16 de agosto de 2023

Elementos de psicologia das emoções: Santo Tomás de Aquino vs. René Descartes


A psicologia do século XX só pode ser entendida investigando as raízes anteriores à formação da psicologia científica por Wilhelm Wundt (1832-1920). Estas raízes fundam-se em duas figuras: René Descartes (século XVII) e Santo Tomás de Aquino (século XIII). A concepção das emoções em última instância deriva de uma dessas duas versões clássicas: cartesiana ou tomista.

Tomismo

Santo Tomás baseia-se especialmente nos ensinamentos de Aristóteles presentes (mas não só) em sua Retórica. Seu Tratado das Paixões encontra-se na Suma Teológica, embora não seja somente aí que ele versa sobre o tema. Embora as paixões (emoções) tenham uma dimensão médica (física), Santo Tomás está mais preocupado com sua dimensão moral (espiritual).

As paixões são movimentos, ou seja, são atos transitórios, estados passageiros. São o contrario das disposições estáveis, como os hábitos (vícios e virtudes). Tais atos são produto de potências, também chamadas “faculdades”, humanas, chamadas de apetites. Assim como entender é o ato da inteligência, assim como recordar é o ato da memória, assim como imaginar é o ato da imaginação, a paixão é o ato do apetite. A partir do início do século XIX deixou-se de pensar nas emoções como atos que procedem de uma faculdade.

Os apetites fazem referência a um bem ou mal. Os apetites portanto podem ser por atração (por um bem) e por repulsão (por um mal).

Santo Tomás ensina que há duas ordens de apetite: o apetite sensitivo e o apetite intelectivo (ou vontade). O apetite intelectivo (vontade) tende ao bem tal como o capta a inteligência, ou seja, de maneira universal – não este ou aquele bem, mas o bem enquanto tal. O apetite sensitivo tende ao bem tal como o capta o sentido, ou seja, de maneira particular.

Quanto ao apetite sensitivo, há dois tipos: o apetite concupiscível (ou desejo) e o apetite irascível (ou assertividade).  O apetite concupiscível tende ao bem prazeroso, enquanto o apetite irascível tende ao bem difícil, árduo, ou seja, o sentido capta a coisa como repulsiva, mas o apetite irascível impulsa o homem a tender ao desagradável (por isso “difícil”). O sentido que capta a coisa é o sentido interno, chamado também de estimativa (cf. A cosmovisão medieval, de C. S. Lewis), que capta significados particulares (não conceitos universais). A estimativa é a dimensão que ativa as paixões (emoções).

A paixão, para Santo Tomás, é psicossomática, ou seja, não é espiritual, mas corporal, e tem uma forma e uma matéria. Por exemplo, materialmente a ira seria o fervor do sangue no coração, enquanto formalmente é a vingança.

O gênero da paixão é determinado por seu objeto, ou seja, se é um bem ou mal. Vejamos como as principais se dividem:


Cartesianismo

Descartes sustenta uma visão de mundo dualista e isso evidentemente afetará de maneira decisiva a psicologia das emoções. As paixões (que passam a ser chamadas por Descartes de “emoções” ou “sentimentos”) são algo da alma, não do corpo. Isso porque o corpo, como ente material, é dotado exclusivamente de quantidade, e tudo o que é qualitativo é necessariamente mental.

Talvez o aspecto mais importante em Descartes seja o início da perda paulatina da ideia de que as emoções sejam apetitivas. Em outras palavras, para Descartes as emoções são apenas e tão-somente sensações de modificações corporais. A emoção deixa de ser um afeto e passa a ser uma sensação. É claro, e isso não se pode negar, que notamos na emoção certas comoções corporais: nó na garganta, palpitações, rubor, respiração ofegante etc. Ora, mas o que causa essas comoções? Descartes acredita que ambas as coisas, as emoções e as comoções corporais, são idênticas. As emoções perdem seu caráter de tendência a um bem (ou de aversão ante um mal) e são reduzidas a estados afetivos corporais. Sentir uma emoção é sentir seu corpo.

Na moral clássica há um conflito a ser harmonizado entre a parte sensitiva e a parte intelectiva, enquanto que na moral moderna há um conflito a ser harmonizado entre a mente e o corpo. Em termos gerais, ao longo dos séculos subsequentes, diversas teorias psicológicas foram desenvolvidas para explicar as emoções, mas que se enquadram na visão de Descartes: James-Lange, Cannon-Bird, Schachter-Singer, Antonio Damasio etc.

Magda Arnold

Essa psicóloga tcheca se inspira na doutrina das paixões de Santo Tomás e a atualiza com os avanços biológicos e fisiológicos disponíveis na metade do século XX. Ela é responsável por um giro cognitivo na psicologia das emoções.

Para Arnold, sentimentos são níveis baixos de afetividade, nos quais basicamente se distinguem sentimentos de agrado e desagrado. Por outro lado, as emoções seriam níveis mais elevados de afetividade e nas quais se interpõem cognições (ela as chama de appraisals, ou avaliações). Estas cognições não são juízos intelectuais propriamente, mas um juízo sensorial, algo muito mais imediato, quase instantâneo, que se soma à percepção sensitiva. É equivalente ao sentido da estimativa de Santo Tomás e que para os homens e animais lhes dá o juízo de bondade ou maldade de um objeto. A emoção é portanto uma realidade psicossomática. O juízo sensorial, ou seja, o appraisal, é como um detector formal do objeto. Santo Tomás acrescentaria que o appraisal não é um elemento determinante da conduta, mas a ele acrescenta-se também a vontade. O homem pode escolher motivar-se de acordo com as emoções/appraisals, mas também escolher de acordo com a vontade.

Ela desenvolve uma teoria das emoções notoriamente inspirada em Santo Tomás:


Fonte: Martín Echavarría, Las pasiones humanas, conferência proferida na Universidad de Valencia, Valencia, Espanha, 2020.