O sentimentalismo de que tratamos aqui é
mais profundo do que o desenvolvido por Theodore Dalrymple,
pois ele se dedica mais às consequências públicas da promoção desse tipo de
comportamento. Luiz Fernando Cintra ocupa-se dos efeitos mais diretamente
ligados à vida pessoal e ao desenvolvimento do caráter.
Que tenhamos sentimentos (emoções) é óbvio.
Que não devamos ser sentimentais é algo que para muitos não é tão óbvio assim.
O sentimental é o indivíduo movido pelo entusiasmo, como ondas que fluem e
refluem. É o caçador de sentimentos, é o homem que busca aquela emoção que lhe trará
a almejada satisfação. O sentimental foge do sacrifício, do esforço, da
fidelidade, do empenho. Ele quer sentir-se bem. O sentimental foge do real e
refugia-se em devaneios na imaginação, seja projetando um futuro róseo ou invocando
um passado maravilhoso.
Eis suas características principais:
1. Impulsividade. Reações imediatas,
irrefletidas e apaixonadas.
2. Fragilidade. É um bibelô, uma
criança grande cheia de dengos e teimosias, reagindo dramaticamente às adversidades
da vida. Ama seu comodismo.
3. Superficialidade. Por amor ao
comodismo foge da vida intelectual, dos raciocínios abstratos, das
concatenações lógicas, da concentração. Em suma, evita a aplicação séria da
inteligência, preferindo a frivolidade, a improvisação e o descompromisso.
4. Pessimismo e melancolia. Pelo
fato de sua vida ser subdesenvolvida, reina a instabilidade e a confusão em sua
vida interior. “Ruminar e contemplar repetidamente, agigantando a importância
do próprio eu, dos fatos e da atuação dos outros, sempre em relação a mim...,
tudo isso gera, nas suas infinitas voltas e revoltas, um redemoinho de
tristeza, mágoas, pessimismos e insatisfações”.
5. Passividade. É o resultado de sua
tendência a esperar soluções milagrosas.
6. Modos e atitudes. Observa-se
entre os sentimentais o abuso dos diminutivos, o que é compreensível dada
sua tendência a infantilizar tudo, arredondando as formas e evitando choques e
dificuldades. Abundam as frases simpáticas cujo objetivo oculto é fugir do
compromisso. Sobram lágrimas cujo objetivo oculto é chamar a atenção dos
adultos.
7. Relacionamentos. Impera a lei do
pêndulo, ora desequilibrando-se para dentro esmolando carinho (o centro do
mundo é seu ego), ora desequilibrando-se para fora tomando uma determinada
pessoa como ponto de apoio da vida (sente-se insegura sem sua aprovação ou, ao
contrário, sente aversão por ela sem motivo claro).
O processo de superação do sentimentalismo,
fundamental para o desenvolvimento do caráter humano, passa pelas seguintes
etapas:
a. Investir na inteligência. O sentimental deve ser levado a pensar no que está fazendo de sua vida, no porquê de suas ações,
no sentido de sua existência. Ele deve ser levado a criar uma vida interior,
ponderando com vagar e profundidade para assim reduzir o perigo de ser
arrastado pela maré das ideias e preconceitos reinantes em seu entorno. Deve se
esforçar em sopesar suas ideias antes de agir impulsivamente. Aos poucos, o
sentimental começará a reunir algumas regras interiores, breves e concisas,
que lhe auxiliarão a balizar sua conduta. Quando se sentir perplexo e
desorientado, se motivará a buscar conselhos em pessoas mais inteligentes que
ele. Por fim, cultivará ideais, metas, objetivos, sem os quais, apesar dos
altos e baixos da vida, estará à mercê desses mesmos altos e baixos.
b. Fortalecer a vontade. Isso se faz
mediante o cumprimento do dever, da obrigação, aqui e agora. O sentimental é um traidor em potencial porque abandona prontamente seu dever ante os compromissos
pesados ou árduos. O sentimental deve ser motivado a hierarquizar sua vida,
tanto no ano quanto no mês, na semana e no dia. Dessa forma, o sacrifício, a
dor e o esforço ganharão certo sentido, o que deve facilitar sua superação e consequente
cumprimento do dever. O sentimental deve aprender não apenas a ter
iniciativa, mas a ter “acabativa”.
c. Esquecer o ego. Os sentimentos
têm como centro de gravidade o ego. Em qualquer deles, é o ego quem sente:
sente pena, sente raiva, sente alegria, sente ódio. Aquele que está
absolutamente polarizado nas suas coisas tende a “proteger-se” e falar de si
próprio e ouvir-se a si próprio.
d. Amar com a vontade, não com o
sentimento (ego). Amar é querer o bem da pessoa amada; querer nosso bem
numa relação de afeto não é amar, mas desejar. No desejo, o outro é
instrumentalizado em favor de nosso ego. “Amar não é apenas uma inclinação
espontânea, que aparece quando aparece e desaparece quando desaparece, mas uma atração
que se cultiva, que se orienta, que se aprofunda pela meditação e pela
aproximação”.
Fonte: Luiz Fernando Cintra, O sentimentalismo, Editora Quadrante, São Paulo, SP, Brasil, 1994.