O bem de cada ser é o seu fim. E,
portanto, como a verdade é o fim do intelecto, conhecer a verdade é o ato reto
do intelecto; por onde, o hábito que aperfeiçoa o intelecto para conhecer a
verdade, tanto na ordem especulativa como na prática, chama-se virtude. (Tomás de Aquino, ST I-II, q.56, a.3, resp ad 2)
Ora, as virtudes intelectuais especulativas
aperfeiçoam o intelecto, que é conhecer o ente, ou seja, chegar à verdade das
coisas, descobrir o essencial. Aperfeiçoar o intelecto significa torná-lo mais
maduro, consistente e estável.
Os hábitos especulativos do intelecto têm
por objetivo, em conjunto, apreender o ente. Esta é a operação, o ato, por
excelência do intelecto. Eis as três virtudes intelectuais especulativas:
(1) Intellectus (ou “virtude dos
primeiros princípios”). É o hábito do conhecimento evidente dos primeiros
princípios, que são superiores à razão por serem anteriores a ela e lhe darem seu
fundamento. É uma “luz intensa”, um instrumento do intelecto agente, ou seja,
não é algo adquirido, mas natural, um hábito entitativo. Os primeiros
princípios de que falamos são, pois, do princípio de não-contradição, do
princípio de identidade e do princípio do terceiro excluído. É o fundamento dos
primeiros princípios da moral porque não há como a vontade apetecer um bem se o
intelecto antes não conhece o ente. “Quando vemos um objeto e sabemos que ele
é, quando entendemos que o todo é maior que a parte, que o triângulo tem três
lados”.
(2) Scientia (ou “virtude do
raciocínio”). É o hábito do conhecimento não-evidente das causas particulares e
inferiores, que opera mediante termos a partir dos primeiros princípios, das
causas universais, imateriais e necessários de um determinado gênero de ente
(ou seja, não as causas primeiras, mas as causas segundas e próximas desse
gênero específico de ente). Em outras palavras, a ciência explica o que é e
porque algo é assim. “O médico que estuda medicina possui um hábito da
ciência médica ou da cura do corpo, entendendo as causas, as conclusões e
princípios gerais dessa ciência”.
(3) Sapientia (ou “virtude das
causas primeiras”). É o hábito do conhecimento das realidades de último grau,
da verdade suprema, do ordenamento de todas as coisas. Não se trata dos
primeiros princípios deste ou daquele gênero de coisas, mas do ente enquanto
ente, o objeto supremo e próprio da metafísica. A sabedoria é (ou deveria
ser) o mais desejado e amado fim do homem porque, enquanto se entrega a seu
estudo, “já vai participando de algum modo da verdadeira beatitude”. O sábio
ordena a si mesmo, sua vida, suas paixões, sua vontade conforme a causa primeira,
que é Deus. Por isso o intelecto às vezes é chamado de capacidade “violenta” da
alma, precisamente porque nos torna aptos a dominar nossos movimentos passionais
e agir de acordo com a vontade espiritual. Não basta, portanto, conhecer a causa
primeira e julgar as coisas por ela, mas é necessário ordenar
todas as coisas também. É no exercício dessa virtude que reside a felicidade
humana (ainda que imperfeitamente), pois o intelecto é, afinal, algo de divino
em nós. Vale lembrar, embora seja óbvio, que não falamos aqui de fé, mas
do exercício da especulação de Deus por meio da razão.
Estas virtudes, bem como as demais virtudes
intelectuais (prudência e arte), estão todas ligadas ao fim último do homem (de
todos os homens), que é o ato de conhecer. O conhecimento começa pelo
conhecimento dos entes e se desenvolve (ou deveria se desenvolver) naturalmente
até atingir a luz de verdades mais altas e supremas. Evidentemente esse apetite
por conhecimento só poderá concluir-se na visão beatífica, ou “visão da
essência divina”.
Fonte:
Willian Kalinowski, O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de
Aquino, Contra Errores Editorial, Campinas, SP, Brasil, 2022.