11 de junho de 2021

Reflexões

 

O ciúme não é prova de amor. Costuma acompanhá-lo, mas os ciumentos são os que estabelecem mais dependências práticas, e não os que mais amam. Assim, não cabe a excessiva tolerância de alguns para com esse sentimento. Trata-se de uma emoção inevitável, mas que deve ser objeto de administração e máximo controle justamente a fim de preservar os legítimos direitos do amado.

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As pessoas que com mais frequência sentem ciúme não são, como regra, as que mais intensamente amam, mas as que mais temem perder o parceiro, o que corresponde, antes de tudo, à fraqueza pessoal e ao medo de lidar com frustrações, dores e perdas práticas de todo tipo.

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O medo da felicidade corresponde à sensação de iminência de tragédia que acompanha nossos melhores momentos. É como se a grande desgraça viesse a se repetir: estávamos no útero, felizes, em harmonia e simbiose com nossa mãe; à situação paradisíaca seguiu-se a dramática e dolorosa ruptura do nascimento.

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A revolta contra fatos irreversíveis é imaturidade emocional e autocondenação à infelicidade eterna. A aceitação de como somos nos permite elaborar os rumos que deveríamos seguir.

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Entre amor e individualidade, opto pela segunda. Faço isso ciente de que ela implica a morte do amor romântico, a meus olhos o grande vilão da história. O final é feliz porque determina a supressão de uma gama enorme de sofrimentos inúteis e dilacerantes. Libertos do anseio de fusão – que entendo como algo que aponta para o passado, e não para a frente –, indivíduos podem seguir seu caminho na direção da autonomia e da liberdade.

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Individualismo é um termo que costuma provocar uma reação negativa na maior parte das pessoas porque parece sinônimo de egoísmo, o que não faz o menor sentido, uma vez que o egoísta costuma ser a favor dos grupos exatamente para poder encontrar alguém a quem parasitar.

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Muitos são os que se entristecem o tempo todo com sua aparência física, com a falta de habilidade para práticas esportivas, com a pouca competência para atividades manuais, com os dotes verbais escassos ou o senso de humor precário, e várias dessas propriedades correspondem a uma forma peculiar da atividade cerebral que, creio, não convém pretender modificar. Nesse caso, mudar significa aceitar os fatos, não lutar contra eles. Mudar significa, portanto, alterar o modo como pensamos para que possamos aproveitar melhor a vida, viver com mais harmonia e serenidade – e isso está longe de ser pouca coisa.

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Aqueles que vivem sós por certo período aprendem a se tornar independentes e a cuidar melhor de si mesmos. Desenvolvem prazer e orgulho por ser capazes disso. Avançam assim na direção da justiça, abandonando tanto o egoísmo como a generosidade originais.

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Buscar a verdade é um indicador de coragem para a introspecção, condição indispensável para conseguir avançar para o autoconhecimento e para a liberdade.

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Muitas de nossas verdadeiras propriedades, como a inveja, a vaidade e a agressividade, são negadas e vão para o porão do inconsciente, de onde influenciam dramaticamente a conduta real da maior parte das pessoas, mesmo daquelas que se pretendem mais idealistas e despojadas.

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Poderíamos nos satisfazer com uma única regra moral para as questões da vida prática: temos de atribuir a nós mesmos e aos outros direitos iguais.

Fonte: Flávio Gikovate, Reflexões que Permanecem, MG Editores, São Paulo, Brasil, 2017.