5 de setembro de 2023

A metafísica do amor


Frederick Wilhelmsen acredita que o amor é algo que reside no coração de todo ser humano, e a melhor forma de abordar o tema, para aqueles que são mais voltados à meditação filosófica, é por meio da ontologia da existência. Aqueles que seguem o Cristo sabem que a lei final é a lei do amor e que a cidade a que estamos destinados é a Cidade de Deus. Como inspiração da importância do tema, eis alguns ensinamentos de Jesus Cristo e do Apóstolo:

E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas. Mateus 22:37-40

E no Sermão da Montanha disse Jesus: Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.  Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus. Mateus 5:43-48

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. 1 Coríntios 13:4-10.

É importante que antes o leitor tome contato com as descobertas de Wilhelmsen quanto à estrutura paradoxal da existência. Em suma, a existência não existe, ou seja, a existência não é um ente existente como um homem, uma árvore, um cachorro, um anjo, uma montanha, um planeta etc. Estes entes singulares actualizam a estrutura contida em seus universais, ou seja, em suas essências, mas a existência, em si mesma, não se manifesta como ente, ela é desprovida de estrutura.

As dimensões da existência humana: trágica e extática

Com base nesse entendimento, Wilhelmsen identifica duas ordens, ou dimensões, da existência humana.

Uma é a dimensão trágica, na qual o homem se vê como ser contingente, finito, sem fundamento em si mesmo, sem apoio do mundo (que supostamente é seu); em outras palavras, como se estivesse perpetuamente caminhando à beira de um abismo que leva ao nada. Enfrentar a morte e dar-lhe sentido é uma realidade da qual nenhum homem tem o direito de querer escapar. Que terrível estado de insegurança vive o homem: embora ameaçado pelo não-ser, o homem continua sendo.

Outra é a dimensão extática, na qual o homem se vê obrigado a entregar-se ao mundo das coisas e especialmente ao mundo das pessoas. O ser do homem é estruturalmente um ser com outros: (1) na comunicação, ou seja, na exigência por compartilhar sentido com outra pessoa, (2) no cuidado, ou seja, quando o contingente zela por outro contingente; e (3) no amor, o ápice do êxtase, ou seja, quando o ser do homem se torna ser-para-o-outro, isto é, o ser autenticamente humano. O homem inautêntico é, portanto, aquele que não se doa ao outro, mas, pelo contrário, se apropria do ser do outro para si próprio. Em vez de superar sua pobreza ontológica abrindo-se para amar o outro, o homem inautêntico acentua essa pobreza preenchendo seu ser com o ser do outro: ao invés de ser-para-o-outro, se transforma no ser-para-o-apropriado.

Que profundo paradoxo vive o homem: extaticamente deseja dar, tragicamente deseja ser preenchido; extaticamente precisa jogar-se fora, tragicamente precisa ser acolhido. Não há nada no homem, nem em suas partes, nem no todo, sobre o qual possa assentar-se e declarar candidamente que encontrou sua identidade. A personalidade do homem, ou seja, o aperfeiçoamento de sua pessoa, não é constituído por um “eu”, mas por um “nós”.

Este entendimento começou a romper-se na Renascença, quando pouco a pouco o desenvolvimento de uma pessoa (i.e. personalidade) foi sendo entendido como o cultivo de um ego. Note que o homem medieval desconhecia a dicotomia sujeito-objeto. Para ele, sujeito é aquilo que há de supremo, de eminente, no ser, enquanto objeto é o conhecimento desse sujeito. O homem conhecedor era apenas mais um sujeito dentre tantos outros sujeitos no cosmos. Para o homem moderno, no entanto, o sujeito é somente o ego pensante, enquanto objeto é o conteúdo desse sujeito pensante.

Este rompimento foi posteriormente, ou concomitantemente, potencializado pela palavra escrita. Enquanto o homem antigo e medieval filosofava com coisas e pessoas diante de si, o homem da modernidade clássica filosofava com folhas de papel diante de si. Homens solitários como Descartes, Spinoza, e mesmo Leibniz, estavam envoltos em uma cultura livresca na qual as imagens sensoriais eram eminentemente espaciais, carentes de movimento, posteriormente congeladas em abstrações transformadas em absolutos ontológicos. Observe como na psique da filosofia moderna o ego pensante torna-se o centro da existência, o juiz do mundo, em oposição aos objetos “lá fora”. O ego pensante eleva-se à categoria de personalidade abstrata, a qual toda a realidade curva-se ante sua validação e racionalidade. O ego pensante ganha pois ares de divindade.

Mas talvez o motivo mais importante esteja no seio mesmo da Idade Média. Wilhelmsen nota que se abateu na Europa do começo do século XIV uma espécie de “ansiedade coletiva”. O bom combate ao qual o Apóstolo havia chamado os seguidores do Cristo, a civilização de camponeses, soldados e monges, começou a cansar em meio ao nada e à falta de sentido do mundo natural. Pouco a pouco essa civilização começou a buscar alívio desse fardo da contingência. O homem renascentista começou a enxergar na natureza uma excelência e uma beleza antes despercebidas. O corpo humano bem formado e estético, uma racionalidade baseada na moderação moral da Ética a Nicômaco; a Renascença começou a negar insistentemente a trágica situação humana e o mistério da contingência de sua existência temporal. A abertura do ser no homem foi fechada e selada.

A pessoa humana é aquele todo no ser que, experimentando-se como finito e contingente, sem qualquer domínio sobre o seu próprio ser, existe, no entanto, dentro de uma ordem de ser à qual o seu próprio ser está aberto e na qual deve procurar o seu destino, a ponto de almejar a superação do mundo e a doação de si mesmo a um Ser que, não necessitando dele em nenhum sentido, no entanto se dá e cura assim as feridas da contingência.

Wilhelmsen nota, no entanto, que o ser não deve ser reduzido a um mero “ser-para”, ou seja, o ser não é apenas a relação que estabelece. O ser é, em suas palavras paradoxais, “simplesmente ser, mas todo ser está aberto de si mesmo”.

Observe como a metafísica do ser pode nos ajudar a entender como, e por que, o homem tende a distanciar-se do todo que é em favor de seu ego. Por exemplo, quando estamos doentes sentimos que nosso ser está como que se dissolvendo, se despedaçando, se estilhaçando. É como se o corpo doente de repente estivesse “aí”, flutuando diante do espírito observador, como se o corpo fosse uma peça adjacente, um elemento meramente contíguo à alma. Em termos morais algo semelhante acontece. Observamos nosso passado com certo assombro e mesquinhez, e nos perguntamos como, afinal, desperdiçamos tanto tempo com bobagens e negligenciamos o desenvolvimento de nossas qualidades, de nossos relacionamentos, de nossas carreiras, de nosso crescimento espiritual. Uma vida reduzida às cinzas da esperança. Ou mesmo em nossas experiências filosóficas que, por meio da introspecção típica da meditação cognitiva, termina por concluir de maneira afobada que o homem é seu ego e que apenas tem um corpo. Quando estou morrendo, não devo concluir que meu ser permanece no ego, mas, pelo contrário, a angústia da morte é sinal de que o corpo também é meu ser. Aqui chama a atenção que Montserrat Calvo Artes chegará à mesma conclusão: sou meu corpo, não tenho um corpo.

Sim, claro, é evidente que há um senso de distância entre corpo, alma e espirito. É evidente que o corpo não participa do ser da mesma forma que o espírito participa do ser. Mas é evidente também que somos um ser, que somos uma unidade, e não vários seres meramente aglutinados. Somos um ser (um esse), que na verdade é um ente (um ens), um “está sendo”. Este é o ponto: somos inseparáveis de nossa existência. Sou meu corpo, minhas operações, minhas faculdades: o esse não é a alma nem o corpo, mas o esse toca a alma, a parte formal do corpo. Como demonstrou Santo Tomás de Aquino, por participação, o corpo também faz parte do ser do participante. É notável o que acontece quando o homem divorcia o corpo da alma. Quando o exercício do poder é divorciado do corpo, o homem perde o senso de responsabilidade sobre seus efeitos. Bernanos comenta sobre o piloto que, embora capaz de apertar um botão e matar milhares de pessoas, é incapaz de matar uma borboleta com as mãos.

Modernamente, o humanismo em suas diversas formas é uma maneira de tentar escapar da dimensão trágica da existência humana. O humanismo é incapaz de entender que, temporalmente falando, o homem não está acima do cosmos das coisas e valores. O homem é um ser relacionado a, e não um ser que se relaciona. O efeito de abafar a dimensão trágica é bloquear o chamado ao êxtase. Desde a psicologia de Jung à educação liberal de Mortimer Adler, todo humanismo está convicto de que o homem contém em si (mesmo que admita a existência de Deus) a fonte e o fundamento de sua própria perfeição: o humanismo veda, sela, isola a pessoa em seu ego e busca dentro da pessoa selada a sua personalidade, negligenciando a abertura do ser, a finalidade mesma do homem. O humanismo se esquece de que a pobreza do homem é sua glória.

A filosofia espanhola

Para melhor esclarecer como se dá a relação do homem com essas dimensões da existência, Wilhelmsen lança mão de dois filósofos espanhóis: José Ortega y Gasset e Xavier Zubiri. O fato de ter vivido alguns anos na Espanha e ensinado na Universidade de Pamplona lhe garantiu um extenso contato com a filosofia deste país. Ademais, a filosofia nunca se divorcia dos temas e problemas típicos do local onde se desenvolve, e no caso da Espanha, após a queda do império espanhol e certo complexo de inferioridade perante os países do norte europeu, Wilhelmsen não deixa de notar como os filósofos espanhóis do século XX procuraram entender a relação do passado e do futuro da Espanha no contexto da Cristandade ocidental, permitindo assim que se concentrassem mais na dimensão histórico/temporal da existência humana, precisamente o que Wilhelmsen busca para, a partir desse patamar histórico, elucidar a dimensão aberta (“extática”) da existência humana.

É notável portanto que a especulação metafísica espanhola se recuse em aceitar uma teoria do ser que o veja de maneira estática, isolada, fechada. Pelo contrário, os grandes filósofos espanhóis sempre admitiram, a despeito das orientações religiosas que defendam, que a existência humana possui uma estrutura histórica e aberta. É precisamente acerca desse ponto que Ortega cunhou sua hoje famosa máxima da razão vital: Yo soy yo y mi circunstancia. O ser humano, para Ortega, não é propriamente um ser, mas um “vai sendo” (va siendo), ou seja, se por um lado uma realidade físico-matemática é regida e expressa por uma lei, uma realidade humana é expressa por uma história. Observe que para Ortega a vida é maior do que o ser porque a vida humana se lança não para aquilo que não foi, mas para aquilo que pode ser à luz do que foi. Em outras palavras, o passado está aqui em mim. Eu sou o passado, mas eu também sou maior do que meu passado e, portanto, mais amplo que meu ser. O ser estático, isolado, fechado, é um mero cenário, mas o ser dinâmico, relacional, aberto, é um drama. Tal ser estático é paralítico assim como são paralíticos os corpos geométricos. O ser dinâmico é ao mesmo tempo história e tradição porque o ser dinâmico é ao mesmo tempo um progresso para o eu e um engendramento desse mesmo eu.

Zubiri concorda que o ser estático, aquele que provém do “é” subsistente às coisas, tem de ser corrigido à luz do ser quando aplicado à inteligência. O ser do homem é um “ser-aberto-às-coisas”, um “ser-é-outro”. Ao mesmo tempo, este “ser-outro” é um retorno da inteligência a si mesma: quanto mais me estendo ao próximo, tanto mais me torno o eu que sou. Ao ponderar sobre o ser das coisas, o ser do homem e o ser de Deus, Zubiri alcança um entendimento do ser que, a exemplo de Ortega, é aberto, extenso, descerrado, destapado. Além disso, Zubiri também nota a diferença entre a concepção de amor entre cristãos latinos e cristãos gregos. Para o Padres gregos, o amor (agape) tão reiteradamente mencionado por São Paulo e São João deve ser entendido em um sentido estritamente metafísico. Não se trata de um amor moral, mas de um amor ontológico.

Ao mesmo tempo, Zubiri também nota que a energeia aristotélica, própria dos seres vivos (ver post anterior sobre Wilhelmsen) -- ao contrário da enteléquia, própria das coisas, que era designada como atualidade --, é melhor designada como atividade, ou seja, como algo que está sendo, que se está desenvolvendo, que é “ec-stático” (extático), que se difunde a si mesmo dinamicamente. Zubiri sustenta que o ser estático – fixo e completo – sempre recebe enquanto o ser dinâmico – ação primitiva e radical – sempre executa. Para os gregos, essência não é o correlativo de uma definição, como entendiam os latinos, mas uma atividade radical constituinte do próprio ser, a própria raiz de toda sua manifestação. A essência é algo ativo, é como se a essência fosse uma “para-essência” manifestada numa dinâmica que é a própria verdade da ousia, pois é esta essência dinâmica que torna a ousia cognoscível. Zubiri sagazmente diz que Deus não é Ato Puro, mas Ação Pura. E tal atualidade, no caso do homem, é dada, segundo Zubiri, por sua origem. É assim, portanto, que se dá a personalidade: ela tende para a origem e fundamento de seu ser e, ao mesmo tempo, àqueles que compartilham da mesma natureza. Estamos falando, claro, de uma abertura, de uma doação, à Deus e aos demais homens. Estamos falando não de um simples eros, mas de um agape, de um amor místico. Eis também por que Zubiri concorda com os Padres gregos sobre o primado da personalidade sobre a natureza, e, por extensão, sobre o primado da Trindade sobre a Unidade divina, ao contrário do que entendiam os latinos.

Mais bela ainda é a meditação empreendida por Wilhelmsen quando nota que algo de agape está presente em eros também. Quando nos dedicamos à manufatura de algo, à decoração de um aposento, por exemplo, algo dele retorna a nós. Em outras palavras, obtemos aperfeiçoamento mediante o eros que nos ligou à construção e uso daquele objeto. No caso dos seres humanos, algo mais amplo ocorre: quando nos relacionamos em amor (agape) a outros seres humanos, não só este amor se difunde de nós a eles, mas deles a nós também. É o típico caso do amor de uma homem por uma mulher, por exemplo. No caso das coisas, o aperfeiçoamento é uma certeza; no caso dos homens, o aperfeiçoamento é uma esperança.

Ser, não-ser e amor

No entanto, ao longo da história da filosofia, alguns pensadores concluíram que o amor não é o aspecto eminente do ser, mas sim o poder. Isso é compreensível porque precisamente em função da dimensão trágica da existência, isto é, a tentativa de escapar da aniquilação, do “não-ser”, da inexistência, o ser tem de afirmar-se na existência, arraigar-se no real. Observe que há aí uma dupla negação: o ser é a negação da negação do ser, ou seja, a negação do não-ser. É o “poder do ser”: a autoafirmação do ser sem o não-ser não seria autoafirmação, mas uma mera autoidentidade imóvel. É o não-ser que impele o ser a abandonar sua reclusão e o força a afirmar-se dinamicamente.

Assim pensava o filósofo alemão Paul Tillich, que influenciou grandemente o Protestantismo. Se ser é poder, então esse poder tem de ser exercido contra alguma coisa. Essa alguma coisa é o não-ser. É o poder que melhor representa o ser, eis o aspecto mais eminente da existência.

Mas Wilhelmsen não aceita esse entendimento. A exemplo do que fará em sua obra sobre a estrutura paradoxal da existência, o filósofo americano não deixa de notar que o não-ser simplesmente não pode ser articulado intelectualmente e nem mesmo experienciado imaginativamente. Se cremos que o fizemos é porque transformamos o não-ser em algo que ele não é, em algo extravagante e evanescente, sem duvida, mas ainda assim algo. Esse algo, que evidentemente não é o não-ser, é precisamente o veículo do caos, o arauto da destruição da personalidade humana. É precisamente a contemplação, a consideração, que um individuo ou sociedade faça do seu “ser” que determinará como manejará a ansiedade ante o “não-ser”. Para os antigos gregos, por exemplo, ser é estrutura, forma, autoconsistência, identidade, ordem. O não-ser então é o devir, a mudança, a corrupção, a desordem. Antonio Millan Puelles resumiu brilhantemente a coisificação do não-ser em uma frase genial: El no ser es aqui, no la falta de forma, sino la forma del faltar. A ansiedade grega é conquistada pelo amor grego à ordem. Os gregos nunca questionaram o ser enquanto tal porque nunca lhes havia ocorrido a ideia de que o cosmos fosse uma dádiva de Deus e que, portanto, poderia o ser não ser.

Wilhelmsen acredita refutar, ou ao menos responder, à ideia do não-ser com um raciocínio simples. O universo do ser é simplesmente porque Deus o causou. Por que Deus o causou? Porque Ele quis. Por que Ele quis? A pergunta não admite resposta porque se perde no mistério da liberdade divina. Não há uma “razão” para Deus querer, mas algo que transcende todas as razões: o amor. Há o ser e não o nada porque há o amor. O amor não é uma razão, mas é uma causa. A criação não é uma dádiva de Deus para nós; nós somos a dádiva.

A pergunta não é, portanto, por que há o ser e não antes o nada, mas por que todos esses “nadas” ontológicos estão exercendo o ato de ser? Somos ontologicamente pobres, somos radicalmente insuficientes. A alternativa à ansiedade do “não-ser” de um mundo criado por Jesus Cristo é uma só: gratidão.

O fundamento do poder do ser contra as forças da corrupção e do nada é o amor a si mesmo. Quando amo a mim mesmo eu amo todo o ser do qual eu sou uma parte. Ao amar o todo eu amo a mim mesmo. O homem é, e ao mesmo tempo não é, o todo no qual participa – esse todo é evidentemente o ser –, mas o homem somente participa no ser ao abrir-se à realidade de sua totalidade. Amar a si mesmo é amar o próximo porque o amor a si mesmo é o próprio ser do homem. Um ato cujo término é o próximo ama seu término ao amar a si mesmo e ama a si mesmo ao amar seu término. Em suma, amar a si mesmo é amar o próximo.

Abrir-se de si mesmo e acolher o próximo. Que tolo paradoxo: ganhamos nossa alma ao tirá-la fora. O verdadeiro amor é tolo, afinal, mas eis a herança que compete à raça humana. Ao invés de fugir dela, melhor abraçá-la.

Fonte: Frederick Wilhelmsen, The Metaphysics of Love, Angelico Press, Brooklyn, NY, EUA, 2022.