6 de fevereiro de 2017

A vida após a morte


1. A parábola do homem rico e Lázaro

Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele; e desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado. E no inferno, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro, que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém, Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite. (Lucas 16:19-31).

  • A parábola é sobre o estado intermediário das almas, e não após a Segunda Vinda.
  • A morte -- separação da alma do corpo -- existe na vida humana.
  • Enquanto anjos tomaram Lázaro, demônios tomaram o homem rico. Os Santos Padres falam dos telônios, isto é, de demônios que tentam as almas. Como as almas pecadoras não têm mais o corpo para satisfazerem suas paixões, tornam-se enfurecidas. Portanto, depende das condições da alma se ela será tomada por anjos ou demônios.
  • O nome do homem rico não é mencionado porque ele não é uma pessoa em relação a Deus, já que não possui a graça do Espírito em si. O noûs do homem rico atraiu-se pelo mundo material, por coisas.
  • O seio de Abraão (Deus), atrás do peito, é o coração, o amor, que constitui-se de comunhão e união, isto é, Lázaro está unido a Deus. Lázaro não se importa com o rido porque, vivendo na Luz Incriada, esquece-se do mundo.
  • O fogo no qual o rico queima é a Luz Incriada, a mesma de Lázaro. Mas como ele não morreu curado, arrependido, a Luz é experienciada como uma energia cáustica. O grau de cura ou doença determina se a pessoa recebe a Luz como luz ou fogo. Mas todos verão a Luz. 
  • Os santos ouvem as orações dos pecadores.
  • O abismo é intransponível porque os pecadores veem a Luz como fogo. Eles não têm obras espirituais (cf. a iconografia da Segunda Vinda).
  • O homem carnal é incapaz de se arrepender, não importa o milagre que lhe seja mostrado. Ele não se deixa persuadir pelos santos, e não se deixará pelos milagres.
  • Para ser curado, deve-se ouvir os profetas, isto é, os teólogos e guias espirituais. Quem não se associa a um homem deificado não poderá ser salvo (um possível substituto são os escritos dos profetas, para que aprendamos o que é o Reino dos Céus e como chegar lá).

2. A separação da alma e do corpo

  • Definição de alma. São Gregório de Nissa ensina que a alma é criada, feita por Deus, um ser vivo e noético que, com a ajuda e a energia de Deus, transmite vida ao corpo.
  • Criação da alma. A alma é criada por Deus juntamente com a gênese do corpo, e se revela e se expressa à medida que o corpo cresce.
  • Morte e pecado ancestral. A causa  da morte não é Deus, mas o pecado que o primeiro homem criado cometeu no Paraíso, por livre escolha. Deus permitiu a morte por amor e filantropia, já que dá ao homem a chance de arrepender-se e seguir uma vida espiritual. Portanto, a morte concede ao homem a chance de não morrer para sempre.
  • O mistério da separação da alma e do corpo. A morte é um mistério porque coisas misteriosas ocorrem sem que a razão humana consiga entender. A violência com que o liame alma-corpo é rompido constitui esse mistério, deixando a alma aterrorizada. São Theognostos ensina que a morte é um novo nascimento, sugerindo que, ao mesmo tempo que devemos estar alegres e esperançosos, devemos também estar vigilantes e atentos por causa dos demônios. Enquanto Deus permite que os santos vejam outros santos (visões divinas), os pecadores têm visões demoníacas. Os santos, ainda em vida, reconhecem os falecidos, isto é, eles veem suas almas, uma prova de que a hipóstase (pessoa) não se destrói com a partida da alma.
  • A taxação de almas. A alma do recém-falecido sente a presença de demônios ("demônios alfandegários"). A alma se aterroriza, mas esses demônios não têm autoridade sobre os justos (ver João 14:30).  No Velho Testamento há trechos sobre os telônios aéreos: Salmo 7:1-2, Jeremias 20:9-10. Mas importante: a alma dos que não se arrependeram estará sujeita a ação dos demônios e de suas próprias paixões. Para se livrar disso, o pecador deve confessar ps seus pecados completamente, amar os homens, pensar em Deus e Sua justiça etc. Assim, os anjos que transportam a alma poderão "muni-la" de boas obras, livrando-a dos demônios. Os Santos Padres não cogitam acerca dessas coisas, mas as conhecem por experiência iluminada. São eles que oram para que sejamos livres da "morte súbita". Por causa do liame corpo-alma, há também uma estreita relação entre paixões da alma e do corpo. Quando a alma se separa do corpo, ela não consegue satisfazer suas paixões. Tais paixões insatisfeitas produzem uma dor intolerável. É por isso que os Santos Padres urgem para que nos livremos das paixões nesta vida a fim de que nos atraiamos somente por Deus. Portanto, o importante não são os demônios alfandegários, mas curar a alma das paixões, participando assim da Luz Incriada, tudo isso em vida, para que nossa partida seja alegre e bem-sucedida. A doutrina patrística dos telônios deve ser assim interpretada: (1) a linguagem da Bíblia requer a interpretação ortodoxa adequada, (2) os demônios são pessoas e, portanto, têm liberdade e fazem mau uso da liberdade humana e os dominam, (3) os demônios não têm autoridade sobre os justos e santos, que, portanto, não passarão pelos telônios e (4) os demônios agem por maior das paixões humanas.
  • Estado intermediário. É o estado entre a partida da alma e a Segunda Vinda de Cristo. Não é um estado natural da alma, pois ela vive afastada do corpo. Os justos e pecadores aqui obtêm somente uma prefiguração do Paraíso e do Inferno. São Marcos Eugênico ensina que os justos e pecadores estão "em seus locais apropriados". Há uma distinção entre Paraíso e Reino dos Céus e entre Hades e Inferno (antes e depois da ressurreição dos corpos). Os santos, em princípio, não conseguem nos enxergar e ouvir, porque estão sem seus corpos. Mas, pela graça, como estão unidos a Deus, eles nos ouvem e recebem nossas orações, embora não estejam em seu estado natural. São Nicetas Stethatos ensina que os santos, após a morte, são carregados por anjos "até a luz principal", isto é, até o Deus Trinitário e, depois, para a luz secundária (anjos e justos) que participam da luz principal. Santo André de Creta menciona que até mesmo os santos devem descer ao Hades, a fim de que sejam iniciados na economia divina, isto é, a descida de Cristo ao Hades e Sua vitória sobre o Hades e a morte. Em suma, o estado intermediário é um estado de espera. É por isso que as orações aos mortos são importantes, já que eles mesmos não podem se ajudar. E peçamos também aos santos, já que eles têm grande liberdade junto a Deus, pois estão em Sua Luz Incriada.
  • A morte de bebês. São Gregório de Nissa explica passo-a-passo: (1) Para que na Terra não falte o elemento noético, Deus criou o homem com parte sensível e noética; (2) É o elemento noético o responsável pela comunhão com Deus; (3) A questão da morte das crianças não deve ser avaliada em função da "justiça", mas do estado natural da saúde ou doença da natureza humana. Quando nasce, o homem experimenta iluminação do noûs e, portanto, podem ter oração noética, proporcional à sua idade. As crianças, como os santos, também veem anjos. (4) As crianças podem estar sendo poupadas pela Providência de coisas futuras malignas. Deus remove a crianças do banqueta da vida, sabendo que ela fará mal uso do mundo. (5) Alguns maus não morrem facilmente, cuja razão cabe somente a Deus saber. Alguns benefícios dessas pessoas más podem ser deduzidos.

3. Experiências pós-morte


O Pe. Seraphim Rose identificou 3 traços comuns nas experiências descritas pelo Dr. Moody:


(a) As experiências "extra corporais": a alma sai do corpo, retendo sua consciência, sentindo um grande aconchego, vendo as pessoas ao seu redor, mas sem poder se comunicar com elas.

(b) Encontro com outras pessoas: logo após essa solidão de (a), a alma se encontra com outras pessoas (parentes e amigos mortos).

(c) Os "seres de luz": surge uma luz, que aumenta seu brilho, reconhecendo-se nela uma personalidade particular ("Cristo" ou algum "anjo").

Segundo o Pe. Seraphim, estas coisas também ocorrem na Igreja, mas muita confusão é gerada aí. O "Arcebispo" Lázaro sustenta que essas experiências extra-corporais são estados demoníacos. Ele aponta 3 argumentos:

(a) A experiência espiritual do Reino de Deus não pode ocorrer fora do corpo, porque é nele que se encontra o templo do Espírito Santo.

(b) Quem quer que busque a partida da alma do corpo está apenas projetando sua imaginação e suas emoções no mundo dos espíritos demoníacos, que oferecem suas próprias revelações.

(c) As experiências dos Padres da Igreja são noéticas, ou seja, se encontram nas profundezas de seus seres.

No entanto, as explicações do Pe. Seraphim parecem mais ortodoxas, já que o "Arcebispo" Lázaro usa incorretamente citações de São Gregório Palamás (ele falava de êxtase espiritual, e não de experiências extra-corporais).

Discernimento. Ver I João 4:1: Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo.

Os Santos Padres ensinam que o discernimento pressupõe conhecimento e vida espirituais. São Máximo diz que a recompensa do autocontrole é a abnegação ("dispassion") e a abnegação engendra discriminação. Os Santos Padres analisam as experiências em profundidade, e não apenas superficialmente. No entanto, há um ponto extremo que pode revelar a natureza da experiência: "pelos seus frutos os conhecereis". Se, após essa visão, paz e calma prevalecerem em seu coração, é um indício que vem de Deus, mas se criar comoção (ou orgulho), vem do diabo. Resumo: a vida subsequente da pessoa indica a natureza da visão. Mesmo durante uma visão, os santos viam sua própria vergonha.


4. A imortalidade da alma


A imortalidade de acordo com a filosofia. (a) A alma não é gerada, pois pertence ao mundo das ideias e é, portanto, incriada. (b) A alma tem um valor muitíssimo maior se comparada ao corpo; na verdade, o corpo é mau, pois aprisiona a alma imortal e incriada na matéria, impedindo que retorne ao mundo de onde veio. (c) A filosofia não admite a ressurreição do corpo, pois, por ser material e criado, jamais almejaria o "retorno"; eis porque o Apóstolo Paulo foi ridicularizado quando falou da resurreição dos corpos na Colina de Marte.

A teologia ortodoxa. A alma é criada, mas imortal, não por natureza ou porque teria sido criada antes do corpo, mas pela graça. A teologia ortodoxa também não separa alma e corpo dialeticamente, pois não há dualidade no homem, que é composto de alma+corpo. Os homens não devem, portanto, se preocupar com a sobrevivência da alma após a morte (pois a alma é imortal pela graça, mesmo a dos pecadores), nem com a ressurreição dos corpos (os corpos dos pecadores também ressuscitarão): o importante mesmo é a vida em Cristo após a morte e após a ressurreição dos corpos (só prolongar a vida de nada adianta).


5. O fogo purificador


Em Ferrara-Florença. Os latinos ensinam 3 lugares de destino da alma, os ortodoxos afirmam apenas 2: paraíso e inferno, mas cada um tem muitas "moradas". No inferno estão as  que pecaram imperdoavelmente e os que pecaram moderadamente, sendo para estes as súplicas, litanias, ofícios fúnebres etc. É por Deus, e não pelo purgatório, que esperamos misericórdia. As duas grandes diferenças são: (1) o purgatório é diferente do fogo eterno do inferno e (2) o purgatório leva à visão da essência de Deus, mas como essência=energia, então o fogo purgatório é criado.

São Marcos de Éfeso

(a) Segundo a parábola de Lázaro, não um terceiro lugar, mas, pelo contrário, um "grande abismo". Como a alma não está com o corpo, não faz sentido o purgatório atormentar corporalmente a alma. O purgatório passa a ideia de que não é necessário lutar nesta vida espiritualmente. 

(b) Não há fogo purificador na Bíblia e nos Santos Padres. Quando os latinos citam os Santos Padres, acabam os interpretando incorretamente.

(c) Argumentos teológicos contra o purgatório:

(1) Se a atração pelo divino purifica as pessoas, porque não o faria após a morte purificando os pequenos pecados?

(2) A bondade de Deus não despreza os pequenos bens nem pune os pequenos pecados.

(3) Como há diferentes prazeres para os justos e diferentes punições para os pecadores, não há necessidade de purgatório.

(4) A visão de Deus se dará a todos, mas a visão depende da profundidade da purificação. Os imperfeitos na purificação não precisam, portanto, de purgatório.

(5) São Gregório, o Teólogo: "Não há purificação para além desta morte".

(6) São Gregório, o Teólogo: É melhor buscarmos a purificação aqui porque depois a vida será de "tormentos, e não purificação".

(7) Na parábola de Lázaro não há um terceiro lugar.

(8) A alma sem corpo não pode ser punida corporalmente.

(9)  O Hades não é em forma de fogo e inferno, mas como uma prisão. Após a Segunda Vinda, o inferno começará. Não é necessário, portanto, purgatório aqui e agora.

(10) Os Santos Padres, que foram iniciados por visões, sonhos e maravilhas na vida dos tormentos eternos dos pecadores, como na parábola de Lázaro, nunca jamais mencionaram qualquer purgatório.

(11) O purgatório desencoraja as pessoas a lutarem espiritualmente aqui.

(12) A vontade do homem não pode ser mudada após a morte. Como a integridade da vontade é indispensável para a beatitude, logo o purgatório não poderia contribuir a ela.


6. A Segunda Vinda de Cristo


(a) A vinda do Cristo em glória. A vinda do Cristo é caracterizado como um "dia", um "dia de julgamento". (Cf. 2 Pe 3:10, 1 Cor 1:8, 1 Cor 3:13, 1 Jo 4:17). O dia tem a ver com o sol. Cristo é o Sol da Justiça. Mas esse dia é desconhecido (Mc 13:32). Cristo afirma não saber quando virá, mas Ele disse isso enquanto natureza humana. Por ser uma Pessoa da Trindade, Cristo sabe quando virá. Mas há sinais (Mt 24) que, no entanto, são muito difíceis de detectar: é necessário ser iluminado e ter recebido uma revelação para saber com mais precisão. Assim como a luz das estrelas se extingue com a luz do sol, todas as coisas visíveis darão lugar para o Criador do céu e da terra. Em essência, o julgamento se dá nesta vida; a pessoa que vê a luz está batizada com o Espírito Santo e não leva em conta o dia do julgamento pois, por sua associação com Deus, ele é integralmente um brilhante e radiante dia. Portanto, a Segunda Vinda aparecerá somente aos pecadores, que vivem em paixões e não seguem os mandamentos.

(b) A ressurreição dos mortos. (Cf. Is 27:19, Ez 37:1-14, Jo 11:22-23). As 3 ressurreições engendrados por Cristo são uma prefiguração à ressurreição dos mortos na Segunda Vinda (Cf. Jo 5:28, Jo 11:25, Rom 8:23, 1 Tm 4:15-16, Lc 20:35-36, Fp 3:21, 1  Cor 12-16, 1 Cor 15:35-41, 1 Cor 15:43-44).( Os corpos ressurretos serão incorruptíveis, sem necessidade de alimento, repouso ou sono. Cada pessoa receberá a graça de acordo com sua capacidade; assim todos adquirirão a idade de uma pessoa madura (idade do Cristo) aproximadamente 30 anos.

Há gente que ridiculariza a ressurreição dos mortos, mas acha normal a formação de um embrião. Ambos são possíveis porque ambos foram criados pelo mesmo Deus.

O sono é um indício ou símbolo do mistério da ressurreição dos mortos (sono=morte, estar acordado=ressurreição). O sono é o "irmão da morte".

Cremar o corpo não é aceito pela Igreja, pois dá a entender que o corpo é a prisão da alma, e deve ser queimado para liberá-la.

(c) O julgamento futuro. Cristo é o protótipo do homem; é Ele, portanto, que nos julgará. 2 Cor 6:2 significa que haverá uma comparação dos santos com pecadores. Mt 22:1-14: A veste nupcial são as virtudes, mas são os frutos do Espírito Santo, e não as virtudes humanas superficiais. Os pés e as mãos amarradas são as restrições que o pecado impõe ainda nesta vida. As terras exteriores são o fogo incriado que lhe queimará após, no inferno. Mt 25:31-46): É a caridade o critério de seleção? (a) quem faz caridade é justo, gentil e anda nos caminhos das virtudes. (b) o amor pela humanidade é a virtude que está no topo de todas as virtudes. (c) quem faz caridade tem, por característica, a humildade. São Simeão diz que Cristo estará faminto por sua salvação, mas ele não Lhe dará ouvidos; Ele  foi preso no seu coração, mas ele não quis visitá-Lo. Mt 25:1-13: A virgindade refere-se à "virgindade" da alma: asceticismo, autocontrole, batalha nas virtudes. As mãos são a vida difusa da alma: arrependimento. As lâmpadas acesas são o noûs iluminado. O óleo em grande quantidade é o amor, a maior de todas as virtudes.

Portanto, o julgamento não será um processo legal, mas a revelação de Cristo da condição espiritual interior dos homens. Quem não pecou, mas também não recebeu o Espírito Santo, não terá a vida eterna. A visão da Luz incriada não é, portanto, um luxo, mas a essência e o propósito da vida.

7. Paraíso e Inferno

(a) As Sagradas Escrituras sobre o Paraíso e o Inferno 
  • (Lc 23:42) Reino de Deus e Paraíso são a mesma coisa.
  • (2 Cor 12:3-4). Os 3 céus, segundo São Máximo, são filosofia prática, theoria natural e teologia mística e, desta, o Apóstolo Paulo foi levado ao Paraíso.
  • (Ap 2:7). André de Cesareia diz que a "árvore da vida" é uma referência perifrástica à vida eterna.
  • Inferno: Mt 25:46 e 1 Jo 4:18.

(b) Os Santos Padres sobre Paraíso e Inferno

Paraíso e Inferno não existem segundo o ponto de vista de Deus, mas do homem. Ou seja, Deus é Paraíso para os santos e Inferno para os pecadores; Deus nunca se opõe aos homens, mas os homens é que se opõem a Deus. Santo Isaque, o Sírio, ensina que Paraíso é o amor de Deus, isto é, a energia incriada divina. Portanto, o Inferno é o tormento do amor de Deus; seria absurdo dizer que o Inferno é a ausência de Deus. São Teofilacto: o sol derrete a cera, mas endurece a argila. O fogo tem dois poderes: cáustico e iluminador.

(c) Paraíso e Inferno na vida da Igreja

A comunhão também atua de acordo com a condição espiritual de cada um: se a pessoa é impura, o queima, se está lutando para ser purificado ou está deificado, então o ajuda.

A iconografia da Segunda Vinda mostra que a luz em torno dos santos vem do trono de Deus, e do mesmo trono vem o rio de fogo que queima os pecadores.

8. A restauração de todas as coisas

A teoria da restauração de todas as coisas (palingênese) implica que não há Inferno eterno.

(a) Filosofia e teologia antigas. Orígenes ensinava (séc. III) que as almas em geral precisavam de mais tempo para se purificarem, reencarnando sucessivamente (reciclagem de almas).

Em Atos 3:19-21 aparece a expressão "restauração de todas as coisas", mas deve ser entendido como a renovação da criação quando da Segunda Vinda.

(b) Os intérpretes sobre São Gregório. Não concorda em tudo com Orígenes e, segundo o autor, nem com a restauração de todas as coisas.

(c) Comentários do autor. São Gregório forneceu a forma final do credo sobre o Espírito Santo. Como pode uma teoria rejeitada nos sínodos que participou ser defendida por ele? Ele é o "Padre dos Padres". Sobre a filosofia, São Gregório vê na vida de Moisés um símbolo: a cesta é a educação nas diversas disciplinas que, apesar de não deixá-la afundar, acaba nas margens, a filha do faraó estéril é a filosofia profana. Mas quando subiu a montanha, Moisés se sentiu envergonhado por ser filho de uma mulher estéril. É a vergonha daqueles que atingem a visão de Deus e foram anteriormente chamados de filhos da filosofia. Portanto, São Gregório critica a filosofia, afirma que há algo de estéril e incircuncidado nela. Mesmo que se ocupe com Deus e, portanto, tenha certa piedade, ela é um tanto carnal. Ora, São Gregório não era um filósofo, nem se deixou enredar por filosofias, pois era um santo deificado, além de intelectualmente dotado. Alguns intérpretes entenderam errado São Gregório, que ensinava que, de fato, os deificados serão sucessivamente purificados, incessantemente. Mas isso não vale para aqueles que não se arrependeram. A restauração dos punidos é apenas o despir das vestes da pele da decadência e da mortalidade, a qual os pecadores também passarão. Os santos são entendidos pelos santos. São Marcos de Éfeso explicou que tanto São Gregório quanto São Máximo entendiam o "fogo purificador" como sendo o fogo eterno e a punição eterna. São Máximo acha que São Gregório exagerou ao enfatizar a restauração dos poderes da alma. Isso não é um "erro" propriamente dito. O que São Gregório quis dizer é que os pecadores também adquirirão o conhecimento das coisas boas e se conscientizarão que Deus não é o culpado pelo mal, embora não tenham participação em Deus.

9. Vida eterna

O desenvolvimento no século futuro

(1) O homem foi formado à imagem e semalhança de Deus, sendo que "semelhança" indica movimento em direção a Deus.

(2) O criado move-se em direção ao Incriado, mas nunca o atinge, pois jamais se tornará incriado por natureza.

São Máximo, em oposição a Orígenes, cunhou a expressão "fixidez que sempre se move" e "movimento estacionário".

Orígenes = movimento/devir/fixidez

São Máximo = devir (criação do mundo)/movimento (depois Deus introduziu o movimento-ascese)/fixidez (sempre em movimento)

10. Escatologia diacrônica

  • Na concepção ortodoxa do tempo, vivemos a unidade do passado, presente e futuro, pois nos santos o passado e o futuro são vividos como presente. É por isso que, na Igreja, falamos em escatologia diacrônica (escatologia = últimos dias). 
  • São Gregório Palamás identifica na Bíblia três maneiras nas quais o Reino de Deus se explica: o Reino de Deus está vindo (arrependam-se), o Reino de Deus veio (e está dentro de nós(Lc 17:21)) e o Reino de Deus virá (em sua glória e plenitude). O Reino de Deus é, assim, o próprio Cristo e a graça incriada.
  • O Velho Testamento está cheio de visões de Deus, por deificações. Portanto, havia, sim, deificados no Velho Testamento.
  • Todas as aparições de Deus no Velho Testamento eram o Verbo, e não o Pai, e era pelo Verbo que os profetas tinham comunhão com o Pai. Ver hinos da Igreja e 1 Cor 10:1-4 e Jo 6:31-41.
  • Mesmo assim, como a morte ainda não havia sido abolida, foram levados ao Hades, de onde Cristo os libertou.
  • O Apóstolo Paulo atingiu o terceiro céu: (1º) purificação do coração, (2º) iluminação do noûs e (3º) theosis.
  • 1 Cor 13:12: "conhecer em parte" é a iluminação, o conhecimento parcial, que é a oração noética.


Epílogo

Há duas maneiras de lembrar a morte:

(1) racional = nos leva ao desapego das coisas materiais.

(2) existencial/carismático = fruto da experiência de Deus, um dom espiritual, que nos leva à oração fervorosa, ao esforço ascético intenso.

Fonte: Metropolitan Hierotheos Nafpaktos,  Life After Death, Birth of the Theotokos Monastery, 1996, Levadia, Grécia. anotações pessoais.