9 de agosto de 2023

A existência não existe: a estrutura paradoxal da existência


A tese central do filósofo americano Frederick Wilhelmsen é a de que a existência não existe. Ela carece de uma estrutura e, portanto, não pode ser afirmada nem negada. Por isso Wilhelmsen propõe algo como uma “metafísica transdialética”, paradoxal, barroca, uma metafísica que, nas suas palavras, não seja “covarde”, mas “cavalheiresca”. Veremos como ele chega lá, mas antes é preciso que retomemos o desenvolvimento de alguns conceitos metafísicos fundamentais da Antiguidade e da Idade Média.

Parmênides Heráclito Platão Aristóteles Avicena Averróis Santo Tomás de Aquino

Parmênides provavelmente foi o primeiro filósofo pré-socrático que sacrificou o múltiplo, ou seja, o mundo conhecido da sensação. Ele substantivou o “é” verbal, típico do mundo da intuição sensível, e o transformou em um “Ser”. Assim, o “é” se converte no Uno, Imutável, Incausado, Infinito etc. Heráclito, por outro lado, insistiu em negar qualquer vínculo entre o ser e a realidade sensível. Ele concordava que a inteligência unifica e apresenta a realidade como algo que “é”, mas negou que esse fator fosse extramental. Em outras palavras, para Heráclito o Ser é uma mentira e o mundo real é composto de mudanças constantes.

A filosofia de Platão representa um esforço para equilibrar as tensões do ser descobertas por Heráclito e Parmênides. Para Platão, ser significa “ser igual a si mesmo”, ou seja, o ser platônico é isso que já é, o conseguido, o finalizado, o feito. Ortega y Gasset não deixa de apontar em Platão a velha tendência grega a interpretar a realidade como presença. De qualquer forma, quando constitui o ser como “mesmidade”, Platão indica que, apesar do fenômeno da mudança, o ser permanece em seu estado puro na forma. Este celular que tenho em mãos sofre mudanças constantemente, seja de posição, seja de alguma qualidade (cor etc.), seja sua constituição material, mas ele continua sendo “si mesmo”. Houve uma mudança de forma (preto para vermelho, por exemplo), mas o celular continua sendo “si mesmo”. Ora, se o ser é “mesmidade”, então o ser se encontra em estado puro somente dentro da mente. As ideias ou formas do ser não mudam. O ser nas coisas muda, suas formas não. Os homens vêm e vão, as coisas belas se apresentam ao mundo e logo morrem, mas as ideias de humanidade e beleza permanecem idênticas. As formas estão “localizadas”, digamos assim, na inteligência humana, que as capta em sua pureza. Para o homem vulgar, a realidade é apenas e tão-somente aquilo que afeta os sentidos e paixões. Para o homem inteligente, há uma diferença entre realidade e ilusão. Platão ensina que o mundo sensível “participa” na inteligibilidade do mundo das ideias ou formas. As coisas são apenas “exemplos” imperfeitos e imaturos das formas do ser. As formas existem, ou seja, se “exibem”, como ensinou Mário Ferreira, mas não existem “em absoluto”, ou seja, não são ser. Destruir a forma implica, portanto, em destruir o mundo dos entes e simultaneamente assassinar a inteligência.

No entanto, Aristóteles “localizou” a relação forma-coisas de outra maneira. Platão, como vimos, pensou essa relação como se originando na mente e terminando nas coisas. Para o Estagirita, no entanto, as formas são descobertas no mundo das coisas juntamente com suas próprias configurações. Em outras palavras, Aristóteles nega o “mundo duplicado” de Platão e nega, portanto, que haja um ser fora das coisas. Ademais, Platão, como vimos, entendia a mudança como uma substituição de uma forma por outra. Aristóteles não via assim: para ele, a mudança contém um “princípio” ou “elemento” que, como bem sabemos, se chama “potência” (ou às vezes “potencialidade”). Ele descobriu uma primeira potência radical que está presente em todas as coisas suscetíveis a mudança: o “princípio de não-ser relativo” (qualquer coisa que é pode deixar de ser) ou “infinitude” (qualquer coisa é potencialmente qualquer outra coisa). Trata-se da famosa “matéria prima” aristotélica. É a matéria prima que impede que tudo aconteça ao mesmo tempo e simultaneamente permite que as coisas possam “acontecer”. A matéria prima é o princípio do tempo, portanto. Por outro lado, para Aristóteles a forma é uma limitação estrutural, ou determinação ativa, da coisa. É o que uma coisa é agora. É a famosa atualidade. As formas são, portanto, os atos da matéria, são os princípios que energizam e especificam a matéria, determinando-a desta ou daquela maneira. A essas duas “causas internas” (matéria e forma), Aristóteles acrescentou outras duas “causas externas” (o agente e a finalidade), que, juntas, compõem a natureza. A natureza e as quatro causas são uma e mesma coisa. A realidade é causalidade. Os erros filosóficos são erros sobre as causas.

Há, no entanto, atos que não são finalizados ou realizados. Os exemplos simples de potência e ato que explicam as mudanças cotidianas, como uma parede que antes era branca e agora é vermelha ou um animal que se move numa floresta, não são capazes de explicar os “atos vitais”, ou seja, ações como pensar, contemplar, imaginar, conhecer, amar etc. Posso pensar em “x” e continuar pensando em “x” indefinidamente, assim como posso amar “y” e continuar amando “y” indefinidamente etc. Nas mudanças estritamente falando, nas mudanças simples, há um presente que tem um passado. Nos atos vitais, o “processo” se identifica com o próprio ato; não há propriamente um ato que emane de uma potência. Em suma: à mudança estrita chamamos enteléquia, à mudança ampla imanente chamamos energia. Wilhelmsen aponta que Aristóteles fracassou ao insistir que o ato formal se esgota na matéria, ou seja, na ordem do ser o ato formal não desempenha nenhuma atividade “para o ser mesmo”. É como se a transcendência aristotélica estivesse “encurtada”, algo com uma “transcendência material”.

Se para Platão ser significa forma, para Aristóteles ser significa substância, ou seja, a raiz ou base do ser. É a substância (ou forma substancial) que faz a coisa ser o que é e fazer o que faz. A forma, para Aristóteles, simplesmente não existe. Ele nega ostensivamente que a forma seja o principio ontológico do que quer que seja. Muito bem, mas essa constatação nos impõe um dilema: se o ser só existe nas coisas compostas, ou seja, o principio do ser não está nem na matéria nem na forma, mas essas coisas compostas só existem através da matéria e da forma, então como essas coisas compostas podem ser ou existir através de matéria e forma que não são nada em absoluto? Em poucas palavras, as coisas compostas têm ser através de forma e matéria que, por sua vez, não têm ser nenhum. Ortega não deixa de observar que o Deus aristotélico é um “filósofo que se admira a si mesmo no espelho”. Não faz nada, não governa, não age.

Ora, no mundo islâmico o pensamento platônico e aristotélico foi mais bem preservado, e foi no âmbito do Islã que houve certo desenvolvimento de suas descobertas. Avicena concluiu que se o “cavalo em si” (ele gostava desse exemplo) existe tanto neste cavalo individual quanto no “cavalo universal”, então o “cavalo em si” não é nem o existente individual nem o existente universal. O “cavalo em si” não pode estar em dois “lugares” ao mesmo tempo. Avicena deduziu uma distinção entre o principio de essência (natureza) e o principio de ser (existência). Em outras palavras, essência e existência são realmente distintas e, além disso, são distintas dos universais. Há um “terceiro elemento” que pode ser compartilhado tanto pela existência quanto pelos universais. Trata-se da essência (natureza), que em seu estado puro é pura possibilidade de ser em alguma ordem, seja ela individual ou universal. Portanto, o possível é anterior ao atual e, consequentemente, a existência é um acidente da essência (natureza). Nas palavras de Avicena, a existência “lhe ocorre” à essência (natureza). Enquanto para Aristóteles os acidentes se derivam do ser, para Avicena o próprio ser também é um acidente da essência (natureza). Deus confere às essências puras o acidente da existência (ser) e, de certa forma, a essência desempenha um papel prévio e mais primordial do que a existência. Ou seja, as coisas são antes de serem, digamos, e assim a liberdade divina e a liberdade humana se convertem em um mito ou superstição. A existência é “esvaziada” de importância, pois ele é mero prolongamento da possibilidade. À moda de Leibnitz, os “predicados” estão contidos na “mônada”. Xavier Zubiri não poderia estar mais de acordo: a realidade é algo mais fundamental que o ser ou a existência.

Averróis nota que se a existência é um acidente, se o ser pertence à ordem acidental, então a existência tem de “funcionar” da mesma maneira que os demais acidentes “funcionam”. Ora, o ser (existência) não é substância, nem quantidade, nem qualidade, nem nenhuma categoria. Portanto, o ser nada é realmente. Absolutamente nada real, nenhuma coisa real, existe. É necessária uma metafísica que contorne esse absurdo, que veja o ser (existência) como um princípio último do real, mas que de forma alguma se identifique com o real.

Aqui entra um aspecto sobre o próprio exercício da metafísica como atividade intelectual. Wilhelmsen nota que tradicionalmente, como o fazem modernamente Étienne Gilson e outros tomistas, a metafísica é considerada como uma atividade pertencente à segunda operação da mente, ou seja, ao ato de julgar. Isso significa que o ser, a exemplo de quaisquer coisas, é tratado pela mente como algo que se “vê” ou que se “presencia”, isto é, como algo que você pode vislumbrar detidamente. Wilhelmsen, a exemplo de Mário Ferreira dos Santos, discorda: a metafísica é mais bem uma atividade da terceira operação da mente, ou seja, ao ato de arrazoar. O julgamento jamais alcançará a existência, pois a existência não é um “ser isto ou aquilo”. O ser não é um objeto que possa ser pensado pela inteligência humana. O intelecto deve portanto arrazoar sobre o ser como o “é”, e jamais converter esse “é” a um objeto. Parece-me que Wilhelmsen propõe que a metafísica parta sempre de raciocínios ontológicos em lugar de raciocínios lógicos. É como se a metafísica tivesse que contentar-se com a obscuridade, algo semelhante à obscuridade de que falam os místicos. Nas palavras de Wilhelmsen, “[a metafísica] não alcança sua glória, mas se mostra orgulhosa por haver sido fiel à luz da inteligência”.

Bem, retomando o que ensinou Avicena, a essência (natureza) goza de três funções ontológicas: (1) essência do mundo, no qual existe individualmente, (2) essência na mente, na qual existe universalmente e (3) essência como essência. Mas, segundo Santo Tomás de Aquino, a função (3), essência pura, é uma ficção. É algo que você pode cogitar, que você pode pensar, mas não é algo que você possa cortar (cindir, como diria Santo Tomás) do ser, sob pena de reduzir a essência ao não-ser, ao zero, ao nada. Ele conclui que o ser (existência) é o princípio metafísico mais importante, que engloba a essência sem identificar-se com ela. O “ser” não pode ser definido porque se situa fora da ordem das definições. A definição é o que pensamos de uma coisa e responde à determinação da própria coisa, de sua estrutura, e encontra-se arraigada na forma. Mas o “é” não pode ser concebido porque não é nem tem estrutura ou forma.

Ora, embora a existência englobe a essência, deve haver entre elas uma relação única e radical. Daí Santo Tomás lança mão do conceito de “ente”. Ente é em português o particípio presente de ser, assim como “temente” é particípio de “temer”. Ente indica a atividade de existir, assim como temente indica a atividade de temer. É quase um gerúndio, que também desempenha funções semelhantes a um particípio presente. Se todos os entes, todos os “sendos”, são determinados, é impossível que eles retroativamente determinem o próprio ser, a própria existência. Se a determinação do ser não pode vir de fora dele, então forçosamente terá de vir de dentro. O ser transcende a forma e a matéria, mas mostra-se racionalmente como núcleo transcendente de tudo o que é.

A estrutura paradoxal da existência

O ser ou a existência é, portanto, uma extramentalidade radical. Em outras palavras, a existência não pode ser concebida nem experienciada pelo homem e, portanto, está enraizada de maneira totalmente externa à mente humana. É como e a existência portasse um princípio de não-identidade com a natureza (essência). Enquanto os objetos são como que “lançados” à inteligência e à sensibilidade, a existência nunca é dada, nunca “está aí”, nunca é lançada. Assim, a essência ou natureza é o que Wilhelmsen chama de ordem analítica da causalidade, isto é, as causas aristotélicas são a base da análise científica. Uma análise perfeita, portanto, é a resolução de determinada realidade em suas quatro causas.

No entanto, quando uma análise se separa da função sintética da existência ocorre uma “fragmentação”. É o que aconteceu na era racionalista, inaugurada por Descartes e potencializada por Gutenberg, uma vez que a realidade foi dissecada em um mosaico de ideias modeladas por palavras impressas em livros. O prejuízo filosófico foi enorme. A unidade de compreensão humana do real perdeu-se em meio à fragmentação da vida: econômico vs. lúdico, sacro vs. profano, alta cultura vs. cultura popular etc. A máquina é uma espécie de arquétipo da mente analítica que se projeta no real. A análise, divorciada da síntese, engendra uma hostilidade à unidade do ser e, por que não dizer, à paz do ser.

Wilhelmsen mostra que toda operação analítica perde “algo”. Não importa se a analise é perfeitíssima: “algo” sempre desaparece. O homem apaixonado por uma mulher, ao enumerar suas qualidades, perderá “algo” necessariamente. Esse “algo” não é nada em concreto. É apenas e tão-somente o “ser” do analisado. O ato de existir transcende a ordem analítica. Em termos estéticos, o esse (ser) é barroco puro, ou seja, não se reduz à mera soma da assombrosa complexidade de materiais, sintetizando uma pluralidade de essências díspares. O ser é um catalisador da natureza, das essências. Em termos práticos, não há sinfonia, poema, crise moral ou intuição criativa que se explique pela conjunção de suas causas.

O filósofo que assim procede, ou seja, o filósofo que é capaz de entender que o “é” da existência não se apresenta, não se presencia, no real como um objeto, intui o que Wilhelmsen chama de transcendência negativa. Em outras palavras, a existência não existe, ou ainda, a existência não existe da maneira como a projeção dinâmica das essências no tempo existe. Se pudéssemos criar uma imagem da existência, seria algo como o vento que empurra um barco à vela. O vento não está onde estava e não pode ser visto, mas o barco navega alegremente. Assim também o Espírito preenche todas as coisas, mas não se identifica com nenhuma delas.

Vale a pena repetir: o ato de existir nem é nem não é. Se eu afirmo que a atividade existencial é, então a reduzo a uma coisa dotada ela mesma de existência. Se eu afirmo que a atividade existencial não é, então reduzo a coisa a um inexistente. O ser é formalmente sua própria contradição. O ser denota sua identidade com o não-ser.

A dificuldade em aceitarmos a estrutura paradoxal da existência está no fato de que abordamos a existência do ponto de vista dialético, ou seja, identificamos uma tensão entre opostos e a partir daí queremos contradizê-los para buscar uma unidade superior. O pensador dialético é um sujeito obcecado com a tensão, mas é incapaz de viver dentro dela. O paradoxo, no entanto, alcança a tensão e a mantém. O filósofo digno desse nome rejeita afirmar ou negar a atividade existencial e filosofa dentro da tensão. Esse filósofo força-se a concluir que a existência não é essência nem não é essência. O esse (ser) da coisa é algo que não pode ser assimilado intencionalmente (quanto à esfera intencional da realidade cf. Dicionário Filosófico de Mortimer Adler, verbete SER). Wilhelmsen belamente afirma que:

Eu transcendo afirmativamente na fé fusionando-me com o Deus da Revelação mediante a graça, e transcendo negativamente na metafísica negando que o esse é natureza. [...] Por natureza, as coisas são não-entes. Todos nós somos nadas vindos ao ser, mas ainda que tenhamos sido feitos para ser, a existência não se arraiga em nós. A existência não se assenta na natureza da mesma maneira que as sementes se assentam na terra lavrada onde crescem e se convertem em parte do campo.

Com isso, Wilhelmsen quer dizer que não há identidade metafísica entre a existência e a natureza. Trata-se de uma verdade “extremamente radical”.

A metafísica mal-assombrada pelo nada

O fato de o pensamento metafísico dos últimos séculos ter situado o ser ou existência no nível da essência ou natureza detonou profundos efeitos na filosofia e na cultura. Em especial, embora não só, a filosofia existencialista é um sintoma dessa doença. O nada, que de certa forma sempre se encontrou sob a realidade passa agora a brotar de dentro do ser.

Heidegger foi quem melhor expressou essa intuição ao interrogar-se por que existe o ser e não antes o nada. Observe que para Heidegger o nada é uma função do ser. Se não há o ser, então haveria, ou resultaria, o nada. Aqui notamos uma espécie de fracasso da essência para o homem. Sim, pois se Wilhelmsen tem razão ao afirmar que a essência ou natureza só é inteligível se a distinguimos do ser ou existência, então a pergunta de Heidegger simplesmente não faz sentido. Foi essa distinção ontológica que permitiu ao Ocidente desenvolver o mundo natural, que soltou as amarras do desenvolvimento científico e tecnológico antes preso à confusão entre natural e metafísico, entre ser e essência. Mas o homem que se contenta em ver a natureza única e exclusivamente como essência se arrisca a ser ameaçado pelo nada. É como se o homem contemporâneo tivesse resvalado ao velho entendimento de outras civilizações segundo o qual ser existência e essências são uma e mesma coisa. O próprio desenvolvimento tecnológico e científico tomou as rédeas da civilização ocidental e, para continuar exercendo sua hegemonia, não pode permitir que o ser se reintroduza na ordem da essência e, portanto, o afoga no mar do esquecimento. O cansaço e o tédio do homem contemporâneo é resultado não do progresso em si, mas desse afogamento do ser, desse esquecimento ditatorial do ser em prol do próprio progresso científico e tecnológico. Portanto, a pergunta de Heidegger não é uma pergunta efetivamente, mas um sintoma do esquecimento do homem contemporâneo a respeito do ser. Ele perdeu, digamos, a “densidade existencial” das coisas. É claro que o desenvolvimento das matemáticas e da ciência moderna exige que o ser seja isolado. Mas isolá-lo é uma coisa, esquecê-lo por completo é outra. Perguntar sobre o não-ser (nada) é algo que só pode ocorrer a quem tome a natureza como ponto de partida. Como descobriu Santo Tomás de Aquino, o ser abarca a essência, mas a essência não inclui o ser. Se o homem contemporâneo insistir em não ir além da essência, se insistir em não transcendê-la novamente, se afogará na angústia. E a resposta para essa angústia é uma só: Deus.

Há, confirme Norberto del Prado, uma não-identidade radical entre os entes – ou seja, uma mesma árvore não é idêntica a uma outra árvore, mas é sim idêntica a si mesma – e uma identidade do ser em Deus. Em outras palavras, no plano das essências há uma dualidade mesmo-outro (mesma árvore, outra árvore), mas no plano da existência há apenas identidade e não-identidade (é árvore, não é árvore). Quando Heidegger substitui o ser pelo nada, trata o nada como uma alteridade do ser, como se ser e nada fossem o “mesmo” e o “outro” típico dos entes na natureza. O que o juízo afirma é apenas e tão-somente que a árvore é. O juízo não afirma que o ser da árvore exista. O ser da árvore não é um dado da experiência humana, não é algo do qual tenhamos experiência cognitiva. A existência, novamente, é uma realidade extramental, ela não é nem não é, ela escapa da ordem do “dado” e da objetividade. A existência não pode ser contradita, no sentido de que não pode ser oposta ou dualizada. Não se trata aqui de negar a existência, mas de negar a existência da existência.

Wilhelmsen acredita que a inserção do “não-ser” no ser é consequência de uma teologia protestante dialética.

Pessoa vs. natureza

Uma distinção entre indivíduo e pessoa se faz notar em função da “localização” do ser na existência ou na essência. Se Cristo é verdadeiramente uma pessoa que subsiste em duas naturezas, então existe de algum modo uma distinção entre pessoa e natureza. Wilhelmsen nota que a Cristandade tende a situar a personalidade dentro da estrutura do ser, consequentemente a natureza situa-se na ordem da essência, o que a desveste do caráter divino que lhe havia outorgado o pensamento clássico. Não sou eu que estou “a serviço” da natureza, mas é a natureza que está a meu serviço.

Afinal, quem sou eu? Este “quem” não é apenas a soma de tudo o que é, mas há um “plus” ou “excesso”, que é o ato de existir. A personalidade humana só existe dentro de sua fonte, que é Deus. Ela só existe em Deu, o esse da pessoa é de Deus, embora não seja, claro, o Esse de Deus. Ora, se Deus é a Identidade da existência, então Ele também é a Identidade da personalidade humana. O futuro da personalidade humana não depende exclusivamente do futuro impessoal, ou seja, do conjunto de fatores causais já dados em potência a ser atualizado. Em outras palavras, o futuro pessoal não se reduz à dimensão material da natureza humana, ou seja, a liberdade pessoal transcende a determinação inscrita na ordem da natureza. Meu futuro, portanto, está em Cristo. É nEle que serei conhecido, é nEle que me encontrarei em plenitude. Minha identidade em Cristo é o pleno retorno de meu ser a sua fonte.

Fonte: Frederick Wilhelmsen, The Paradoxical Structure of Existence, Routledge, Nova York, NY, EUA, 2015.