O filósofo americano Edward Feser apresenta
5 provas da existência de Deus apelidando-as de acordo com o filósofo
que melhor as representa. Isso não significa que estes filósofos tenham efetivamente desenvolvido as provas nos moldes que Feser as apresenta, mas são os filósofos que, digamos, inspiraram Feser a desenvolvê-las.
1. Prova aristotélica (ou: A existência só
pode vir do Ato Puro)
Aristóteles ensinava que toda mudança é a
atualização de uma potência. Então, por exemplo, quando um café esfria ele
atualiza a frieza que tem em potência. Observe, no entanto, que essa frieza,
embora esteja em potência, já é algo. Em outras palavras, a frieza não é
exatamente “nada”.
Mas a passagem da potência para o ato não
explica a mudança. Por que a potência se atualizaria? Por que as coisas não se
mantêm como estão, sem mudanças, sem alterações? Ora, a mudança exige um
“mudador”. E mais: esse “mudador” precisa ele mesmo ser atual. No caso do café
poderia ser um cubo de gelo, a frieza do ambiente etc. No entanto, se o
“mudador” está ele mesmo experimentando mudança, então é necessário, por
conseguinte, que haja outro “mudador”. E assim, linearmente (ou seja,
temporalmente). Isso, no entanto, não significa que seja necessário um primeiro
“mudador” num passado remotíssimo.
No entanto, a ideia de mudança linear nos
ajuda a vislumbrar outro tipo de mudança: a mudança hierárquica. Ora, a xicara
de café exige que a mesa a sustente, que por sua vez exige que o chão a
sustente, que por sua vez exige que a Terra a sustente etc. Isso tudo
simultaneamente. Aqui não constatamos a mudança tal como a constatamos no caso
da mudança linear, mas a atualização de potências não nos permite negar que há,
sim, uma mudança: a xícara tem a potência de estar a um metro do chão que é
atualizada pela mesa, e assim sucessivamente. Há uma relação de dependência entre
ao membros. A mesa, o chão, a Terra etc. não têm o poder para sustentar nada a
não ser que derivem esse poder de algo. Eles são, digamos, meros instrumentos.
E aqui uma observação crucial: enquanto a mudança linear não requer um primeiro
membro, a mudança hierárquica sim o requer. Ora, se um dos elementos da série
hierárquica não cumpre seu “papel”, a xícara deixa de atualizar sua potência de
estar a um metro do chão.
O primeiro membro da série hierárquica não
precisa ser primeiro no sentido que venha antes do segundo, do terceiro etc.,
mas primeiro no sentido de que tem poder causal inerente ou incorporado,
enquanto os demais têm poder meramente derivatrivo.
Entretanto, a série linear tem de pressupor
que haja uma hierarquia. Me refiro à própria existência dos elementos. O que
faz com que a xícara de café não apenas esteja onde está, mas que continue a
existir? O que sustenta a existência da xícara? Poderíamos apelar à estrutura
atômica da xícara, às partículas subatômicas etc., mas isso apenas esconderia a
pergunta debaixo do tapete. O que sustenta a existência das partículas
subatômicas? Por que elas se atualizam como se atualizam e não de outra forma?
O que lhes dá existência às potências que elas têm? Tem de haver um primeiro
membro a tudo isso que não seja ele mesmo uma potência, mas um atualizador
não atualizado. Um puro ato ou, como diria Aristóteles, um motor imóvel.
É notória a semelhança desta prova com a
prova apresentada por Mortimer J. Adler.
2. Prova plotiniana (ou: O composto só pode
vir do Uno)
As coisas de nossa experiência são
compostas de partes. Um composto depende fundamentalmente (atemporalmente) de
suas partes. Uma cadeira depende da existência, em todo e qualquer momento, da
adequada disposição de suas partes para existir.
A exemplo do raciocínio que empreendemos na
prova aristotélica, a cadeira deve ter sido construída por alguém no passado e
assim sucessivamente. É uma série causal linear. Mas todos os elementos que
agora, neste instante, compõem a cadeira precisam existir agora, neste
instante. Trata-se de uma série causal hierárquica. Aqui pouco importam os
princípios metafísicos de forma-matéria ou essência-existência. O que importa é
que todo composto tem uma causa que o mantém composto que, por sua vez, é
também composta. Novamente, uma primeira causa faz-se necessária para
explicar os compostos, mas que seja ela mesma simples, sem partes, nem
materiais, nem metafísicas. É o que o filósofo neoplatônico Plotino chamava de
Uno.
3. Prova agostiniana (ou: Os objetos
abstratos têm de existir num Intelecto)
Os objetos abstratos (universais,
proposições, números, objetos matemáticos, mundos possíveis) existem de alguma
forma. Eles não existem totalmente independentes do mundo (como o mundo das
ideias de Platão) nem totalmente imanentes ao mundo (como no hilomorfismo
aristotélico). Feser evidentemente descarta as alternativas nominalista – que
nega a realidade dos objetos abstratos – e conceitualista – que admite sua
realidade enquanto objetos construídos única e exclusivamente pela mente
humana.
A solução é o que Feser chamar de “realismo
escolástico”, que nada mais é do que o realismo aristotélico com um
“acabamento” platônico. O “terceiro reino” platônico, embora incoerente, serve
de inspiração para localizar o reino dos objetos abstratos fora da mente humana
e do mundo material. Em concreto, adotando uma famosa tese atribuída a Santo
Agostinho, Feser sustenta que tais objetos existem em um intelecto infinito,
eterno e divino. O realismo escolástico é um compromisso aceitável, que evita
os erros realistas de Platão e Aristóteles. Esses objetos têm de existir no
Intelecto divino.
4. Prova tomista (ou: A existência tem de
vir da Existência)
O mundo está
povoado por uma enorme quantidade de coisas. Apesar da miríade de coisas que há
no mundo, sabemos duas coisas distintas a respeito delas: sabemos o que são
(a natureza/essência das coisas) e sabemos que são (a existência das
coisas). O homem ser um animal racional é saber sua natureza/essência, e que
realmente haja homens é saber que existem.
Há vários
motivos para defendermos a distinção entre essência e existência. O primeiro motivo
foi apresentado por Feser em seu Scholastic Metaphysics. Procure sua
explicação sobre a existência de leões, dinossauros e unicórnios. O segundo motivo
tem a ver com a contingência das coisas. Elas existem, mas poderiam não ter
existido. Se sua existência não fosse distinta de suas essências então, por sua
própria essência teriam de existir, ou seja, seriam necessárias, o que é
absurdo. O terceiro motivo é que seria impossível que houvesse mais de uma
coisa cuja essência contivesse a existência. Ora, se há algo cuja essência não seja
distinta da existência então nessa coisa essência e existência são idênticas. Sua
essência seria simplesmente sua existência. Essa seria a única coisa
realmente existente. Todas as demais não poderiam existir, dado que essência e existência
supostamente são idênticas, o que é absurdo.
Portanto, se
algo existe então a fonte de sua existência tem de vir de fora. Mas essa
existência não se aplica somente quando a coisa começa a existir, mas depois
que ela existe e enquanto ela existir. Essa fonte da existência não pode
ser ela mesma contingente, mas algo que seja a própria existência. Algo
que, nas palavras de Tomás de Aquino, seja “a própria existência subsistente”.
5. A prova
leibniziana (ou: Tem de existir um ser necessário)
Trata-se do
princípio de razão suficiente. É a ideia de que para tudo há uma explicação para
sua existência, para os atributos que apresenta, para a situação em que se
encontra. É um princípio difícil de explicar não por ser complexo, mas, ao contrário, por
ser demasiado óbvio para que se diga algo a favor ou contra. A própria confiança
que depositamos em nossa percepção sensível e nas ciências empíricas nos impede
de negar o princípio de razão suficiente. Negar o princípio da razão suficiente
é minar a possibilidade de toda e qualquer indagação racional.
Não confundamos a
causalidade com o princípio de razão suficiente. Feser relembra o exemplo
dado pelo próprio Leibniz. Imagine uma série infinita de livros de geometria
sendo que cada um deles foi copiado do anterior. Sabemos a causa imediata de
cada livro, mas obviamente não explicamos tudo. Por que livros de geometria?
Por que não outros livros? Por que não outros objetos? A mera relação causal não
explica uma outra relação que não é exatamente causal, mas existencial.
Não há como
evitar a conclusão de que para que exista uma série de seres contingentes tem
de haver algo que seja necessário, cuja existência não seja explicada por nada
mais.
Fonte: Edward Feser, Cinco pruebas de la existencia de Dios, Ediciones Cor Iesu, Toledo, Espanha, 2021.