15 de janeiro de 2008

São Paísio Velichkovsky

Eis uma interessante biografia de São Paísio Velichkovsky, redigida pelo Metropolita Lauro, primaz da Igreja Ortodoxa Russa no Exterior, em comemoração ao 210º aniversário do repouso do santo (1992).

São Paísio foi o grande responsável pela renovação monástica russa nos séculos XVIII e XIX, tanto pelo sua atuação como ancião (staretz) como pelas inúmeras traduções e correções dos textos dos Santos Padres, dando origem à Philokalia eslava, a famosa coletânea de textos espirituais ascéticos da Cristandade.

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A Rússia adotou a Santa Ortodoxia e sua cultura com uma facilidade incomum, ainda que com sinceridade e franqueza. É até possível afirmar, sem medo de errar, que a própria Bizâncio não suspeitava que a Rússia e o povo russo fossem sucessores dignos da Santa Ortodoxia. E aconteceu que a Rússia foi levada à fé cristã pela Providência Divina, para que preservasse a verdade da correta teologia, do Cristianismo Ortodoxo genuíno. É possível supor que também pela Providência Divina uma Rússia forte e poderosa foi despertada quando sua população foi convertida ao Cristianismo, ao mesmo tempo em que os cristãos ocidentais abandonavam a verdadeira Ortodoxia, caindo em heresia, e quando o mundo ortodoxo oriental estava sendo ameaçado pelo Islã; a Rússia estava sendo preparada pela Providência Divina para se tornar a guardiã dos verdadeiros ensinamentos da revelação divina, tornando-se o novo povo escolhido para preservar na terra a verdadeira fé ortodoxa.

No começo de nossa história, em Kiev, por meio dos esforços do Santo Príncipe Vladimir e seus herdeiros, a Rússia começou a florescer espiritualmente, a ganhar força, tanto politicamente quanto administrativamente. No entanto, os ataques tártaros e a devastação que se seguiu paralisaram esse florescimento.

Mas apesar das perdas e sofrimentos infligidos por pagãos e heterodoxos, os corações dos russos se apegaram ainda mais à Santa Igreja Ortodoxa, fazendo com que a autoridade da fé ortodoxa atingisse um elevado patamar. Uma nova era de imponência e renovação espiritual tomou conta dos séculos seguintes: os séculos XIV e XV. É a era de São Sérgio de Radonezh e seus discípulos, que fundaram mosteiros por todo o norte russo, com seus povoados em torno deles. Assim, a “Santa Rússia” crescia e se expandia.

No começo do século XVI, quando a Rússia se encontrava separada do oriente ortodoxo e Bizâncio estava sob controle turco, o perfil da batalha espiritual em nossa terra natal começou novamente a mudar. Desavenças e conflitos entre os “possuidores” e os “não-possuidores” começaram a surgir. Foi então que nosso monasticismo mergulhou num período muito ruim: o reinado do Imperador Pedro I. Chegou ao ponto de monges serem perseguidos, especialmente quando pessoas estrangeiras influenciavam nossas imperatrizes. Na segunda metade do século XVIII, uma mudança começou a tomar forma, e o monasticismo russo experimentou um renascimento com o Ancião Schemamonge Paísio Velichkovsky.

Primeiramente, farei uma breve descrição de sua biografia para, então, discorrer sobre suas obras e seu legado espiritual.

O futuro Ancião Paísio, ou São Paísio, como o chamamos hoje, nasceu em 21 de dezembro de 1722, na cidade de Poltava, de uma família de padres: seu pai, seu avô e seu bisavô foram padres. Sua mãe se tornou monge no fim da vida, assim como sua avó e tia. Ele foi batizado com o nome de Pedro. Seu pai, Pe. João, era o pároco da Catedral da Dormição. Sua mãe, Irina, trabalhava com crianças. Pedro era um menino quieto e manso; ele adorava ler, e lia livros espirituais desde a tenra idade, tanto na sua casa como na biblioteca da catedral. Ele lia as Sagradas Escrituras e diversas obras de São João Crisóstomo e São Éfrem, o Sírio.

Seu biógrafo notou que ele era “acanhado e despretensioso”, de maneira que até seus pais raramente ouviam sua voz, e as visitas freqüentemente perguntavam: “Ele é surdo?”

Aos 13 anos, Pedro entrou na Escola Teológica de Kiev, mais tarde renomeada para Academia Teológica, onde o Arcebispo Simão (Todorsky) de Pskov dava aulas na época, juntamente com o Metropolita Arsênio (Matseevich) de Rostov e outros. O Hieromonge Josafá, o futuro Bispo de Belgorod, ainda estava lá. A educação era de alto nível. Havia 1200 estudantes na Academia. Mas Pedro não entrou lá por dcausa isso, pois seu coração estava tomado pelas igrejas, pelos santos mosteiros, pelas cavernas daqueles que faziam votos de silêncio, e pelas conversas que tinha com amigos sobre a vida eremítica. Eles freqüentemente se encontravam em locais isolados e conversavam sobre coisas espiritualmente benéficas. “É melhor”, diziam-se mutuamente, “permanecer no mundo do que rejeitar as dádivas mundanas apenas por exibicionismo e viver uma vida despreocupada e fácil num mosteiro”. Eles juraram nunca serem tonsurados num mosteiro rico, onde seria impossível emular a pobreza de Cristo.

No terceiro ano da escola, o entusiasmo de Pedro foi minguando, enquanto seu desejo pelo monasticismo foi crescendo mais e mais. As férias escolares chegaram, e Pedro foi para casa. Sua mãe, que ficou sabendo de seu desejo de deixar a escola e tornar-se monge, opôs-se categoricamente a esse projeto. Pedro tinha um amigo em Poltava chamado Dmítrio, e eles juraram deixar o país juntos. Mas seus planos falharam, porque Pedro adoeceu e teve de adiar sua viagem a Kiev. Quando ele enfim sarou, sua mãe o acompanhou, supondo que ele iria continuar os estudos. Mas, em Kiev, Pedro começou a repensar seu futuro. Ele decidiu dirigir-se a Chernigov e consultar o Ancião Pacômio, a fim de obter seus conselhos e instruções, bem como sua bênção para seus planos futuros. Após passar alguns dias com o Pe. Pacômio, este lhe disse: “É melhor que você vá a algum mosteiro não muito longe de Lubech, a terra natal de Santo Antônio das Cavernas. Lá você encontrará o Hieromonge Joaquim, que lhe dirá o que fazer”. Pedro seguiu as instruções do Pe. Pacômio. Quando Pedro se aproximou do mosteiro, notou que havia guardas entre a cidade de Lubech e o mosteiro. Pedro ficou com medo de ser barrado, pois não tinha documentos. Na mesma hora, um monge surgiu do outro lado. Parando junto ao guarda, o monge fitou Pedro, que se aproximava, e disse ao guarda quando este chamava o garoto: “Por que você está perguntando quem é ele? Será que você não percebe que ele é um noviço retornando ao mosteiro?” O guarda, então, deixou Pedro passar. E assim, com a ajuda de Deus, ele pôde entrar no mosteiro. Foram-lhe conferidas as obrigações de ekomonos (gerente do mosteiro), lendo as Vidas dos Santos no refeitório e assumindo diversas incumbências. Ele morava próximo ao Ancião Joaquim, que o abençoou para usar a batina, regozijando-se em sua vida pacífica.

Mas Pedro não ficaria lá por muito tempo. Três meses depois, um novo superior foi designado, e por causa de certos problemas que se seguiram, Pedro deixou o mosteiro. Ele vagava pela margem direita da Pequena Rússia, que à época estava sendo invadida por poloneses e uniatas. Ouvindo falar de um eremita que vivia numa ilha fluvial, Pedro apressou-se em conhecê-lo. Seu nome era Isíquio. Ele trabalhava transcrevendo as obras dos Santos Padres. Pedro pediu para que fosse aceito como estudante. Embora a face de Pedro estivesse molhada de lágrimas e súplicas, o ancião foi implacável: “Filho, sou pecador e indigno, e não consigo nem mesmo dirigir minha pobre alma a Deus”.

Deixando o eremita, Pedro logo encontrou um mosteiro chamado Medvedovsky, ao qual se juntou. Ele não tinha destreza, e os irmãos freqüentemente zombavam dele. Foi-lhe dada a incumbência de moer trigo, mas ele acabou cortando seus dedos. Então lhe conferiram a tarefa de carregar água e argila, cortar pão no refeitório, servir comida aos monges e lavar louça. Ele foi designado ao kliros. Neste mosteiro, ele foi tonsurado à rassa com o nome de Platão. Seu pai espiritual deixou o mosteiro algumas semanas mais tarde, e Platão ficou sem pastor, “como uma ovelha perdida”. Ele disse a si mesmo: “Minha alma em minha juventude era muito inclinada à obediência, mas não recebi a divina dádiva [oportunidade] por causa de minha indignidade”.

Tempos depois, este mosteiro acabou sendo atacado pelos uniatas, que o fecharam. Pe. Platão foi à Lavra de Kiev, trabalhando em sua gráfica. Ardendo de desejo pela vida ascética e eremítica, Pe. Platão dirigiu-se a Moldovlachia, onde a vida espiritual estava florescendo, já que os mosteiros de lá se encontravam sob influência da Santa Montanha de Athos. Ele permaneceu três anos nos mosteiros de Moldovlachia, sob a direção dos anciãos Pe. Basílio, Pe. Miguel e Pe. Onofre.

Mais tarde, Pe. Platão empreendeu uma viagem ao Monte Athos, esperando encontrar lá guias espirituais e assumir a vida ascética. Pe. Platão tinha 24 anos à época. Eis o que seu biógrafo relatou sobre sua mudança para o Monte Athos: “Quem pode perscrutar os caminhos do Senhor? Quem conhece Seus desígnios? Pela Sua Divina Providência, Ele o tirou de sua terra natal, levando-o a muitas nações, de maneira que pudesse ajuntar para sua alma grandes tesouros espirituais e distribuí-los entre aqueles que buscassem seu guiamento. O Senhor o fez emular Santo Antônio das Cavernas, que também era nativo de Pequena Rússia. E a exemplo de Santo Antônio, que também peregrinou até finalmente se fixar no Monte Athos, onde assumiu as ordens angelicais monásticas e, depois de muitos anos de trabalho e dádivas espirituais, retornou à sua terra natal para semear e multiplicar a vida monástica; assim também São Paísio obteve tesouros celestiais e retornou à sua Moldávia, renovando as ordens monásticas, restaurando a vida monástica decadente e plantando nela a tripla bênção da obediência, iluminando as trevas da ignorância por meio de seus ensinamentos, concedendo sabedoria por meio da correção e tradução dos textos teológicos dos Santos Padres do grego para sua língua nativa”.

O Hieromonge Tryphon foi à Santa Montanha com o Pe. Platão. Eles chegaram ao Monte Athos no dia 4 de julho, na festa de Santo Atanásio de Athos, que viveu como eremita na Santa Montanha e lá fundou o primeiro mosteiro cenobítico.

Hoje, esse é o principal mosteiro do Monte Athos, o primeiro entre vinte. Descansando alguns dias na lavra de Santo Atanásio, os viajantes se dirigiram ao Mosteiro do Pantocrator, próximo de onde os monges eslavos viviam. A estrada até o Mosteiro do Pantocrator era longa e perigosa. Os viajantes, exaustos, sentaram-se para descansar e beberam um pouco de água gelada. Por causa disso, pegaram resfriado. O Hieromonge Tryphon entrou em delírio, morrendo logo que chegou ao Mosteiro do Pantocrator.

Platão conseguiu sobreviver. Aos poucos, ele começou a conhecer os mosteiros vizinhos, visitando os eremitas e monges locais em busca de um pai espiritual. Foi difícil para ele, pois viveu na pobreza por mais quatro anos. Em 1750, o pai espiritual moldávio do Pe. Platão, o Schemamonge Basílio, foi ao Monte Athos e tonsurou Platão com o nome de Paísio. Em pouco tempo, Paísio recebeu seus primeiros estudantes, Vissarion e Cesário; com o tempo, o número de estudantes subiu para 12. Em 1759, aos 36 anos, Pe. Paísio foi ordenado hieromonge. Como o número de monges estava crescendo, Pe. Paísio solicitou ao Mosteiro do Pantocrator que lhe dessem a cela do Profeta Elias, para que ali instituísse o Esquete do Profeta Elias. Portanto, o Pe. Paísio foi um dos fundadores do atual Esquete do Profeta Elias, na Santa Montanha de Athos. Seu esquete começou a crescer e, em breve, não apenas sua irmandade mas monges de todo o Monte Athos se tornaram seus filhos espirituais. Até mesmo o Patriarca Serafim, que vivia aposentado no Mosteiro do Pantocrator, visitou-o a fim de obter guiamento espiritual. Todos os irmãos faziam artesanatos, e o próprio ancião fazia colheres, passando as noites lendo e reescrevendo os livros dos Santos Padres, dormindo não mais do que três horas por dia.

Mas o inimigo da humanidade invejava o crescimento da irmandade de Paísio, sua vida pacífica e seu sucesso espiritual. Surgiram problemas entre os moradores do esquete, insuflados pelo Ancião Atanásio, que viva nas proximidades. Essa inimizade e os problemas dela resultantes perturbavam Pe. Paísio e seus estudantes.

A irmandade cresceu, chegando a 50 pessoas, mas não havia espaço disponível para todos, de maneira que novas celas tinham de ser construídas. Contudo, não havia fundos para tal. Seguindo a recomendação de vários habitantes do Monte Athos, Pe. Paísio e seus monges se mudaram para o Mosteiro de São Simão Pedro, que estava vazio à época. Eles esperavam assim evitar conflitos com o Ancião Atanásio. Os monges do Mosteiro de São Simão Pedro o abandonaram porque deviam dinheiro às autoridades turcas, e não conseguiam lhes pagar. Em três meses, Pe. Paísio e seus monges também tiveram de deixar o mosteiro, pois os turcos estavam exigindo a liquidação da antiga dívida, e eles também não conseguiam lhes pagar. Eles retornaram ao Esquete do Profeta Elias, mas sua aguda pobreza não lhes permitiu que permanecessem por muito tempo, e eles tinham então de encontrar um novo lar.

Ancião Paísio decidiu mudar-se, juntamente com seus irmãos, para Moldovlachia. Em 1763, após 17 anos no Monte Athos, ele e 64 monges partiram para a Moldávia.

Ancião Paísio contratou duas embarcações: em uma ele ficou com os monges eslavos, e em outra ficaram Pe. Vissarion e os irmãos moldávios. Eles chegaram primeiro ao Mosteiro do Espírito Santo, em Dragomir, Bukovina. O mosteiro lhes foi dado cheio de mato e com todos os impostos vencidos. Embora estivesse em estado deplorável, em pouco tempo, por meio dos esforços dos monges, o mosteiro ficou em boas condições. A regra monástica das cerimônias era a mesma do Monte Athos. Eles celebravam em duas línguas: no kliros da direita, cantavam em eslavo, no da esquerda, em moldávio.

O Ancião exigia que cada monge cumprisse seu chamado com total consciência e severidade, pois um monge não se reconhece pela sua roupa, mas pelo seu espírito.

Às vezes, o Ancião permanecia com os irmãos o dia inteiro; as portas de sua cela ficavam abertas até as 21h. Os monges entravam e saíam para conversar sobre questões práticas e espirituais. A leitura diária que o Ancião fazia dos livros dos Santos Padres, bem como as discussões a respeito, eram de enorme importância para a vida espiritual dos monges. Mas a pacífica vida em Dragomir foi logo perturbada pela guerra entre Rússia e Turquia. Dragomir caiu em mãos austríacas, de maneira que os irmãos tiveram de evacuar para Sekul. Em Sekul, os irmãos começaram a ajudar os refugiados. Problemas começaram a surgir entre os irmãos mas, aos poucos, a vida em Sekul começou a se normalizar. Os estudos do Ancião não cessaram por causa desses contratempos. Então, em 1779, pelas intercessões do Príncipe Constantino e com a bênção do Metropolita Gabriel, foi oferecida ao Ancião Paísio e seus monges a oportunidade de se mudarem para Niametz. Mas o Ancião Paísio não ficou contente com essa proposta, uma vez que tal mudança envolveria grandes complicações, e ele já estava ficando velho.

Após alguma hesitação, o Ancião concordou em se mudar, mas deixou alguns monges em Sekula. Este foi o período final e mais difícil de sua vida, mas foi também o mais frutífero. O número de irmãos chegou a 700. A fama da vida espiritual altiva do mosteiro e de seu ancião espalhou-se por todo o oriente ortodoxo. Com a ajuda do Príncipe, o Ancião construiu um hospital no mosteiro, juntamente com uma casa de misericórdia, e aumentou em muito o número de celas monásticas. Ele instituiu ainda a prática intensiva de transcrições e traduções das obras dos Santos Padres, e reuniu um grande número de assistentes, preparando-os especialmente para seu trabalho editorial. Ele ensinou-lhes grego e, para completar sua educação, enviou-os à Academia de Bucareste.

Graças ao árduo trabalho desse grupo de monges, um grande número de traduções fiéis aos originais dos Santos Padres começou a aparecer, juntamente com diversas transcrições. De acordo com o Prof. A. I. Yatsimirsky, dos milhares de manuscritos conservados na biblioteca de Niametz, escritos em diferentes períodos e em diferentes línguas, incluindo moldávio, grego, latim, italiano, alemão, hebraico, árabe, turco, sírio, búlgaro, polonês, francês e eslavo, 276 deles são do período do Ancião Paísio, e mais de 40 escritos pelas próprias mãos do santo.

A crescente fama de mestre da vida espiritual inspirou muitas pessoas a se corresponderem com Ancião Paísio. O Ancião respondia a essas cartas, às vezes de maneira volumosa. Nelas, o Ancião tocava em diversas questões da vida monástica e eclesiástica em geral, dando instruções e conselhos. Essas correspondências ocupavam grande parte de seu tempo. Em meio a essas tarefas, muitos anos se passaram despercebidos, e aos poucos o santo se aproximava do fim de sua vida.

Seus últimos dias foram eclipsados pelas preocupações causadas pela guerra entre Rússia, Áustria e Turquia. Niametz foi ocupada pelos turcos, mas os austríacos tentaram, com todas as forças, emancipar Niametz, enquanto as tropas russas se aproximavam. O comandante-em-chefe do Exército Russo, Príncipe Potemkin, dirigiu-se a Jassy, juntamente com o Arcebispo Ambrósio da Eslovênia e Poltava. O Arcebispo, desejando conhecer o famoso Ancião Paísio, chegou ao Mosteiro de Niametz e recebeu os cumprimentos dos monges. Isto foi em 1790. Neste domingo, o Arcebispo Ambrósio oficiou a Divina Liturgia, durante a qual o Ancião foi elevado a arquimandrita. O Ancião nasceu em Poltava, e foi o Arcebispo de Poltava quem o ordenou arquimandrita.

Após o fim das operações militares, a vida começou aos poucos a voltar ao normal, enquanto o Ancião continuava a trabalhar como antes: ele fazia traduções, escrevia cartas e guiava os monges. Mas suas forças estavam se esgotando. Pouco antes de ser fatalmente acometido por uma doença, ele parou de fazer traduções. Em 5 de novembro de 1794, ele se sentiu muito fraco, e foi levado à sua cama. No domingo, ele se sentiu melhor e conseguiu ir à igreja comungar. Todavia, sua fraqueza progrediu, e em 15 de novembro de 1794, aos 72 anos de idade, São Paísio repousou em paz.

A notícia do repouso do Arquimandrita Paísio espalhou-se rapidamente, e um grande número de monges e fiéis dirigiu-se a Niametz. Quando o Bispo Benjamin chegou, deu-se início ao funeral na Catedral da Ascensão, seguido de seu enterro.

Verificamos, assim, que a mudança do Ancião Paísio a Moldovlachia, pela Providência Divina, mostrou-se extremamente benéfica. Se ele tivesse permanecido no Monte Athos, sua irmandade não teria crescido por causa da falta de espaço e recursos, e ele não teria exercido nenhuma influência na vida espiritual no monasticismo ortodoxo na Moldávia e na Rússia.

Em São Paísio, a santidade pessoal estava combinada com amor pela educação, habilidade em organizar uma vida monástica cenobítica, habilidade em atrair e ensinar um grande número de estudantes, habilidade em criar uma escola de asceticismo espiritual e, finalmente, talento literário, que o ajudou a completar uma importante e necessária tarefa: corrigir velhas traduções e fazer novas traduções da literatura ascética dos Santos Padres.

São muitas as obras literárias de São Paísio. Ao se deparar com um grande número de erros nas traduções eslávicas dos Santos Padres, ele percebeu a importância de revisá-las com esmero. Assim, ele foi atrás dos originais gregos no Monte Athos. Mas não foi fácil encontrá-los, pois não se encontravam à venda. Por isso, ele teve de transcrevê-las pessoalmente, e pagar para que outros o fizessem. Ele logo percebeu que nem todas as obras dos Santos Padres haviam sido traduzidas para o eslavo. E a segunda parte da tarefa, as traduções em si, ele empreendeu na Moldávia, após ter se mudado para lá com seus monges.

Para termos uma idéia de como esse trabalho era árduo e diligente, basta lembrar que o ancião revisava e corrigia o mesmo texto três ou mais vezes. Mesmo assim, o Pe. Paísio reconhecia a insuficiência disso: “Para minha grande tristeza, vejo que o trabalho está longe da perfeição, e que se o Senhor em Sua misericórdia estender minha vida e me conceder, agora que estou quase cego, a visão necessária, terei de trabalhar ainda mais nessas correções”.

Foi só quando estava próximo do fim de sua vida é que Ancião Paísio conseguiu ampliar o ritmo de traduções e transcrições dos livros dos Santos Padres. Esses livros começaram então a ser disseminados pelos mosteiros do oriente ortodoxo, chegando à Rússia, onde desempenharam um papel excepcional na renovação no monasticismo russo dos séculos XVIII e XIX.

No começo do Cristianismo na Rússia, as sementes da Ortodoxia foram plantadas por Santo Antônio e São Teodósio das Cavernas e seus estudantes, de onde vieram muitos dos primeiros bispos da Rússia; mais tarde, São Sérgio e seus estudantes trabalharam para fortalecer a Ortodoxia; e, finalmente, nos séculos XVIII e XIX, os estudantes de São Paísio Velichkovsky desempenharam um importante papel no renascimento do monasticismo russo e do starchestvo (discipulado).

Os estudantes de São Paísio tiveram grande influência na Santa Montanha, na Moldávia e na Rússia. A Rússia, em particular, foi uma grande fonte de estudantes, sob os quais um amplo renascimento da vida espiritual ocorreu, juntamente com o interesse e o amor pela leitura e pelo estudo; anciãos e superiores tomaram a frente na preservação do legado de São Paísio. É possível distinguir três correntes: a do norte, a central e a do sul. O movimento do norte estava centrado nos Mosteiros de Solovetsky, Valaam, Santo Alexandre Nevsky, Vladimir Guberniya, Optina e, mais tarde, Orlov Guberniya. No sul, nos Eremitérios de Ploshchansky e Glinsky. O círculo de influência de São Paísio era amplo. Na Rússia, influenciou mosteiros em 35 dioceses.

Embora São Paísio tenha vivido no exterior e toda sua atividade tenha ocorrido fora da Rússia, os maiores frutos se deram na Igreja Russa.

É possível detectar um paralelo entre a obra de São Paísio e nosso tempo. Durante a vida de São Paísio, sua obra penetrou na Rússia, onde foi reescrita e publicada – a Philokalia eslava, a obra de Santo Isaque da Síria, e muitas outras. Em condições um pouco diferentes, a mesma coisa acontece hoje. Nossa Igreja Russa no Exterior está levando adiante sua missão, dando frutos na Rússia na forma de obras dos Santos Padres e na literatura eclesiástica em geral, onde há uma carência enorme da Palavra de Deus e de literatura espiritual [este artigo foi escrito em 1992 – N. do T.].

É verdade que há uma grande diferença entre os tempos de São Paísio e o nosso. São Paísio vivia num país ortodoxo, e embora as possibilidades editoriais não existissem na época, era possível transcrever e retranscrever manuscritos e enviá-los à Rússia, a fim de que fossem impressos e disseminados por lá. Hoje, embora vivamos num ambiente heterodoxo, podemos imprimir grandes edições, mas a disseminação da literatura entre nossos irmãos russos é virtualmente impossível. Mas, com a ajuda de Deus, algumas poucas coisas podem ser enviadas daqui, e esperamos que esta pequena quantidade traga frutos multiplicados por mil. Que assim seja, ó Senhor, pelas orações de São Paísio!

Esta é uma pequena biografia das batalhas, lutas e méritos de São Paísio Velichkovsky, o restaurador do monasticismo cenobítico estrito e o fundador do starchestvo no século XIX.

Eis o bem que pode ser feito por uma só pessoa, com a ajuda de Deus. Talvez, entre nossos jovens, encontremos pessoas dispostas a servi-Lo e a servir a Igreja Ortodoxa Russa. Os jovens são necessários, pois nossos mosteiros precisam de sua força, e se a Rússia renascer, ela precisará de pessoas experientes e preparadas. Aos que ouvirem este chamado, respondam!

Este pequeno artigo foi baseado no livro Starets Paisii Velichkovsky [Ancião Paísio Velichkovsky], do Arcipreste Sérgio Chetverikov, e em vários outros artigos.

A glorificação de São Paísio foi levada a cabo pela Igreja Ortodoxa Russa no Exterior, no dia da festa do Santo Profeta Elias, em 20 de julho de 1982, no Esquete Russo de Santo Elias no Monte Athos, fundado por São Paísio.