1 de agosto de 2010

O demônio da distração



O autor defende a idéia de que uma das características mais marcantes da modernidade é a distração crônica. É como se o próprio objetivo de vida das pessoas fosse distrair-se incessantemente, pulando de programas de TV a músicas pop a internet a leituras superficiais a video games e novamente a programas de TV etc. Esse tipo de comportamento produz o vício da distração (distractedness), cujo efeito é dissipar as energias mentais, reduzindo abruptamente a capacidade de concentração do indivíduo.

Ocorre que a falta de concentração não implica apenas em incapacidade para concentrar-se em problemas teóricos ou práticos, sejam questões filosóficas ou problemas mais ligados à vida profissional e familiar, mas implica, acima de tudo, em uma certa insensibilidade perceptiva para as coisas que transcendem o mundo psicofísico que cerca o indivíduo. E essa insensibilidade porta conseqüências que vão muito além de  prejudicar a vida de "sucesso" profissional ou social. Na verdade, as conseqüências acompanham o indivíduo depois da morte. Este assunto é tão importante que Smith não deixa de expressar grande surpresa ao constatar que as autoridades eclesiásticas raramente ou nunca versam sobre ele.

Os leitores cristãos ortodoxos certamente já ouviram falar da expressão "dispersão do noûs". Há diversas passagens das Sagradas Escrituras que indiretamente lidam com esta questão. Por exemplo, em Mateus 12:30, Jesus Cristo afirma que quem comigo não ajunta, espalha. Embora tradicionalmente aquele que não ajunta é Satanás, quem comigo não ajunta pode ser o próprio homem, enquanto espalha pode ser as múltiplas potências da alma do homem. Em Mateus 7:13-14, Cristo também diz: Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem. A porta estreita e o caminho apertado podem ser entendidos como sugestões à concentração.

Lembre-se de que a concentração mencionada não se refere apenas à concentração racional, filosófica, mas à concentração espiritual, ao recolhimento do noûs de volta ao coração místico, ao verdadeiro centro do homem. Este recolhimento é mencionado por Jesus Cristo: Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto (Mateus 6:6). Ademais, a literatura patrística deixa claro que o aposento não é apenas um lugar fisicamente isolado e afastado, embora tal conotação também esteja implícita, mas significa também o coração humano, o olho da alma, a consciência superior. É por isso que a vida espiritualmente sadia é inversamente proporcional ao grau de distração no qual se encontra o noûs humano. Quanto mais disperso o noûs, menos apegado estará à sua verdadeira identidade espiritual.

Desde a Queda, a raça humana apresenta um tipo de tendência pecaminosa que é muito mais sutil do que, por exemplo, os pecados ligados à concupiscência da carne. A natureza sensorial humana, aliada à imaginação, tagarela em voz alta dia e noite, sem parar, causando grande agitação e distúrbio à alma e ao espírito. É uma espécie de herança infernal, um verdadeiro "demônio da distração", ao qual, mais do que nunca, o homem moderno está sujeito.