Segundo o psicanalista alemão Erich Fromm,
o amor não apenas não é um sentimento como, se não desenvolvermos nossa
personalidade, todas as tentativas de amar serão necessariamente falhas.
Portanto, uma teoria do amor tem de ser precedida por uma teoria do homem.
Fromm chama a atenção para duas notas fundamentais
do ser humano: ele é dotado de razão e ele é dotado de autoconsciência.
Mediante a autoconsciência, o homem toma ciência de seu curto período de vida,
de que nasceu sem ser por vontade própria, de que vai morrer sem ser por
vontade própria, de que é solitário e separado, de que é impotente ante as
forças da natureza e da sociedade; enfim, de que sua existência se dá em uma “prisão
insuportável”. Essa consciência da separação humana é, segundo Fromm, fonte de
vergonha, culpa e ansiedade.
Os homens ao longo da história têm enfrentado
essa vergonha, culpa e ansiedade das formas mais variadas: estados orgíacos
(transes, drogas, orgias sexuais: é uma união transitória), conformidade
(grupo, costumes, práticas, crenças: é uma falsa união), atividade criadora
(trabalho, produção, arte, tecnologia, ciência: não é uma união interpessoal).
A verdadeira unidade interpessoal, a fusão
com outra pessoa, está no amor. O amor é a resposta madura ao problema
da existência. Nas palavras de Fromm:
Em contraste com a união simbiótica, o amor maduro é união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes, que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade. No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois. [...] O amor é uma atividade, e não um afeto passivo; é um “erguimento” e não uma “queda”. De modo mais geral, o caráter ativo do amor pode ser descrito afirmando-se que o amor, antes de tudo, consiste em dar, e não em receber.
O amor é dar, sim, mas não é só isso. Amor
é também cuidado (preocupação ativa pela vida e crescimento de quem amamos),
responsabilidade (ser “respostável”, ou seja, voluntariamente responder às
necessidades psíquicas, expressas ou não, do próximo), respeito (como o
cuidado, é preocupar-se com o crescimento do próximo, mas com o detalhe de que
devemos fazê-lo sem tolher a liberdade alheia – l’amour est l’enfant de la liberté)
e conhecimento (ver a pessoa em seu âmago, em seus próprios termos, procurando
conhecer seu “segredo”).
Fromm insiste que o amor não é um
sentimento e a consequência desse entendimento é que, se amamos apenas com os
sentimentos, que são dirigidos a um particular, então trata-se de mero afeto
simbiótico ou egoísmo ampliado, e prova disso é que “amamos” a uma
pessoa, mas somos indiferentes ao reste de seus semelhantes. Amar com o
sentimento, e não como “força da alma”, nos faz buscar os objetos “certos” e,
uma vez encontrados, tudo o mais irá depois por si. “Tal atitude pode ser
comparada à de alguém que queira pintar, mas, em vez de aprender a arte, proclama
que lhe basta esperar pelo objeto certo, passando a pintá-lo belamente quando o
encontrar”
Amor materno e paterno
Neste contexto, o amor materno e o paterno
se coordenam na educação do filho porque a mãe se preocupa com o recém-nascido
a despeito de que tenha preenchido qualquer expectativa, mas será o pai que se
preocupará com o filho não no sentido natural, mas no sentido existencial: o
pensamento, a lei, a ordem, a disciplina, a viagem, a aventura. O amor materno
é incondicional, o amor paterno é condicional. Por isso a mãe deve tomar
cuidado para não impedir que o filho cresça, enquanto o pai deve tomar cuidado
para não ser impaciente e intolerante com o filho. Ambos – pai e mãe – devem almejar
que o filho seja seu próprio pai e sua própria mãe. Eis a base da saúde mental
e da completação da maturidade. A mulher que não for capaz de amar nesse
sentido poderá ser mãe afetuosa enquanto o filho estiver pequeno, mas não
poderá ser mãe amorosa, pois a prova disto é a boa vontade em suportar a
separação e, mesmo depois dessa separação, continuar amando.
Amor fraterno
É a mais fundamental espécie de amor. É o desejo
de aprimorar a vida alheia, de nutrir cuidado, responsabilidade, respeito e
cuidado por outro ser humano. Nesta altura, as diferenças específicas de
talento, inteligência, conhecimento etc. são mesquinhas se comparada com a
identidade nuclear do homem. Pois, aqui, trata-se de amor entre iguais.
Amor erótico
O amor erótico tem por fim a fusão completa
com uma, e somente uma, pessoa. Confunde-se com o desejo sexual, e frequentemente
as pessoas imaturas confundem a atividade sexual com a intimidade do amor
erótico. Sim, claro, há o desejo sexual no amor erótico, mas o problema é que
tal desejo mistura-se facilmente a qualquer emoção forte, e o amor é apenas uma
dessas emoções. Se o desejo de união física não for estimulado pelo amor, se o
amor erótico também não for fraterno, nunca levará à união mais do que num
sentido orgíaco e transitório. A atração sexual pode facilmente criar a ilusão
de união.
Dado que o amor erótico é experimentar a
outra pessoa na essência de seu ser, e dado que todos os seres humanos são
essencialmente idênticos, não fará diferença quem amemos. Diz Fromm de forma
muito eloquente:
Deixa-se de ver um fator importante no amor erótico, o da vontade. Amar alguém não é apenas um sentimento forte: é uma decisão, um julgamento, uma promessa. Se o amor apenas fosse um sentimento, não haveria base para a promessa de amar-se um ao outro para sempre. O sentimento vem e pode ir-se. Como posso julgar que ficará para sempre, se meu ato não envolve julgamento e decisão?
Isso não significa que o amor erótico não envolva
elementos individuais. Eis o paradoxo da natureza humana: somos todos um, como
vimos no amor fraterno, mas no amor erótico há certos elementos específicos,
altamente individuais, que existem entre certas pessoas, mas não entre todas.
Amor a si mesmo
Aqui é importante salientar que amar ao
homem não é uma abstração que se segue ao amor a uma pessoa, mas, pelo
contrário, amar ao homem é uma premissa. Portanto, nosso próprio ser
deve se tornar objeto de meu amor. Claro, pois se amar é um ato da vontade ao
qual se segue a atitude de preocupar-se com o crescimento e a felicidade da
pessoa amada, amarmos nosso próprio crescimento e felicidade é a atividade que
se seguirá ao ato de amar-nos. E veja que interessante: o egoísmo não é amar-se
a si mesmo, mas, precisamente o contrário, um traço característico do egoísmo é
não se amar a si mesmo.
A arte de amar
Segundo Fromm, eis os traços gerais para
desenvolver qualquer arte. (1) Disciplina (para além do ambiente de
trabalho), (2) concentração (fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo é
sinônimo de distração; evitar conversações triviais), (3) paciência (estamos
imersos em máquinas), (4) preocupação suprema em dominar a arte de amar (esta
arte deve ser o centro de sua atenção diária, uma devoção de vida), (5)
aprender a ficar só consigo mesmo, sem ler, sem ouvir rádio, sem TV, sem fumar,
sem comer, sem beber, (6) evitar más companhias (“falo também da companhia de zumbis,
da gente que tem alma morta, embora seu
corpo esteja vivo”).
Mas eis o que diz Fromm para dominar a arte
de amar:
[A] principal condição para realização do amor é a superação do narcisismo. A orientação narcisista é aquela em que só se experimenta como real o que existe dentro da pessoa, ao passo que os fenômenos do mundo exterior não têm realidade em si mesmos, mas são experimentados somente do ponto de vista de serem úteis ou perigosos. O polo oposto ao narcisismo é a objetividade; é a faculdade de ver pessoas e coisas tais como são, objetivamente, e a capacidade de separar esta imagem objetiva de uma imagem formada pelos desejos e temores que se tenham. [...] A faculdade de pensar objetivamente é a razão; a atitude emocional por trás da razão é a da humildade. Ser objetivo, usar a razão, só é possível quando se consegue uma atitude de humildade, quando se emerge dos sonhos de onisciência e onipotência que se têm quando criança.
Por fim, Fromm encerra afirmando que o amor
exige a fé, mas uma fé racional, baseada na atividade produtiva intelectual e
emocional, baseada na potencialidade de nosso ser. É desta forma que se adquire
a certeza de que o outro merece confiança, uma confiança na imutabilidade do núcleo
fundamental de sua personalidade. Igualmente, uma fé inabalável em nós mesmos,
ou seja, na imutabilidade do núcleo fundamental de nossa personalidade. Em
outras palavras, é necessário que conheçamos, para muito além do ego, o eu.
Fonte: Erich
Fromm, A arte de amar, Livraria Itatiaia, Belo Horizonte, MG, Brasil,
1971.