17 de janeiro de 2010

Diálogo entre um teólogo ortodoxo e um teólogo escolástico

Este pequeno diálogo foi criado por John Sanidopoulos e resume as divergências fundamentais entre as teologias ortodoxa e escolástica. Ele já havia sido traduzido anteriormente, mas resolvi republicá-lo com pequenas alterações por julgar ser uma síntese genial e uma introdução segura à teologia da Igreja Ortodoxa. O autor inspirou-se no Pe. John Romanides (de abençoada memória), este grande expositor e confessor da fé cristã ortodoxa.

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Uma refutação ortodoxa do fundamento da teologia ocidental conforme exposta por Tomás de Aquino. (O = teólogo ortodoxo; E = teólogo escolástico)

O – Deus é imutável?
E – Sim.
O – Deus é pura simplicidade (actus purus)?
E – Sim.
O – A pura simplicidade de Deus serve para proteger a imutabilidade de Deus?
E – Sim.
O – Se Deus é pura simplicidade sem qualquer complexidade, então você diria que não há potencialidade em Deus?
E – Sim.
O – Se não há potencialidade em Deus, então essência, existência e energia divinas são coisas idênticas?
E – Sim.
O – Se essência, existência e energia divinas são coisas idênticas, então Deus está apenas em estado de plena atividade (energia)?
E – Sim.
O – Então você concordaria que se Deus está em estado de plena atividade, isso se dá por necessidade?
E – Sim.
O – E não há distinção entre a ação e poder de Deus de Sua essência?
E – Não, Deus é pura energia.
O – Você distingue as energias de Deus dos atos de Deus?
E – Não, ambos são a mesma obra criada de Deus.

A teologia ortodoxa difere da teologia escolástica no núcleo mesmo de sua doutrina. Os Padres gregos são claros ao ensinarem que Deus não é actus purus, mas que Ele possui muitas energias e poderes (potencialidades), os quais estão intrinsecamente unidos – nem separados nem confundindo-se uns com os outros – na essência intrinsecamente, incorruptivelmente e inconcebivelmente simples da divindade una e triádica. A imutabilidade de Deus não tem necessidade de ser protegida pelo actus purus. Não há necessidade alguma de actus purus. Ao contrário, ela é protegida pela incompreensível e incomunicável essência de Deus.

Tomás de Aquino insere a energia divina na essência divina a pretexto de necessidade. A Igreja Ortodoxa consideraria uma blasfêmia que Deus tivesse que agir por imposição de uma necessidade, pois Deus existe em Sua essência e em Suas três hipóstases. Deus não é um Ser regido por Sua energia, mas Ele mesmo regula Sua energia. Deus não é pura energia, mas é o próprio energizador.

Os Padres da Igreja ensinam que Deus é o energizador, enquanto a energia é a atividade incriada de Deus, e a obra manifestada (ou criatura) é o ato de Deus. O Ocidente, entretanto, não distingue a energia de Deus dos atos (obras) de Deus. A energia de Deus é melhor traduzida como atividade do que como ato. O ato final, de fato, é criado, mas a atividade em si é incriada. A atividade é também conhecida como graça, e se é incriada então é divina.

Inferir que a graça (energia) de Deus é criada é uma heresia, a qual logicamente implica em total ateísmo e/ou em mitologia grega. De acordo com os Padres da Igreja, a energia criada sempre implica em uma natureza criada; uma energia incriada implica em uma essência incriada.