27 de novembro de 2007

Santo Eduardo, Rei e Mártir

"O Rei Eduardo foi um jovem de grande devoção e excelente conduta. Ele era totalmente ortodoxo, bom e de vida santa. Acima de tudo, ele amava o Cristo e a Igreja. Ela era generoso com os pobres, um campeão da fé cristã, um vaso cheio de toda graça virtuosa".

Theodorico Paulus

Quando o Rei Edgar, bisneto de Alfredo, o Grande, ascendeu ao trono inglês no ano 957, a situação do país estava melhorando. Um novo senso de unidade, organização e confiança acabara de ser forjado, resultado de 100 anos de esforços. É neste período que a figura de São Dunstan, Arcebispo de Canterbury e conselheiro do Rei Edgar, faz-se notar.

Abade do mosteiro de Glastonbury, São Dunstan foi o principal responsável pela renovação religiosa e cultural de seu tempo, elevando o nível espiritual da nação. Seu grande objeto de restauração foram os mosteiros, privilegiando neles a vida ascética e a oração interior. No entanto, essa postura engendrou a ira daqueles que usavam a Igreja como mero instrumento para angariar riqueza e poder.

Tal ira intensificou-se ainda mais quando Eduardo, o filho mais velho do Rei Edgar, ascendeu ao trono em 975, após a morte do pai, tornando-se historicamente o Rei Eduardo II. Então com apenas 15 anos de idade, o jovem monarca continuou as políticas de seu pai, confiando em São Dunstan como conselheiro e dando-lhe total apoio em seus esforços para restaurar os mosteiros ingleses e a vida religiosa do povo em geral.

Todavia, sua madrasta, Alfreda, desejosa de ver seu filho Ethelred assumir o trono inglês, forjou uma aliança com membros da nobreza contrários às reformas religiosas e monásticas de São Dunstan. Portanto, de um lado encontravam-se a ex-rainha e seus aliados e, do outro, Rei Eduardo e seus conselheiros, entre os quais não somente São Dunstan mas também Oswald, Arcebispo de York e Bryhnoth, um nobre de Essex.

No dia 18 de março de 979, os partidários do Príncipe Ethelred finalmente decidiram agir. Convidado para a residência oficial do castelo de Corfe, em Dorset, onde o Príncipe Ethelred e sua madrasta já se encontravam hospedados, o Rei Eduardo aproximou-se dos serviçais de Alfreda, que vieram recebê-lo. O que era para ser uma simples recepção de boas-vindas transformou-se num terrível complô regicida. Alguns serviçais sacaram suas armas e um deles enterrou uma adaga no peito de Eduardo. Caindo da sela de seu cavalo, mas com o pé ainda preso ao estribo, a cena que se seguiu foi horripilante: um cavalo assustado, galopando em direção à floresta do castelo, arrastando pelo chão um rei mortalmente ferido a sangrar pelo caminho. Quando os homens do Rei finalmente conseguiram parar o cavalo, Eduardo já estava morto.

Por insistência de Alfreda, o corpo do Rei Eduardo foi enterrado sem cerimônias no cemitério de uma igreja em Wareham, a alguns quilômetros de onde fora assassinado. Embora ninguém tenha sido declarado culpado pelo crime, o regicídio foi levado a público de uma maneira bem diferente. Pois naquele mesmo instante, os milagres começaram.

Já naquela noite, uma senhora cega em cuja cabana o corpo do Rei Eduardo fora temporariamente depositado até ser movido para Wareham, de repente passou a enxergar. Em seguida, uma fonte começou a jorrar no túmulo do Rei Eduardo em Wareham, e inúmeros relatos dão conta de pessoas que foram milagrosamente curadas quando ali rezaram e se banharam. Como a santidade de Eduardo estava se tornando cada vez mais evidente, seu corpo foi transladado para o convento de Shaftesbury em 981. As curas continuaram mesmo durante a procissão.

Nos 20 anos que se seguiram, o túmulo do Rei Eduardo foi objeto de intensas venerações e peregrinações. No dia 20 de junho de 1001, o Rei Ethelred, ordenou que o corpo de Eduardo fosse transferido para um santuário no Mosteiro de Shaftesbury. No ano 1008, Alphege, Arcebispo de Canterbury, canonizou oficialmente Santo Eduardo, Rei e Mártir. De toda a Inglaterra, e até mesmo de outros países da Europa, peregrinos vinham venerar as relíquias de Santo Eduardo. O Mosteiro de Shaftesbury passou a ser conhecido como Mosteiro de Santo Eduardo. A própria cidade de Shaftesbury foi chamada de "Edwardstowe" por muitos anos.

Quanto a São Dunstan, após o assassinato de Eduardo, ele se recusou a tomar parte do reinado de Ethelred, preferindo cuidar de seu rebanho espiritual. Ele morreu em 988, exatamente no ano em que, do outro lado da Europa, a Cristandade adentrava as terras de Rus, onde o Príncipe Vladimir de Kiev foi batizado. Enquanto um país cristão entrava em declínio, perdendo sua identidade face ao assassinato de seu piedoso Rei, um outro país abria-se voluntariamente para a Santa Igreja e seus Mistérios. Mas este mesmo país, que em 1918 assassinava seu piedoso Tsar, conheceu sorte semelhante à dos ingleses. A Rússia do século XX, a exemplo da Inglaterra do século X, também perdera sua identidade cristã.

Qual o significado disso tudo? Deus é que sabe. Mas o que sabemos ao certo é que tamanha brutalidade e impiedade nos assassinatos do Rei Eduardo II e do Tsar Nicolau II serviram para produzir dois santos-mártires a quem, agora, podemos pedir suas intercessões por nós junto ao Cristo. Todos os dias, mas sobretudo no dia 18 de março, rezemos com fervor para que Santo Eduardo, Rei e Mártir, nos ajude e oriente em nossas provações e tentações.

GLÓRIA A DEUS POR TUDO!

Santa Tatiana, Virgem e Mártir

Santa Tatiana, Virgem e Mártir, nasceu de uma ilustre família romana, sendo que seu pai foi eleito cônsul três vezes. Ele era cristão em segredo, e criou sua filha de maneira que ela devotasse sua vida a Deus e à Igreja. Quando alcançou a idade da maturidade, Tatiana decidiu permanecer virgem, tornando-se noiva do Cristo. Desprezando as riquezas mundanas, ela, ao invés disso, buscou as riquezas imperecíveis do Céu. Ela foi ordenada diaconisa em uma das igrejas romanas e serviu a Deus em jejum e oração, recebendo os doentes e ajudando os necessitados.

Quando Roma foi governada pelo imperador Alexandre Severus (de 222 a 235), então com apenas dezesseis anos de idade, todo poder estava concentrado nas mãos do regente Ulpiano, um feroz inimigo dos cristãos. Sangue cristão jorrou como água. Tatiana também foi presa, e levaram-na ao templo de Apolo, obrigando-a a oferecer sacrifícios a esse ídolo. A santa começou a rezar e, de repente, começou um terremoto. O ídolo foi feito em pedaços, e parte do templo caiu sobre os sacerdotes pagãos e sobre muitos outros pagãos. O demônio que habitava o ídolo fugiu aos berros daquele lugar. As pessoas que estavam ali presentes viram sua sombra voando pelos ares.

Então, eles rasgaram os olhos da virgem com ganchos, mas ela suportou a tudo com bravura, rezando por seus algozes para que o Senhor abrisse seus olhos espirituais. E o Senhor ouviu as orações de Sua serva. Os algozes viram quarto anjos ao redor da santa, que os golpeavam. Um voz dos céus foi ouvida falando com a santa virgem. Oito homens creram no Cristo e caíram de joelhos diante de Santa Tatiana, implorando aos anjos que perdoassem seus pecados contra ela. Por confessarem-se cristãos, eles foram torturados e executados, recebendo o Batismo por sangue.

No dia seguinte, Santa Tatiana foi levada perante um severo juiz. Vendo que ela estava completamente curada de suas feridas, eles a despiram e surraram, talhando seu corpo com navalhas. Foi então que uma maravilhosa fragrância tomou conta do local. Depois, jogaram-na ao chão e a violentaram por tanto tempo que os torturadores tiveram de ser substituídos diversas vezes. Eles ficaram exaustos, alegando que uma força invisível estava lhes batendo com varas de ferro. De fato, os anjos impedíam que os golpes a atingissem, voltando-os contra os torturadores, fazendo com que nove deles caíssem mortos. Eles então jogaram a santa na prisão, onde ela rezou por toda a noite, cantando louvores ao Senhor junto com os anjos.

Na manhã seguinte, levaram Santa Tatiana novamente ao tribunal. Os torturadores ficaram estupefatos ao constatarem que, após tantos tormentos, ela estava completamente sã e até mesmo mais radiante e bela do que antes. Eles então a obrigaram a oferecer sacrifícios à deusa Diana. A santa pareceu concordar, e levaram-na ao templo pagão. Santa Tatiana fez o sinal da Cruz e começou a rezar. De repente, ouviu-se um trovão ensurdecedor, e um raio atingiu o ídolo, as oferendas e os sacerdotes pagãos.

Novamente, a mártir foi duramente torturada. Ela foi pendurada e lixada com garras de ferro, e seus seios foram cortados. Naquela noite, anjos apareceram a ela na prisão, curando-a de suas feridas. No dia seguinte, levaram Santa Tatiana ao circo, soltando um leão faminto sobre ela. A besta não machucou a santa mas, ao invés disso, mansamente lambeu seus pés.

Quando estavam levando o leão de volta a sua jaula, ele matou um dos torturadores. Atiraram Tatiana no fogo, mas o fogo não feriu a mártir. Os pagãos, julgando ser ela uma feiticeira, cortaram seus cabelos a fim de tolher seus poderes mágicos, e trancaram-na no templo de Zeus.

No terceiro dia, sacerdotes pagãos adentraram o templo, a fim de oferecer sacrifícios a Zeus. Eles encontraram o ídolo no chão, quebrado em pedaços, e a Santa Mártir Tatiana louvando alegremente ao Senhor Jesus Cristo. O juiz então condenou a valente sofredora a ser decapitada com uma espada. Seu pai também foi executado com ela, porque ele a havia educado a amar o Cristo.

21 de novembro de 2007

Por que os homens gostam da Igreja Ortodoxa

Frederica Mathewes-Green é relativamente famosa nos EUA. Ex-evangélica, convertida à Ortodoxia juntamente com seu marido, o Pe. Gregory Mathewes-Green, Frederica tem seus artigos publicados em diversos jornais e revistas americanos, e chegou a ser crítica de cinema para a National Review Online.

Seus pontos de vista nem sempre apreentam aquele frescor da Ortodoxia da qual falava o Pe. Serafim Rose. Muitas vezes, vêm acompanhados de cacoetes e raciocínios tipicamente ocidentais - frutos talvez de contaminação sofrida pelo seu passado evangélico - e faltam aos seus podcasts um tom mais sério. Mas valem a pena ser lidos e ouvidos assim mesmo.

O artigo abaixo, por exemplo, contém muitas verdades. O Cristianismo Ocidental, de fato, apresenta um grau de efeminação do qual eu não havia tomado ciência até então.

* * *

POR QUE OS HOMENS GOSTAM DA IGREJA ORTODOXA

por Frederica Mathewes-Green

Nesses tempos em que as igrejas sofrem da Síndrome dos Machos Ausentes, os homens comparecem às igrejas ortodoxas em quantidades que, se não são numericamente impressionantes, são ao menos proporcionalmente intrigantes. Talvez esta seja a única igreja que atraia homens na mesma quantidade que mulheres. Conforme observou Leon Podles em seu livro The Church Impotent: The Feminization of Christianity (A Igreja Impotente: a Efeminação do Cristianismo): “Os ortodoxos são os únicos cristãos que compõe, ou precisam compor, música litúrgica em basso profundo”.

Em vez de tentar descobrir o porquê disso, enviei emails a cem homens ortodoxos, a maioria dos quais entrou na Igreja já adultos. O que eles acham que torna esta igreja em particular atrativa aos homens? Suas respostas, que relato abaixo, podem dar algumas dicas aos líderes das demais igrejas, que tentam segurar os rapazes nos bancos.

Desafios. A palavra mais citada pelos homens é “desafio”. A Ortodoxia é “ativa, e não passiva”. “É a única igreja onde você tem que se adaptar a ela, e não ela se adaptar a você”. “Quanto mais tempo nela, mais a gente percebe como ela é exigente”.

A “postura austera dos ritos ortodoxos” é parte do apelo. Os dias de jejum de carne e derivados de leite, “ficar de pé por horas a fio, fazer prostrações, ficar sem comer e beber [antes da comunhão]...Quando chegamos ao fim, a gente fica com a impressão de que cumpriu um desafio”. “A Ortodoxia apela ao desejo do homem de se auto-educar pela disciplina”.

“Na Ortodoxia, a questão da luta espiritual está por toda parte; santos, inclusive santas, são guerreiros. Luta requer coragem, fortaleza e heroísmo. Somos chamados a sermos ‘lutadores’ contra o pecado, a sermos ‘atletas’, conforme disse São Paulo. E é dado um prêmio ao vitorioso. O fato de que você tem que ‘lutar’ durante a liturgia ficando de pé, em si, é um desafio que os homens estão dispostos a assumir”.

Um recém-convertido resumiu assim: “A Ortodoxia é séria. É difícil. É exigente. Ela tem a ver com misericórdia, mas também com superar-se a si próprio. Sou desafiado de maneira profunda, a ‘não me sentir bem comigo mesmo’, a me tornar santo. É rigorosa, e nesse rigor é que encontro libertação. E, sabe, minha esposa também”.

Regras claras. Muitos mencionaram o fato de que apreciam a clareza de conteúdo desses desafios, ou seja, o que eles são supostos a fazer. “A maioria dos homens se sentem mais confortáveis quando sabem o que é esperado deles”. “A Ortodoxia tem limites claros”. “É mais fácil aos homens se expressarem em adoração quando há regras sobre como as coisas funcionam – especialmente quando essas regras são tão simples e funcionais que a gente simplesmente pode começar a praticá-las desde já”.

“As orações da Igreja – as orações da manhã, da noite, antes e depois das refeições etc. – dão aos homens uma maneira de adentrar à espiritualidade sem que se sentam sob holofotes ou sem que se preocupem se estão parecendo estúpidos por não saberem o que falar”.

Eles apreciam as posturas físicas bem definidas que formarão o caráter e o entendimento. “As pessoas já começam a aprender os rituais e o simbolismo, por exemplo, fazendo o sinal da Cruz. O sistema disciplinar torna a pessoa ciente de sua relação com a Trindade, com a Igreja e com todos que encontra”.

Objetivo. Os homens apreciam o fato de que tal desafio tem um objetivo: a união com Deus. Eis o que uma pessoa disse a respeito de sua igreja anterior: “Eu sentia que não estava indo a lugar algum na minha vida espiritual (se é que tinha algum lugar a chegar – eu já estava lá, não é mesmo?). Mas algo, vai saber o quê, estava faltando. Será que não tem NADA que eu deveria estar fazendo, Senhor?”

A Ortodoxia preserva e transmite a antiga sabedoria cristã sobre como progredir a essa união, chamada de theosis. Cada sacramento, cada exercício espiritual, é feito para levar a pessoa – corpo e alma – adiante nessa contínua consciência da presença interna de Cristo, assim como em todos os seres humanos. Assim como um tecido fica saturado de tinta por osmose, ficamos saturados de Deus por theosis.

Um catecúmeno disse que acha os ícones úteis para resistir a pensamentos indesejados. “Se você fechar os olhos às tentações visuais, há várias imagens na memória que podem lhe causar problemas. Mas se a gente se cercar de ícones, então você terá a chance de olhar para algo tentador ou para algo santo”.

Um padre disse: “Os homens precisam de desafio, de objetivo, uma aventura talvez – em termos primitivos, uma caçada. O Cristianismo Ocidental perdeu o aspecto ascético, isto é, o aspecto atlético da vida cristã. Este é o propósito do monasticismo, que surgiu no Egito em grande parte como um movimento masculino. As mulheres também entraram na vida monástica, e nossos antigos hinos falam de mulheres mártires mostrando ‘coragem masculina’”.

“A Ortodoxia enfatiza o FAZER… Os homens são orientados a AÇÃO”.

Ausência de sentimentalismos. No livro Church Impotent acima citado (e recomendado por vários dos homens que consultei), Leon Podles apresenta sua teoria sobre como a piedade, no Cristianismo Ocidental, se efeminou. Nos séculos XII e XIII surgiu uma tendência particularmente frágil, até mesmo erótica, de devoção, segundo a qual o fiel deveria retratar a si próprio (ao invés da Igreja) como Noiva de Cristo. O “Misticismo de Noivado” foi entusiasticamente adotado por mulheres devotas, e deixou uma marca profunda no Cristianismo Ocidental. É compreensível que tenha menos apelo aos homens. No Ocidente, por séculos, os homens que escolhem o ministério têm sido estereotipados como sujeitos efeminados. Um fiel, ortodoxo de longa data, afirmou que, de fato, parece que o Cristianismo Ocidental é uma “história de amor escrita por mulheres para mulheres”.

A Igreja Oriental escapou desse Misticismo de Noivado porque o grande cisma entre Oriente e Ocidente já tinha acontecido. Os homens que consultei expressaram um profundo desgosto por esse frágil e gentil Jesus ocidental. “O Cristianismo americano, nos últimos dois séculos, tem se efeminado. Ele apresenta Jesus como um amigo, um namorado, alguém que ‘anda comigo e fala comigo’. Trata-se de uma imagem encantadora às mulheres, que necessitam de vida social. Ou aquela que retrata Jesus chicoteado, morto na cruz. Nenhuma delas é o modelo de Cristo que os homens típicos se identificam”.

Durante a Liturgia, “os homens não querem rezar à moda ocidental, com as mãozinhas abraçadas uma a outra, lábios apertados e expressão facial de serenidade forçada”. “É um tal de homem dando a mão para homem e cantando musiquetas de acampamento”. “Estrofes sobre ‘estender a mão para receber Seu abraço’, ‘querer tocar Sua face’, enquanto estiver sendo ‘inundado pelo poder de Seu amor’ – são canções difíceis para um homem cantar a outro Homem”.

“Um amigo meu me disse que a primeira coisa que ele observa quando entra numa igreja são as cortinas. Isto lhe mostra quem está dando as ordens naquela igreja, e que tipo de cristão quer atrair”.

“Os homens querem ser desafiados a lutar por uma causa gloriosa e honorável, e se sujarem no caminho, ou se jogar no sofá com muita cerveja, pizza e futebol. Mas a maioria de nossas igrejas quer que nos comportemos como cavalheiros, mantendo nossas mãos e bocas bonitas e limpas”.

Um dos homens me disse que os cultos em sua igreja pentecostal eram “meras experiências emotivas. Sentimentos. Lágrimas. Repetidas dedicações de sua vida a Cristo, em grandes e emotivos encontros. Cantar músicas emotivas, levantando e balançando as mãos. Até mesmo a leitura das Escrituras é feita para produzir experiências emotivas. Eu sou um homem prático, eu quero fazer as coisas, e não sair por aí falando e se emocionando com as coisas! Como homem de negócios, sei que nada acontece sem esforço, energia e investimento. Por que na vida espiritual seria diferente?

Uma pessoa que visitou diversas igrejas católicas me disse: “Elas eram convencionais, fáceis e modernas, enquanto eu e minha esposa procurávamos algo tradicional, difícil e contracultural, algo antigo e marcial”. Um catecúmeno me disse que em sua igreja não-denominacional o “[c]ulto era raso, casual, remendado com o que houvesse de mais atual; às vezes a gente sentava, às vezes ficava de pé, sem muito ritmo ou razão. Fiquei pensando como a tradição seria de grande ajuda nisso tudo”.

“Fiquei furioso na última quarta-feira de cinzas, quando o padre proferiu uma homilia dizendo que o verdadeiro significado da Quaresma é aprender a amarmos a nós mesmos. Isto me forçou a perceber que eu estava de saco cheio desse Cristianismo americano burguês”.

Um padre convertido disse que os homens são atraídos pelos elementos perigosos da Ortodoxia, que envolvem “a abnegação de um guerreiro, o risco aterrorizante de amar seus inimigos, as fronteiras desconhecidas para as quais a humildade nos chama. Elimine qualquer uma dessas qualidades e nos tornaremos uma fabriqueta de igrejas: cores bonitas e clientela empanada”.

“Os homens podem se tornar altamente cínicos quando percebem que alguém está tentando manipular suas emoções, especialmente em nome da religião. Eles apreciam a objetividade da adoração ortodoxa. Ela não é destinada a despertar emoções religiosas mas a desempenhar um dever objetivo”.

Apesar disso, há algo na Ortodoxia que oferece “um profundo romance masculino. Você sabe do que estou falando? A maioria dos nossos romances é rosa, mas este romance é feito de espadas e heroísmo”.

De um diácono: “As igrejas evangélicas chamam os homens a serem passivos e bonzinhos. As igrejas ortodoxas chamam os homens a serem corajosos e atuantes”.

Jesus Cristo. O que traz os homens à Ortodoxia não é apenas o desafio ou o mistério. O que os traz é o Senhor Jesus Cristo. Ele é o centro de tudo o que a Igreja faz ou diz.

Diferentemente das outras igrejas, “a Ortodoxia apresenta um Jesus robusto” (e até mesmo uma Virgem Maria robusta que, a propósito, é honrada em um hino como sendo “nossa Capitã, Rainha da Guerra”). Muitos utilizaram o termo “marcial” ou se referiram à Ortodoxia como os “fuzileiros navais” do Cristianismo. (A guerra é contra o pecado autodestrutivo e as potestades celestiais invisíveis, e não contra as pessoas, claro).

Contrastou-se essa qualidade “robusta” com o “retrato efeminado de Jesus com o qual eu fui criado. Nunca tive um amigo que não se esforçasse muito para evitar encontrar gente que fosse assim”. Embora atraído por Jesus Cristo quando adolescente, “sentia-me envergonhado dessa atração, como se fosse algo que um homem de verdade não levaria a sério, algo semelhante a brincar de boneca”.

Um padre disse: “Cristo, na Ortodoxia, é um militante, um Jesus forte, que toma o inferno como cativo. O Jesus ortodoxo lança fogo sobre a terra. No Santo Batismo, rezamos para que os recém-alistados combatentes de Cristo, homens e mulheres, possam “manter-se sempre combatentes invencíveis”.

Após anos na Ortodoxia, um homem achou os cânticos de Natal de uma igreja protestante “chocantes, até mesmo pavorosos”. Comparados aos hinos natalinos da Ortodoxia, “o pequeno Senhor Jesus adormecido sobre o feno não tem quase nada a ver com o Logos eterno que entra de maneira inexorável, silenciosa e heróica no tecido da realidade criada”.

Continuidade. Diversos ortodoxos intelectualmente convertidos começaram lendo a história da Igreja e os escritos dos primeiros cristãos. Com o tempo, eles tiveram de encarar a questão sobre qual das duas igrejas mais antigas, a Católica Romana ou a Ortodoxa, era a mais convincente quanto a ser a Igreja original dos Apóstolos.

Um ortodoxo de longa data afirmou que os homens gostam de “estabilidade: os homens podem confiar na Igreja Ortodoxa por causa da consistente e contínua tradição da fé, que se mantém pelos séculos”. Um convertido afirmou: “A Igreja Ortodoxa oferece o que as outras são incapazes: continuidade com os primeiros seguidores de Cristo”. Isto é continuidade, e não arqueologia; a igreja primitiva ainda existe e você pode fazer parte dela.

“O que me atraiu foi a promessa de Cristo de que as portas do inferno não prevaleceriam sobre a Igreja – e a união ortodoxa de fé, adoração e doutrina com a devida continuidade histórica”.

Um sinônimo de continuidade é “tradição”. Um catecúmeno me disse que tentou aprender tudo o que fosse necessário para interpretar as Escrituras, inclusive línguas antigas. “Eu queria cavar fundo, até as fundações, e confirmar tudo o que haviam me ensinado. Ao invés disso, quando mais em descia, tanto mais fraco tudo o que aprendi parecia ser. Percebi que, na verdade, eu apenas havia aprendido a manipular a Bíblia de maneira que eu pudesse sustentar qualquer coisa que eu pensasse. O único antídoto para o cinismo era a tradição. Se a Bíblia quisesse dizer alguma coisa, tinha que ser dentro de uma comunidade, com uma tradição que guiasse a leitura. Foi na Ortodoxia que encontrei o que procurava”.

Homens equilibrados. Um padre me disse: “Há apenas dois modelos masculinos: ser ‘homem’ e forte, rude, cru, macho e provavelmente abusivo; ou ser sensível, bonzinho, reprimido e fracote. Mas na Ortodoxia, o masculino está unido ao feminino; é realista, ‘nem macho nem fêmea’, mas Cristo que ‘une as coisas no céu e as coisas na terra’”.

Outro padre comentou que, se um dos membros do casal é mais insistente em converter a família à Ortodoxia do que o outro, “quando ambos fazem confissões, com o tempo ambos se aprofundam e nenhum deles se torna tão dominante na relação espiritual”.

Homens na liderança. Goste-se disso ou não, os homens simplesmente preferem ser liderados por homens. Na Ortodoxia, as fiéis fazem tudo o que os fiéis fazem, inclusive pregar, ensinar e liderar a irmandade da paróquia. Mas, por trás do iconostase, em torno do altar, é só para os homens. Uma pessoa resumiu o que os homens gostam na Ortodoxia assim: “Barbas!”

“É o ultimo lugar do mundo onde os homens não são condenados por serem homens”. Em vez de toda aquela negatividade, os homens estão constantemente cercados por modelos positivos nos santos, nos ícones e no ciclo diário de hinos e histórias sobre a vida dos santos. Eis outro elemento concreto que os homens apreciam – há outros seres humanos a serem apreciados, e não apenas nuvens de termos etéreos. “A glória de Deus é um homem plenamente vivo”, disse Santo Irineu. Um respondente acrescentou que “a melhor maneira de atrair um homem à Igreja Ortodoxa é mostrando-lhe um homem ortodoxo”.

Mas nada que seja secundário, não importa o quanto seja bom, pode suplantar o principal. “Uma vida desafiadora não é o objetivo. Cristo é o objetivo. Um espírito livre não é o objetivo. Cristo é o objetivo. Ele é o expoente máximo da história, em torno do qual todos os homens e mulheres eventualmente se ajuntarão, a quem todos se curvarão, e quem toda língua confessará”.

9 de novembro de 2007

Deus e a ciência

Clark Carlton, professor de Filosofia e autor de livros de apologética da Igreja Ortodoxa, explica neste podcast que a ciência empírica pode e deve ser metodologicamente materialista e agnóstica, pois lida sempre com experiências e medidas, mas que muitos cientistas modernos inadvertidamente estendem o escopo da ciência e procuram aplicar essa metodologia agnóstica também à metafísica. É justamente neste ponto que cessa a ciência genuína e se inicia algo maligno: o cientismo (ou cientificismo), categoria na qual se enquadram Carl Sagan, Richard Dawkins etc. Há uma clara distinção entre o escopo da ciência e o escopo da religião, que não devem jamais se confundir nem mesmo precisam se harmonizar.

Em suma: as ciências podem explicar somente como os furacões se formam, como as borboletas se reproduzem etc., mas é incapaz, em si e por si, de explicar a si própria. Por exemplo, as leis da Física são capazes de explicar os movimentos que ocorrem no inteiror do cosmos, mas são incapazes de explicar a origem do próprio cosmos, que deve ser necessariamente algo exterior a si próprio).

6 de novembro de 2007

Conselhos do Pe. Dimítrio Dudko

Reproduzo abaixo alguns trechos do livro Our Hope (SVS, Crestwood NY, 1977). Trata-se de uma coletânea de conversas e palestras informais proferidas pelo Pe. Dimítrio Dudko, da Igreja Ortodoxa Russa, durante os anos de 1973 e 1974, em sua paróquia moscovita. Elas foram transcritas pelos seus paroquianos e mais tarde contrabandeadas para o ocidente.

Esses textos são uma amostra-grátis da situação espiritual e paroquial na qual viviam os cidadãos soviéticos, especialmente os cidadãos de Moscou. Naquele tempo, os comunistas já detectavam uma grande afluência de pessoas às igrejas, mesmo cercadas pela intensa propaganda ateísta e anti-religiosa e pela perseguição ativa àqueles que declaravam sua fé. Até mesmo fazer o sinal da Cruz em público poderia dar cadeia. No entanto, algumas vozes corajosas do Patriarcado de Moscou não se deixaram abater pela situação e, pelo contrário, enxergaram nela uma oportunidade divina para pregar às pessoas e confirmá-las na fé, cumprindo assim sua missão sem medo do martírio.

Uma dessas vozes foi a do Pe. Dimítrio Dudko, que, aproveitando-se do fato de que a lei soviética pelo menos permitia a discussão religiosa no interior dos templos, mantinha em sua paróquia, logo após à Liturgia, uma inspiradora sessão de perguntas e respostas com os paroquianos e visitantes (muitos ateus e pessoas de outras religiões vinham ouvi-lo). Seu desejo de insuflar a combalida e titubeante fé dos moscovitas da época, aliado à coragem de desafiar as autoridades soviéticas, chamaram a atenção de muitos ortodoxos ocidentais, em especial a do Pe. Serafim Rose.

Embora reconhecendo que cometia alguns erros teóricos, o que mais despertava o interesse do Pe. Serafim é o "tom", o "frescor" perfeitamente patrístico e ortodoxo que a mensagem do Pe. Dimítrio transparecia.

Os trechos que traduzi, tenho certeza, refletem não só algumas dúvidas e angústias daqueles soviéticos, mas também as nossas.

* * *

páginas 110 e 111

PERGUNTA: É comum a gente chegar em casa cansado, moralmente deprimido. A gente fica com dor de cabeça. E dá para entender. Um fiel vive em condições espirituais e morais que são hostis aos seus sentidos e às suas idéias. A gente tem que ter muita paciência para agüentar essas situações, para conservar a resistência, a força de vontade, o bom-humor e uma boa disposição. A gente fica sonhando acordado quando, finalmente, cruza o batente da porta de casa. Então, em casa, eis que estamos rodeados pelos nossos objetos espirituais: os ícones, os retratos, os livros. Mas é terrível. A gente olha para tudo aquilo com indiferença. É como se uma parede invisível se erguesse entre nós e eles, impedindo que a gente se aproxime, que os toque, que reze. A gente quer rezar. A gente sabe que tem que rezar. Mas esse desejo é sugado pela indiferença, pelo desleixo, pela fadiga espiritual. E acontece de muitos dias e semanas se passarem desse jeito. O que precisa ser feito? O que precisa acontecer?

RESPOSTA: Precisa que você seja confirmado na fé. Você ainda não entendeu o principal: que a vida terrena nos foi dada a título de batalha ascética, que uma verdadeira batalha está em andamento. O diabo luta contra Deus, e o campo de batalha é o coração do homem, conforme disse Dostoiévski. Não é por acaso que o cristão é chamado de lutador. Suas condecorações militares estão no Reino dos Céus. Imagine como deveríamos ser conscientes e altruístas. Mas nós estamos alienados. Assim que fazemos algo de bom, já queremos ser recompensados por isso. A gente não pensa muito sobre o Reino dos Céus. Você deve saber que o Reino dos Céus é a realização de tudo. Sem o Reino dos Céus, nada faz sentido. Isso tem que ser entendido de uma vez por todas. Além disso, saiba que o Reino dos Céus é conquistado por meio do trabalho. Somente aqueles que se esforçam o conquistarão. Siga a Cristo, tome sua Cruz. Comece, nem que seja com um pequeno suspiro a Deus: "Senhor, me ajude!" E vigie, pois em pouco tempo você não reconhecerá a si mesmo. Lembre-se também que Deus ouve primeiro àqueles cuja vida é suficientemente pura. Se sua vida não é muito diferente dos infiéis, isto é, se você bebe e vive em festas, então livre-se disso antes de mais nada. (Citei isto só a título de exemplo). Você tem que se tornar luz para o mundo. Você não deve se apoiar nos outros: são os outros que devem se apoiar em você. Lembre-se: se estiver com Deus, então conseguirá fazer tudo aquilo que milhares, talvez milhões, de pessoas juntas que não têm a Deus não conseguiriam. "Para o fiel, não existe o impossível" -- isso não foi dito à toa.

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páginas 240 e 241

PERGUNTA: Parece que, do seu ponto de vista, o fiel faz o bem porque espera uma recompensa depois da morte. Mas o senhor não acha que isso é uma coisa repulsiva, mercenária e, no fim das contas, anti-cristã? Será que isso não passa de barganha -- uma espécie de egoísmo disfarçado? Cristo não mandou que a gente faça o bem de maneira que a mão direita não saiba o que a mão esquerda faz, isto é, de maneira desinteressada? O verdadeiro bem é sua própria recompensa. Não precisa da vara e da cenoura. E se o senhor entende o bem dessa maneira vulgar e comum, não estaria então introduzindo uma certa degradação na moralidade cristã? Isso não leva à hipocrisia?

RESPOSTA: [...] Fazer as coisas de maneira que sua mão esquerda não saiba o que sua mão direita está fazendo. Sim, de fato, Cristo disse isso(*). Mas Ele também disse: Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus (**). Vamos nos acalmar um pouco e pensar. Qual a diferença entre obter sua recompensa aqui e obtê-la lá no Reino dos Céus? A má-compreensão desse assunto sempre causa confusão. É verdade que obter sua recompensa aqui implica em inflar o interesse próprio, a ganância, o egoísmo e a hipocrisia. Quando a gente a obtém , tais sentimentos ruins não se desenvolvem porque a gente não pode ver nem sentir a recompensa. Será que a idéia de que no Reino dos Céus a ganância não será recompensada faria alguém se tornar interesseiro? Será que alguém vai se tornar egoísta se acreditar que o egoísmo não vai ser recompensado no Reino dos Céus? Desinteresse, altruísmo, humildade -- eis aí o que será recompensado lá. A recompensa no Reino dos Céus é totalmente diferente da recompensa aqui. A recompensa significa que você tem que desenvolver suas boas qualidades aqui. Fazer alguma coisa na expectativa de que será recompensado no Reino dos Céus significa fazer essa coisa com desinteresse, com altruísmo, com humildade -- ou seja, fazer sem ligar para a recompensa aqui. De acordo com o entendimento cristão, se você se considera bom, então isso significa que você não é bom.

(*) Mateus 6:3: Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.

(**) Mateus 5:12.