mas
é incapaz de viver dentro dela. O paradoxo, no entanto, alcança a tensão <i style="mso-bidi-font-style: normal;">e a mantém</i>. O filósofo digno desse nome
rejeita afirmar ou negar a atividade existencial e filosofa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dentro da tensão</i>. Esse filósofo força-se
a concluir que a existência não é essência nem não é essência. O <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i> (ser) da coisa é algo que não pode
ser assimilado intencionalmente (quanto à esfera intencional da realidade cf.
<a href="https://avidaintelectual.blogspot.com/2023/04/o-dicionario-de-adler.html?m=0" target="_blank">Dicionário Filosófico de Mortimer Adler</a>, verbete SER). Wilhelmsen belamente
afirma que:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Eu
transcendo afirmativamente na fé fusionando-me com o Deus da Revelação mediante
a graça, e transcendo negativamente na metafísica negando que o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i> é natureza. [...] Por natureza, as
coisas são não-entes. Todos nós somos nadas vindos ao ser, mas ainda que
tenhamos sido feitos para ser, a existência não se arraiga em nós. A existência
não se assenta na natureza da mesma maneira que as sementes se assentam na
terra lavrada onde crescem e se convertem em parte do campo.</span></blockquote><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Com isso,
Wilhelmsen quer dizer que não há identidade metafísica entre a existência e a
natureza. Trata-se de uma verdade “extremamente radical”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A metafísica mal-assombrada pelo nada<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O fato de o
pensamento metafísico dos últimos séculos ter situado o ser ou existência no
nível da essência ou natureza detonou profundos efeitos na filosofia e na
cultura. Em especial, embora não só, a filosofia existencialista é um sintoma
dessa doença. O nada, que de certa forma sempre se encontrou <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sob</i> a realidade passa agora a brotar <i style="mso-bidi-font-style: normal;">de dentro</i> do ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Heidegger
foi quem melhor expressou essa intuição ao interrogar-se por que existe o ser e
não antes o nada. Observe que para Heidegger o nada é uma função do ser. Se não
há o ser, então haveria, ou resultaria, o nada. Aqui notamos uma espécie de
fracasso da essência para o homem. Sim, pois se Wilhelmsen tem razão ao afirmar
que a essência ou natureza só é inteligível se a distinguimos do ser ou
existência, então a pergunta de Heidegger simplesmente não faz sentido. Foi
essa distinção ontológica que permitiu ao Ocidente desenvolver o mundo natural,
que soltou as amarras do desenvolvimento científico e tecnológico antes preso à
confusão entre natural e metafísico, entre ser e essência. Mas o homem que se
contenta em ver a natureza única e exclusivamente como essência se arrisca a
ser ameaçado pelo nada. É como se o homem contemporâneo tivesse resvalado ao
velho entendimento de outras civilizações segundo o qual ser existência e
essências são uma e mesma coisa. O próprio desenvolvimento tecnológico e
científico tomou as rédeas da civilização ocidental e, para continuar exercendo
sua hegemonia, não pode permitir que o ser se reintroduza na ordem da essência
e, portanto, o afoga no mar do esquecimento. O cansaço e o tédio do homem
contemporâneo é resultado não do progresso em si, mas desse afogamento do ser,
desse esquecimento ditatorial do ser em prol do próprio progresso científico e
tecnológico. Portanto, a pergunta de Heidegger não é uma pergunta efetivamente,
mas um sintoma do esquecimento do homem contemporâneo a respeito do ser. Ele
perdeu, digamos, a “densidade existencial” das coisas. É claro que o
desenvolvimento das matemáticas e da ciência moderna exige que o ser seja isolado.
Mas isolá-lo é uma coisa, esquecê-lo por completo é outra. Perguntar sobre o
não-ser (nada) é algo que só pode ocorrer a quem tome a natureza como ponto de
partida. Como descobriu Santo Tomás de Aquino, o ser abarca a essência, mas a
essência não inclui o ser. Se o homem contemporâneo insistir em não ir além da
essência, se insistir em não transcendê-la novamente, se afogará na angústia. E
a resposta para essa angústia é uma só: Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Há, confirme
Norberto del Prado, uma não-identidade radical entre os entes – ou seja, uma
mesma árvore não é idêntica a uma outra árvore, mas é sim idêntica a si mesma –
e uma identidade do ser em Deus. Em outras palavras, no plano das essências há
uma dualidade mesmo-outro (mesma árvore, outra árvore), mas no plano da
existência há apenas identidade e não-identidade (é árvore, não é árvore).
Quando Heidegger substitui o ser pelo nada, trata o nada como uma alteridade do
ser, como se ser e nada fossem o “mesmo” e o “outro” típico dos entes na
natureza. O que o juízo afirma é apenas e tão-somente que a árvore <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i>. O juízo não afirma que o ser da
árvore exista. O ser da árvore <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não é</i>
um dado da experiência humana, não é algo do qual tenhamos experiência
cognitiva. A existência, novamente, é uma realidade extramental, ela não é nem
não é, ela escapa da ordem do “dado” e da objetividade. A existência não pode
ser contradita, no sentido de que não pode ser oposta ou dualizada. Não se
trata aqui de negar a existência, mas de negar a existência da existência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Wilhelmsen
acredita que a inserção do “não-ser” no ser é consequência de uma teologia
protestante dialética.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Pessoa vs. natureza<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Uma distinção
entre indivíduo e pessoa se faz notar em função da “localização” do ser na
existência ou na essência. Se Cristo é verdadeiramente uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pessoa</i> que subsiste em duas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">naturezas</i>,
então existe de algum modo uma distinção entre pessoa e natureza. Wilhelmsen
nota que a Cristandade tende a situar a personalidade <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dentro da estrutura do ser</i>, consequentemente a natureza situa-se na
ordem da essência, o que a desveste do caráter divino que lhe havia outorgado o
pensamento clássico. Não sou eu que estou “a serviço” da natureza, mas é a
natureza que está a meu serviço.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Afinal,
quem sou eu? Este “quem” não é apenas a soma de tudo o que é, mas há um “plus”
ou “excesso”, que é o ato de existir. A personalidade humana só existe dentro
de sua fonte, que é Deus. Ela só existe <i style="mso-bidi-font-style: normal;">em
</i>Deu, o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">esse</i> da pessoa é de Deus,
embora não seja, claro, o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Esse</i> de
Deus. Ora, se Deus é a Identidade da existência, então Ele também é a
Identidade da personalidade humana. O futuro da personalidade humana não depende
exclusivamente do futuro impessoal, ou seja, do conjunto de fatores causais já
dados em potência a ser atualizado. Em outras palavras, o futuro pessoal não se
reduz à dimensão material da natureza humana, ou seja, a liberdade pessoal transcende
a determinação inscrita na ordem da natureza. Meu futuro, portanto, está em
Cristo. É nEle que serei conhecido, é nEle que me encontrarei em plenitude.
Minha identidade em Cristo é o pleno retorno de meu ser a sua fonte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Fonte</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: Frederick Wilhelmsen, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">The Paradoxical Structure of Existence</i>, Routledge, Nova York, NY,
EUA, 2015.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-65469129239438377532023-07-17T13:49:00.000+02:002023-07-17T13:49:07.742+02:00Mais insights estoicos<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_hflibNJZKfbkPv9blogC834WlnK_EteapI113IAUkDmNHCj6eyINqBwpnXjF4wSeR-Qs3NfXKb_Rhg-aBcYFcs8Sgbq3YcMgdVgEIx-qCV06qm5ygPoUsVskLxenZTsoTqwf2Ozn1t4ni4UAbWqz2sQZ-Q7nsfRbMe_V464wWOU_rw0r_keDZg/s1000/emperor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="989" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_hflibNJZKfbkPv9blogC834WlnK_EteapI113IAUkDmNHCj6eyINqBwpnXjF4wSeR-Qs3NfXKb_Rhg-aBcYFcs8Sgbq3YcMgdVgEIx-qCV06qm5ygPoUsVskLxenZTsoTqwf2Ozn1t4ni4UAbWqz2sQZ-Q7nsfRbMe_V464wWOU_rw0r_keDZg/s320/emperor.jpg" width="316" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Aprender a
morrer, de acordo com os estoicos, é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">desaprender
a ser escravo</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Sócrates
costumava dizer que a morte é como alguém que brinca usando uma máscara
assustadora, vestida de bicho-papão para assustar as crianças pequenas. O sábio
remove cuidadosamente a máscara e, olhando-a de frente, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não encontra nada que valha a pena temer</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Uma vez que
realmente aceitamos nosso próprio fim como um fato inevitável da vida, faz tão
pouco sentido desejar a imortalidade como desejar corpos tão duros quanto
diamante ou poder voar nas asas de um pássaro. [...] Como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a morte está entre as coisas mais certas da vida</i>, para um homem
sábio, ela deve estar entre as menos temidas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os estudos
abrangentes de Zenão o convenceram de que disciplinas intelectuais como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">lógica e metafísica</i> poderiam contribuir
potencialmente para o desenvolvimento de nosso caráter moral. Zenão estabeleceu
um currículo para o estoicismo dividido em três tópicos abrangentes: ética,
lógica e física (que inclui metafísica e teologia).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os estoicos
adotaram a divisão socrática das virtudes cardeais em sabedoria, justiça,
coragem e moderação. As outras três virtudes podem ser entendidas como a
sabedoria sendo aplicada às nossas ações em diferentes áreas da vida. A <i style="mso-bidi-font-style: normal;">justiça</i> é a sabedoria aplicada à esfera
social, no nosso relacionamento com outras pessoas. Mostrar <i style="mso-bidi-font-style: normal;">coragem</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">moderação</i> significa dominar nossos medos e desejos,
respectivamente, superando o que os estoicos chamavam de “paixões”. [...] Como
Sócrates havia dito anteriormente, as vantagens externas na vida só são boas se
soubermos usá-las com sabedoria. No entanto, se algo pode ser usado para o bem
ou para o mal, não pode ser realmente bom em si mesmo, portanto, deve ser
classificado como “indiferente” ou neutro. Os estoicos diriam que coisas como
saúde, riqueza e reputação são, no máximo, vantagens ou oportunidades, em vez
de serem coisas boas por si sós. As vantagens sociais, materiais e físicas, na
verdade, trazem aos indivíduos tolos mais <i style="mso-bidi-font-style: normal;">oportunidades
de prejudicar a si mesmos</i> e aos outros. [...] O sábio estoico, ou o homem
sensato, não precisa de nada, mas usa tudo para o bem; o tolo acredita que
“precisa” de inúmeras coisas, mas as utiliza para o mal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Marco
aprendeu que os estoicos acreditavam que havia um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">relacionamento entre o verdadeiro amor à sabedoria e uma maior
capacidade de resiliência emocional</i>. Sua filosofia continha em si uma
terapia moral e psicológica (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">therapeia</i>)
para mentes perturbadas pela raiva, medo, tristeza e desejos doentios. Eles
chamaram o objetivo dessa terapia de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apatheia</i>,
que não significa apatia, mas liberdade em relação aos desejos e emoções
prejudiciais (paixões). Dizer que Apolônio ensinou a filosofia estoica a Marco
é, portanto, também dizer que o treinou para desenvolver resiliência mental por
meio de uma forma antiga de psicoterapia e autoaperfeiçoamento, às vezes
descrita como a “terapia das paixões”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Epicteto
dizia a seus alunos que os fundadores do estoicismo distinguiam entre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dois estágios de resposta a qualquer evento</i>,
incluindo situações ameaçadoras. Primeiro vêm as impressões inicias (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">fantasia</i>), que são impostas
involuntariamente à nossas mentes pelo que nos cerca, quando somos inicialmente
expostos a um evento como a tempestade no mar. [...] Até mesmo a mente de um
perfeito sábio estoico será inicialmente abalada por choques abruptos desse tipo,
e ele se afastará instintivamente, tomado pelo medo. Essa reação é fruto não de
um julgamento de valor incorreto a respeito dos perigos enfrentados, mas de um
reflexo emocional que surge em seu corpo, que ignora temporariamente a razão.
[...] Por outro lado, a capacidade humana de pensar pode fazer com que
perpetuemos nossas preocupações além desses limites naturais. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A razão, nossa maior bênção, também é a
nossa maior maldição</i>. No segundo estágio de resposta, os estoicos dizem que
geralmente adicionamos julgamentos voluntários de “consentimento” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">sunkatatheseis</i>) a essas primeiras
impressões automáticas. Aqui, a resposta do sábio estoico difere daquela
apresentada pela maioria das pessoas. Ele não se deixa levar pelas reações
emocionais iniciais a uma situação que tenha invadido sua mente. Epicteto
afirma que o estoico não deve consentir ou confirmar essas primeiras
impressões, tais como a ansiedade diante do perigo. Em vez disso, ele as
rejeita como sendo um engano, analisa-as com indiferença, abandonando-as. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Sêneca
também observou que certos infortúnios atingem o homem sábio sem incapacita-lo,
como a dor física, as doenças, a perda de amigos ou filhos ou catástrofes
infligidas por derrota na guerra. Esse tipo de coisa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pode arranhá-lo, mas jamais feri-lo</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O Hamlet de
Shakespeare exclama: “Não existe nada bom ou ruim, mas pensar faz com que seja
assim”. Os estoicos concordariam que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não
há nada de bom ou ruim no mundo externo</i>. Somente o que depende de nós pode
ser considerado verdadeiramente “bom” ou “ruim”, o que torna esses termos
sinônimos de virtude e vício.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
catastrofização geralmente envolve o pensamento “E se?”. E se o pior cenário
possível vier a acontecer? Isso seria insuportável. Por outro lado,
descatastrofizar tem sido descrito como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sair
do “E se?” para o “E daí?”</i>: Então, e se tal coisa acontecer? Não é o fim do
mundo; eu posso lidar com isso. [...] Lembrar-seda transitoriedade dos eventos
é uma das estratégias favoritas de Marco. Uma maneira de fazer isso é se
perguntar: “Realisticamente, o que provavelmente acontecerá a seguir? E depois?
E então, o que mais?”. E assim por diante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Uma das
lendas mais famosas sobre Diógenes, o Cínico, conta como Alexandre, o Grande,
procurou o filósofo. É uma justaposição de opostos: Diógenes viva como um
mendigo, e Alexandre era o homem mais poderoso de todo o mundo conhecido. No
entanto, quando Alexandre perguntou a Diógenes se havia algo que poderia fazer
por ele, o Cínico teria respondido que Alexandre poderia sair da frente, pois <i style="mso-bidi-font-style: normal;">estava bloqueando o sol</i>. Diógenes podia
falar com Alexandre como se fossem iguais porque era indiferente à riqueza e ao
poder. Diz-se que Alexandre se afastou e retornou às suas conquistas,
aparentemente sem ter adquirido muita sabedoria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Outra
técnica útil de esclarecimento de valores para estudantes de estoicismo envolve
a criação de duas listas curtas em colunas lado a lado intituladas “Desejado” e
“Admirado”:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">1. Desejado.</span></b><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> As coisas que você mais deseja para si na
vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">2. Admirado.</span></b><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> As qualidades que você considera mais
louváveis e admiráveis em outras pessoas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A princípio,
essas duas listas quase nunca são idênticas. Por que elas são diferentes e como
sua vida mudaria se você desejasse as qualidades que considera admiráveis em
outras pessoas? Como os estoicos poderiam dizer, o que aconteceria se você tornasse
a virtude sua prioridade número um na vida? O aspecto mais importante desse exercício
de esclarecimento de valores, para os estoicos, seria compreender a verdadeira
natureza do bem maior do homem, elucidar nosso objetivo mais fundamental e
viver de acordo com ele. Tudo no estoicismo remete a um objetivo final de
apreender a verdadeira natureza do bem e viver de acordo com isso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Depois de
esclarecer seus valores fundamentais, você pode compará-los às virtudes
cardeais estoicas da sabedoria, justiça, coragem e moderação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lúcio
estruturou toda a vida em torna da busca por prazeres vazios como forma de
evitar entrar em contato com suas emoções. Os psicólogos sabem que as pessoas
geralmente adotam hábitos que consideram prazerosos – das redes sociais ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">crack</i> – como uma maneira de se distrair
ou reprimir sentimentos desagradáveis. No caso de Lúcio, o álcool e outras diversões
talvez lhe oferecessem uma maneira de escapar da preocupação com suas
responsabilidades como imperador. Como veremos, não há nada de errado com o
prazer, a menos que comecemos tanto a desejá-los que negligenciemos nossas
responsabilidades ou substituamos atividades saudáveis e gratificantes por atividades
que não o são.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Buscar
prazeres vazios e transitórios nunca levará à verdadeira felicidade em longo
prazo. Entretanto, o prazer pode ser complexo – pode nos atrair se passando por
algo que não é. O que todos nós realmente procuramos na vida é o sentimento de
autêntica felicidade e satisfação que os estoicos chamavam <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eudaimonia</i>. [...] As pessoas ainda confundem prazer com felicidade
e frequentemente acham difícil imaginar outra perspectiva de vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Contudo, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">o valor de um homem pode ser medido pelas
coisas que ele estima</i>. Gostar do sofrimento dos outros é ruim. Sentir
prazer em ver homens arriscando perder a vida ou sofrer ferimentos graves
seria, portanto, considerado um vício pelos estoicos. Por outro lado, é bom
gostar de ver as pessoas florescerem. Você pode pensar que isso seja óbvio; no
entanto, o prazer pode nos cegar até o ponto de não vermos as consequências para
os outros e para nós mesmos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Há mais
dois pontos-chaves sobre alegria estoica que devem ser enfatizados:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">1. Os
estoicos tendiam a ver a alegria não como o objetivo da vida, que é a
sabedoria, mas como um subproduto dela, portanto, acreditavam que tentar encontra-la
diretamente poderia nos levar ao caminho errado se a busca fosse à custa da
sabedoria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">2. A
alegria no sentido estoico é fundamentalmente ativa, e não passiva; vem da percepção
da qualidade virtuosa de nossas próprias ações, das coisas que fazemos,
enquanto os prazeres corporais surgem de experiências que acontecem conosco,
mesmo que sejam consequência de ações como comer, beber ou fazer sexo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Marco diz,
portanto, que não é nos sentimentos, mas nas ações, que reside o seu bem
supremo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Em outras
palavras, os estoicos não eram desmancha-prazeres. Marco estava convencido de
que poderia obter tanta satisfação saudável com as coisas simples que
aconteciam em sua vida quanto os que buscava prazer, como seu irmão,
satisfazendo vorazmente seus desejos doentios. Sócrates também alegou, paradoxalmente,
que aqueles que praticam o controle realmente obtêm mais prazer com coisas como
comida e bebida do que aqueles que se entregam a elas em excesso. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A fome é o melhor sabor</i>, disse ele, enquanto,
se comermos demais, estragamos nosso apetite. [...] No entanto, um paradoxo
ainda mais profundo reside na noção de que, em última análise, a virtude da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">autodisciplina</i> pode se tornar uma fonte
maior de “prazer” do que comida ou outros objetos externos de nosso desejo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Pensando
bem, poucos afirmariam que essa é a maneira mais gratificante de passar a vida.
Ninguém nunca teve as frases “Eu gostaria de ter visto mais televisão” ou “Eu
gostaria de ter passado mais tempo no Facebook” gravadas na lápide.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Devemos nos
lembrar de que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a dor é sempre suportável</i>,
pois é sempre aguda ou crônica, mas nunca as duas coisas ao mesmo tempo. Um dos
pais da igreja, Tertuliano, resumiu a ideia dizendo que Epicuro cunhou a máxima
“um pouco de dor é desprezível, e uma grande dor não é duradoura”. Portanto,
você pode aprender a suportar dizendo a si mesmo que a dor não durará muito se
for intensa ou que será capaz de suportar algo muito pior se a dor for crônica.
As pessoas frequentemente se opõem a isso afirmando que a dor que sentem é ao
mesmo tempo crônica e aguda. [...] O ponto é que uma dor crônica além da nossa
capacidade de suportar teria nos matado, então, o fato de ainda estarmos de pé
prova que somos capazes de suportar algo muito pior. Embora isso possa ser
difícil de aceitar para algumas pessoas, os participantes dos meus cursos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">online </i>que sofreram muitos anos com dor
crônica relataram que essa máxima epicurista foi de grande ajuda para eles,
assim como para muitas pessoas ao longo dos séculos anteriores. [...] Por que
os antigos consideravam essa estratégia específica uma maneira útil de lidar
com a dor? Quando as pessoas estão realmente em dificuldade, elas se concentram
em sua incapacidade de lidar com o problema e na sensação de que o problema
está ficando fora de controle. “Eu simplesmente não aguento mais isso!”. No
entanto, Epicuro afirma que, concentrando-se nos limites de sua dor, em termos
de duração ou gravidade, é possível desenvolver uma mentalidade mais voltada
para o enfrentamento e menos sobrecarregada por preocupações ou emoções negativas
a respeito de sua condição. Marco também acreditava ser útil pensar em sua dor
como confinada a uma parte específica do corpo, em vez de se deixar consumir
por ela, imaginando-a mais difundida. A dor quer dominar sua mente, tornando-se
a história toda.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Então, como
Marco pôde superar sua total falta de experiência e se tornar um líder militar
tão talentoso? Como permaneceu calmo diante de situações incertas e contra
inimigos tão formidáveis? Uma das técnicas estoica mais importantes empregadas
por ele foi a de agir “com uma cláusula de reserva” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">hupexhaire sis</i>). [...] Essencialmente, significa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">realizar qualquer ação enquanto aceita com
tranquilidade que o resultado não está inteiramente sob seu controle</i>.
Aprendemos com Sêneca e outros que isso pode assumir a forma de uma advertência,
como “Se o destino permitir”, “Se Deus quiser” ou “Se nada me impedir”. [...]
Estamos perseguindo um resultado eterno “com a reserva” de que o resultado não depende
inteiramente de nós. [...] De fato, Marco chega ao ponto de dizer que, se você não
age com a cláusula de reserva em mente, qualquer falha imediatamente se tornará
um mal para você, ou uma fonte potencial de sofrimento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Enquanto a
psicoterapia moderna geralmente se concentra na ansiedade e na depressão, os
estoicos se debruçavam mais sobre o problema da raiva. [...] Eles acreditavam
que a raiva é uma forma de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">desejo</i>.
[...] A raiva geralmente consiste no desejo de prejudicar alguém, porque
achamos que fez algo errado e merece ser punido. [...] A raiva decorre da ideia
de que uma injustiça foi cometida ou de que alguém fez algo que não deveria ser
feito. A raiva está frequentemente associada à impressão de que você, de alguma
forma, foi ameaçado por outra pessoa, tornando a raiva uma companheira intima
do medo. [...] Não devemos responder a pessoas desagradáveis e inimigos com
raiva, mas tratar isso como uma oportunidade de exercitar nossa própria
sabedoria e virtude. Os estoicos veem as pessoas problemáticas como se fossem
uma receita de um médico ou de um parceiro de treinamento designado por um
treinador de luta livre. [...] Apolônio é retratado dizendo: “Existem homens
maus – eles são uteis para ti; sem eles, que necessidade haveria de se ter
virtudes?”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A próxima estratégia
envolve imaginar a pessoa de quem você está com raiva de uma maneira mais
completa e abrangente – não se concentre apenas nos aspectos de seu caráter ou
comportamento que você considera mais irritantes. Marco diz a si mesmo para
considerar com cuidado o tipo de pessoa que costuma ofendê-lo. Então,
imagina-os pacientemente em suas vidas diárias: comendo em suas mesas de
jantar, dormindo sem suas camas, fazendo sexo, descansando, e assim por diante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">[...]<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Nenhum
homem faz o mal conscientemente, o que também implica que ninguém o faz de
propósito. [...] Se está fazendo o que é errado, você deve assumir que é porque
não sabe agir de uma maneira melhor. Como Sócrates indicou, ninguém quer
cometer erros ou ser enganado; toda as criaturas racionais desejam
inerentemente a verdade. [...] Todos se ressentem de ser chamados de cruéis ou
desonrosos. Em certo sentido, acreditam que o que estão fazendo é certo ou pelo
menos aceitável. Não importa quão perversa aquela conclusão possa parecer, ela
é justificada na própria mente de quem a formulou. Se pensarmos constantemente
nas outras pessoas como estando enganadas, e não simplesmente sendo maldosas,
como privadas de sabedoria para encarar seus desejos, inevitavelmente lidaremos
de maneira mais gentil com elas. [...] Da mesma forma, não julgamos as crianças
com severidade quando elas cometem erros, pois não sabem o que estão fazendo.
No entanto, os adultos ainda cometem os mesmos erros morais que as crianças.
Eles não desejam ser ignorantes, mas agem como tal sem ter essa intenção.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Lembrar que
as outras pessoas são humanas, e imperfeitas, pode ajuda-lo a receber críticas
(ou elogios) delas de uma maneira mais equilibrada e menos emocional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">[...]<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As ações dos
outros são externas a nós e não podem danificar nosso caráter, mas nossa própria
raiva nos transforma em um tipo diferente de pessoa, quase como um animal, e,
para os estoicos, esse é o maior dano. “Outra pessoa me fez mal? Isso é
problema dela, não meu”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Fonte</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: Donald Robertson, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pense como um imperador</i>, CDG Edições, Porto Alegre, Brasil, 2022.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><i>Veja também</i>: <a href="http://avidaintelectual.blogspot.com/2022/10/a-estupidez-inteligente-e-outros.html" target="_blank">A estupidez inteligente e outros insights estoicos</a></span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-5955389780275584952023-07-14T12:02:00.003+02:002023-07-14T12:02:57.829+02:00Adão, Eva e a Queda<p style="text-align: justify;"><i></i></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><i><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2NUQ0PFsWiDOkQt0CELqixkYwlOYHEccYzkJ1dOhX3QP2429MayjZ8riYkDeNkmsmgCvDcOrRNN3cqP1gf38IYGKcaVGbKaYLDwtkFEeZayW5a3jDkVDr46aBvq_plWgX4fgcFwZYzQ_Vu0_69eQ_DTVFzwpPgkwzxmGOCMBiczqIz0Uh97tCOg/s400/adamevefall.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="295" data-original-width="400" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2NUQ0PFsWiDOkQt0CELqixkYwlOYHEccYzkJ1dOhX3QP2429MayjZ8riYkDeNkmsmgCvDcOrRNN3cqP1gf38IYGKcaVGbKaYLDwtkFEeZayW5a3jDkVDr46aBvq_plWgX4fgcFwZYzQ_Vu0_69eQ_DTVFzwpPgkwzxmGOCMBiczqIz0Uh97tCOg/s320/adamevefall.jpg" width="320" /></a></i></div><i><br /></i><p></p><p style="text-align: justify;"><i>A FORMAÇÃO ONTOLÓGICA</i></p><p style="text-align: justify;">1) Se nem o NT pode ser lido instintivamente, imagine o VT.</p><p style="text-align: justify;">2) Adão e Eva não podem ser os nomes desses arquétipos porque o hebraico só surgiu depois de Moisés.</p><p style="text-align: justify;">3) Pó, argila, sangue, saliva, lágrima: são nomes mencionados nas antigas culturas do Oriente Próximo para indicar a formação de arquétipos ("identidade", "imagem"), não a formação biológica de seres singulares.</p><p style="text-align: justify;">4) Em especial, "pó" indica mortalidade, enquanto a áravore da vida é o antídoto dessa mortalidade. Por uma má tradução, Deus não fez o homem "do" pó da terra, mas o homem é pó da terra, simplesmente.</p><p style="text-align: justify;">5) Se Deus fala de nossa natureza arquetípica, e não de uma suposta origem químico-corporal, então Adão pode muito bem ter nascido de uma mulher. Da mesma forma, Eva não "vem" de Adão no sentido corporal, mas tem a mesma natureza arquetípica de Adão, ou seja, a mesma identidade. O sono profudo de Adão é na verdade uma visão, e nela lhe é mostrado que ele (e ela) é apenas o par da mesma identidade. Vê-se portanto que a história do gênesis não é uma história científica, mas uma história ontológica.</p><p style="text-align: justify;">6) Gênesis deixa claro que já havia muitos outros habitantes quando Caim começou a fundar cidades. Adão e Eva não foram portanto os primeiros seres humanos singulares, o que seria uma forma de diminuir, e não de enaltecer, sua importância na história do mundo.</p><p style="text-align: justify;">7) Sua importância está no fato de que foram criados para serem sacerdotes (mediadores) para servirem e guardarem (preservarem) o Jardim do Éden, que é parte do espaço sagrado onde Deus habita. Neste caso, Adão e Eva não são o arquétipo da humanidade, mas representantes da humanidade no Éden.</p><p style="text-align: justify;"><i>A QUEDA</i></p><p style="text-align: justify;">8) Há duas árvores no Éden: a árvare da vida e a árvore da sabedoria (ou "do conhecimento do bem e do mal"). Ambos -- vida e sabedoria -- são frutos de Deus. A vida os livra da mortalidade, e a sabedoria tem a ver com ordem, pois Deus pretende que a humanidade expanda a ordem instaurada por Ele no cosmos.</p><p style="text-align: justify;">9) Adão e Eva comem do fruto da árvore da sabedoria, ou seja, procuram eles mesmos serem o fundamento da ordem no mundo. Deus consequentemente os aparta do acesso à árvore da vida, ou seja, da imortalidade.</p><p style="text-align: justify;">10) A serpente não é Satanás, mas um símbolo de rompimento da ordem e catalisador da desordem.</p><p style="text-align: justify;">11) A punição de Deus não é expulsá-los a um ambiente de desordem, mas a um ambiente apenas fora de ordem ("non-order"). É a humanidade que trouxe a desordem ao mundo e o dilúvio é uma maneira de Deus para tirar a humandade da desordem e reestabelecê-la ao estado de fora de ordem ("non-order").</p><p style="text-align: justify;"><i>CONCLUSÕES</i></p><p style="text-align: justify;">12) Por seu desinteresse em questões científicas, o VT não pode atestar nem refutar o modelo darwinista.</p><p style="text-align: justify;">13) O VT está centrado na criação enquanto ação operativa, não enquanto mecanismo biológico.</p><p style="text-align: justify;"><i>Fonte</i>: John Walton, <i>Understanding Adam and Eve and the Fall</i>, <a href="https://www.youtube.com/watch?v=74xwSLB7ALA" target="_blank">YouTube</a>.</p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-42928944204979014912023-07-10T12:46:00.000+02:002023-07-10T12:46:15.472+02:00Elementos de filosofia da linguagem<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqCzKnZ-qXpJdkVp8SAiISLNFX8U2azTnBtA3bCp2ok20QTrUBV7tDq78gORqP3cCIxzqtTj7oAwmZCtrkbjF1Y3_lY8RiSqEI9qfjvd20o4PRvreLnxlAf_HHGP6lvGxs4t_iLwQ8O_LRCBwiE1JQIKa75U7zoAmZbuWsG9F0bCVPYtdK90LkWQ/s1500/language2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqCzKnZ-qXpJdkVp8SAiISLNFX8U2azTnBtA3bCp2ok20QTrUBV7tDq78gORqP3cCIxzqtTj7oAwmZCtrkbjF1Y3_lY8RiSqEI9qfjvd20o4PRvreLnxlAf_HHGP6lvGxs4t_iLwQ8O_LRCBwiE1JQIKa75U7zoAmZbuWsG9F0bCVPYtdK90LkWQ/s320/language2.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A tarefa da
filosofia da linguagem é construir uma teoria que tente explicar o fenômeno da
comunicação. Adler entende que há duas limitações que precisam constar em uma
filosofia da linguagem digna do nome: (1) eliminar toda e qualquer preocupação
com “verdadeiro” e “falso” e (2) excluir de seu alcance as expressões emotivas,
sentimentais e de caráter imperativo. Isso significa, quanto ao ponto (1), que
uma filosofia da linguagem não pode depender de limitações previamente impostas
por questões ontológicas, epistemológicas e psicológicas pelo simples motivo
que para dirimir tais questões prévias à filosofia da linguagem se exigiria,
pois, o emprego da linguagem. Similarmente, a filosofia da linguagem deve ser
formulada de tal forma que se situe completamente à margem da enorme variedade
de teorias gramaticais e sistemas linguísticos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A filosofia
da linguagem deve ser capaz de resolver dois problemas:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(a) quais
as circunstâncias necessárias para a transformação de notações em significado
em notações com significado, ou seja, em palavras categoremáticas (ou seja,
excluindo-se preposições, partículas, conjunções etc.) propriamente;<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">(b) o que é
uma palavra afinal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A teoria de
que as notações adquirem significado a partir de palavras existentes é absurda
porque a relação das palavras é um círculo fechado. Para uma criança, por
exemplo, conseguir mover-se no círculo de palavras é necessário antes,
obviamente, que sinais sem significado algum se transformem em palavras
(notações com significado). Lembrando que um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sinal</i> pode ser um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">signo </i>(algo
que sugere, indica ou implica em outra coisa, como uma nuvem no céu sugere,
indica ou implica em chuva) ou um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">designador</i>
(algo que nomeia, designa ou refere outra coisa, como a notação NUVEM no papel
ou os fonemas “nuvem” pronunciados de maneira audível nomeiam, designam ou
referem a nuvem). Somente palavras podem ser designadores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Os
significados das palavras vêm das <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideias</i>.
Mas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideia</i>, aqui, não é uma teoria ou
um conceito, nem tampouco uma noção de algo. A <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideia</i>, conforme aqui usada por Adler, é um produto de um ato da
mente. Então, por exemplo, a percepção produz preceitos, a imaginação produz
imagens, a recordação produz memórias, a compreensão produz conceitos (embora o
sentir produza sensações, neste caso, como não há participação da mente, não se
consideram as sensações como ideias). Ao conjunto desses atos da mente chamamos
de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apreensão</i>, enquanto ao conjunto
dos produtos desses atos da mete chamamos de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ideia</i>. É claro que há mais atos cognitivos da mente além da
apreensão, que são o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">juízo</i> e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">razoamento</i>, que envolvem questões de
verdade e falsidade, e cujos produtos são o julgamento e o raciocínio. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">As ideias
são aquelas coisas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pelas quais</i>
apreendemos o que apreendemos, mas nunca os objetos da apreensão, ou seja,
nunca <i style="mso-bidi-font-style: normal;">aquilo que</i> apreendemos. E eis o
ponto crucial da filosofia da linguagem de Adler: o objeto das ideias não pode
ser puramente subjetivo, pois senão a comunicação seria impossível. Tampouco
pode ser puramente objetivo, pois sabemos que as ideias não tem existência
independente da mente humana. Portanto, os objetos das ideias situam-se entre
esses dois extremos: trata-se de objetos pertencentes ao campo da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">intersubjetividade</i>, ou seja, são objetos
idênticos para dois ou mais indivíduos, apesar de cada individuo apreendê-los
por meio de suas próprias ideias, por meio de seus próprios atos mentais. Esses
dois indivíduos têm ideias existencialmente distintas, mas essas ideias <i style="mso-bidi-font-style: normal;">podem</i> ter uma única intenção, ou seja,
elas podem pleitear um mesmo objeto e fazê-lo presente na mente de ambos os
indivíduos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O
significado da ideia é intrínseco a ela, ou seja, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a ideia é nada mais que um significado</i>. A ideia dá significado ao
objeto que essa ideia apresenta para a mente. Mas aqui cabe uma observação
crucial: a ideia não apenas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tem</i> um
significado, mas ela <i style="mso-bidi-font-style: normal;">é</i> um
significado. Ela é o significado que apresenta o objeto para a mente. Em outras
palavras, é como se a ideia contivesse em si ambos os elementos, significante e
significado, mas que se distingue do objeto que significa. É o único ente no
mundo que se apresenta dessa forma. Eis como, portanto, uma notação sem
significado adquire seu significado: por meio da imposição voluntária a um
objeto apreendido (“idealizado”, digamos). O indivíduo faz a imposição do
objeto sendo apreendido, ou seja, do objeto sedo apresentado à mente, a uma notação
ainda sem significado. A partir daí, o uso da palavra evoca a ideia, ou seja, o
significador natural, a ela associada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A simples
distinção entre aquilo que apreendemos e aquilo pelo qual apreendemos corrige o
erro de Descarte e de Locke. É preciso notar mais uma vez que aqui estamos nos
referindo apenas ao primeiro ato da mente, o ato de simples apreensão, e não os
seus produtos — seus preceitos, suas memórias, suas imagens e seus conceitos;
não estamos nos referindo aos atos subsequentes da mente, seus atos de juízo e
razão. O simples ato de apreensão, no qual o sentido e o intelecto cooperam
enquanto permanecem distintos, não é um ato de juízo. É apenas quando afirmamos
saber, por juízo ou razão, que sabemos e fazemos juízos verdadeiros, ou
falhamos cm saber e fazemos juízos falsos. A simples apreensão não envolve
juízo e não é nem verdadeiro nem falso. Não basta ver que a distinção, no
âmbito da simples apreensão, entre aquilo que apreendemos e aquilo pelo qual
apreendemos, afasta o erro cometido por Descartes e por Locke, que viam as
ideias como objetos apreendidos e também como representações das existências
reais, sobre as quais procuramos fazer juízos verdadeiros e, então, vir a
conhecer de fato. Também é necessário entender o que está envolvido na adesão
rigorosa à visão de que ideias (preceitos, memórias, imagens e conceitos) são
sempre e somente aquilo pelo qual apreendemos, nunca aquilo o que apreendemos.
A primeira coisa que deve ser compreendida é que os produtos dos primeiros atos
da nossa mente — seus preceitos, suas memórias, suas imagens e seus conceitos —
são totalmente inexperienciáveis, ininspecionáveis e inexamináveis.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Jamais
podemos experimentá-los, inspecioná-los ou examiná-los; pois são sempre e
somente aquilo pelo qual apreendemos, seja o que for que apreendemos, e nunca
aquilo que apreendemos. A segunda coisa que deve ser compreendida é que, através
de nossas ideias como instrumentos de apreensão, apreendemos uma variedade de
objetos — os percebidos, os lembrados, os imaginados e imaginários, e os
objetos concebidos ou objetos de pensamento. A terceira coisa que deve ser
entendida é que esses objetos apreendidos não são representações de coisas, ou
existências reais de qualquer tipo. Os objetos da nossa apreensão são entes que
sempre têm existência intencional. Além disso, eles podem ser entes que também
têm existência real, mas que nem sempre é o caso. Todos esses pontos foram
completamente elaborados nos capítulos anteriores e não precisam mais ser
discutidos. Só estão sendo mencionados aqui para resumir o que envolve um novo
caminho, aderindo rigorosamente à distinção entre aquilo que apreendemos
(objetos) e aquilo pelo qual apreendemos (ideias); a distinção entre a
existência intencional dos objetos e a real existência das coisas; a distinção
entre apreensão e juízo; e a distinção entre pensamento perceptual e pensamento
conceitual. Todas essas distinções foram perdidas ou obscurecidas na tradição
da filosofia moderna iniciada com Descartes e com Locke. É apenas porque foram
recuperadas e colocadas em funcionamento que o presente livro pode afirmar que
produziu os rudimentos de uma filosofia da linguagem sólida e adequada.</span></p></blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Fonte</span></i><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">: Mortimer J. Adler, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Como pensar a linguagem em algumas questões</i>, É Realizações Editora,
São Paulo, Brasil, 2021.</span></p><p></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-12415982.post-45965046314247556142023-07-01T05:43:00.000+02:002023-07-01T05:43:14.672+02:00Um tributo à alta monogamia<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjS-rWoNijfkKUKV6jBEtOuCtnQqUM8ckJr5GxXV1D80mSWXn5DPtcpB5Ku5DpaKDrEqrHVZJhnKzGwFTeGHqe5CW7R8gCBqXNnTFbPTKfSovFfjgh9CTtW92R47KFJG1_Rsp1fzdAx8i4LQAl1_LPQwGd30zHV-XEXfWlzEZD83bCt8kCDxlWlhQ/s1920/leonard.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="1920" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjS-rWoNijfkKUKV6jBEtOuCtnQqUM8ckJr5GxXV1D80mSWXn5DPtcpB5Ku5DpaKDrEqrHVZJhnKzGwFTeGHqe5CW7R8gCBqXNnTFbPTKfSovFfjgh9CTtW92R47KFJG1_Rsp1fzdAx8i4LQAl1_LPQwGd30zHV-XEXfWlzEZD83bCt8kCDxlWlhQ/s320/leonard.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O escritor
americano George Leonard, extensamente citado pela psicóloga espanhola
Montserrat Calvo Artes, defende a ideia de que tanto o moralismo vitoriano
quanto a revolução sexual, embora ambos pareçam contradizer-se mutuamente, na
verdade são produto de uma mesma mentalidade: a ideia de que o sexo é uma atividade
que possa ser dissecada dos demais aspectos da vida humana e, pior, que possa
ser reduzida a dogmas e preceitos definidos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Quando nos
damos conta que o homem enquanto tal não é um mero agregado material, nem um boneco
ou um fantasma, mas um ser muitíssimo mais complexo, amplo e profundo, que a união
entre duas pessoas não é a mera união de dois personagens, então podemos
vislumbrar a ideia central de Leonard: o amor erótico, se consumado e
comprometido, tem poderes imortais. O amor erótico e o amor criador são notavelmente
semelhantes e a maneira como fazemos amor influi na maneira como fazemos o
mundo, e vice-versa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O problema
com as posturas ideológicas vitoriana e revolucionária é que ambas almejam reduzir
e “concretizar” a vida, seja impondo ditames de recato e castidade, como no
caso da moral vitoriana, seja impondo ditames de exuberância e liberdade, como
no caso da moral revolucionária. Observe que em ambas há a oferta de soluções e
caminhos simplificados. E o que foi “simplificado” aqui é precisamente a condição
humana: quando duas pessoas fazem amor isso seria “só sexo”, seria mero alívio prazeroso
de pulsões e a realização de desejos voluptuosos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Foi o
moralismo vitoriano do século XIX o principal responsável por reduzir o sexo a
algo polêmico e isolado, por romper a relação do sexo com a matriz das relações
sociais, por transformar o sexo em algo
sensacional. O sexo passou a ser uma ideia, uma abstração, um objeto sobre o
qual podemos versar, manipular, ensaiar em laboratório. A abstração e a generalização
que supõe o pensamento moderno sobre o sexo toma a experiência erótica e a
converte em algo concreto e útil, paralisando-a. A expressão “sexualidade
humana” não mais descreve a vida, mas a morte. Segundo Leonard, embora
aparentemente não haja relação entre sexo e genocídio, é precisamente a abstração
do corpo e do sexo em relação ao composto humano total levada a cabo na era
moderna que permite que pessoas sejam tratadas como coisas, que assim como as árvores
de um terreno são derrubadas para posterior terraplanagem, assim também homens são
assassinados para posterior “terraplanagem”. Daí Leonard dizer com muita eloquência:
“A paralisia da percepção precede o genocídio”. Nossa capacidade de abstrair é
também nossa incapacidade. Uma ideia pode se tornar tão premente que a
confundimos com a realidade: confundimos o mapa com o território. É quando a
ideia se converte em ideologia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Ao
contrário, as fantasias formam a cultura erótica interior e, portanto,
enriquecer a vida imaginária é ampliar as perspectivas da vida erótica. A
criatividade, seja no amor ou em qualquer outro campo, exige a distinção entre
a fantasia e o dogma: ora, criar significa experimentar novos elementos ou configurações
da realidade sentindo-me seguro com isso. O dogma circunscreve e congela a
realidade ao mesmo tempo em que proíbe a fantasia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O que
Leonard tem em mente está para muito além do controle, dos cálculos e das
manipulações. Trata-se de entrar em um mundo no qual o ato sexual não seja
considerado como uma mercadoria, mas como uma expressão espontânea e
incondicional do amor. Em outras palavras, em criar um lugar magnífico apesar
dos riscos, no qual as correntes do passado se rompem e a importância da luta
pelo poder é mínima.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Se minha
amante e eu somos campos de energia, únicos e irredutíveis, que expressamos o
cosmos desde um ponto de vista especifico, então nossa união não é casual.
Quando nos unimos no amor criamos um novo campo de energia, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">maior e diferente do que a soma de suas
partes</i>. As intenções e o compromisso bastam para criar uma nova forma, para
engendrar a ordem onde antes havia o caos e o nada, para produzir novos dados.
Se minha amante é o cosmos, é impossível que a trate como um objeto. Ela é como
uma janela para o cosmos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">É por isso
que Leonard propõe a monogamia. Não por escrúpulos legais, morais ou
religiosos, nem por timidez ou inércia, mas porque <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ambos buscam um desafio e uma aventura</i>. A exclusividade erótica é
portanto algo voluntário, livremente escolhido. Para isso, Leonard recomenda:
(1) que ambos tenham interesses em comum em quanto a objetivos de vida, (2) que
demonstrem genuíno entusiasmo, lealdade, cortesia, paciência, (3) que se
considerem verdadeiramente como pessoas de altíssimo valor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">O objetivo
da relação monogâmica é atingir uma profundidade tal que desencadeie uma
mudança em ambos. É precisamente a partir do momento em que ambos já contaram a
historia de suas vidas e empregaram todos os truques eróticos que começa a
aventura da transformação e do erotismo mais profundo. É a partir desse momento
que começamos a ver com clareza e começamos a mudar. E é precisamente isso que
a sexualidade recreativa e fugaz evita: a intimidade profunda, a aventura, a
imprevisibilidade, a transformação. A monogamia é para aqueles que se
comprometem a viver de uma forma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">profundamente
pessoal</i>, entregando tudo sem reprimir nada. A relação monogâmica voluntária
(não aquela motivada por escrúpulos morais) tem seus prêmios: uma ternura muito
particular, sensações intensas, um ambiente erótico emocionante, surpresas
cotidianas, mudanças. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Tudo isso sem apólice de seguro. Sim, pois há riscos, e são
enormes. A sabedoria do cínico tem um longo pedigree. Mas o desperdício do
potencial da relação monogâmica autêntica também causa terror.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">* * *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"></span></p><blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
"matéria" é a origem dos campos de energia ou são eles que engendram
a matéria? Na realidade, a matéria é o campo de energia, como demonstrou
Einstein em sua equação E = mc 2, sem que a causa intervenha em nada. Basta
dizer que o padrão rítmico é o aspecto mais fundamental e irredutível de cada
ser humano e que podemos considerar todos os sinais de individualidade como
diferentes manifestações de um mesmo ritmo fundamental ou pulsação interior.
Por exemplo, as impressões digitais são ondas rítmicas imobilizadas no espaço.
As ondas cerebrais são ondas no tempo. Reconhecemos nosso cantor favorito - não
importa quão ruim seja a gravação e não importa que música ele cante - não
apenas pela maneira como ele interpreta a música, mas também por essa profunda essência
rítmica, esse pulso interior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">Portanto,
cada um de nós pode ser considerado um campo rítmico completamente diferente,
um complexo de ondas e ressonâncias. Este conceito de identidade pessoal anula
a velha dicotomia mente-corpo, visto que a mente é vista como uma manifestação
da pulsação interior, e o corpo como outra manifestação da mesma. Podemos ir
ainda mais longe e afirmar que a obra de uma pessoa, a marca deixada no tempo
pela passagem dessa pessoa, é uma manifestação dessa pulsação particular e
fundamental. A alma ou espírito é outra dessas manifestações. A ideia de uma
pulsação interna da identidade pessoal poderia explicar a possibilidade da
sobrevivência da autoidentidade após a morte do corpo.</span></p></blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><i>Fonte</i>:
George Leonard, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">El fín del sexo</i>,
Integral Editorial, Barcelona, Espanha, 1986.<o:p></o:p></span></p>Edward Wolffhttp://www.blogger.com/profile/09298096663712855940noreply@blogger.com