20 de maio de 2010

A relação entre marido e mulher


Achei interessante a explicação do Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho Neto sobre uma das cinco relações constantes do Li confucionista -- a relação entre marido e esposa -- e creio que os leitores deste blog apreciarão a transcrição dessa explicação.

O conselho de Confúcio é: "os maridos devem ser bondosos e as esposas devem ouvir".

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Noventa por cento dos problemas matrimoniais ocorre porque faltou uma dessas duas coisas: ou o marido foi mesquinho, ou a mulher não ouviu e simplesmente não prestou atenção ao que ele estava sentindo ou querendo.

Confúcio não poderia recomendar o contrário. O que aconteceria se ele recomendasse o contrário? Se ele dissesse para o homem que ele deve ouvir, o homem não faria mais nada porque o que as esposas mais gostam de fazer é falar. Isso é assim porque existe no homem uma dificuldade quase orgânica de não querer satisfazer a mulher, ou seja, o homem tem grande inclinação em querer satisfazer a mulher. Esse aspecto se projeta no homem quase que por espontaneidade. Existe um ditado americano que diz: "antes do casamento, as mulheres possuem todos os escrúpulos e os homens nenhum; depois do casamento o homem adquire todos os escrúpulos morais e a mulher perde todos". Esses ditados sobre casamento expressam certos aspectos da natureza.

O sujeito logo que se casa está atento o tempo todo ao que pode fazer para agradar a mulher, aliviando o sofrimento dela o mais que possível. Já a mulher tem um talento especial em não prestar atenção à necessidade do outro. A mulher é capaz de abstrair completamente o que o o outro precisa. Talvez isso derive um pouco das funções biológicas naturais. A proximidade dela com a prole implica numa insensibilidade, implica em fazer aos filhos pequenos o que ela sabe o que é bom para eles, e não o que eles querem. A capacidade maternal consiste simplesmente nisso. A mulher é compassiva com quem não vive com ela, com quem está longe. Ela tem uma capacidade impressionante de dizer "o que é bom para você é tal coisa; eu vou te dar isso aqui, e não o que você quer". E ela aplica isso ao marido. Um dos maiores problemas no relacionamento com as mulheres é esse.

Isso deriva também de uma diferença crucial na decisão de se casar. O homem não tem nenhum instinto natural para preferir uma mulher sobre todas as outras. Quando um homem decide se casar, isso é uma escolha. Ele diz: "Agora esta mulher é tudo". Não há nenhum componente instintivo nele para fazer isso. Enquanto o homem está pensando que essa mulher é apenas "a mulher da vez", ele não casa. As mulheres se questionam por que os homens demoram tanto para casar, por que eles "fogem" do casamento. Isso ocorre porque o casamento não é instintivo no homem, mas é algo deliberado. "Se eu me casar, é desta aqui que eu tenho de cuidar. Eu tenho de diferenciar ela de todas as outras". A mulher, em primeiro lugar, sente que esse homem é o único. Se você observar a história humana, os homens nunca se queixaram de serem movidos a casar por formalidades sociais. Os homens nunca reclamaram disso, porque o ato de casar-se é um ato social humano, e não um instinto. A queixa das mulheres é ser obrigada a se casar com um sujeito que ela não sentia como sendo o único. A escolha da mulher não é deliberada, mas é instintiva. No homem, a escolha de se casar não é determinada pelo sentimento. Em um impulso inicial, o homem pode até sentir isso, mas quando se aproxima do casamento, o homem já se questiona "por que vou fazer isso?", e o sentimento não dá resposta. Unir-se à feminilidade em geral é instintivo no homem, mas não a esta ou aquela mulher.

Como a mulher tem um instinto de escolha, ela sente no seu íntimo que ela compreende aquele homem melhor do que ele mesmo, que ela vê todas as possibilidades dele no futuro que, veja só, ele mesmo desconhece completamente. Ela já casa com a intenção de educá-lo para realizar aquelas possibilidades, mas que ele ainda não percebe. Para o homem é o contrário: ele decide "vou me casar com essa mulher; vou fazer o bem para ela". Mas ele não tem a menor idéia do que é o bem para ela, ele não sabe o que ela quer. A tensão matrimonial para o homem é o imenso trabalho que dá para descobrir o que a mulher quer, então ele se desestimula. É por isso que o homem deve ser bondoso: não importa quanto trabalho dê para contentar ela, o homem deve querer contentar ela. Para a mulher não é isso. Não importa quanto a mulher quer que o marido se torne aquele outro sujeito no futuro, a mulher tem de ouvi-lo para saber o sujeito que ele quer se tornar no futuro.

As duas prescrições são simplesmente compensações humanas às deficiências instintivas. A mulher não vai contribuir para a destruição do casamento por falta de bondade, por falta de desejo de fazer o bem para o marido. A mulher por instinto tem a capacidade de sacrificar tudo pelo bem ao outro. O que a mulher não tem é a capacidade de detectar o que o homem quer, fazendo esse bem a ele. Isso não é instintivo à mulher. A mulher deve entender que o marido não é mais um dos filhos. O homem ouve por instinto, e a mulher é boa por instinto. Os preceitos de Confúcio recomendam justamente aquilo que não é instintivo, aquilo que deve ser educado. É um complemento à natureza de homens e mulheres.