Parte I: Homem, o Animal Filosófico
Introdução
Por que deveríamos aprender a pensar filosoficamente? Segundo Mortimer J. Adler, o estudo da Filosofia nos ajuda a entender as coisas que já sabemos e entendê-las melhor. E ninguém melhor do que Aristóteles para nos ajudar nessa tarefa. Aristóteles formulou as grandes perguntas que têm ocupado os filósofos ao longo das gerações e, além disso, procurou respondê-las. Não pense o leitor mais orgulhoso que, só porque vivemos no século XXI cercados de bens materiais sofisticados, um homem do século III a.C. não teria nada a nos ensinar. Afinal, Aristóteles esteve cercado das mesmas experiências básicas às quais estamos expostos hoje.
O pensamento filosófico se inicia quando fazemos perguntas. Essas perguntas podem ser respondidas com base em nossas experiências pessoais ou por meio de reflexões sobre essas experiências, resultando num aprimoramento de nosso senso comum.
Ao observar o mundo, constatamos que cada coisa possui uma natureza que a distingue das outras. Pois aquilo que diferencia uma classe de coisas do resto é precisamente o que define a sua natureza. Por exemplo, quando falamos de “natureza humana”, o que queremos dizer é que todos os humanos possuem certas características em comum que definem sua natureza, diferenciando-as dos outros seres vivos.
As diferenças menores e superficiais Aristóteles chamou de acidentais, enquanto as diferenças maiores e importantes ele chamou de essenciais. Por exemplo, homens e animais são essencialmente diferentes, enquanto homens baixinhos, gordos, altos e magros são acidentalmente diferentes.
A Grande Divisão
Quando pensamos nos diversos objetos do universo, somos tentados a dividí-los entre seres inanimados e animados e, este último, entre seres do reino animal, vegetal e mineral. É uma classificação que aprendemos na escola e, sob certos aspectos, funciona muito bem. Poderíamos continuar subdividindo estas classes de coisas em, por exemplo, mamíferos, ovíparos, anfíbios, répteis, plantas aquáticas, flores, pedras preciosas etc.
Todavia, não há no universo somente objetos físicos a serem pensados. Há muito mais. Por exemplo, podemos pensar em objetos matemáticos, deuses ou Deus, espíritos, idéias, teorias, mentes, seres mitológicos etc. A linha que divide os seres físicos desses outros seres é o que podemos chamar de grande divisão.
Considerando por enquanto apenas os objetos físicos, Aristóteles traçou uma linha que divide seus constituintes em dois grandes tipos. De um lado, há os corpos, do outro há seus atributos ou características (odores, cores etc.). Qual a diferença entre um corpo e seu atributo? Simples: os corpos são sempre mutáveis enquanto os atributos não. Pense numa pedra, por exemplo. Ela permanece sendo o que é, uma pedra, mas ao mesmo tempo pode mudar de uma forma ou de outra (em tamanho ou peso, por exemplo). Você pode estar pensando: “Ok, mas o que mudou aí foram os atributos da pedra (tamanho, peso, cor) e você me disse que os atributos são imutáveis!” Pense de novo. Por exemplo, uma pedra verde se transformou em vermelha. Observe, o verde sempre continuará sendo verde, independente do ser ao qual ele é atribuído. Verde é verde. Mas a pedra verde se transformou em pedra vermelha. Foi a pedra que mudou, não seu atributo.
Aristóteles enumerou os principais atributos a respeito dos quais os corpos mudam. Vejamos:
- quantidade, quando os corpos aumentam ou diminuem de tamanho ou peso.
- qualidade, quando os corpos alteram sua cor, formato ou textura.
- posição ou lugar, quando os corpos movem-se de lá para cá.
Podemos pensar em outros atributos. Mas o importante a aprendermos aqui é o seguinte: de todos os atributos de um corpo físico, os mais importantes são aqueles que permanecem ao longo da existência desse corpo físico. São esses atributos que fazem da coisa aquilo que ela é. Por exemplo, é um atributo permanente dos metais que eles conduzam eletricidade; é um atributo permanente dos sais que eles se dissolvam na água; é um atributo permanente dos mamíferos que eles dêem de mamar aos seus filhotes.
O homem também possui atributos permanentes. Por exemplo, a própria capacidade de estabelecer os pensamentos contidos neste artigo é um atributo humano. Mas o homem não é apenas um corpo físico. Observe que, freqüentemente, chamamos outros seres humanos de “pessoas”, coisa que não fazemos com aranhas, cães ou tatus-bola. Isso quer dizer que o homem é também uma coisa, mas uma coisa diferente da coisa que é uma maçã ou uma aranha.
As Três Dimensões do Homem
Se o homem fosse uma coisa como a maçã é uma coisa, suas três dimensões seriam as mesmas de uma maçã: comprimento, altura e profundidade. Mas o homem é um tipo especial de coisa que chamamos de pessoa, e como tal possui três dimensões que lhe são peculiares: produzir, agir e conhecer.
Na primeira dimensão, produzir, temos o homem como artista ou artesão, produtor de toda sorte de coisas: sapatos, navios, casas, música, pintura etc.
Na segunda dimensão, agir, temos o homem como ser social e moral, como alguém que age correta ou incorretamente.
Na terceira dimensão, conhecer, temos o homem como aprendiz, que adquire todo tipo de conhecimento.
Há três palavras, talvez as palavras mais difíceis do nosso vocabulário, que estão diretamente relacionadas com as três dimensões do homem. São elas verdade, bondade e beleza. A beleza está relacionada com a primeira dimensão, a bondade com a segunda e a verdade com a terceira.