18 de janeiro de 2010

As cinco chaves para a leitura da Bíblia

Segundo o Pe. John Romanides (de abençoada memória), a única maneira de compreendermos adequadamente os fatos históricos acerca da Igreja Ortodoxa, sobretudo em seus primeiros séculos, é não permitir que as crenças particulares do historiador ou do teólogo sejam injetadas nos eventos históricos. A única historiografia válida é aquela na qual as descrições dos próprios Padres da Igreja sejam levadas em conta, pois, afinal, ela incorpora as próprias descrições e intenções dos Apóstolos e do próprio Cristo.

Para isso, o Pe. John julgava indispensável que os estudiosos da Bíblia se livrassem das premissas da tradição franco-latina agostiniana e adotassem as seguintes "chaves" (ou premissas) patrísticas:

1) O fundamento, o núcleo mesmo, da tradição bíblica é que a religião é uma doença específica que precisa de uma cura específica. É isto que "não há Deus exceto Yahweh" quer dizer. Ignorar esta primeira chave fundamental significa ignorar também a segunda chave.

2) Há uma clara distinção entre os termos bíblicos que denotam aquilo que é "incriado" e aquilo que é "criado". Sem este contexto, a terceira chave bíblica é incompreensível.

3) "É impossível expressar Deus, e ainda mais impossível concebê-Lo" [1]. Em outras palavras, não há qualquer similaridade "entre o criado e o incriado". Quem quer que imagine que as expressões bíblicas transmitam conceitos acerca de Deus está redondamente enganado. Quando usadas corretamente, as palavras e conceitos bíblicos conduzem à purificação e iluminação do coração, que por sua vez conduzem à glorificação; mas elas mesmas não são a glorificação. A quarta chave é parte integrante e essencial das três chaves anteriores.

4) A cura da doença da religião, em todos os seus estágios, envolve "a transformação do amor egoísta, que busca sua própria felicidade" no "amor desinteressado da sua própria crucificação, o qual é glorificação". Esta glorificação, portanto, não é apenas a glorificação do Senhor da Glória encarnado, "mas também é a glorificação de todos os profetas e apóstolos enviados antes e depois da Encarnação do Senhor da Glória" [2]. Estas quatro chaves bíblicas dão o contexto para a quinta.

5) As expressões bíblicas sobre Deus não foram feitas para transmitir conceitos acerca de Deus. Elas existem apenas como guiamento para a purificação e iluminação do coração e, por fim, para a glorificação mediante o Senhor (Yahweh) de Glória Pré-Encarnado e Encarnado. Esta glorificação é a visão de Deus por meio de Sua glória ou reinado incriado. As expressões bíblicas não são, de maneira alguma, símbolos efêmeros criados e conceitos acerca de Deus, como no caso da tradição agostiniana.

Notas:

[1] St. Gregory the Theologian, Theological Orations, 2.4.

[2] John S. Romanides, "Pecado Ancestral" (em grego), Atenas, 1957, pág. 82, nota 7, na qual São Gregório Palamás explica que é impossível se reconciliar com Deus sem participar nos mistérios da Cruz, a qual opera em todos que alcançaram a glorificação, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, até hoje.