22 de outubro de 2024

O sentimentalismo


O sentimentalismo de que tratamos aqui é mais profundo do que o desenvolvido por Theodore Dalrymple, pois ele se dedica mais às consequências públicas da promoção desse tipo de comportamento. Luiz Fernando Cintra ocupa-se dos efeitos mais diretamente ligados à vida pessoal e ao desenvolvimento do caráter.

Que tenhamos sentimentos (emoções) é óbvio. Que não devamos ser sentimentais é algo que para muitos não é tão óbvio assim. O sentimental é o indivíduo movido pelo entusiasmo, como ondas que fluem e refluem. É o caçador de sentimentos, é o homem que busca aquela emoção que lhe trará a almejada satisfação. O sentimental foge do sacrifício, do esforço, da fidelidade, do empenho. Ele quer sentir-se bem. O sentimental foge do real e refugia-se em devaneios na imaginação, seja projetando um futuro róseo ou invocando um passado maravilhoso.

Eis suas características principais:

1. Impulsividade. Reações imediatas, irrefletidas e apaixonadas.

2. Fragilidade. É um bibelô, uma criança grande cheia de dengos e teimosias, reagindo dramaticamente às adversidades da vida. Ama seu comodismo.

3. Superficialidade. Por amor ao comodismo foge da vida intelectual, dos raciocínios abstratos, das concatenações lógicas, da concentração. Em suma, evita a aplicação séria da inteligência, preferindo a frivolidade, a improvisação e o descompromisso.

4. Pessimismo e melancolia. Pelo fato de sua vida ser subdesenvolvida, reina a instabilidade e a confusão em sua vida interior. “Ruminar e contemplar repetidamente, agigantando a importância do próprio eu, dos fatos e da atuação dos outros, sempre em relação a mim..., tudo isso gera, nas suas infinitas voltas e revoltas, um redemoinho de tristeza, mágoas, pessimismos e insatisfações”.

5. Passividade. É o resultado de sua tendência a esperar soluções milagrosas.

6. Modos e atitudes. Observa-se entre os sentimentais o abuso dos diminutivos, o que é compreensível dada sua tendência a infantilizar tudo, arredondando as formas e evitando choques e dificuldades. Abundam as frases simpáticas cujo objetivo oculto é fugir do compromisso. Sobram lágrimas cujo objetivo oculto é chamar a atenção dos adultos.

7. Relacionamentos. Impera a lei do pêndulo, ora desequilibrando-se para dentro esmolando carinho (o centro do mundo é seu ego), ora desequilibrando-se para fora tomando uma determinada pessoa como ponto de apoio da vida (sente-se insegura sem sua aprovação ou, ao contrário, sente aversão por ela sem motivo claro).

O processo de superação do sentimentalismo, fundamental para o desenvolvimento do caráter humano, passa pelas seguintes etapas:

a. Investir na inteligência. O sentimental deve ser levado a pensar no que está fazendo de sua vida, no porquê de suas ações, no sentido de sua existência. Ele deve ser levado a criar uma vida interior, ponderando com vagar e profundidade para assim reduzir o perigo de ser arrastado pela maré das ideias e preconceitos reinantes em seu entorno. Deve se esforçar em sopesar suas ideias antes de agir impulsivamente. Aos poucos, o sentimental começará a reunir algumas regras interiores, breves e concisas, que lhe auxiliarão a balizar sua conduta. Quando se sentir perplexo e desorientado, se motivará a buscar conselhos em pessoas mais inteligentes que ele. Por fim, cultivará ideais, metas, objetivos, sem os quais, apesar dos altos e baixos da vida, estará à mercê desses mesmos altos e baixos.

b. Fortalecer a vontade. Isso se faz mediante o cumprimento do dever, da obrigação, aqui e agora. O sentimental é um traidor em potencial porque abandona prontamente seu dever ante os compromissos pesados ou árduos. O sentimental deve ser motivado a hierarquizar sua vida, tanto no ano quanto no mês, na semana e no dia. Dessa forma, o sacrifício, a dor e o esforço ganharão certo sentido, o que deve facilitar sua superação e consequente cumprimento do dever. O sentimental deve aprender não apenas a ter iniciativa, mas a ter “acabativa”.

c. Esquecer o ego. Os sentimentos têm como centro de gravidade o ego. Em qualquer deles, é o ego quem sente: sente pena, sente raiva, sente alegria, sente ódio. Aquele que está absolutamente polarizado nas suas coisas tende a “proteger-se” e falar de si próprio e ouvir-se a si próprio.

d. Amar com a vontade, não com o sentimento (ego). Amar é querer o bem da pessoa amada; querer nosso bem numa relação de afeto não é amar, mas desejar. No desejo, o outro é instrumentalizado em favor de nosso ego. “Amar não é apenas uma inclinação espontânea, que aparece quando aparece e desaparece quando desaparece, mas uma atração que se cultiva, que se orienta, que se aprofunda pela meditação e pela aproximação”.

Fonte: Luiz Fernando Cintra, O sentimentalismo, Editora Quadrante, São Paulo, SP, Brasil, 1994.