14 de abril de 2025

Deus não é nosso intelecto agente


Menosprezar a contribuição de Santo Agostinho à doutrina cristã é algo que se tornou comum na Igreja Ortodoxa, em especial entre os seguidores do Pe. John Romanides. No entanto, poucos se dão conta de que entre os católicos romanos houve também, embora mais discretamente, um tema importante da doutrina agostiniana que foi superado por Tomás de Aquino. Trata-se da teoria do conhecimento de Santo Agostinho, a saber, sua doutrina da iluminação divina.

 Ocorre que o intuito de Tomás, ao impugnar a influência das doutrinas árabes, o que incluía evidentemente Avicena, impugnou também a concepção agostiniana do conhecimento. Mas do que se trata essa doutrina? Já nos habituamos em inúmeras postagens deste blog à teoria do conhecimento de Aristóteles, qual seja, a divisão do intelecto em intelecto agente (aquele que “abstrai” os conceitos dos fantasmas advindos da parte sensível da alma) e intelecto possível (aquele que, por meio de juízos e inferências, raciocina para alcançar novos conteúdos mentais e os pronuncia com verbos mentais). De qualquer forma, o que se depreende aqui é que o intelecto humano é uma atividade que lhe é própria, que lhe é natural. Reforcemos: o intelecto é algo humano. Santo Agostinho não pensava assim. Sua doutrina da iluminação não outorgava um intelecto agente ao homem, mas é algo que competia exclusivamente a Deus. Reforcemos: o intelecto é algo divino.

Étienne Gilson não deixa de notar que ambas as escolas dão na mesma porque, afinal, ou o intelecto humano tem de ser auxiliado por Deus, ou Deus é nosso intelecto agente que “complementa” a alma humana. A despeito disso, Tomás acaba com a doutrina de Deus como intelecto agente. Ademais, note que na ideia de Deus como intelecto agente está implícito o entendimento de que a alma é feita de substância divina, só existindo uma única alma para toda a humanidade, pois, obviamente, Deus é indivisível e único. Tal concepção na minha opinião porta evidentes traços gnósticos.

Fonte: Adriano Martins Soler, Agostinho e Aristóteles na teoria do conhecimento de Tomás de Aquino, Fonte Editorial, São Paulo, Brasil, 2015.