Ocorre
que o intuito de Tomás, ao impugnar a influência das doutrinas árabes, o que incluía
evidentemente Avicena, impugnou também a concepção agostiniana do conhecimento.
Mas do que se trata essa doutrina? Já nos habituamos em inúmeras postagens
deste blog à teoria do conhecimento de Aristóteles, qual seja, a divisão do
intelecto em intelecto agente (aquele que “abstrai” os conceitos dos
fantasmas advindos da parte sensível da alma) e intelecto possível (aquele
que, por meio de juízos e inferências, raciocina para alcançar novos conteúdos
mentais e os pronuncia com verbos mentais). De qualquer forma, o que se
depreende aqui é que o intelecto humano é uma atividade que lhe é própria, que
lhe é natural. Reforcemos: o intelecto é algo humano. Santo Agostinho
não pensava assim. Sua doutrina da iluminação não outorgava um intelecto agente
ao homem, mas é algo que competia exclusivamente a Deus. Reforcemos: o
intelecto é algo divino.
Étienne Gilson não deixa de notar que ambas
as escolas dão na mesma porque, afinal, ou o intelecto humano tem de ser auxiliado
por Deus, ou Deus é nosso intelecto agente que “complementa” a alma humana. A despeito disso, Tomás acaba com a doutrina de Deus como intelecto
agente. Ademais, note que na ideia de Deus como intelecto agente está implícito
o entendimento de que a alma é feita de substância divina, só existindo uma única
alma para toda a humanidade, pois, obviamente, Deus é indivisível e único. Tal
concepção na minha opinião porta evidentes traços gnósticos.
Fonte: Adriano Martins Soler, Agostinho e Aristóteles na teoria do conhecimento de Tomás de Aquino, Fonte Editorial, São Paulo, Brasil, 2015.