4 de dezembro de 2008

A veneração ortodoxa de Maria, a Deípara

Em 1933, a Irmandade São Jó de Pochaev, na cidade checa de Vladimirova, publicou um calendário religioso em cujas páginas encontravam-se algumas explicações a respeito de como os cristãos ortodoxos deveriam venerar a Theotokos, isto é, a Mãe de Deus. O Pe. Serafim (Rose) de Platina achou por bem reeditar e publicar o texto, já que muitos ortodoxos recém-convertidos, sobretudo ex-protestantes, apresentavam evidentes dificuldades na correta veneração da Mãe de Deus. O título do livro é The Orthodox Veneration of Mary The Birthgiver of God e foi publicado pela editora do Mosteiro de São Germano do Alaska, Platina, CA, EUA.

O autor daquelas explicações era o então jovem Hieromonge João, de apenas 36 anos. Mais tarde, o Pe. João seria ordenado Arcebispo de Xangai (China), depois Arcebispo da Europa Ocidental (França) e, finalmente, Arcebispo de San Francisco (EUA), no âmbito da jurisdição da Igreja Ortodoxa Russa no Exterior. Essas mudanças se deram sobretudo em função da perseguição que os comunistas empreendiam contra a Igreja Ortodoxa e seus membros. No entanto, mesmo antes de seu repouso, em 1966, o Arcebispo João já era famoso por ser um taumaturgo de venerável humildade e retidão. No entanto, conforme nos atesta o Pe. Serafim Rose em sua palestra God´s Revelation to the Human Heart, o mais notável no Vladyka João não eram os milagres e maravilhas que Deus operava por meio dele, mas sua Ortodoxia do coração, isto é, o fato dele ser um autêntico transmissor da mente dos Santos Padres da Igreja. Era a verdade que ele portava, e não propriamente os milagres, que mais chamavam a atenção no Arcebispo João.

Em 1994, o Arcebispo João foi oficialmente glorificado, tornando-se São João de Xangai e San Francisco, a quem todos os fiéis podem pedir suas orações e intercessões.

As fontes utilizadas por São João neste estudo foram (1) a Bíblia, (2) as obras dos Santos Padres (especialmente os Padres dos séculos IV e V) e (3) os ofícios da Igreja Ortodoxa. O livro está disponível online aqui.

Este resumo divide-se em duas partes. Na primeira, leremos a tradução completa do capítulo VI, que contém a história da Santíssima Mãe de Deus bem como de sua veneração ortodoxa. A segunda contém o resumo do restante do livro, que descreve os diversos ataques e inimigos que a veneração à Mãe de Deus sofreu ao longo dos anos, desde os tempos apostólicos até nossos dias.

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Cap. VI - A veneração ortodoxa da Mãe de Deus.

A Igreja Ortodoxa ensina sobre a Mãe de Deus aquilo que a Santa Tradição e as Sagradas Escrituras informam sobre ela, e a glorifica diariamente em seus templos, pedindo-lhe ajuda e defesa. Sabedora de que ela se agrada somente dos louvores que correspondem à sua real glória, os Santos Padres e os compositores de hinos a imploravam, bem como a seu Filho, para que lhes ensinassem como cantar a ela. “Levanta uma proteção em meu entorno, ó meu Cristo, pois fui ousado em cantar o louvor de Tua pura Mãe” (Ikos da Dormição). “A Igreja ensina que Cristo nasceu verdadeiramente da Sempre-Virgem Maria” (São Epifânio, “A Verdadeira Palavra sobre a Fé”). “É essencial que nós confessemos a Sempre-Virgem Maria como sendo a verdadeira Theotokos (Mãe de Deus), para que não caiamos em blasfêmia. Aqueles que negam que a Santa Virgem seja realmente a Theotokos não são mais fiéis, mas discípulos de fariseus e saduceus” (Santo Efraim, o Sírio, “A João, o Monge”).

[Foto: Ícone da Deípara Soberana de Kolomenskoye.]

Da Tradição, sabemos que Maria era filha dos idosos Joaquim e Ana, e que Joaquim era da linhagem real de David, e Ana de linhagem sacerdotal. A despeito de tão nobre origem, eles eram pobres. Porém, não foi isso que entristecera os justos, mas o fato de que eles não tinham filhos e não poderiam esperar que seus descendentes vissem o Messias. E eis que, certa vez, desdenhados pelos hebreus por causa de sua esterilidade, eles oravam a Deus com grande contrição. Joaquim foi a uma montanha, logo após os sacerdotes terem negado seu sacrifício no Templo, e Ana estava em seu jardim, chorando por causa de sua esterilidade. Foi então que lhes apareceu um anjo que lhes informou que dariam luz a uma filha. Com muita alegria, eles prometeram consagrar a criança a Deus.

Em nove meses, nasceu-lhes uma menina chamada Maria, que, desde a tenra infância, manifestava as melhores qualidades de alma. Quando ela tinha três anos de idade, seus pais, cumprindo a promessa, solenemente levaram a pequena Maria ao Templo de Jerusalém; ela ascendeu sozinha as escadas e, por revelação de Deus, foi levada ao Santo dos Santos pelo sumo sacerdote, que a encontrou no caminho, levando consigo a graça de Deus que repousara sobre ela no Templo, que até então não possuía essa graça. (Cf. Kondákio da Entrada no Templo. Este era o Templo recém-construído, sobre o qual a glória de Deus ainda não havia descido como descera sobre a Arca ou sobre o Templo de Salomão). Ela foi assentada no Templo em uma área destinada às virgens, mas ela dedicava-se tanto às orações no Santo dos Santos que, dizia-se, ela morava ali. (Ofício da Entrada, segundo sticheron do Senhor, "eu clamei" e o “Glória, agora e sempre...”). Adornada com todas as virtudes, ela manifestou um exemplo de vida extraordinariamente puro. Submissa e obediente a todos, ela não ofendia ninguém, não dizia uma única palavra rude, era amiga de todos, e não se permitia pensamentos impuros. (Santo Ambrósio de Milão, “Sobre a Perpétua Virgindade da Virgem Maria”).

“A despeito da retidão e da imaculabilidade de vida que a Mãe de Deus levava, o pecado e a morte eterna manifestaram sua presença nela. Não havia outro jeito: tal é o ensinamento preciso e fiel da Igreja Ortodoxa sobre a Mãe de Deus com respeito ao pecado original e a morte” (Santo Ignácio Branchaninov, “Exposição do Ensinamento da Igreja Ortodoxa sobre a Mãe de Deus”). “Estranha a qualquer queda em pecado” (Santo Ambrósio de Milão, Comentário sobre o Salmo 118), “A ela não eram estranhas as tentações pecaminosas”. “Somente Deus é sem pecado”, (Santo Ambrósio, idem), “enquanto o homem sempre terá em si algo que necessita correção e aperfeiçoamento, para que se cumpra o mandamento de Deus; Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo (Levítico 19:2). Quanto mais puro e perfeito se é, tanto mais se notarão as imperfeições e tanto mais se há de considerar indigno".

A Virgem Maria entregou-se por completo a Deus, mas, embora tenha expulsado de si todo impulso ao pecado, sentia a fraqueza da natureza ainda mais intensamente que os demais, desejando ardentemente, portanto, a vinda do Salvador. Em sua humildade, ela considerava-se indigna até mesmo de ser a serva virgem que daria a luz a Ele. De maneira que nada pudesse distraí-la da oração e da vigilância, Maria prometeu não se casar, a fim de agradá-Lo por toda a vida. Ao ser prometida noiva ao velho José, quando sua idade não mais permitia que permanecesse no Templo, ela estabeleceu-se em sua casa, em Nazaré. Foi lá que à Virgem foi concedida a vinda do Arcanjo Gabriel, que lhe contou as boas novas do nascimento virginal, isto é, do Filho do Altíssimo.

Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo. Bendita és tu entre as mulheres... Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus (Lucas 1:28-35).

Maria recebeu as boas novas angelicais humilde e mansamente. “Então, o Verbo, de maneira que Lhe é conhecida, desceu e, como Ele mesmo quisesse, entrou em Maria e habitou nela” (Santo Efraim, o Sírio, “Louvor à Mãe de Deus”). “Assim como o relâmpago ilumina o que está oculto, assim também Cristo purifica o que está oculto na natureza das coisas. Ele também purificou a Virgem, preparando-a pelo Espírito Santo, e seu ventre, tornando-se puro, concebeu-Lhe. Não digo que Maria tornou-se imortal, mas, iluminada pela graça, digo que ela não foi perturbada por desejos pecaminosos” (Santo Efraim, o Sírio, Homilia contra os Heréticos, 41). “A Luz habitou nela, purificou sua mente, tornou puros seus pensamentos, tornou castos seus interesses, santificou sua virgindade” (Santo Efraim, o Sírio, “Maria e Eva”). “Pura segundo o entendimento humano, Ele a tornou pura pela graça” (Santo Ignácio Brianchaninov, “Exposição do Ensinamento da Igreja Ortodoxa sobre a Mãe de Deus”).

Maria não contou a ninguém sobre o surgimento do anjo, mas o próprio anjo revelou a José a concepção miraculosa de Maria a partir do Espírito Santo (Mateus 1:18-25); e, após a Natividade de Cristo, juntamente com uma multidão dos exércitos celestiais, ele anunciou aos pastores. Os pastores, ao virem para adorar o recém-nascido, disseram que ouviram falar dEle. Após suportar suspeitas a seu respeito em silêncio, Maria, conferindo-os em seu coração, agora ouvia em silêncio os dizeres sobre a grandeza de seu Filho (Lucas 2:8-19). Quarenta dias mais tarde, ela ouviu o louvor de Simeão e a profecia sobre a arma que transpassaria sua alma. Mais tarde, ela viu como Jesus avançava em sabedoria; ela O ouviu pregando no Templo, com doze anos de idade, e a tudo ela conferia em seu coração (Lucas 2:21-51). Embora cheia de graça, ela não compreendeu plenamente em quê o serviço e a grandeza de seu Filho consistiriam. As concepções hebraicas do Messias ainda lhe eram próximas, e os sentimentos naturais a forçaram a se preocupar com Ele, preservando-O de esforços e perigos excessivos. Assim, ela protegia seu Filho involuntariamente, o que inspirou Seu ensinamento sobre a superioridade do espiritual sobre a filiação corporal (Mateus 12:46-49). “Ele também se preocupava com a honra de Sua Mãe, mas ainda mais lhe preocupava a salvação de sua alma e dos homens de bem, pois para isso vestiu-se de carne” (São João Crisóstomo, Comentários sobre João, Homilia 21). Maria entendeu isto, e ouviu a palavra de Deus e a guardou (Lucas 11:27-28). Como ninguém, ela possuía os mesmos sentimentos de Cristo (Filipenses 2:5), suportando a dor de ver seu próprio Filho sendo perseguido, sem murmurar. Alegrando-se no dia da Ressurreição e no dia de Pentecostes, ela foi revestida de poder do alto (Lucas 24:49). O Espírito Santo, que sobre ela descera, ensinou(-lhe) todas as coisas (João 14:26), e guiou(-a) em toda a verdade (João 16:13). Iluminada, ela esforçou-se com ainda mais zelo a fim de desempenhar o que ouvira de seu Filho e Redentor, e ascender a Ele para com Ele permanecer.

O fim da vida terrena da Santíssima Mãe de Deus foi o início de sua grandeza. “Adornada com a glória divina” (Irmos do Canon da Dormição), ela estará, tanto no dia do Julgamento Final quanto no século futuro, à direita do trono de seu Filho. Ela reina com Ele e é ousada para com Ele, como Sua Mãe segundo a carne, e como uma em espírito com Ele, como aquela que cumpre a vontade de Deus e instrui os demais (Mateus 5:19). Misericordiosa e cheia de amor, ela manifesta seu amor para com seu Filho e Deus em amor pela raça humana. Ela intercede pela raça humana diante do Misericordioso enquanto, na terra, auxilia os homens. Tendo experimentado todas as dificuldades da vida terrena, o Intercessor da raça cristã vê toda lágrima, ouve todo gemido e súplica a ela direcionados. Especialmente próximos a ela estão aqueles que se esforçam na batalha contra as paixões e são zelosos por uma vida agradável a Deus. No entanto, até mesmo em questões mundanas ela é uma auxiliadora insubstituível. “Alegria de todos os que sofrem e intercessora pelos ofendidos, alimentadora dos famintos, consolação dos viajantes, porto seguro em meio a tempestades, visitação dos doentes, proteção e intercessão dos enfermos, apoio dos idosos, tu és a Mãe de Deus nas alturas, ó Puríssima” (Sticheron do Ofício à Hodigitria). “Esperança e intercessão e refúgio dos cristãos”, “A Mãe de Deus incessante em orações” (Kondákion da Dormição), “salvando o mundo por tua oração incessante” (Theotokion do Terceiro Tom). “Ela ora dia e noite por nós, e os cetros dos reinos são confirmados por suas orações”.

Não há palavras ou intelecto que expressem sua grandeza, que nasceu na pecadora raça humana mas tornou-se “mais honorável que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os serafins”. “Vendo a graça dos mistérios ocultos de Deus se manifestar e se cumprir na virgem, eu regozijo; e não sei como entender a maneira estranha e secreta por meio da qual o Incorrupto foi revelado como o único escolhido acima de toda criação, visível e espiritual. Portanto, desejando louvá-la, torno-me mudo de assombro em mente e voz. Mesmo assim, atrevo-me a proclamá-la e a magnificá-la: ela é verdadeiramente o Tabernáculo celeste” (Ikos da Entrada no Templo). “Toda língua fracassa ao louvar-te como deveria; até mesmo um espírito do alto tem vertigens quando canta teus louvores, ó Theotokos. Mas como tu és boa, aceita nossa fé. Tu conheces como ninguém nosso amor inspirado por Deus, pois tu és a Protetora dos cristãos, e nós de magnificamos” (Irmos do 9º Cântico, Ofício da Teofania).

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Nos tempos apostólicos. O Apóstolo João, o Teólogo, cumprindo o desejo expresso por Jesus Cristo ainda na Cruz – Eis aí tua mãe (João 19:27) – tomou conta da Virgem Maria como uma mãe. Por sua vez, o Apóstolo Lucas pintou diversas imagens da Mãe de Deus. Quando ele lhe mostrou, ela teria dito: “A graça de Meu Filho estará com eles”. Antes de repousar, ela orou para que seu Filho, Jesus Cristo, a livrasse dos espíritos maliciosos que encontram as almas humanas ao longo do caminho para o céu. Na hora de sua morte, o próprio Cristo desceu dos céus, cercado de uma multidão de anjos, a fim de receber a alma de sua mãe. Além disso, a Virgem Maria também orou para que pudesse se despedir dos apóstolos. Cristo também lhe concedeu esse pedido, reunindo milagrosamente todos os apóstolos, exceto o Apóstolo Tomé, em Jerusalém. No terceiro dia após seu repouso, os apóstolos abriram sua tumba para venerar suas relíquias, pois o Apóstolo Tomé já se encontrava em Jerusalém. No entanto, seu corpo não estava lá. Ao retornarem, perplexos, os apóstolos tiveram uma visão, na qual a Mãe de Deus lhes informava que seu corpo havia sido glorificado, e que ela encontrava-se ressuscitada e diante do Trono de Cristo. Ela também prometeu estar com eles até o fim. A partir desse instante, os apóstolos passaram a venerá-la não apenas como a Mãe de Deus, mas também como sua auxiliadora celestial, como protetora dos cristãos e como intercessora em favor da raça humana diante do Juiz de tudo.

[Foto: Ícone da Deípara Soberana de Kolomenskoye, na Catedral Ortodoxa Antioquina de São Paulo, para venração dos fiéis e clérigos. Clique para ampliar.]

Os primeiros inimigos. É apenas natural que todos os que odeiem Jesus Cristo também odeiem o Evangelho, a Igreja e, por conseguinte, também a Mãe de Deus. Desde o início, inimigos surgiram com o objetivo de diminuir e menosprezar a Theotokos. É bastante significativo que o primeiro incidente ocorreu já no enterro da Mãe de Deus. Os apóstolos estavam carregando seu corpo a fim de enterrá-lo no Getsêmani. No entanto, um sacerdote judeu chamado Athonius tentou derrubar o corpo da Virgem Maria no chão, mas eis que o Arcanjo Miguel surgiu e decepou sua mão. Arrependido, Athonius pediu perdão a Cristo pelo que fez, e sua mão foi restaurada. Naqueles tempos, surgiu também um boato de que a Mãe de Deus era proveniente de uma família imoral e que teria se associado a um soldado romano, mas tal boato não se espalhou seriamente pois a fama de José e da própria Virgem era extremamente digna e excelente.

Os primeiros séculos. A alguns tradutores judeus (Áquila, Teodocião e Símaco) foi confiada uma nova tradução do Velho Testamento em grego. O objetivo de diminuir a honra e a glória da Santíssima Virgem foi mantido. Na Septuaginta, que é a versão tradicional e apostólica da Bíblia, lê-se em Isaías 7:14: Eis que a virgem conceberá. No entanto, esses tradutores trocaram a tradução da palavra hebraica Aalma de “virgem” para “jovem”. No entanto, as intenções malignas desses tradutores foram reveladas, uma vez que não apenas os cristãos mas até mesmo pagãos estranharam a nova tradução, já que suas tradições e profecias sempre falavam de um Redentor nascido de uma Virgem. Posteriormente, boatos foram lançados segundo os quais Maria permaneceu virgem somente até que deu a luz seu Filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus (Mateus 1:25). No entanto, tal malícia também não se sustentou, uma vez que a palavra “até” freqüentemente tem o sentido de eternidade, como nestes trechos:

Nos seus dias florescerá o justo, e abundância de paz haverá até durar a lua. (Salmo 71:7).

Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. (I Coríntios 15:25).

Assim como os olhos dos servos atentam para as mãos dos seus senhores, e os olhos da serva para as mãos de sua senhora, assim os nossos olhos atentam para o Senhor nosso Deus, até que tenha piedade de nós. (Salmo 122:2).

Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém. (Mateus 28:20).

Quanto à questão de Jesus Cristo possuir irmãos, no sentido consangüíneo da palavra, o fato é que os “irmãos” e “irmãs” não eram filhos de Sua Mãe, e uma das muitas evidências é que o próprio Senhor confiou Sua Mãe, logo antes de Sua morte, a seu discípulo amado, São João, o Teólogo. Por que Ele assim agiria, caso a Mãe de Deus tivesse outros filhos além dEle próprio?

O Terceiro Concílio Ecumênico. No século V, o Arcebispo Nestório de Constantinopla começou a pregar uma idéia nova, segundo a qual a Virgem Maria teria dado a luz ao homem Jesus, em quem a divindade foi posteriormente conferida. Ele considerava humilhante adorar uma criança que nascera envolta em faixas numa manjedoura. Ele dizia ainda que deveríamos aprender a distinguir o Jesus homem do Filho de Deus, e que Maria não deveria ser chamada Theotokos, mas Christotokos, isto é, Mãe de Cristo. As implicações desta nova teologia eram enormes: quem sofreu por nós na Cruz não teria sido o próprio Deus, mas um homem. São Cirilo de Alexandria tentou persuadir Nestório a abandonar essa nova doutrina, e também avisou ao Papa São Celestino sobre o ocorrido. São Celestino permaneceu firme na fé ortodoxa, apelando a Nestório para que desistisse de propagar tal heresia e voltasse a pregar a doutrina tradicional. São Cirilo compôs doze anátemas, distribuídos em doze parágrafos, e declarou que ninguém poderia negar um único daqueles parágrafos sem desviar-se da fé ortodoxa. Nestório não apenas os negou, mas compôs outros doze parágrafos e afirmou o mesmo, isto é, que quem os negasse cairia em anátema. Decidiu-se então convocar um Concílio Ecumênico em Éfeso, que foi a mesma cidade onde a Mãe de Deus habitara com São João, o Teólogo. Nesse Concílio, os hierarcas da Igreja decidiram que a doutrina de Nestório era ímpia, condenando-a em seguida, e destituiu Nestório de sua sé episcopal. A cidade de Éfeso alegrou-se abundantemente com a decisão, pois a honra de Santa Maria, a Mãe de Deus, foi restaurada. Neste mesmo Concílio, a heresia de Pelágio, segundo a qual o homem pode ser salvo mediante seus próprios poderes, sem a necessidade do auxílio da graça divina, foi condenada; também se decidiu que a doutrina da Igreja Ortodoxa estava plenamente enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano, sendo proibida qualquer adição, sob pena de compor-se uma nova e heterodoxa fé. O Papa de Roma, São Celestino, aceitou e defendeu bravamente todas as decisões deste Terceiro Concílio Ecumênico.

Os iconoclastas. O príncipe deste mundo mais uma vez armou os filhos da apostasia para mais uma batalha, no século VIII, em Constantinopla, que, assim como Éfeso, também passara a venerar a Mãe de Deus. Esses apóstatas, chamados de iconoclastas, desejavam proibir a veneração aos ícones de Cristo e Seus santos, chamando tal prática de idolatria. Tal perseguição terminou novamente em vitória para os cristãos, cuja Ortodoxia triunfou mais uma vez, permitindo que os ícones voltassem a ser venerados.

A heresia da imaculada conceição da Virgem Maria. Esta heresia foi aceita pelos seguidores do trono papal de Roma. Embora aparentemente exalte a Virgem Maria, na verdade esta heresia nega todas as suas virtudes. Ela ensina que a Mãe de Deus teria sido poupada do pecado original pela graça de Deus. Esta heresia surgiu no século IX, quando o abade de Corvey, Paschasius Radbertus, expressou a opinião de que a Santa Virgem foi concebida sem o pecado original. Nem todos os membros da igreja romana aceitavam esta opinião. Tomás de Aquino e Bernardo de Clairvaux a censuravam com veemência, enquanto Duns Scotus a defendia. Foi só muitos séculos mais tarde, em 1854, que a imaculada conceição foi declarada dogma pela igreja romana. Mais tarde, em 1870, o mesmo papa romano, Pio IX, declarou o dogma de que os papas são infalíveis em questões de fé. No texto do dogma da imaculada conceição, citam-se inúmeros Santos Padres que teria supostamente defendido esta heresia. No entanto, quando nos debruçamos em tais declarações, verificamos que os Santos Padres exaltavam a pureza e a imaculabilidade da Mãe de Deus, mas não a imaculabilidade de sua concepção. Os mesmos Santos Padres ensinam que somente Jesus Cristo estava completamente livre de pecados, enquanto todos os homens estavam sujeitos à lei do pecado. Ademais, a igreja romana também acredita que a Mãe de Deus foi co-redentora da raça humana, em função de seu sofrimento diante da Cruz de Cristo. Dessa maneira, a Virgem Maria é colocada lado a lado com Cristo na obra da redenção, abrindo as portas para sua deificação. A Igreja Ortodoxa, por sua vez, jamais ensinou tal doutrina. Santo Ambrósio e Santo Agostinho, por exemplo, foram claros em declarar que somente Jesus Cristo era perfeitamente santo e sem pecado. A ninguém foi dado o direito de ser concebido em santidade, somente o Senhor Jesus Cristo, que foi concebido do Espírito Santo, e somente Ele é santo desde a concepção. Em suma, podemos dizer que:

(1) A imaculada conceição não corresponde às Sagradas Escrituras: Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem (I Timóteo 2:5); E bem sabeis que ele se manifestou para tirar os nossos pecados; e nele não há pecado. (I João 3:5); Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados (I Pedro 2:22); Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado (Hebreus 4:15); Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (II Coríntios 5:21).

(2) A imaculada conceição contradiz a tradição e a doutrina dos Santos Padres, conforme mencionado acima (Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São João Crisóstomo, São Basílio, o Grande, etc.).

(3) A imaculada conceição é ilógica porque, se Cristo precisasse nascer de uma Virgem que também precisasse nascer pura, então por extensão teríamos de concluir que os pais, avós, bisavós etc. da Virgem Maria também nasceram puros, sem o pecado original. Por conseguinte, todos os ancestrais de Cristo, até Adão, teriam de ter nascido puros.

(4) A imaculada conceição torna Deus um ser sem misericórdia e injusto, pois Ele salvaria pessoas a despeito suas vontades humanas, predeterminando-as antes de nascerem à salvação.

(5) A imaculada conceição nega todas as virtudes da Mãe de Deus. Se ela foi preservada de todas as impurezas, então em que consiste seu mérito? Não há vitória sem adversário. Seu “sim” foi inócuo.