Há uma opinião que tem ganhado cada vez mais fama e que é
extremamente plausível. Diz-se que místicos das mais diversas origens religiosas deparam-se com as mesmas coisas. Tais coisas têm pouco ou nada a ver
com as doutrinas professadas por suas respectivas religiões – Cristianismo,
Hinduísmo, Budismo, Neoplatonismo etc. Portanto, segue o argumento, o
misticismo, por evidência empírica, é o único contato real que o homem já teve
com o invisível. O fato dos exploradores concordarem em seus relatos é prova de
que todos estiveram em contato com algo objetivo. É portanto a religião única e
verdadeira. O que chamamos de “religião” nada mais é do que ilusões ou, na
melhor das hipóteses, os diversos pórticos através das quais se pode adentrar à realidade transcendente.
Bem, tenho sérias dúvidas quanto a essas premissas. Teriam Plotino,
Juliana de Norwich e São João da
Cruz realmente deparado-se com “as mesmas coisas”? Mesmo que admitamos alguma
similaridade. O que é comum a todos os misticismos é a interrupção temporária
da consciência ordinária espaço-temporal e da razão discursiva. O valor da
experiência negativa deve depender da natureza da positiva, seja ela qual for,
a qual engendrou. Ora, mas a experiência negativa não deveria mesmo ser sentida sempre da mesma forma? Se os
copos de vinho tivessem consciência suponho que estar vazio seria a mesma experiência a todos, mesmo que alguns já
estivessem vazios, alguns cheios de veneno e outros quebrados no chão. Todo
mundo que parte em uma viagem pelo mar vai “deparar-se com as mesmas coisas” –
a terra sumindo no horizonte, o rastro de água atrás da embarcação, a brisa com
aroma salgado. Turistas, comerciantes, pescadores, piratas, missionários –
todos passam por isso. Mas essa experiência idêntica não confere absolutamente
nada à utilidade, à legitimidade ou à finalidade de suas jornadas. A utilidade,
a legitimidade e a finalidade da jornada mística em nada dependem do fato de
ser mística – ou seja, do fato de ser uma partida --, mas dos motivos, técnicas
e experiências do viajante, e da graça de Deus. Partidas são sempre iguais; é a
chegada ao destino que coroa o viajante. O santo, por ser santo, prova que seu
misticismo (se ele for místico; nem todos os santos o são) o levou ao destino
certo; o fato de ter praticado o misticismo em nada prova sua santidade.
* * *
A nossa dificuldade em rezar é em boa parte explicada pelos
pecados, conforme qualquer bom professor dirá; pela inevitável imersão nas
coisas do mundo, pelo desprezo à disciplina mental. E pelo pior tipo de “temor
a Deus”. Intimidamo-nos ante a perspectiva de um contato íntimo, pois tememos
as exigências que nos serão impostas. Como dizia um velho escritor, tem muito
cristão por aí que reza baixinho “para que Deus não o ouça, coisa que, coitado,
não era mesmo sua intenção”. Mas os pecados – os pecados individuais e reais–
talvez não sejam a única causa do fracasso na oração.
Pela própria constituição que a mente humana hoje possui –
não importa como era quando Deus a concebeu – é difícil concentrar-se em algo
que não é nem sensível (como batatas) nem abstrato (como números). Aquilo que é
concreto mas imaterial só pode ser mentalmente concebido com muita dificuldade.
(p. 114).
Fonte: C. S. Lewis, Letters to
Malcolm, Harcourt, Inc., 1963, Orlando, EUA.