8 de maio de 2023

Amar-se


Para Lacerda, conforme envelhecemos acumulamos experiências e papéis cujo desempenho nos afasta do que ele chama de “nós mesmos”, “verdadeiro eu” ou “eu profundo”. Fica claro ao longo da leitura que esse “eu profundo” é apenas o bom e velho eu narrativo, que é a causa mesma da identidade débil da qual Lacerda procura ajudar o leitor a se livrar. Embora a lógica que Lacerda usa para tratar o problema seja a mesma que causa o problema – a autoestima –, é útil aprendermos técnicas que nos ajudem a pelo menos moldar a autoestima de maneira que não bloqueie o que realmente importa: o desenvolvimento da consciência.

O autor explica que a dependência natural que a criança desenvolve para com os pais acaba impregnando-se em alguns indivíduos a ponto de acreditarem, quando adultos, que são inerentemente incapazes, incompetentes, desinteressantes e, por fim, sentem-se profundamente infelizes. O sucesso que alcançaram, seja qual for e em que extensão for, é tipicamente atribuído a outras pessoas, à sorte, ao acaso.

O indivíduo cria e aceita uma série de crenças limitantes em torno da crença fundamental de sua incompetência e incapacidade inatas. A elas devem ser opostas crenças potencializadoras que promoverão uma nova máscara (o “eu profundo”) confiante, poderosa, altiva. Ademais, escutar sua intuição, sem moderá-la mediante pensamentos racionais ou preconceitos, é mister para despertar a motivação para a mudança: sentir o sentimento e esperar pela resposta a seu significado. Ao ouvir seus sentimentos e intuições, o indivíduo aprende que o melhor para si vem de seu mundo interior, de sua “bússola interior”, e não do mundo exterior.

A autoestima é o valor que o indivíduo percebe que tem. Tê-la baixa é criar novos e inúteis sofrimentos, e deixá-la a cargo de amigos, escola, paqueras, colegas de trabalho etc. é deixar que seu valor (estima) seja determinado a parti de fora. O segredo, portanto, é não identificar-se com os insucessos da vida, é não fazer a ligação entre fracassar e ser o fracasso, e não aceitar que o julgamento alheio o condene dessa forma. As pessoas mais bonitas, mais inteligentes, mais ricas, são uma circunstância da vida, não dizem nada sobre quem você é.

Alguns passos para aumentar a autoestima: (1) culpar os pais é ainda responsabilizá-los por quem você é agora; trate de entender que você é filho da criança ferida e que ambos, você adulto e você criança, são problema seu; (2) autoestima não se resolve com relacionamentos, mas, pelo contrário, os relacionamentos reforçam a dependência afetiva causada pela baixa autoestima; (3) entenda que o perfeccionismo vem de um senso de depreciação, uma vez que o perfeccionista nunca se satisfaz com seus feitos; (4) se recusar a dizer “não” não é sinal de delicadeza ou de altruísmo, mas apenas medo de rejeição; dizer “não” é sinal de que passar por cima de você mesmo não é uma opção para agradar o outro.

Quanto aos “outros”, essa miríade de línguas fofoqueiras que povoam não tento a Terra mas sim sua cabeça, há uma corrente da vingança que tem de ser quebrada. Entenda que o critério de julgamento que aplica aos outros é exatamente o mesmo que aplica a si mesmo, embora à primeira vista não se dê conta disso. O julgamento alheio tem mais a ver com você do que com o outro. Portanto não conclua que você tem de ser um reflexo da forma como a sociedade se estrutura, nem vice-versa. Sua imagem é algo que deve partir de você, da exposição de suas opiniões e valores, e não algo que venha de fora. Romper a corrente da vingança é, na verdade, reverter a corrente elétrica que passa por ela: a energia sai primordialmente de você.

As pessoas são atraídas por quem tem orgulho de si mesmo e vão gostar de estar ao seu lado exatamente pela segurança interna que você transmitir.

A figura acima mostra o conceito de espaço psíquico. Há graus de intimidade em torno de sua alma, e o desrespeito acontece no momento em que alguém avança uma camada, ou seja, cruza uma linha de relação, sem sua permissão. O fato de a pessoa ter cruzado de boa ou má, ou nenhuma, intenção pouco importa aqui. O importante é você comunicar, de maneira clara e inequívoca, que o desrespeito ocorreu.

Com o desrespeito vem o perdão, ou melhor, a dificuldade em perdoar quem lhe desrespeitou. Aqui há duas vias possíveis: (1) via da justiça, ou seja, algum tipo de justiça precisa ser feito para que consigamos perdoar; o problema aqui é que, novamente, exigir justiça (vingança, na verdade) resultará em aplicar a mesma justiça a si mesmo; não perdoar o outro é ao fim e ao cabo não perdoar você mesmo (autovingança), (2) via das imperfeições, ou seja, entender que as imperfeições nos aperfeiçoam, perceber que somos feitos da mesma matéria, são carentes, imperfeitos, humanos (tolerância).

Por fim, o autor transmite conselhos pontuais, como falar de forma confiante, expressar-se com uma linguagem corporal marcante, ouvir atentamente o outro, cultivar o bom-humor etc.

Fonte: Marcos Lacerda, Amar-se, VR Editora, Cotia, Brasil, 2021.

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A família de propaganda de margarina é uma fantasia. A grande tragédia nos relacionamentos é quando ambos exigem que se cumpra a fantasia de margarina de que o outro tem de ser sua alma gêmea e que tudo tem de ser feliz, perfeito, limpo, organizado e bom. Para uma relação madura, robusta, duradoura, é preciso aceitar a realidade do mundo interior do outro sem julgar, sem escandalizar-se, sem medo de revelar fraquezas secretas, sem medo de parecer ridículo, e jogar fora a fantasia de margarina.  Alguns passos importantes:

(1) O outro não é sua mamãe, papai, psicólogo etc. As feridas do seu passado não são responsabilidade do outro.

(2) O silêncio começa a imperar no casal quando um ou ambos se julgam ou se ignoram. Entenda que o outro não quer tanto que você resolva seu problema, mas que apenas e tão-somente o compreenda.

(3) Faça-se presente na vida do outro (bilhetes, flores, fotos etc.).

As relações amorosas passam por três etapas:

(1) Fusão (1+1=1). Atração intensa, só o existe o nós na relação. Com o tempo se torna sufocante.

(2) Diferenciação (1+1=2). Rotina, o casal descobre as diferenças, a realidade da intimidade. Etapa importante porque você “ressurge” com sua personalidade, seus planos, seus projetos, suas ideias. O casal aprende a viver sem a ideia de unidade, sem a ideia de que “um pertence ao outro”.

(3) Harmonização (1+1=3). O casal aprende a viver com suas diferenças. Há projetos em comum e projetos individuais.

Quanto ao sexo, cabe lembrar que a atração que sentimos no inicio em geral se baseia numa fantasia sobre o outro. É uma espécie de projeção. Com o tempo, a realidade destrói a fantasia. A capacidade de fantasias enfraquece e o sexo deixa de ser a coisa mais importante para o casal. Entra em cena o sexo burocrático, sem olho no olho, cego, focado exclusivamente nos genitais, no orgasmo, sexo de filme pornô.

Quanto ao ciúme, o desejo subjacente é o poder. Controlar a vida alheia não tem nada a ver com amor, mas a intenção de tratar o outro como objeto. O amor tem a ver com amar a liberdade do outro; o único controle que você tem é estar ou não estar na relação. Há uma fantasia que fundamenta o ciúme, que é a ideia de que o amor nasce pronto, que não demanda esforço, paciência e tempo. Ademais, a inveja é um componente comum no sentimento de ciúme, pois encontrar-se ou sentir-se numa posição inferior pode ser uma situação difícil de lidar.

Quanto à traição, as regras de convivência estavam bem estabelecidas? A mentira acaba se tornando a régua com a qual o traído mede o traidor, e é difícil recuperar uma relação ferida dessa forma. O perdão não é esquecer o que o outro fez, mas ser capaz de lembrar-se do fato sem despertar os sentimentos negativos associados a esse fato. A traição nunca é culpa do traído, mas sempre do traidor. Se surgiu a oportunidade para trair e o traidor a aproveitou, o fez por livre e espontânea vontade. Se não quis romper o relacionamento antes da traição, foi decisão sua, a despeito dos obstáculos, reais ou imaginários, que se interpunham à comunicação.

Quanto aos familiares e amigos, a ideia é aprender a desapegar-se psicologicamente deles, sobretudo dos pais, o que é mais difícil. A maturidade do casal não pode ser alcançada quando os pais, família e/ou amigos são chamados a debater e opinar a respeito da vida do casal. As amizades de qualidade surgirão a partir de uma vida conjugal de qualidade.

Quanto ao cônjuge imaturo e tóxico, entenda que o amor não move montanhas, o bem não vence o mal. Seu amor não vai mudar o outro, ao vai tornar o abusador uma pessoa melhor, nem vai fazer com que ele descubra seu valor. O abuso físico ou psicológico é típico de pessoas doentes e infelizes. Para livrar-se de uma pessoa tóxica implica em armar uma estratégia em que uma estrutura paralela exista para acolhê-lo.

Fonte: Marcos Lacerda, Amar, desamar, amar de novo, VR Editora, Cotia, Brasil, 2019.

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O antônimo de “amor” é “poder”. Portanto, quanto mais poder se exerce sobre o outro se conclui que menos amor existe no casal. Amar o próximo é amar a liberdade desse próximo. Eis algumas armadilhas típicas nas quais os casais caem: (1) moldar o comportamento do outro (queixar-se da relação ou de você mesmo está bem, criticar o outro enquanto indivíduo está mal); (2) ter razão (debater está bem, esmagar o outro por orgulho e ameaçar a harmonia do casal está mal); (3) discutir (falar como você se sente está bem, falar mal do outro está mal); (4) incompreender a infância do outro (esperar maturidade geral está bem, ignorar que possa haver feridas infantis remanescentes está mal).

Por outro lado, há determinadas posturas que você pode assumir que ajudam a blindar sua liberdade: (1) ocupar-se de você (lutar pelo seu bem-estar não é egoísmo, além de estar mais disponível para o outro sem vê-lo como uma tábua de salvação); (2) questionar-se (habituar-se a fazer perguntas profundas e abrangentes a si mesmo); (3) perdoar-se (desde bebê erramos para aprender, agora não é diferente); (4) cogitar a solidão (suportar a própria presença, se fazer companhia).

O ator sugere o teste de níveis de consciência de Clare Graves.

Fonte: Marcos Lacerda, Amar e ser livre é possível, VR Editora, Cotia, Brasil, 2022.