22 de junho de 2010

O simbolismo do análavos


O άνάλαβος [análavos] é o vestuário utilizado exclusivamente pelos monges e monjas tonsurados no mais alto grau do monasticismo cristão ortodoxo, que é o μεγάλο σχήμα [megalosquema], sendo ricamente adornado com os símbolos da Paixão do Cristo. A palavra “análavos” origina-se da palavra grega αναλαμβάνω [tomar, assumir], cujo objetivo é lembrar a quem utiliza tal vestuário para que “tome cada dia a sua cruz” (Lucas 9:23). As cruzes que adornam e cobrem o análavos são chamadas de polystavrion (πολυσταύριον, de πολύς, “muitas” e σταυρός, “cruz”), o que faz o monge se lembrar de que ele está “crucificado com Cristo” (Gálatas 2:20). Algumas pessoas chamam o análavos de polystavrion, embora seja uma prática um tanto imprecisa.

Analisemos as imagens retratadas no análavos. O galo representa o “o galo [que] cantou” (Mateus 26:69; Marcos 14:68; Lucas 22:60; João 18:27) após São Pedro ter “negado três vezes” (João 13:38) o Cristo que lamentara sobre Jerusalém: “Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Mateus 23:37).

A pilastra representa a coluna a qual Pilatos atou e "açoitou" (Marcos 15:15) o Cristo, por cujas “pisaduras fomos sarados” (Isaías 53:5; I Pedro 2:22).

A coroa que orna a cruz representa a “coroa de espinhos” (Mateus 27:29; Marcos 15:17; João 19:25) que “os soldados teceram” (João 19:2) e “puseram-lha na cabeça” (Mateus 27:29) do “Deus nosso Rei desde a antiguidade” (Salmo 73:12), que é o Cristo que libertou o homem de ter de pelejar contra “espinhos...e cardos...no suor do... [seu]... rosto” (Gênesis 3:18-19).

A trave vertical e a trave horizontal representam os suportes e o patíbulo que formam “a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gálatas 6:14), da qual “todo o dia...[Ele] estendeu... [Suas] mãos a um povo rebelde e contradizente” (Isaías 65:2; Romanos 10:21).

As quatro estacas localizadas no centro da Cruz e o martelo abaixo da base da Cruz representam os “cravos” (João 20:25) e o martelo com o qual “eles traspassaram” (Salmo 21:16; João 19:37) “Suas mãos e Seus pés” (Lucas 24:40), quando eles “levantaram da terra” (João 12:32) o Cristo que “riscou a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária... cravando-a na Sua Cruz” (Colossenses 2:14).

A base sobre a qual a Cruz se sustenta representa “o lugar chamado Calvário [a Caveira]” (Lucas 23:33) ou “Gólgota, que se diz o Lugar da Caveira” (Mateus 27:33) “onde crucificaram” (João 19:18) o Cristo que “operou a salvação no meio da terra” (Salmo 73:13).

A caveira e os ossos cruzados representam “o primeiro homem Adão” (I Coríntios 15:45), o qual, segundo a tradição, “tornou à terra” (Gênesis 3:19) neste mesmo lugar, razão pela qual este local de execução, “cheios de ossos de mortos” (Mateus 23:27), tornou-se o local onde “o último Adão foi feito em espírito vivificante” (I Coríntios 15:45).

A placa no topo da Cruz representa o “título” (João 19:19-20), na qual “estava escrita a Sua acusação” (Marcos 15:26) que “Pilatos escreveu” (João 19:19) “por cima de Sua cabeça” (Mateus 27:37); porém, ao invés de “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus” (João 19:19), o qual “estava escrito em letras gregas, romanas e hebraicas” (Lucas 23:38) – as três línguas são uma alusão às Três Hipóstases “do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28:19) –, o título do análavos contém a inscrição “O Rei da Glória” (Salmo 23:7-10), “porque, se conhecessem [a sabedoria de Deus], nunca crucificariam ao Senhor da glória” (I Coríntios 2:8).

A cana representa o “hissope” (João 19:29) no qual colocou-se “uma esponja embebida em vinagre” (Marcos 15:36) e que “lhe chegaram à boca” (João 19:29), quando em Sua “sede deram [a Ele] a beber vinagre” (Salmo 68:21), o mesmo Cristo do qual “todos...se maravilhavam das palavras de graça que saíam da Sua boca” (Lucas 4:22).

A flecha representa a “lança [que] lhe furou o lado”; “e logo saiu sangue e água” (João 19:34) do Cristo que “tomou uma das costelas [de Adão], e cerrou a carne em seu lugar” (Gênesis 2:21) e que “em Seu sangue nos lavou dos nossos pecados” (Apocalipse 1:5).

A pequena trave na parte inferior da Cruz representa o suporte dos pés do Cristo, “o escabelo de Seus pés” (Salmo 98:5). A trave está inclinada porque, segundo a tradição, no momento em que “Jesus, dando um grande brado, expirou” (Marcos 15:37), Ele permitiu que esse espasmo mortal e violento convulsionasse Suas pernas, deslocando o escabelo de tal forma que uma das pontas ficasse voltada para cima, indicando que a alma do ladrão penitente, São Dimas, o que estava “à sua direita” (Marcos 15:27), seria “elevada ao céu” (Lucas 24:51), enquanto a outra ponta ficasse voltada para baixo, indicando que a alma do ladrão impenitente, Gestas, “à sua esquerda” (Marcos 15:27) seria “abatida até o hades” (Lucas 10:15), mostrando a nós todos que os “maus e bons...os justos e injustos” (Mateus 5:45) “são pesados na balança” (Eclesiástico 21:25) da Cruz do Cristo.

A escada e a pinça que se encontra abaixo da base da Cruz representam os meios de deposição pelos quais São José de Arimatéia, o “homem rico” (Mateus 27:57) que “pediu o corpo de Jesus” (Mateus 27:58; Lucas 23:52), “o tirou” (Lucas 23:53), pois assim como em corpo Ele desceu da Cruz, assim também em alma “tinha descido às partes mais baixas da terra” (Efésios 4:9), “no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão” (I Pedro 3:17).

Por meio de todos estes instrumentos, “a Cruz do Cristo” (I Coríntios 1:17; Gálatas 6:12; Filipenses 3:18) tornou-se a “Árvore da Vida” (Gênesis 2:9; 3:22, 24; Provérbios 3:18; 11:30; 13:12; 15:4; Apocalipse 2:7; 22:2, 14), pela qual o Senhor Jesus concretizou Suas palavras de que “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em Mim, nunca morrerá”. (João 11:25-26).


As letras gregas que se encontram por quase todo o análavos são abreviaturas de frases que exaltam a Cruz como “o poder de Deus” (I Coríntios 1:18). De cima para baixo, eis o que significam algumas expressões:

ΟΒΤΔ – Ό Βασιλεύς της Δόξης – O Rei da Glória

ΙC XC NIKΑ – Ιησούς Χριστός νικά – Jesus Cristo vence

ΤΤΔΦ – Τετιμημένον τρόπαιον δαιμόνων φρίκη – Honorável Troféu, o temor dos demônios

ΡΡΔΡ – Ρητορικοτέρα ρητόρων δακρύων ροή – Torrente de lágrimas mais eloqüente do que orações

ΧΧΧΧ – Χριστός Χριστιανοίς Χαρίζει Χάριν – Cristo concede a graça aos cristãos

ξΓΘΗ – Ξύλου γεύσις θάνατον ηγαγεν – A experimentação do madeiro engendrada pela morte

CξζE – Σταυρού Ξύλω ζωήν εύρομεν – Através da Árvore da Cruz encontramos a vida

EEEE – Ελένης εύρημα εύρηκεν Εδέμ – A descoberta de Helena revelou o Éden

ΦΧΦΠ – Φως Χριστού φαίνοι πάσι – A luz do Cristo brilha a todos

ΘΘΘΘ – Θεού Θέα Θείον Θαύμα – Visão de Deus, maravilha divina

ΤCΔΦ – Τύπον Σταυρού δαίμονες φρίττουσιν – Os demônios temem o sinal da Cruz

ΑΔΑΜ – Αδάμ – Adão

ΤΚΠΓ – Τόπος Κρανίου Παράδεισος γέγονε – O lugar da caveira tornou-se o Paraíso

ξζ – Ξύλον Ζωής – Árvore da Vida

O análavos possui outros itens e abreviaturas, mas as imagens acima descritas bastam para demonstrar que este santo vestuário proclama em silêncio “o Logos da Cruz” (I Coríntios 1:18) através de seu simbolismo místico, declarando àqueles que o portam: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gálatas 6:14).

Fonte: Hieromonge Gregório, Mosteiro de São Gregório Palamás