Assim como numa luta os movimentos só são
possíveis graças à estabilidade do chão, que lhe dá sustentação, assim também o
movimento (passagem da potência ao ato) só é possível graças a algo imutável, isto
é, ao ser. A liberdade experimentada por um lutador só é possível graças ao
chão: é ele que permite ao lutador explorar suas potencialidades. O ser
humano, para florescer suas potencialidades e ganhar liberdade, também precisa
desse “chão”: o ser, a ordem ontológica estabelecida por Deus.
As potencialidades do ser humano são como
as cores, enquanto o ser é a própria luz. Quando as criaturas realizam seu ser
elas estão realizando uma perfeição divina por participação. Negar o ser é como
um peixe negar a existência da água. Deus não apenas doa o ser do nada às
criaturas, mas ele as sustenta e conserva. Essa sustentação é uma
continuação do ato da criação. Entre o nada e o ser há um abismo infinito, e transpor
este abismo é necessária uma força infinita.
A criatura tem vários níveis de atualidade.
O mais superficial é, por exemplo, no caso de um gato, sua cor, pelo,
tamanho etc. Há um nível mais profundo, que é sua "gatidade" (a forma substancial, assim como no homem é sua "humanidade"),
que é a raiz do nível mais superficial. No entanto, há ainda um nível mais profundo,
que é aquilo no qual enraíza-se todas as criaturas: é o actus essendi, o
ato de ser, o ser. O ser é o mediador
(ponto de contato) transcendental da causalidade divina, ele é o primeiro
princípio imanente de todos os entes. É ele que concentra toda a energia
ontológica a partir da qual a criação se sustenta; é como se Deus estivesse “empurrando”
a criação pelo ato de ser.
A diferença entre a criatura e Deus é que
Deus é o Ser Subsistente, ele é Ser por essência, enquanto a criatura tem ser
limitado por uma essência. No homem, o ser se distingue de sua essência,
enquanto em Deus a essência é o Ser coincidem. O ser é dado ao homem, e ele não
pode fazer nada em relação a ele. No entanto, embora o vínculo ontológico não
possa ser rompido, o homem é capaz de moralmente romper tal vínculo, atrofiando
as potencialidades que naturalmente tem para a realização de seu ser. Todo ser
quer comunicar-se, todo ser quer florescer. Isso se observa nas plantas e
animais, por exemplo. No homem, a inteligência e a vontade são as potências de
sua alma que devem prioritariamente ser realizadas. Urge ao homem passar da
potência ao ato, irradiar seu ato de ser, propender à sua plenitude. Trata-se
de uma tendência estrutural e ontológica. O homem precisa aceitar a realidade,
dizer sim a ela, para que possa estabelecer sua orientação diante do ser a
partir da aceitação da verdade e do bem.
Mas como exercer o ser no mundo? Como organizar a vida humana para realizar-se, isto é, para a felicidade? Toda vida humana dá testemunho do anseio de alcançar a felicidade. Isso já vimos extensamente nas inúmeras postagens sobre amor, felicidade, aperfeiçoamento da alma, psicoterapia etc. O desejo humano de conhecer, a “perplexidade” ou “espanto” anunciado por Aristóteles, é precisamente o que lhe empurrará a conhecer seu fundamento, seu propósito, aquilo que lhe orientará diante da realidade. As questões fundamentais que a inteligência encontra lhe darão uma bússola que orientará o homem para o exercício de suas potencialidades, para sua afirmação no mundo. A metafísica - não a matemática, não a física, não a biologia - é a ciência que apresentará à inteligência o ser e por conseguinte apetecerá a vontade a buscá-lo em amor.
Ora, para o leitor deste blog não restará dúvida do que estamos falando: o homem tem um fim último, uma orientação verdadeira. Como só há uma verdade (o Cristo, evidentemente, o “chão”), então há só uma orientação verdadeira. Como só há um Deus (novamente, o Cristo, o “chão”), então há só um fim digno ao homem, um único “sumo bem”. Uma falsa orientação tolherá o livre desenvolvimento das potencialidades humanas. É como uma camisa de força.
Cumpramos, pois, nosso dever: desenvolver as virtudes intelectuais e morais que nos permitirão, por analogia, participar da vida do Ser nesta vida e nos séculos dos séculos.