7 de novembro de 2008

Os graus de ateísmo

Este artigo do Metropolita Hierotheos de Nafpaktos foi publicado no livro "Quality of Life", editado pelo Mosteiro da Natividade da Mãe de Deus. A tradução foi feita a partir de uma tradução inglesa que, por sua vez, baseou-se no original grego.

O autor divide o ateísmo em três estágios ou graus, cujas características principais são: (1) anti-teísmo, (2) desespero e indiferença e (3) ocultismo. A ilustração acima pode ser ampliada clicando-se nela, e representa um "deserto escaldante", no qual o ateu ocultista perambula sem encontrar alívio para seus conflitos torturantes.

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Todo evento e toda condição espiritual possui seus estágios. O homem desenvolve-se gradualmente, em estágios, e experimenta certas situações em estágios. Da mesma maneira, conseguimos identificar graus no pecado, assim como na virtude. Por conseguinte, podemos dizer que o ateísmo também possui determinados estágios.

Quando versamos sobre ateísmo, temos de ser um pouco cautelosos, pois uma pessoa que julgamos ser atéia pode, em verdade, não ser. Ela pode viver de maneira muito diferente da que nós, ortodoxos, vivemos, mas isso não deve necessariamente ser rotulado de “ateísmo”. Há o ateísmo teórico e o ateísmo prático; na verdade, podemos dizer que há até mesmo um “ateísmo religioso”. Esta categoria pertence às pessoas que vivem no âmbito da Igreja, mas muito superficialmente, sem nunca alcançar uma consciência pessoal da graça divina – um “conhecimento” pessoal de Deus. Os fariseus, no tempo de Cristo, observavam esse tipo bizarro de ateísmo. Eles defendiam e ensinavam a Lei, embora ignorassem o Legislador; de fato, eles não apenas ignoraram como crucificaram o Legislador. Eis porque é tão difícil traçar uma linha divisória entre fé e falta de fé: é possível parecer ser fiel e, mesmo assim, terminar em completo ateísmo e agnosticismo. Por outro lado, é possível parecer ser ateu e, mesmo assim, terminar encontrando a fé perfeita.

Apesar das dificuldades inerentes ao assunto, eu gostaria de apresentar os graus de ateísmo, conforme descritos por Clemente. Ele basicamente distingue três graus de ateísmo:

“O primeiro grau é o anti-teísmo, a revolta contra Deus em nome da liberdade e da justiça. O anti-teísmo nasce da decomposição do Cristianismo, quando este cai em silêncio mortal e transforma-se em ideologia, na esperança de que o totalitarismo possa substituir o poder perdido pelo todo”. Quando a religião vigente transforma-se em ideologia, o povo se desaponta e, influenciado por outras teorias mundanas, ataca abertamente a religião recém-morta e fossilizada. As reações são violentas; eles ridicularizam tudo o que tem a ver com religião e o fazem em nome da justiça e da liberdade. Em outras palavras, eles são revolucionários e opositores por natureza.

O segundo grau segue-se ao primeiro. Após exaurirem-se em zombarias e ataques, eles chegam a uma nova condição: “O ateísmo revolucionário e militante é enfraquecido por sua própria vitória, enquanto as massas resvalam para a indiferença...ou para o escapismo, para a ‘recreação’ provida pela ‘sociedade de espetáculos’. Os mais exigentes voltam-se contra algo finito e abrem mão de todo otimismo, desenvolvendo assim diversas filosofias ilógicas e nauseabundas”. Por conseguinte, nota-se que a indiferença e o desespero são os traços característicos deste segundo grau de ateísmo. De experiência religiosa ela passa a ser uma experiência sociológica. Exausto de tantas batalhas, o homem entra em um desespero do qual absolutamente nada poderá curá-lo. Ao invés de transformar esse desespero em um desespero voltado a Deus (em outras palavras, ao invés de arrepender-se), o homem transforma esse desespero em um desespero voltado ao mundo. Ele sente-se desiludido com tudo, e busca maneiras de aliviar seu sofrimento, mas sem sucesso.

Quando se encontra plenamente desiludido, o homem entra em um terceiro estágio de ateísmo: “Em seguida, surge um terceiro tipo de ateísmo; um ateísmo que poderíamos chamar de ‘oculto’. Busca-se por antídotos, pelo ‘deserto escaldante’ da ciência e da técnica, aspira-se por dar-lhes um ar ‘esotérico’, mas sempre dentro dos limites de uma ou de outra; em outras palavras, persevera-se na negação do Deus pessoal que se fez homem. Eles descobrem, uma vez mais, os bizarros e apócrifos potenciais do homem, e os velhos simbolismos do universo”. Durante este terceiro estágio, eles buscam “espiritualidade” nas religiões orientais, na filosofia, mas também na ilusão da justiça social de pseudo-messianismos. Podemos dizer que o homem contemporâneo está possuído por esse misticismo, por esse fenômeno mórbido.

Do que dissemos até agora, podemos extrair algumas conclusões:

A primeira é que, infelizmente, tudo aquilo que se tornou obsoleto no Ocidente está agora sendo revivido na Grécia. Estamos vivenciando situações que os ocidentais vivenciaram há 50 anos. Infelizmente, é o que está acontecendo em todos os campos. O Ocidente nos influencia, mas infelizmente é o Ocidente obsoleto que nos influencia; somos influenciados pelas coisas que o Ocidente já ultrapassou. Somos receptores de modos de vida vencidos, daí observarmos em muitos campos o fenômeno do anti-teísmo – o primeiro estágio de ateísmo – o qual já foi ultrapassado pelo Ocidente, onde já começaram a abandonar o segundo estágio e estão em busca do terceiro, isto é, estão em busca da redenção e do livramento de seus problemas internos e torturantes. Estamos sempre atrasados.

A segunda é que a tradição ortodoxa contém uma espiritualidade saudável, uma espiritualidade equilibrada e viva, que podemos vivenciar e, assim, escaparmos do trote do ocultismo mórbido. Somos capazes de adquirir o “conhecimento” pessoal de Deus. Nosso Deus não é abstrato – um Deus de filósofos e contempladores – mas um Deus real; o Deus de nossos Padres. Por que deveríamos nos entregar a um misticismo impessoal, oriental, ou a feitiçarias e assemelhados, quando nossa tradição é capaz de nos dar ensinamento e vida plena, de nos conduzir à experiência do Deus pessoal?

A Igreja Ortodoxa possui uma profundidade insondável, a qual não conseguimos discernir a olho nu; podemos até considerar a Igreja como uma instituição estabelecida, mas, para além dos aspectos superficiais, há uma realidade viva. A realidade existe, encarnada, em toda persona. A busca por esta verdade – e a busca por viver esta verdade – pode ser desviada do seu curso normal e acabar em ateísmo que, por sua vez, sugará nossa vida e toda nossa existência.