Nota editorial da versão inglesa. O homem sempre foi fascinado pelas últimas coisas – vida, morte, origem do mundo – mas as descobertas dos diversos campos do conhecimento o têm deixado confiante de que, cedo ou tarde, esses mistérios serão explicados pelo poder do intelecto. Esse orgulho mental, porém, somente acabará por afastar o homem da verdade, a qual, de acordo com a doutrina ortodoxa, é o objetivo e o fundamento de todo o verdadeiro conhecimento. Mas como esse conhecimento é adquirido? Apresentamos aqui uma pequena parte de um longo ensaio do renomado teólogo sérvio de abençoada memória, o Arquimandrita Justino Popovich (+1979), no qual ele analisa os textos de Santo Isaque, o Sírio, sobre a teologia ortodoxa do conhecimento. Em suma, ele explica que o entendimento humano obscureceu-se em função do pecado, aliando-se ao mal, e por causa disso o homem tornou-se incapaz de apreender o verdadeiro conhecimento. O homem só conseguirá apreender esse conhecimento quando sua alma (o trono do entendimento) estiver curada. Isso só será possível mediante as virtudes, sendo que a virtude primordial deste processo de cura é a fé. “Por meio da fé, a mente, que se encontra dispersa em meio às paixões, é concentrada, libertada da sensualidade e enriquecida com paz e humildade de pensamento... É pela ascese da fé que o homem derrota o egoísmo, supera os limites do ego e entra em uma nova e transcendente realidade, a qual também transcende a subjetividade”. Em seções separadas, o Pe. Justino versa sobre oração, humildade, amor e graça, que são requisitos aliados à fé, antes de levar o leitor ao “Mistério do Conhecimento”, que republicamos abaixo com pequenas abreviações.
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De acordo com os ensinamentos de Santo Isaque, o Sírio, há dois tipos de conhecimento: o que precede a fé e o que nasce da fé. O primeiro é o conhecimento natural e engloba o conhecimento do bem e do mal. O segundo é o conhecimento espiritual e é “a percepção dos mistérios”, “a percepção do que está oculto”, “a contemplação do invisível”.
Há também duas fés: a primeira vem do ouvido e é confirmada e provada pela segunda, “a fé da contemplação”, “a fé que é baseada no que foi visto”. Para se adquirir conhecimento espiritual, o homem deve primeiramente libertar-se do conhecimento natural. Isso é tarefa para a fé. É pela ascese da fé que advém no homem o “poder desconhecido” que o torna capaz de conhecimento espiritual. Se o homem permite se enredar na teia do conhecimento natural, lhe será mais difícil libertar-se dela do que de correntes de ferro, e sua vida será vivida “contra o gume de uma espada”.
Quando o homem começa a trilhar o caminho da fé, ele deve lançar fora, de uma vez por todas, seus velhos métodos de conhecimento, pois a fé possui seus próprios métodos. O conhecimento natural cessa enquanto o conhecimento espiritual toma seu lugar. O conhecimento natural é contrário à fé, pois a fé, e tudo o que dela advém, é “a destruição das leis do conhecimento”, isto é, do conhecimento natural.
A principal característica do conhecimento natural é a sua típica abordagem via experimentação e exame. Isto é, em si, “um sinal de incerteza sobre a verdade”. A fé, pelo contrário, segue um caminho puro e simples de pensamento, que está muito distante dos exames metódicos e dos estratagemas do pensamento. Esses dois caminhos levam a direções opostas. O lar da fé é o “pensamento pueril e a simplicidade de coração”, pois está escrito: Glorificai a Deus em simplicidade de coração (cf. Colossenses 3:22) e Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no Reino dos Céus (Mateus 18:3). O conhecimento natural se opõe tanto à simplicidade de coração quanto à simplicidade de pensamento. Esse conhecimento opera somente nos limites da natureza, “mas a fé possui seus próprios caminhos para além da natureza”.
Quanto mais o homem se dedicar aos caminhos do conhecimento natural, tanto mais será vítima do temor e tanto menos conseguirá se libertar dele. Mas se seguir a fé, ele imediatamente será libertado e “enquanto filho de Deus, terá poder sobre todas as coisas”. “O homem que ama essa fé age como Deus no uso das coisas criadas”, pois é dado o poder à fé “de ser como Deus para fazer uma nova criação”. Por isso está escrito: Tu quisestes, e todas as coisas são apresentadas diante de ti (cf. Jô 23:13). A fé frequentemente “engendra todas as coisas do nada”, enquanto o conhecimento não consegue fazer nada “sem a ajuda da matéria”. O conhecimento não tem poder sobre a natureza, mas a fé tem. Armado da fé, o homem adentra o incêndio e apaga as chamas, permanecendo intocado por elas. Outros ainda andaram sobre as águas como que sobre terra firme. Todas estas coisas estão “para além da natureza”; elas vão de encontro aos modos do conhecimento natural e revelam a futilidade de tais modos. A fé “move-se acima da natureza”. Os caminhos do conhecimento natural governaram o mundo por mais de cinco mil anos, e o homem era incapaz de “erguer seus olhos da terra e entender o poder de seu Criador” até que “nossa fé surgisse e nos libertasse das sombras das obras deste mundo” e da mente fragmentada. Aquele que tem fé “não lhe faltará nada”; quando nada possuir, “possuirá todas as coisas pela fé”, conforme está escrito: Tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis (Mateus 21:22) e Perto está o Senhor. Não estejais inquietos por coisa alguma (Filipenses 4:6)
As leis naturais inexistem para a fé. Santo Isaque é bem enfático nesse ponto: Tudo é possível ao que crê (Marcos 9:23), pois com Deus nada é impossível... Ultrapassar os limites da natureza e entrar no reino do supernatural é considerado como algo contrário à natureza, irracional e impossível... Apesar disso, o conhecimento natural, de acordo com Santo Isaque, não é necessariamente falho. Ele não deve ser rejeitado. Ocorre que a fé é superior a ele. Esse conhecimento só deve ser condenado na medida em que se voltar contra a fé. Mas quando esse conhecimento “se junta à fé, tornando-se una com ela, vestindo-se em seus pensamentos inflamados”, quando ele “adquire as asas da ausência das paixões”, então, fazendo uso de outros meios que não os naturais, ele se eleva da terra “para o reino de seu Criador”, para o supernatural. Esse conhecimento é, então, preenchido pela fé e recebe o poder para “elevar-se às alturas”, para perceber aquilo que está além de toda percepção e para “ver o brilho que é incompreensível à mente e ao conhecimento dos seres criados”. O conhecimento é o nível a partir do qual o homem se eleva até as alturas da fé. Quando atinge essas alturas, ele não mais necessitará do conhecimento, pois está escrito: Em parte conhecemos, mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado (I Coríntios 13:9-10). A fé revela-nos a verdade da perfeição, como se estive diante de nossos olhos. É pela fé que aprendemos o que está além do nosso alcance – pela fé e não pela investigação e pelo poder do conhecimento.
Há três modos espirituais nos quais o conhecimento ascende e descende, e pelos quais ele se move e se altera. São eles: o corpo, a alma e o espírito... Em seu nível inferior, o conhecimento “segue os desejos da carne”, preocupando-se com riquezas, futilidades, vestimentas, confortos e sabedoria racional. Esse conhecimento inventa as artes e as ciências e tudo o que adorna o corpo neste mundo visível. Tal conhecimento é contrário à fé. Ele é conhecido como “mero conhecimento, pois está despido de qualquer pensamento sobre o divino e, por causa de seu caráter carnal, confere à mente uma fraqueza irracional, pois a mente é superada pelo corpo e por suas preocupações pelas coisas deste mundo”. Ela se incha de orgulho, pois considera que toda boa obra é sua, e não de Deus. A famosa frase do Apóstolo - O conhecimento incha (I Coríntios 8:1) - refere-se obviamente a este conhecimento, o qual não está ligado à fé e à esperança em Deus, nem ao verdadeiro conhecimento. O conhecimento verdadeiro e espiritual, aliado à humildade, confere perfeição de alma àqueles que o adquiriram, a exemplo de Moisés, David, Isaías, Pedro e Paulo e todos os que, nos limites da natureza humana, foram dignos deste conhecimento perfeito. “Neles, o conhecimento estava sempre imerso em reflexões estranhas a este mundo, em revelações divinas e contemplações sublimes das coisas espirituais e mistérios inefáveis. Do seu ponto de vista, suas próprias almas não passam de cinzas e pó”. O conhecimento que vem da carne é criticado pelos cristãos, os quais o encaram como estando em oposição não somente à fé mas a toda obra virtuosa.
Não é difícil perceber que praticamente toda a filosofia européia, do realismo ao idealismo, e toda a ciência, do atomismo de Demócrito à relatividade de Einstein, estão enquadrados neste primeiro grau de conhecimento inferior do qual versou Santo Isaque.
O homem ascende do primeiro ao segundo grau de conhecimento quando começa a praticar as virtudes do corpo e da alma: jejum, oração, caridade, leituras das Sagradas Escrituras, luta contra as paixões etc. Toda boa obra, toda boa disposição da alma neste segundo grau de conhecimento, é despertada e desempenhada pelo Espírito Santo. O coração é apresentado aos caminhos que levam à fé, embora este conhecimento permaneça “corporal e composto”.
O terceiro grau de conhecimento é o da perfeição, “quando o conhecimento eleva-se acima da terra e das preocupações mundanas e começa a examinar seu próprio interior e seus pensamentos ocultos, ignorando aqueles em que as paixões são engendradas, e seguindo o caminho da fé em interesse pela vida ‘futura’”.
É muito difícil, senão impossível, expressar em palavras o mistério e a natureza do conhecimento. No âmbito do pensamento humano não há uma definição pronta que possa explicá-los completamente. Santo Isaque fornece muitas e diferentes definições de conhecimento. Ele continuamente se exercita nessa matéria, e o problema permanece impávido diante dos olhos deste santo asceta. O santo apresenta respostas a partir de sua rica e abençoada experiência, conquistada por uma longa e dura ascese. Mas a mais profunda e, em minha opinião, a mais exaustiva resposta que o homem pode fornecer a essa pergunta foi dada por Santo Isaque na forma de diálogo: “Pergunta: O que é o conhecimento? Resposta: A percepção da vida eterna. Pergunta: E o que é vida eterna? Resposta: É perceber todas as coisas em Deus. Pois o amor vem por meio do entendimento, e o conhecimento de Deus é soberano sobre todos os desejos. Todo deleite que existe na terra é supérfluo ao coração que recebe esse conhecimento, pois não há nada que se compare com o deleite do conhecimento de Deus”.
O conhecimento é, portanto, a vitória sobre a morte, a união desta vida com a vida imortal e a união do homem com Deus. O próprio ato de conhecimento resvala no imortal, pois é pelo conhecimento que o homem ultrapassa os limites do sujeito e entra no âmbito do trans-sujeito. E quando o objeto trans-sujeito é Deus, então o mistério do conhecimento torna-se o mistério dos mistérios e o enigma dos enigmas. Tal conhecimento é uma trama mística cosida na tecelagem da alma pelo homem que está unido com Deus.
O problema vital do conhecimento humano é o da verdade. O conhecimento carrega em si um ímpeto irresistível ao mistério infinito, e essa sede da verdade, que é instintiva ao conhecimento humano, jamais será satisfeita até que a Verdade absoluta e eterna se torne a substância do conhecimento humano, até que o conhecimento, em autopercepção, adquira a percepção de Deus e, em autoconhecimento, conheça a Deus. Mas isto é concedido ao homem somente pelo Cristo, o Deus-Homem, aquele que é a única encarnação e personificação da verdade eterna no mundo das realidades humanas. Quando o homem recebe o Deus-Homem em si, enquanto alma de sua alma e vida de sua vida, então esse homem será constantemente preenchido com o conhecimento da verdade eterna.
O homem restaura e transforma seus órgãos de conhecimento através da prática das virtudes, que advêm da percepção e do conhecimento da verdade. Para esse homem, fé e conhecimento, e tudo a eles relacionado, são um todo orgânico e indivisível. Eles preenchem e são preenchidos mutuamente, e cada um confirma e apóia o outro. “A luz mental engendra a fé”, diz Santo Isaque, “e a fé engendra a consolação da esperança, enquanto a esperança fortalece o coração”. Fé é a iluminação do entendimento. A fé banha de luz o conhecimento, liberta o homem do orgulho e da dúvida, e é conhecida como “o conhecimento e a manifestação da verdade”.
O conhecimento santo advém de uma vida santa, mas o orgulho obscurece o conhecimento santo. A luz da verdade aumenta e diminui conforme o modo de vida do homem. Terríveis tentações recaem sobre aqueles que buscam viver uma vida espiritual. O asceta deve, portanto, passar por enormes sofrimentos e infelicidades para alcançar o conhecimento da verdade.
Vida perturbada e pensamentos caóticos são frutos de uma vida desordenada, o que acaba obscurecendo a alma. Quando as paixões são apagadas da alma, com a ajuda das virtudes, quando “a cortina das paixões é retirada da frente dos olhos da mente”, então o intelecto consegue perceber a glória do outro mundo. A alma cresce por meio das virtudes, a mente é confirmada na verdade e torna-se inabalável, “equipada para encontrar e destruir qualquer paixão”. A liberdade das paixões advém da crucificação do intelecto e da carne. É então que o homem se torna capaz de contemplar a Deus. O intelecto é crucificado quando os pensamentos impuros são apagados, e o corpo é crucificado quando as paixões são arrancadas. “O corpo que se entrega aos prazeres é incapaz de ser a morada do conhecimento de Deus”.
O verdadeiro conhecimento, “a revelação dos mistérios”, é atingido por meio das virtudes. Ele é “o conhecimento que salva”.
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De acordo com os ensinamentos de Santo Isaque, o Sírio, há dois tipos de conhecimento: o que precede a fé e o que nasce da fé. O primeiro é o conhecimento natural e engloba o conhecimento do bem e do mal. O segundo é o conhecimento espiritual e é “a percepção dos mistérios”, “a percepção do que está oculto”, “a contemplação do invisível”.
Há também duas fés: a primeira vem do ouvido e é confirmada e provada pela segunda, “a fé da contemplação”, “a fé que é baseada no que foi visto”. Para se adquirir conhecimento espiritual, o homem deve primeiramente libertar-se do conhecimento natural. Isso é tarefa para a fé. É pela ascese da fé que advém no homem o “poder desconhecido” que o torna capaz de conhecimento espiritual. Se o homem permite se enredar na teia do conhecimento natural, lhe será mais difícil libertar-se dela do que de correntes de ferro, e sua vida será vivida “contra o gume de uma espada”.
Quando o homem começa a trilhar o caminho da fé, ele deve lançar fora, de uma vez por todas, seus velhos métodos de conhecimento, pois a fé possui seus próprios métodos. O conhecimento natural cessa enquanto o conhecimento espiritual toma seu lugar. O conhecimento natural é contrário à fé, pois a fé, e tudo o que dela advém, é “a destruição das leis do conhecimento”, isto é, do conhecimento natural.
A principal característica do conhecimento natural é a sua típica abordagem via experimentação e exame. Isto é, em si, “um sinal de incerteza sobre a verdade”. A fé, pelo contrário, segue um caminho puro e simples de pensamento, que está muito distante dos exames metódicos e dos estratagemas do pensamento. Esses dois caminhos levam a direções opostas. O lar da fé é o “pensamento pueril e a simplicidade de coração”, pois está escrito: Glorificai a Deus em simplicidade de coração (cf. Colossenses 3:22) e Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no Reino dos Céus (Mateus 18:3). O conhecimento natural se opõe tanto à simplicidade de coração quanto à simplicidade de pensamento. Esse conhecimento opera somente nos limites da natureza, “mas a fé possui seus próprios caminhos para além da natureza”.
Quanto mais o homem se dedicar aos caminhos do conhecimento natural, tanto mais será vítima do temor e tanto menos conseguirá se libertar dele. Mas se seguir a fé, ele imediatamente será libertado e “enquanto filho de Deus, terá poder sobre todas as coisas”. “O homem que ama essa fé age como Deus no uso das coisas criadas”, pois é dado o poder à fé “de ser como Deus para fazer uma nova criação”. Por isso está escrito: Tu quisestes, e todas as coisas são apresentadas diante de ti (cf. Jô 23:13). A fé frequentemente “engendra todas as coisas do nada”, enquanto o conhecimento não consegue fazer nada “sem a ajuda da matéria”. O conhecimento não tem poder sobre a natureza, mas a fé tem. Armado da fé, o homem adentra o incêndio e apaga as chamas, permanecendo intocado por elas. Outros ainda andaram sobre as águas como que sobre terra firme. Todas estas coisas estão “para além da natureza”; elas vão de encontro aos modos do conhecimento natural e revelam a futilidade de tais modos. A fé “move-se acima da natureza”. Os caminhos do conhecimento natural governaram o mundo por mais de cinco mil anos, e o homem era incapaz de “erguer seus olhos da terra e entender o poder de seu Criador” até que “nossa fé surgisse e nos libertasse das sombras das obras deste mundo” e da mente fragmentada. Aquele que tem fé “não lhe faltará nada”; quando nada possuir, “possuirá todas as coisas pela fé”, conforme está escrito: Tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis (Mateus 21:22) e Perto está o Senhor. Não estejais inquietos por coisa alguma (Filipenses 4:6)
As leis naturais inexistem para a fé. Santo Isaque é bem enfático nesse ponto: Tudo é possível ao que crê (Marcos 9:23), pois com Deus nada é impossível... Ultrapassar os limites da natureza e entrar no reino do supernatural é considerado como algo contrário à natureza, irracional e impossível... Apesar disso, o conhecimento natural, de acordo com Santo Isaque, não é necessariamente falho. Ele não deve ser rejeitado. Ocorre que a fé é superior a ele. Esse conhecimento só deve ser condenado na medida em que se voltar contra a fé. Mas quando esse conhecimento “se junta à fé, tornando-se una com ela, vestindo-se em seus pensamentos inflamados”, quando ele “adquire as asas da ausência das paixões”, então, fazendo uso de outros meios que não os naturais, ele se eleva da terra “para o reino de seu Criador”, para o supernatural. Esse conhecimento é, então, preenchido pela fé e recebe o poder para “elevar-se às alturas”, para perceber aquilo que está além de toda percepção e para “ver o brilho que é incompreensível à mente e ao conhecimento dos seres criados”. O conhecimento é o nível a partir do qual o homem se eleva até as alturas da fé. Quando atinge essas alturas, ele não mais necessitará do conhecimento, pois está escrito: Em parte conhecemos, mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado (I Coríntios 13:9-10). A fé revela-nos a verdade da perfeição, como se estive diante de nossos olhos. É pela fé que aprendemos o que está além do nosso alcance – pela fé e não pela investigação e pelo poder do conhecimento.
Há três modos espirituais nos quais o conhecimento ascende e descende, e pelos quais ele se move e se altera. São eles: o corpo, a alma e o espírito... Em seu nível inferior, o conhecimento “segue os desejos da carne”, preocupando-se com riquezas, futilidades, vestimentas, confortos e sabedoria racional. Esse conhecimento inventa as artes e as ciências e tudo o que adorna o corpo neste mundo visível. Tal conhecimento é contrário à fé. Ele é conhecido como “mero conhecimento, pois está despido de qualquer pensamento sobre o divino e, por causa de seu caráter carnal, confere à mente uma fraqueza irracional, pois a mente é superada pelo corpo e por suas preocupações pelas coisas deste mundo”. Ela se incha de orgulho, pois considera que toda boa obra é sua, e não de Deus. A famosa frase do Apóstolo - O conhecimento incha (I Coríntios 8:1) - refere-se obviamente a este conhecimento, o qual não está ligado à fé e à esperança em Deus, nem ao verdadeiro conhecimento. O conhecimento verdadeiro e espiritual, aliado à humildade, confere perfeição de alma àqueles que o adquiriram, a exemplo de Moisés, David, Isaías, Pedro e Paulo e todos os que, nos limites da natureza humana, foram dignos deste conhecimento perfeito. “Neles, o conhecimento estava sempre imerso em reflexões estranhas a este mundo, em revelações divinas e contemplações sublimes das coisas espirituais e mistérios inefáveis. Do seu ponto de vista, suas próprias almas não passam de cinzas e pó”. O conhecimento que vem da carne é criticado pelos cristãos, os quais o encaram como estando em oposição não somente à fé mas a toda obra virtuosa.
Não é difícil perceber que praticamente toda a filosofia européia, do realismo ao idealismo, e toda a ciência, do atomismo de Demócrito à relatividade de Einstein, estão enquadrados neste primeiro grau de conhecimento inferior do qual versou Santo Isaque.
O homem ascende do primeiro ao segundo grau de conhecimento quando começa a praticar as virtudes do corpo e da alma: jejum, oração, caridade, leituras das Sagradas Escrituras, luta contra as paixões etc. Toda boa obra, toda boa disposição da alma neste segundo grau de conhecimento, é despertada e desempenhada pelo Espírito Santo. O coração é apresentado aos caminhos que levam à fé, embora este conhecimento permaneça “corporal e composto”.
O terceiro grau de conhecimento é o da perfeição, “quando o conhecimento eleva-se acima da terra e das preocupações mundanas e começa a examinar seu próprio interior e seus pensamentos ocultos, ignorando aqueles em que as paixões são engendradas, e seguindo o caminho da fé em interesse pela vida ‘futura’”.
É muito difícil, senão impossível, expressar em palavras o mistério e a natureza do conhecimento. No âmbito do pensamento humano não há uma definição pronta que possa explicá-los completamente. Santo Isaque fornece muitas e diferentes definições de conhecimento. Ele continuamente se exercita nessa matéria, e o problema permanece impávido diante dos olhos deste santo asceta. O santo apresenta respostas a partir de sua rica e abençoada experiência, conquistada por uma longa e dura ascese. Mas a mais profunda e, em minha opinião, a mais exaustiva resposta que o homem pode fornecer a essa pergunta foi dada por Santo Isaque na forma de diálogo: “Pergunta: O que é o conhecimento? Resposta: A percepção da vida eterna. Pergunta: E o que é vida eterna? Resposta: É perceber todas as coisas em Deus. Pois o amor vem por meio do entendimento, e o conhecimento de Deus é soberano sobre todos os desejos. Todo deleite que existe na terra é supérfluo ao coração que recebe esse conhecimento, pois não há nada que se compare com o deleite do conhecimento de Deus”.
O conhecimento é, portanto, a vitória sobre a morte, a união desta vida com a vida imortal e a união do homem com Deus. O próprio ato de conhecimento resvala no imortal, pois é pelo conhecimento que o homem ultrapassa os limites do sujeito e entra no âmbito do trans-sujeito. E quando o objeto trans-sujeito é Deus, então o mistério do conhecimento torna-se o mistério dos mistérios e o enigma dos enigmas. Tal conhecimento é uma trama mística cosida na tecelagem da alma pelo homem que está unido com Deus.
O problema vital do conhecimento humano é o da verdade. O conhecimento carrega em si um ímpeto irresistível ao mistério infinito, e essa sede da verdade, que é instintiva ao conhecimento humano, jamais será satisfeita até que a Verdade absoluta e eterna se torne a substância do conhecimento humano, até que o conhecimento, em autopercepção, adquira a percepção de Deus e, em autoconhecimento, conheça a Deus. Mas isto é concedido ao homem somente pelo Cristo, o Deus-Homem, aquele que é a única encarnação e personificação da verdade eterna no mundo das realidades humanas. Quando o homem recebe o Deus-Homem em si, enquanto alma de sua alma e vida de sua vida, então esse homem será constantemente preenchido com o conhecimento da verdade eterna.
O homem restaura e transforma seus órgãos de conhecimento através da prática das virtudes, que advêm da percepção e do conhecimento da verdade. Para esse homem, fé e conhecimento, e tudo a eles relacionado, são um todo orgânico e indivisível. Eles preenchem e são preenchidos mutuamente, e cada um confirma e apóia o outro. “A luz mental engendra a fé”, diz Santo Isaque, “e a fé engendra a consolação da esperança, enquanto a esperança fortalece o coração”. Fé é a iluminação do entendimento. A fé banha de luz o conhecimento, liberta o homem do orgulho e da dúvida, e é conhecida como “o conhecimento e a manifestação da verdade”.
O conhecimento santo advém de uma vida santa, mas o orgulho obscurece o conhecimento santo. A luz da verdade aumenta e diminui conforme o modo de vida do homem. Terríveis tentações recaem sobre aqueles que buscam viver uma vida espiritual. O asceta deve, portanto, passar por enormes sofrimentos e infelicidades para alcançar o conhecimento da verdade.
Vida perturbada e pensamentos caóticos são frutos de uma vida desordenada, o que acaba obscurecendo a alma. Quando as paixões são apagadas da alma, com a ajuda das virtudes, quando “a cortina das paixões é retirada da frente dos olhos da mente”, então o intelecto consegue perceber a glória do outro mundo. A alma cresce por meio das virtudes, a mente é confirmada na verdade e torna-se inabalável, “equipada para encontrar e destruir qualquer paixão”. A liberdade das paixões advém da crucificação do intelecto e da carne. É então que o homem se torna capaz de contemplar a Deus. O intelecto é crucificado quando os pensamentos impuros são apagados, e o corpo é crucificado quando as paixões são arrancadas. “O corpo que se entrega aos prazeres é incapaz de ser a morada do conhecimento de Deus”.
O verdadeiro conhecimento, “a revelação dos mistérios”, é atingido por meio das virtudes. Ele é “o conhecimento que salva”.
Fonte: Revista Orthodox America.