19 de fevereiro de 2024

Cinco provas da existência de Deus


O filósofo americano Edward Feser apresenta 5 provas da existência de Deus apelidando-as de acordo com o filósofo que melhor as representa. Isso não significa que estes filósofos tenham efetivamente desenvolvido as provas nos moldes que Feser as apresenta, mas são os filósofos que, digamos, inspiraram Feser a desenvolvê-las.

1. Prova aristotélica (ou: A existência só pode vir do Ato Puro)

Aristóteles ensinava que toda mudança é a atualização de uma potência. Então, por exemplo, quando um café esfria ele atualiza a frieza que tem em potência. Observe, no entanto, que essa frieza, embora esteja em potência, já é algo. Em outras palavras, a frieza não é exatamente “nada”.

Mas a passagem da potência para o ato não explica a mudança. Por que a potência se atualizaria? Por que as coisas não se mantêm como estão, sem mudanças, sem alterações? Ora, a mudança exige um “mudador”. E mais: esse “mudador” precisa ele mesmo ser atual. No caso do café poderia ser um cubo de gelo, a frieza do ambiente etc. No entanto, se o “mudador” está ele mesmo experimentando mudança, então é necessário, por conseguinte, que haja outro “mudador”. E assim, linearmente (ou seja, temporalmente). Isso, no entanto, não significa que seja necessário um primeiro “mudador” num passado remotíssimo.

No entanto, a ideia de mudança linear nos ajuda a vislumbrar outro tipo de mudança: a mudança hierárquica. Ora, a xicara de café exige que a mesa a sustente, que por sua vez exige que o chão a sustente, que por sua vez exige que a Terra a sustente etc. Isso tudo simultaneamente. Aqui não constatamos a mudança tal como a constatamos no caso da mudança linear, mas a atualização de potências não nos permite negar que há, sim, uma mudança: a xícara tem a potência de estar a um metro do chão que é atualizada pela mesa, e assim sucessivamente. Há uma relação de dependência entre ao membros. A mesa, o chão, a Terra etc. não têm o poder para sustentar nada a não ser que derivem esse poder de algo. Eles são, digamos, meros instrumentos. E aqui uma observação crucial: enquanto a mudança linear não requer um primeiro membro, a mudança hierárquica sim o requer. Ora, se um dos elementos da série hierárquica não cumpre seu “papel”, a xícara deixa de atualizar sua potência de estar a um metro do chão.

O primeiro membro da série hierárquica não precisa ser primeiro no sentido que venha antes do segundo, do terceiro etc., mas primeiro no sentido de que tem poder causal inerente ou incorporado, enquanto os demais têm poder meramente derivatrivo.

Entretanto, a série linear tem de pressupor que haja uma hierarquia. Me refiro à própria existência dos elementos. O que faz com que a xícara de café não apenas esteja onde está, mas que continue a existir? O que sustenta a existência da xícara? Poderíamos apelar à estrutura atômica da xícara, às partículas subatômicas etc., mas isso apenas esconderia a pergunta debaixo do tapete. O que sustenta a existência das partículas subatômicas? Por que elas se atualizam como se atualizam e não de outra forma? O que lhes dá existência às potências que elas têm? Tem de haver um primeiro membro a tudo isso que não seja ele mesmo uma potência, mas um atualizador não atualizado. Um puro ato ou, como diria Aristóteles, um motor imóvel.

É notória a semelhança desta prova com a prova apresentada por Mortimer J. Adler.

2. Prova plotiniana (ou: O composto só pode vir do Uno)

As coisas de nossa experiência são compostas de partes. Um composto depende fundamentalmente (atemporalmente) de suas partes. Uma cadeira depende da existência, em todo e qualquer momento, da adequada disposição de suas partes para existir.

A exemplo do raciocínio que empreendemos na prova aristotélica, a cadeira deve ter sido construída por alguém no passado e assim sucessivamente. É uma série causal linear. Mas todos os elementos que agora, neste instante, compõem a cadeira precisam existir agora, neste instante. Trata-se de uma série causal hierárquica. Aqui pouco importam os princípios metafísicos de forma-matéria ou essência-existência. O que importa é que todo composto tem uma causa que o mantém composto que, por sua vez, é também composta. Novamente, uma primeira causa faz-se necessária para explicar os compostos, mas que seja ela mesma simples, sem partes, nem materiais, nem metafísicas. É o que o filósofo neoplatônico Plotino chamava de Uno.

3. Prova agostiniana (ou: Os objetos abstratos têm de existir num Intelecto)

Os objetos abstratos (universais, proposições, números, objetos matemáticos, mundos possíveis) existem de alguma forma. Eles não existem totalmente independentes do mundo (como o mundo das ideias de Platão) nem totalmente imanentes ao mundo (como no hilomorfismo aristotélico). Feser evidentemente descarta as alternativas nominalista – que nega a realidade dos objetos abstratos – e conceitualista – que admite sua realidade enquanto objetos construídos única e exclusivamente pela mente humana.

A solução é o que Feser chamar de “realismo escolástico”, que nada mais é do que o realismo aristotélico com um “acabamento” platônico. O “terceiro reino” platônico, embora incoerente, serve de inspiração para localizar o reino dos objetos abstratos fora da mente humana e do mundo material. Em concreto, adotando uma famosa tese atribuída a Santo Agostinho, Feser sustenta que tais objetos existem em um intelecto infinito, eterno e divino. O realismo escolástico é um compromisso aceitável, que evita os erros realistas de Platão e Aristóteles. Esses objetos têm de existir no Intelecto divino.

4. Prova tomista (ou: A existência tem de vir da Existência)

O mundo está povoado por uma enorme quantidade de coisas. Apesar da miríade de coisas que há no mundo, sabemos duas coisas distintas a respeito delas: sabemos o que são (a natureza/essência das coisas) e sabemos que são (a existência das coisas). O homem ser um animal racional é saber sua natureza/essência, e que realmente haja homens é saber que existem.

Há vários motivos para defendermos a distinção entre essência e existência. O primeiro motivo foi apresentado por Feser em seu Scholastic Metaphysics. Procure sua explicação sobre a existência de leões, dinossauros e unicórnios. O segundo motivo tem a ver com a contingência das coisas. Elas existem, mas poderiam não ter existido. Se sua existência não fosse distinta de suas essências então, por sua própria essência teriam de existir, ou seja, seriam necessárias, o que é absurdo. O terceiro motivo é que seria impossível que houvesse mais de uma coisa cuja essência contivesse a existência. Ora, se há algo cuja essência não seja distinta da existência então nessa coisa essência e existência são idênticas. Sua essência seria simplesmente sua existência. Essa seria a única coisa realmente existente. Todas as demais não poderiam existir, dado que essência e existência supostamente são idênticas, o que é absurdo.

Portanto, se algo existe então a fonte de sua existência tem de vir de fora. Mas essa existência não se aplica somente quando a coisa começa a existir, mas depois que ela existe e enquanto ela existir. Essa fonte da existência não pode ser ela mesma contingente, mas algo que seja a própria existência. Algo que, nas palavras de Tomás de Aquino, seja “a própria existência subsistente”.

5. A prova leibniziana (ou: Tem de existir um ser necessário)

Trata-se do princípio de razão suficiente. É a ideia de que para tudo há uma explicação para sua existência, para os atributos que apresenta, para a situação em que se encontra. É um princípio difícil de explicar não por ser complexo, mas, ao contrário, por ser demasiado óbvio para que se diga algo a favor ou contra. A própria confiança que depositamos em nossa percepção sensível e nas ciências empíricas nos impede de negar o princípio de razão suficiente. Negar o princípio da razão suficiente é minar a possibilidade de toda e qualquer indagação racional.

Não confundamos a causalidade com o princípio de razão suficiente. Feser relembra o exemplo dado pelo próprio Leibniz. Imagine uma série infinita de livros de geometria sendo que cada um deles foi copiado do anterior. Sabemos a causa imediata de cada livro, mas obviamente não explicamos tudo. Por que livros de geometria? Por que não outros livros? Por que não outros objetos? A mera relação causal não explica uma outra relação que não é exatamente causal, mas existencial.

Não há como evitar a conclusão de que para que exista uma série de seres contingentes tem de haver algo que seja necessário, cuja existência não seja explicada por nada mais.

Fonte: Edward Feser, Cinco pruebas de la existencia de Dios, Ediciones Cor Iesu, Toledo, Espanha, 2021.