Para saber se uma série de saberes efetivamente empreendeu “a
marcha segura…o real caminho de uma ciência”, basta prestar atenção a seu
conteúdo e aos resultados alcançados. Será ciencia: 1°, se existe verdade nos
resultados obtidos; 2°, se existem não apenas resultados verdadeiros, mas
também, além disso, uma direção fixa, um método, na investigação da verdade;
3°, se cada verdade assim conquistada aumenta o saber anterior, e não
simplesmente o destrói, isto é, se a marcha, de acordó com aquele método, é
realmente progressiva. Certamente poderá haver oscilações, poderá haver saberes
duvidosos, poderá haver retificações parciais, às vezes muito profundas; mas,
definitivamente, tomada em seu conjunto, a ciencia vai se compondo de verdades
já estabelecidas. Verdade, método e progresso firme: essas são as
características daquilo que chamamos de ciêmcia.
A lógica entrou exemplarmente no real caminho da ciencia. Em
segundo lugar, a matemática. Em linha reta, por assim dizer, de Galileu a
Newton, a física se constitui em um corpo de doutrina sólidamente estabelecida
e que progride com firmeza. Kant insinua que, em sua época, a mesma coisa
começou a acontecer com a química graças a Stahl.
Apesar de toda sua apodêixis
[argumentação, caráter demonstrativo], o que há na metafísica que não esteja
submetido a discussão sem chegar nunca a clarezas últimas? Qual é o conjunto de
conhecimentos do qual se pode dizer, com rigor, que se trata de algo já
estabelecido, com respeito ao qual todos os filósofos estão de acordo? A
metafísica ofrece o triste espetáculo de ainda não ter entrado no caminho
seguro da ciência.
Compreende-se que, diante dessa situação, Kant nos diga que
a filosofía não entrou ainda no caminho seguro da ciência. No entanto, diz-nos,
“enquanto houver homens no mundo, haverá metafísica”, porque a metafísica é uma
“disposição fundamental” da natureza humana.
Pois bem; um exame atento dos principios da metafísica nos
mostra que todos eles são sintéticos. Assim, por exemplo, “tudo o que acontece
tem uma causa” é um juízo sintético. Pois do conceito de uma “coisa” jamais
sairá por análise o conceito de “outra” coisa que fosse sua causa. A verdade
daquele juízo não se funda em evidencia. Também não se funda em um recurso aos
objetos. A experiência, dizia Kant seguindo Hume, nos mostra que uma coisa vem
depois de outra, mas não mostra jamais que o antecedente seja causa do
consequente. No entanto, esse é um juízo que expressa uma necessidade absoluta
com uma verdade independente de qualquer experiência. É, portanto, um juízo
sintético a priori. Quer dizer, sua
verdade se encontra fundada não no objeto nem na evidência, mas em um principio
diferente.
Definitivamente, o emprego de ciências como a matemática e a
física nos mostrou que o entendimento tem juízos sintéticos a priori. Isso quer dizer que nesses
conhecimentos é o entendimento o que determina de antemão os objetos, por um principio
que não é a evidência nem eperiência, mas um principio diferente. E a análise
dos primeiros juízos metafísicos nos fez ver, igualmente, que sua verdade
também está fundada no fato de que é o entendimento que determina, de uma forma
ou de outra, o objeto. Este é o sentido da revolução copernicana de que Kant
nos fala.
Esta fórmula significa simplesmente que o problema está em
averiguar qual é e como é este principio cuja índole consiste não em que o
entendimento gire em torno dos objetos adequando-se a eles, mas em que os
objetos girem em torno do entendimento e que seja este o que os determine.
Trata-se de um movimento em dois tempos, por assim dizer.
Primeiro, as categorias são descobertas por “regressão” desde o objeto até seus
supostos últimos, isto é, até o “eu penso”. Depois, por “descida”, baixa-se do “eu
penso” até a constituição do objeto enquanto tal. Este é método que Kant chama de método
transcedental.
Para Kant, é isso o que explica o caráter ambivalente do que
é metafísico em orden ao conhecimento. Por um lado, não alcança as coisas tais
como elas são; mas, por outro, é inevitável, porque da própria estrutura da
experiência dos objetos parte o ímpeto pelo qual temos de forjar para nós uma
Ideia da totalidade de objetos de toda possível experiência. E o polo, o farol
que ilumina, orienta e dirige esse ímpeto, é a Ideia – Ideia do Mundo, da Alma,
de Deus. Em contrapartida, pretender que essas Ideias sejam conceitos aplicáveis
a algo dado, ou seja, pretender que elas sirvam para explicar, para entender como são as coisas em si mesmas, na
medida em que constituem uma totalidade última, e além disso uma totalidade
última causada por uma causa primeira, é a tentativa que só conduziu a
antinomias, cuja raíz última está em considerar a totalidade dos objetos como
se fosse mais um magno objeto, submetido, portanto, às condições de
conhecimento dos objetos que fazem parte dessa totalidade. Certamente, eu posso
pensar que a totalidade dos objetos consiste em ser sistemas de coisas em si,
mas esse pensamento não é conhecimento, no sentido estrito que essa palabra tem
para Kant.
Fonte: Xavier Zubiri, Cinco Lições de Filosofia, É Realizações, São Paulo, 2012.