26 de abril de 2006

Estudos de Platão I - The Great Ideas Program

Segue a primeira leitura da República de Platão, seguindo orientação do Volume 10 dos Great Ideas Program.

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The Great Ideas Program – Volume 10 – Philosophy
First Reading – Plato, The Republic, Vol 7, pp. 369c-383a, 388a-391a

Estrutura:

1. O Estado e os filósofos
a) Por que os Estados são mal administrados?
b) Porque os filósofos não são os reis.
c) Por que os filósofos deveriam ser os reis?
d) Porque os filósofos detêm conhecimento, não mera opinião como os sofistas, sendo por isso os mais habilitados.

2. O perfil do filósofo
a) Quais as características típicas do filósofo?
b) Sinceridade, boa memória, coragem, desapego a coisas materiais e sensuais.
c) Por que os filósofos atualmente não possuem essas características?
d) Por dois motivos: (1) Os filósofos têm suas características ímpares usurpadas e desviadas desde a tenra idade e (2) O ambiente lhes é impróprio e mesmo hostil.

3. O que fazer para que um filósofo se torne rei
a) Corrigir os métodos educacionais das crianças e jovens.
b) Apresentar à multidão o verdadeiro filósofo, que logo o reconhecerá como o mais habilitado.
Como deve agir o filósofo, uma vez rei
a) O filósofo corrigirá os costumes e caracteres privados e estatais.
b) O filósofo formulará uma nova Constituição.
c) O filósofo aperfeiçoará essa Constituição, moldando as instituições de maneira que se aproximem sucessivamente do ideal.

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Platão inicia fazendo Sócrates perguntar a Glauco qual a falha crucial no Estado que causa sua má administração. A resposta de Sócrates é que enquanto os filósofos não forem reis, ou os reis e príncipes não tiverem o espírito e a força da filosofia, os males da cidade não terão fim.

Glauco pede a Sócrates que se explique. Sócrates afirma que, antes, faz-se necessário descrever quem são esses filósofos a quem se deve confiar a liderança do Estado.

“[Filósofo] é aquele que tem atração por qualquer tipo de conhecimento e que está sempre curioso em aprender, nunca satisfeito”. (p. 370c)

Filosofia, etimologicamente, é amor à sabedoria. Um amante que ama algo não ama parte desse algo, mas ama o algo como um todo, por inteiro. Por exemplo, um sujeito ambicioso abraça um poder inferior quando não lhe é permitido abraçar um grande poder. Ele ama o poder, e abraça aquele que está ao seu alcance. Mas abraçará mais e mais à medida que lhe for possível.

Similarmente, o filósofo, amante da sabedoria, ama a sabedoria como um todo, e não parte dela. Embora se contente inicialmente com uma pequena porção, ele quer sempre mais e mais, já que é amante da sabedoria.

Glauco argumenta que, nesse caso, se a curiosidade dá o tom dos filósofos, então os amantes da música e das outras artes inferiores são também filósofos.

Sócrates responde que não, pois tais curiosos são, na verdade, imitações. Os verdadeiros filósofos são os amantes da visão da verdade. Os curiosos amam as belas cores e os belos sons, mas sua inteligência é incapaz de ver ou amar a beleza absoluta.

Ora, se a sabedoria está relacionada ao ser (já que saber é saber algo) e a ignorância está relacionada ao não-ser (já que ignorar é nada saber), há um meio-termo entre eles. É o âmbito da opinião, ou seja, o âmbito daqueles que enxergam as coisas belas mas não vêem a beleza, que enxergam a justiça nas ações mas são incapazes de ver a essência da justiça.

As opiniões são relativas, dependem do ponto de vista, da posição, do dia, da pessoa. Algo belo de certo ponto de vista poderá ser feio sob outro ponto de vista. O dobro pode ser metade. Glauco lembra-se então dos enigmas em forma de trocadilho, nos quais algo parece ser uma coisa mas também pode ser outra, ambiguamente, como as opiniões.

Sócrates e Glauco concordam, então, que o filósofo é o mais habilitado ao comando do Estado, a não ser que alguma virtude ou experiência lhe falte em relação aos amantes da opinião.

Sócrates passa então a enumerar diversas qualidades que os filósofos, por natureza, devem possuir: sinceridade, desapego a prazeres corporais, temperança, coragem (pois não temem a morte), prazer em aprender, boa memória; em suma, uma mente de conformação graciosa e proporcional.

Adimanto, porém, discorda de Sócrates, lembrando que os filósofos em geral não possuem tais qualidades, sendo bem o contrário: são rudes, inúteis, “monstros estranhos”.

Ora, Sócrates concorda, mas não que os filósofos sejam inúteis em si, mas que tenham sido tornados inúteis pelos que os cercam. E quanto às corrupções de caráter (rudes etc.), Sócrates compara o filósofo a uma semente vigorosa: se plantada em bom solo, bons frutos dará; se plantada em mau solo, péssimos frutos dará. O grande potencial de um filósofo, em meio a um ambiente hostil e refratário, renderá grandemente negativo, salvo por intervenção divina.

Sócrates continua, acrescentando que os sofistas são meros professores das opiniões alheias, capazes de descrever seus gostos e temperamentos mas incapazes de inferir delas o que é absoluto e imutável.

Além disso, desde a tenra idade, aquele que tem potencial para a filosofia terá seus talentos usurpados pelos seus concidadãos. Assim, bajulado e desviado, o protofilósofo não se submeterá à razão, torpe que está. Mesmo que porventura o protofilósofo acorde da ilusão em que vive, ainda assim seus concidadãos e amigos tentarão convencê-lo a largar a filosofia para que não percam as vantagens que desfrutam de sua usurpação, nem que para isso o leve aos tribunais. É quase impossível, portanto, que os filósofos prosperem num ambiente assim.

A filosofia acaba sendo ocupada, então, por medíocres e imitadores, que, encantados com títulos e pompas, a deturpam e denigrem. Sócrates compara tal desgraça com um ferreiro baixo e calvo (o medíocre) que, bem arrumado e bem vestido, casa-se com a filha do patrão, reduzindo-a a miséria (a filosofia rebaixada).

Após tal processo de filtragem, tem-se que o número de filósofos será baixíssimo. Essa diminuta classe poderia se dar por contente caso mantenha-se à margem das multidões, desfrutando das bênçãos da filosofia. Mas, ao mesmo tempo, o filósofo sabe que seu desempenho teria sido máximo se o Estado fosse o mais adequado para o desenvolvimento de seus talentos.

Sócrates passa então a discorrer como o Estado deve agir na educação de jovens e crianças para que a filosofia não pereça. O Estado não deve sobrecarregar as crianças e jovens com muita filosofia, mas sim com mais ginástica a fim de fortalecer seus corpos para que, mais tarde, com a alma suficientemente madura, sirvam a filosofia.

Uma vez formado o filósofo, como este conseguirá apoderar-se da administração do Estado? Como administrará o Estado? O processo no qual isso se dará é, em suma, o seguinte: (1) O filósofo, concentrado naquilo que é fixo e ordenado, torna-se ele mesmo ordenado, (2) O povo convencer-se-á de que os filósofos são os mais aptos para o Estado na medida em que lhes for apresentados os verdadeiros filósofos, (3) Uma vez em cargo público, o filósofo tentará não apenas modelar a si próprio, mas os costumes públicos também, limpando o caráter das pessoas e do Estado, não se limitando apenas a fazer leis, (4) Uma vez atingido tal objetivo, formulará um nova constituição, (5) Para aperfeiçoar essa constituição, o filósofo lançará mão de um processo sucessivo de abstrações e aplicações, ora de olho nas essências, ora de olho nos homens (c.f. Alegoria da Caverna).

Mas como, na atual e colapsada situação, tal plano poderá ser empreendido? Bastam dois elementos: (a) um filósofo, apenas um, e (b) uma cidade minimamente aberta a suas opiniões. É difícil, lembra Sócrates, mas não impossível.

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Sócrates, a fim de mostrar a distância ou a diferença entre conhecimento e ignorância, lança mão da alegoria da caverna.




Alegoria => Realidade
===============
Caverna => Mundo que nos cerca
Sombras => Objetos visíveis
Fogo => Sol
Região superior => Mundo inteligível
Subida à região superior => Ascensão da alma
Muro -> Estrada -> Objetos -> Fogo -> Exterior => Diversas etapas da ascese
Prisioneiro que se liberta => Filósofo
Sol (fonte de toda luz) => Idéia do Bem (causa de tudo o que de reto e belo existe)
Olho do corpo => Olho da alma (intelecto)
Conversão (virar o olho para a luz, com todo o corpo) => Conversão (virar o intelecto para a luz, com toda a alma)
A caverna é, assim, o âmbito dos ignorantes, daqueles que tomam as sombras pelas coisas reais. Mas a alegoria não é útil apenas para mostrar a distância entre ignorância e conhecimento, mas também para mostrar que embora a ascensão ao bem seja a melhor das atitudes, uma vez lá, os filósofos devem descer para as sombras a fim de instruir os homens ignorantes, não importa se mereçam ou não tal instrução. Tal faz-se necessário porque o Estado interessa-se pela felicidade de todos, não apenas de uma classe de poucos.

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SELF-TESTING QUESTIONS

1. Por que os enigmas de trocadilhos são como os objetos da opinião?

Porque os enigmas nem revelam nem escondem por completo aquilo a respeito de que versam. Analogamente, as opiniões, embora se refiram a coisas reais, não lidam com suas essências. Um sofista, um professor de opiniões, expressa-se a respeito da beleza da flor ou de uma estátua, mas não é capaz de expressar-se sobre a beleza em si, sobre a essência da beleza.

2. Que tipo de homem causa o maior dano à filosofia?

Os sofistas, os imitadores da filosofia, os professores de opiniões.

3. Quais os bens da vida comum que distraem o filósofo?

Beleza, riqueza, força, cargo, relações no Estado.

4. Quem é comparado ao “ferreiro baixo e calvo”, que tenta elevar-se acima de seu lugar?
Os sofistas, os imitadores da filosofia.

5. Quais as diversas condições que podem salvar um homem para a filosofia?

Aquelas que, de uma forma ou de outra, mantêm o filósofo distante das distrações e do ambiente antifilosófico: exílio, desprezo pela política, doença etc.

6. Que mudanças no ensino da filosofia Sócrates defende?

Enfatizar a educação física nas crianças e jovens e ensinar-lhes pouca filosofia, evitando temas complexos e desgastantes como a dialética.

7. A que se refere a metáfora da “circuncisão” na alegoria da caverna?

Aos cortes das más influências e dos maus temperamentos, desde a tenra infância, no processo educacional que levará o jovem à conversão (“retirada da caverna”).