28 de maio de 2010

A Igreja Ortodoxa e as religiões orientais


Um padre cristão ortodoxo me contou que seu filho de 26 anos tomara a decisão de sair de casa e se mudar para um mosteiro budista. O padre estava desconsolado. Afinal, a Ortodoxia não era algo estranho para seu filho, nem mesmo a tradição monástica, pois o rapaz já havia visitado e se hospedado em mosteiros ortodoxos por diversas vezes. Até mesmo na Santa Montanha o rapaz esteve, por dois meses seguidos.

A transferência desse rapaz para uma tradição religiosa oriental não-cristã não é um fato isolado. As religiões orientais estão crescendo bastante na América do Norte e, hoje, representam uma força competitiva real na vida religiosa. O Budismo é atualmente o quarto maior grupo religioso dos EUA, com aproximadamente 2,5 a 3 milhões de adeptos, dos quais uns 800 mil são de americanos "convertidos". Nos EUA, há mais budistas do que cristãos ortodoxos. O Dalai Lama (líder de uma das seitas budistas tibetanas) é uma das pessoas mais reconhecidas e admiradas do mundo e, sem dúvida, é muito mais conhecido do que qualquer hierarca cristão ortodoxo. Dê uma olhada na seção de revistas da Borders ou da Barnes & Noble. Você vai encontrar mais revistas com nomes como Shambala Sun e Buddhadharma do que revistas cristãs.

Além de perder buscadores para as tradições orientais não-cristãs (muitos dos quais são jovens), a metafísica oriental infiltrou-se na cultura ocidental sem que ninguém notasse. Por exemplo, quantas vezes você já ouviu frases como "você tem um bom karma"? Karma é um termo hindu que tem a ver com as conseqüências do que você fez em vidas passadas (reencarnação). Eles estão sendo mais eficazes em "evangelizar" nossa cultura do que nós, cristãos ortodoxos.

O Senhor foi muito claro quando disse para que em Seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações (Lucas 24:47). O número de budistas (entre os quais há muitas seitas) e hindus cresce a olhos vistos na América -- nas salas de aula, nos campos de futebol, nos shopping centers. Eles representam um "campo missionário" em potencial para a Igreja Ortodoxa nos EUA. Infelizmente, com raras exceções, como as obras do Hieromonge Damasceno [Christensen] e de Kyriakos S. Markides, nós não estamos falando a essa gente.

Pois eu lhes digo, como ex-hindu e discípulo de um famoso guru, que o Cristianismo Ortodoxo tem muito mais a ver com as tradições orientais não-cristãs do que qualquer outra confissão cristã. O fato é que os protestantes tentam evangelizar os buscadores orientais e a emenda acaba saindo pior do que o soneto. A abordagem que eles adotam é culturalmente ocidental, racionalista e jurídico-legalista, e eles pouco ou nada entendem dos paradigmas e da linguagem espiritual dos buscadores dessas tradições orientais.

Os budistas e hindus compartilham três "princípios metafísicos fundamentais":

1. Há uma realidade "supra-natural" que subsume e pervade o mundo fenomênico. Tal Realidade Suprema não é pessoal, mas transpessoal. Deus, ou a Realidade Suprema, é, em última instância, uma "consciência pura", desprovida de atributos.

2. A alma humana é consubstancial com essa Realidade Suprema. A natureza humana inteira é, em essência, divina. Segundo essas tradições, Cristo ou Buda não são salvadores, mas são apenas paradigmas de auto-realização, o objetivo de toda a humanidade.

3. A existência é fundamentalmente uma unidade (monismo). A criação não é aquilo que parece a olho nu. Em essência, ela é "ilusória", "irreal" e "impermanente". Há um grau de ser (pense no "campo quântico" da Física.) que unifica todos os seres e do qual e no qual tudo pode ser reduzido.

O que esta metafísca tem em comum com a fé cristã ortodoxa? Não muito, à primeira vista. Mas acontece que, nas tradições orientais não-cristãs, o conhecimento não é apenas um desenvolvimento teológico ou a disseminação de uma doutrina metafísica. Eis um dos pricipais problemas que os cristãos ocidentais enfrentam quando tentam se comunicar com os buscadores orientais. As religiões orientais jamais são teóricas ou doutrinais. Elas têm mais a ver com o esforço para se libertar do sofrimento e da morte. Essa ênfase "existencial" é o primeiro ponto em comum com a Ortodoxia, pois a Ortodoxia, em sua essência, enfatiza o aspecto transformacional.

O segundo ponto em comum da fé ortodoxa com os budistas e hindus é o estado corrupto da humanidade e da consciência humana. O objetivo da vida cristã, segundo os Padres da Igreja, é sair desse estado "sub-natural" ou "caído" em que estamos (sujeitos à morte) para um estado "natural" ou "segundo a natureza", à imagem (de Deus), e, em última instância, a um estado "supra-natural" ou "sobre-natural", à semelhança (de Deus). Segundo a doutrina dos Santos Padres, os estágios da vida espiritual são a purificação (metanoia), iluminação (theoria) e deificação (theosis). Tal paradigma de formação e transformação espiritual é, na Cristandade, exclusivo da prática cristã ortodoxa. Embora não concordemos com budistas e hindus a respeito do que é "iluminação" e "deificação", estamos de acordo no que tange o diagnóstico básico da condição humana decaída. Certa vez, eu disse a um budista tibetano praticante que "estamos de acordo quanto à doença (da condição humana); nós só discordamos quanto à cura".

A Ortodoxia -- especialmente a tradição hesicasta (contemplativa) -- ensina que o "conhecimento espiritual" pressupõe um noûs "purificado", "desperto", que é o "eu" interior da alma. Para os cristãos ortodoxos, o verdadeiro teólogo não é aquele que simplesmente sabe a doutrina, em termos intelectuais ou acadêmicos, mas é aquele que conhece Deus, ou os princípios ou essências interiores das coisas criadas, mediante a apreensão direta ou percepção espiritual. Segundo um famoso teólogo ortodoxo, "Quando o noûs está iluminado, isso significa que ele está recebendo a energia de Deus, a qual o ilumina...". Tal idéia soa bem aos ouvidos dos buscadores orientais que se esforçam em experimentar -- mediante ascese não-cristã ou métodos ocultistas -- a iluminação espiritual. A maioria dos buscadores orientais não está ciente de que a iluminação espiritual profunda, a qual nossa tradição hesicasta chama de theoria, exista em um contexto cristão.

O dhamma (prática) budista e hindu enfatiza a cessação do desejo como parte de sua ascese espiritual, a qual é necessária para apagar as paixões. A tradição da Igreja ensina a apatheia, ou desapego, como o meio para compater as paixões decaídas. Os métodos de meditação hindu e budista ensinam a "quietude". A palavra hesychia, na tradição cristã -- a raiz da palavra hesicasmo --, significa exatamente "quietude". Em especial, o Budismo ensina a "plena atenção". A tradição cristã ensina a "vigilância", para que não incorramos em tentações. Os hindus e budistas entendem que não é sábio viver para esta vida, mas sim se esforçar para a vida futura. Nós, ortodoxos, concordamos plenamente. Os americanos que se "convertem" ao Budismo ou ao Hinduísmo são freqüentemente pessoas que se esforçam para aprender línguas e culturas estrangeiras (sânscrito, tibetano, japonês) e sair de suas "zonas de conforto". Os convertidos à Igreja Ortodoxa também são assim. Algumas seitas budistas e hindus possuem formas complexas de "liturgia", as quais incluem cânticos, prostrações e venerações de ícones. O Budismo Tibetano, em particular, confere grande honra aos seus ascetas, relíquias e "santos".

A principal diferença no que tange a experiência espiritual está naquilo que as tradições orientais não-cristãs chamam de "iluminação espiritual" ou "consicência primordial" -- alcançada mediante contemplação profunda (Moksha, Samadhi) --, pois a tradição cristã ortodoxa chama isso de "auto-contemplação". O Arquimandrita Sofrônio (Sakharov) era um grande especialista em yoga (união) antes de se tornar hesicasta e discípulo de São Silvano da Santa Montanha. Eis o que ele disse, a partir de sua experiência pessoal: "Toda contemplação alcançada por estes meios (yoga etc.) é auto-contemplação, e não contemplação de Deus. Em tais circunstâncias, o que se revela a nós é a beleza criada, mas não o Primeiro Ser. Neste contexto, não há salvação para o homem". Clemente de Alexandria, há dois mil anos, escreveu que os filósofos pré-cristãos freqüentemente encontravam-se inspirados por Deus, mas que mesmo assim os cristãos deveriam tomar cuidado com o que aprendiam deles.

É verdade, portanto, que os buscadores orientais podem, mediante ascese ou disciplinas contemplativas, experienciar níveis profundos de beleza criada, ou ser criado, ou dimensões paranormais, até mesmo o "não-ser" do qual somos formados: mas isto não é a Vida Incriada. Será que são essas experiências que os buscadores orientais estão procurando? Esta é a pergunta-chave. Somente a Igreja Ortodoxa poderá, mediante os mistérios deificantes, levá-los à província da Vida Incriada. De todas a confissões cristãs, somente na Igreja Ortodoxa os buscadores orientais aprenderão que há mais na "salvação" do que apenas remissão de pecados e justiça divina. Eles serão levados a participar na energias incriadas de Deus e, por meio delas, serem participantes da natureza divina [II Pedro 1:4]. Enquanto membros do Corpo de Cristo, eles se juntarão ao processo deificante e, aos poucos, serão transformados na semelhança de Deus. A deificação está disponível a todos que ingressam na Santa Igreja Ortodoxa, são batizados (é o começo do processo deificante) e participam dos santos mistérios. Não é algo que está disponível apenas aos monges, ascetas e atletas espirituais.

A Ortodoxia tem muito a compartilhar com os buscadores orientais. Vida e morte estão à prêmio nesta vida, não nas milhões de vidas que os buscadores orientais pensam que têm. Conforme alertou o Apóstolo Paulo: Aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo (Hebreus 9:27).

Que Deus nos conceda a sabedoria para estendermos a mão e compartilharmos a "luz verdadeira" da santa fé ortodoxa com os buscadores das tradições espirituais orientais.

Fonte: Kevin Allen.

Foto: Catedral Ortodoxa de Santa Sofia, Harbin, China.