20 de julho de 2022

Fatalismo: a doença espiritual dos nossos tempos


O famoso fundador da logoterapia, o psicólogo austrí­aco Viktor Frankl, é conhecido especialmente por insisitir que a doença tí­pica dos nossos tempos é o fato de nossas vidas carecerem de sentido. Mas a expressão "sentido da vida" vem popularmente carregada de grande pesar. Pensamos nos princí­pios e valores que devem nortear a vida humana. Ok, mas Frankl pensava em algo mais prático e específico que isso.

"O que eu quero é ser feliz". Essa frase, tão comum na boca de muitos, é o slogan dos neuróticos. Sim, pois, para Frankl, desejar a felicidade, desejar o prazer, é algo como curto-circuitar a vida humana. Na eletricidade, um circuito só tem sentido quando entre os polos de um gerador há componentes como resistores, capacitores, transistores, microprocessadores etc. Assim também a vida humana precisa desses componentes para existir: são os sentidos. Em outras palavras, precisamos de um motivo para ser feliz, precisamos cumprir uma obrigação.

"Então buscar sentidos é buscar cumprir obrigações". Certo, mas não pense você que Frankl se refere aqui a cumprir obrigações morais, a cumprir preceitos religiosos, a desempenhar rituais. Nada mais falso do que isso. Pelo contrário, Frankl insiste que os sentidos se encontram, não se dão. O princípio da cura da pobreza espiritual é despertar no homem o desejo de encontrar um sentido, e a partir daí­ o homem, livremente, sem fórmulas prontas, empreenderá a jornada que o curará.

O sentido pode mudar várias vezes ao longo da vida. Uma enfermeira, por exemplo, pode perfeitamente encontrar o sentido no auxí­lio à cura de seus pacientes. Mas que sentido terá sua vida quando estiver moribunda, à beira da morte? Este é um dos casos em que o logoterapeuta pode atuar para ajudá-la. Neste caso em concreto, a enfermeira encontrou ser um exemplo de humanidade, de fortaleza, à sua famí­lia como seu novo sentido. Este é o sentido que se aplica a ela, especificamente a ela, segundo suas circunstâncias, segundo sua história de vida, segundo sua personalidade. Veja como princípios e valores pasteurizados e artificiais, como regras morais, não se aplicam aqui.

Mas o que impede as pessoas de encontrarem um sentido às suas vidas, seus trabalhos, seus amores? Frankl nota que o maior obstáculo na busca de sentido está na curiosa tendência do homem contemporâneo em nao se sentir responsável por essa busca. Em outras palavras, ele espera que algo e/ou alguém lhe dê os sentidos de que necessita.

"Tentei explicar que toda açâo psiquiátrica deve ter como objetivo acostumar o doente a assumir com satisfaçâo sua resposabilidade. Porém, nunca deixa de chamar a atençâo o fato de que em nossos pacientes neuróticos impera precisamente o contrário: o temor, o medo à responsabilidade. No próprio linguajar diemos que o homem tem que "se fazer" responsável; pois bem, parece existir uma força que lhe faz escapar dessa responsabilidade. Mas o que dá ao homem essa "força centrífuga"? É a crença supersticiosa no poder do destino, tanto exterior quanto interior; ou seja, no poder das circunstâncias exteriores e nos estados interiores. Em suma: é o fatalismo que invade essas pessoas, a esses indivíduos que padecem de um transtorno psíquico; mas nâo somente a eles, mas também a todas as pessoas aparentemente sâs e, de certo modo, a todos os homens contemporâneos".

O homem dos nossos tempos está cansado espiritualmente. Ele não quer a liberdade. Pelo contrário, a liberdade é um fardo do qual tenta se livrar mediante a renúncia da responsabilidade. O fatalismo lhe cai como uma luva. Se não é ele quem deve buscar os sentidos á sua existência, ao seu trabalho, ao seu amor, então, que alívio!, lá se vai a liberdade e, com ela, a opressão que lhe causa. Para o homem moderno, o espírito é o grande inimigo da alma. O homem neurótico tende a mostrar a seguinte conduta: o que comprova em si mesmo com isso se compromete; o qu encontra em si mesmo, por exemplo, nos traços de seu caráter, com isso se conforma.

Ora, o homem tem impulsos, é verdade, mas os impulsos não têm a ele. O homem é capaz de dizer "não"; ele não é obrigado a dizer "amém" a si mesmo. Ao reduzir-se a seus impulsos o homem se reduz a um animal. Os animais não têm impulsos: eles são seus impulsos.

Fonte: Viktor Frankl, La psicoterapia al alcance de todos, Herder Editorial, 2003, Barcelona, Espanha.