15 de dezembro de 2019

Santa Elizabeth, a Nova Mártir



Vim a conhecer um dos lados desta vida graças às minhas antigas responsabilidades. Isto é o que se chama “sociedade”. Fiz o que pude por essas pessoas. Talvez eu tenha cumprido mal minhas responsabilidades. Tentei ajudar meu marido em sua vida e nestas reponsabilidades que ele cumpria (a ribalta, as celebrações...). Eu sinceramente acreditava que deveria ajudá-lo, e fiz tudo isso com alegria, com o sentimento de que estava levando felicidade aos outros; todos gostavam dos nossos encontros. Ali eu via muitos rostos felizes. Você acha que eu quero julgar a sociedade ou que já a estou julgando? Mesmo antes eu já observava que as pessoas ricas, jovens, ambiciosas, essas que pensam só em divertimentos, não sofrem, ou, quando sofrem, como é difícil consolá-las – esta genuflexão ante o bezerro dourado, ante sua própria persona – que sofrimento tão obscuro e impenetrável!

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O Senhor conhece nossas fraquezas, mas também nossos talentos. E dá a cada um de acordo com suas habilidades (Mateus 25:15). Recordemos a parábola dos talentos de Mateus, capítulo 25, e como Ele foi rigoroso, Ele que é sempre tão misericordioso, e castigou o servo, que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade... E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá (Lucas 12:47-48).

Que assustador lembrar-se destas palavras! Humilhando-nos e batendo forte em nosso peito, dizemos "Deus, tem piedade de nós, pecadores".

O Senhor, porém, encara os pecados humanos de maneira diferente. Por esse motivo, grandes combatentes e santos, que a nós parecem sem pecado, choravam por eles. Quanto mais nos aproximamos do Sol (Deus), mais evidentes se tornam as manchas, e eis porque os pecados são relativos a cada pessoa Ninguém se atreveria a dizer “este ladrão é pior do que eu”. Falar ou mesmo pensar uma coisa dessas é muito pecaminoso. O orgulho é a arma do diabo, mas a humildade pertence a Deus: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. (Tiago 4:6)

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Elizabeth Feodorovna não sentia nenhuma raiva das massas revolucionárias. Ela dizia com grande gentileza: “As pessoas são como crianças; elas não são culpadas pelo que está acontecendo...elas são iludidas pelos inimigos da Rússia”.

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A tesoureira do convento, sra. Gordeyeva, tinha medo que elementos criminosos invadissem o convento. Ela pedia à abadessa para que os portões fossem mantidos fechados todo o tempo, mas Elizabeth não temia a ninguém. Ela sempre tentava encontrar traços positivos em todos, até mesmo nos criminosos, acreditando que o bem em uma alma humana pode sobrepujar suas tendências malignas.

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Um dia, um grupo de rebeldes – alguns bêbados, alguns ex-presidiários – entraram no convento. Sua conduta era insolente, sua linguagem, obscena. Um deles, vestido de uniforme cáqui, notou a presença da Grã-Duquesa e se dirigiu até ela aos berros, dizendo qu, embora ela outrora fosse “Sua Alteza”, agora quem era ela? Elizabeth Feodorovna calmamente respondeu que ela estava aqui para servir ao povo. O homem exigiu que ela cuidasse de sua ferida, um abscesso purulento na virilha.

Ela o fez sentar-se em uma cadeira e, ajoelhando-se diante dele, a Grã-Duquesa aplicou-lhe uma medicação e vestiu sua ferida. Ela então lhe pediu que voltasse no dia seguinte para uma nova limpeza, alertando que, se não o fizesse, uma gangrena poderia formar-se ali. O homem ficou chocado. Novamente, ele lhe perguntou quem era ela. A nobre abadessa simplesmente repetiu sua resposta anterior, que ela estava aqui para servir ao povo. O agora subjugado grupo, empurrando um ao outro e olhando furtivamente por detrás de si, saiu pelos portões do convento, deixando as irmãs em estado de grande agitação. Elas estavam aterrorizadas. Elizabeth as interrompeu, lembrando-lhes que o Senhor as estava vigiando para que nada de mal se lhes acometesse que não fosse de Sua vontade.

Nestes tempos sua alma estava em constante comunhão com Deus por meio da Oração de Jesus – seja tratando de feridas, seja preparando seu prato de salada, seja confortando um paciente em seu leito. Neste estado, sua mente se encontrava num estado repulsivo a qualquer expressão de angústia ou medo. Ela sabia que, devota e obediente a Deus, seguia os passos do Senhor; o que quer que viesse ela aceitaria com serenidade e submissão. Nisto ela se assemelhava aos mártires dos primeiros séculos do Cristianismo. A esta altura ela já estava recuperada do choque da abdicação do czar. As lágrimas que derramava à noite, rezando ante os ícones, não eram mais de amargura e desespero, mas eram lágrimas de tristeza ante o destino da Rússia e sua família imperial.

A Grã-Duquesa era dotada de um autocontrole impressionante. Conforme relata o Arcebispo Anastácio: “Parece que ela se encontrava como no alto de um inacessível penhasco e, dali, ignorando os ventos tormentosos do entorno, mentalmente mantinha seu olhar firme na distante eternidade”. Esta característica é muito bem ilustrada por um incidente descrito no volume I do livro Os Novos Mártires da Rússia, do Protopresbítero Michael Polsky.

Certa manhã, dois caminhões de revolucionários chegaram no convento. Fitas vermelhas no peito e carregando faixas da Revolução, os homens adentraram os portões, os quais haviam sido pessoalmente abertos pela abadessa. Um grupo menor – cigarros pendurados nos lábios, capas por sobre as cabeças, rifles pendurados nos ombros – anunciaram que estavam ali para buscar, prender e julgar a abadessa como espiã alemã; o convento teria de ser revistado e todas as armas confiscadas.

Com grande tranquilidade, vêa Grã-Duquesa respondeu: “Entrem, revistem tudo, mas apenas cinco de vocês podem entrar”.

Os revolucionários insistiam que ela teria de deixar o convento com eles, mas ela lhes explicou que, enquanto Madre Superior, não poderia deixar sem dar algumas instruções e despedir-se de suas irmãs. Após uma rápida confabulação em cochichos, os homens concordaram.

Elizabeth reuniu todas as irmãs na igreja do convento e pediu ao Padre Mitrofan que oficiasse. Enquanto ele se paramentava, as lâmpadas e velas dos ícones foram acesas. A nobre Madre Superior, enquanto isso, lembrava-lhes às suas irmãs a mensagem do Evangelho: E de todos sereis odiados por causa do Meu Nome... Na vossa paciência possuí as vossas almas. (Lucas 21:17, 19). Voltando-se aos revolucionários, ela os convidou para deixarem suas armas à porta e juntarem-se a todos na igreja. Com relutância, eles tiraram suas armas e entraram.

Ao longo de todo o ofício a Grã-Duquesa ficou de joelhos. Ao final, ela venerou a Cruz sustentada pelo padre, e os revolucionários, como que subjugados pelo desenrolar dos eventos, fizeram o mesmo. Elizabeth anunciou então que o Padre Mitrofan os acompanharia por todos os aposentos do convento.

Após a revista, que provou-se infrutífera, os homens, envergonhados, saíram para encarar a ruidosa multidão que cantava a “Internationale” e a “Marseillaise”. Eles disseram às massas: “Isto é um convento e nada mais”. A multidão ficou desapontada; eles esperavam ver a Grã-Duquesa e suas armas arrastadas por detrás dela. A medida que se afastavam os caminhões, Elizabeth Feodorovna persignou-se e disse às irmãs: “Parece que ainda não somos dignas da coroa dos mártires”. Com efeito, a coroa dos mártires logo seria sua.

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Se observamos profundamente a vida de cada ser humano descobriremos que ela está cheia de milagres. Você dirá, “De terror e morte também”. Sim, disso também. Não sabemos muito bem por que o sangue destas vítimas precisa ser vertido. Lá, nos céus, eles entendem tudo e, sem dúvida, encontraram calma na Verdadeira Terra Natal – um Lar Celestial.

Nós aqui na terra temos que mirar este Lar Celestial com compreensão e dizer com resignação: “Que seja feita a Tua vontade”. Completamente destruída está a “Grande Rússia sem temor e repreensão”, mas a “Santa Rússia”, a Igreja Ortodoxa, a Igreja contra a qual “as portas do inferno não prevalecerão”, existe e existe como nunca antes, e aqueles que creem, que não duvidam, portam um “sol interior” que ilumina as trevas da tempestade trovejante.

Fonte: Lubov Millar, Grand Duchess Elizabeth of Russia, Nikodemos Orthodox Publication Society, Richfield Springs, NY, EUA, 2009.