27 de maio de 2011

Filosofia bizantina IV


Há entre os estudiosos da filosofia bizantina uma tendência muito natural de desprezar a influência latina no pensamento dos grandes autores do Império Bizantino. Embora parte desta postura seja justificável pelo simples fato de que as influências gregas no pensamento latino tenham sido muito maiores do que o contrário, é também fato que os autores latinos chegaram a exercer alguma influência sobre a filosofia desenvolvida pelos bizantinos.

Sten Ebbesen presta um papel importante ao resumir as influências gregas no mundo latino em “ondas”, facilitando assim o entendimento geral. Por outro lado, delineia brevemente as influências latinas no mundo grego.

Influências gregas na filosofia latina

A primeira onda situa-se nos séculos I a.C. e I d.C., quando Cícero, Varro, Lucrécio e Sêneca eram os responsáveis pelos maiores feitos filosóficos da época. As principais influências gregas situam-se no campo educacional, pois a virtual ausência de traduções latinas dos clássicos gregas – honrosa exceção feita ao Timeu, traduzido por Cícero – formava um obstáculo de difícil transposição. Esta primeira onda ainda não foi capaz de formar uma tradição filosófica latina, mas foi importante para introduzir elementos da filosofia grega na língua latina, como a ética estóica, por exemplo.

A segunda onda situa-se entre os anos 350 e 525. Novas traduções e adaptações foram feitas, sobretudo o Organon de Aristóteles, entre outras obras do Estagirita: Boécio foi o tradutor mais importante, que se considerava uma espécie de “segundo Cícero”. Prisciano esteve em Constantinopla para compor uma ampla gramática latina. Ademais, elementos do pensamento neoplatônico foram introduzidos no pensamento latino por Santo Agostinho, o qual foi responsável direto pela criação de uma tradição filosófica viva entre os latinos.

A terceira onda forma-se quando a educação superior começou a ganhar novo ímpeto no Ocidente nos dias de Carlos Magno. No século X, a onda ganhou ainda mais força, quando uma tradição genuinamente latina finalmente tomou forma. O Ars Vetus, as monografias de Boécio, a gramática de Prisciano e muitas outras obras foram fundamentais para o despontamento do então jovem escolasticismo. As principais características desta onda foram: (1) análise minuciosa de proposições e conceitos, frases e termos, (2) filosofia da linguagem e pesquisa lingüística, (3) formulação de regras lógicas que fundamentem uma estrutura argumentativa, (4) teste de hipóteses mediante a imaginação e (5) a noção de que a filosofia era uma empresa distinta da teologia. A maturidade deste período foi alcançada no século XII, com pensadores como Pedro Abelardo, Alberico de Paris, Adam Balsham Parvipontanus e Gilberto de Poitiers. É neste século que podemos dizer que a filosofia latina emancipou-se definitivamente, já que, além das razões acima, também é este o período em que Constantinopla e Tessalônica eram os únicos centros bizantinos que restaram, enquanto o mundo latino crescia por toda a Europa Meridional e Central. Curiosamente, até onde consta, ninguém no mundo bizantino interessava-se em estudar latim.

A quarta onda é uma continuação da terceira, na qual novas traduções do Corpus Aristotelicum foram disponibilizadas, bem como comentários latinos originais. Ebbesen identifica certa esquizofrenia no meio latino, já que em muitos meios a atenção voltou-se dos particulares para os universais, para as hierarquias ontológicas, para a possibilidade de mergulhar o intelecto pessoal no mar de um “intelecto universal”.

A quinta e última onda é o movimento que comumente chamamos de “Renascença”, entre 1400 e 1500, inaugurado por uma nova injeção de platonismo. O cenário tornou-se ainda mais confuso, pois todo tipo de pensamento grego estava agora disponível. Uma profusão de filósofos incompetentes e pseudofilósofos tomou subiram à superfície. Bessarion pode ser considerado um dos destaques deste período.

Influências latinas na filosofia grega

A partir da Quarta Cruzada (1202-1204), ficou cada vez mais difícil os intelectuais gregos ignorarem a academia ocidental. Já no século XIII, alguns textos latinos foram traduzidos para o grego, como Boécio, Macróbio, Donato, Santo Agostinho, Tomás de Aquino e outros. No século XIV, Barlaão da Calábria e mesmo São Gregório Palamás citaram ou aludiram a Santo Agostinho. São Gregório teria feito uso da distinção entre signos indicativos e signos comemorativos de Sexto Empírico. Ebbesen afirma, porém, que o contexto geral de tais influências eram muito modestas e pontuais.

Mais tarde, Demétrio (c. 1324-1397/8) e Prochoro Kydones (c. 1333-1369/70) traduziram importantes textos latinos para o idioma grego. Os imãos Kydones traduziram Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Hervaeus Natalis e outros. Jorge Scholarios (c. 1400-1472/4), também conhecido como Gennadios, traduziu outras obras de Tomás de Aquino, além de Pedro da Espanha e comentários acerca do Ars Vetus, sobretudo de Radulphus Brito.

A influência latina prosseguiu durante o período otomano. Theophilos Korydaleos (1572-1646) foi um dos responsáveis por trazer o pensamento aristotélico ao mundo grego.

Conclusão

Em verdade, somente na Itália do século XV foi possível verificar uma quantidade razoável de intelectuais dos dois grupos lingüísticos travando conversações e lendo os livros uns dos outros. Nos demais períodos, as influências deram-se de maneira unidirecional, em momentos de fraqueza de um dos lados, e por isso mesmo prejudicial, pois desacompanhadas da devida elaboração e adaptação.