19 de outubro de 2010

A arte da periagoge


Segundo John von Heyking, Gerhart Niemeyer e Eric Voegelin adotavam em suas aulas de filosofia política uma técnica para provocar em seus alunos a periagoge platônica, ou seja, o giro da alma em direção ao fundamento divino, afastando-a da indolência espiritual. Essa arte, que é a autêntica “educação liberal”, vem originalmente de Kierkegaard. A função não é apenas transmitir conceitos e descrições das sociedades e ideologias, os quais apelariam para uma porção pequena da alma do aluno, mas provocar uma verdadeira conversão existencial, algo mais amplo e profundo, que efetivamente desperte o aluno e faça-o voltar-se para a busca da verdade.

A arte da periagoge divide-se em três fases:

1) Fase estética. O professor procura despertar a conversão no aluno mediante a sátira e a ironia. Por exemplo, Voegelin, em Hitler e os Alemães, ironiza os expoentes da intelectualidade e da moralidade da sociedade alemã dos tempos nazistas tomando emprestadas algumas sátiras de Karl Kraus. A idéia não é intimidar os alunos ali presentes ou insultar gratuitamente os intelectuais mencionados, mas provocar uma mudança no senso estético dos alunos a fim de que enxerguem as pessoas pretensamente grandes como realmente são, ou seja, pequenas e desprezíveis.

2) Fase ética. O professor procura converter o aluno em duas perspectivas: (a) expressando indignação moral e (b) afirmando a ordem moral como sendo um elemento essencial para o entendimento científico da realidade política. Um dos exemplos utilizados por Voegelin é o do jornalista que critica um prisioneiro de Auschwitz por ter chamado um dos guardas de “assassino”, apesar de o guarda apenas o ter deixado aleijado. A indignação de Voegelin para com o jornalista é patente. Quer dizer que só devemos chamar alguém de “assassino”, mesmo após vê-lo matando alguém a frio, depois de o indivíduo ser julgado como tal em um tribunal? A mentalidade legalista do jornalista o impede de falar a verdade por receio de violar a letra da lei.

3) Fase religiosa. É a “conversão ao transcendente”. Se a fase anterior julgava moralmente as ações do indivíduo, nesta fase o indivíduo é julgado como um todo perante os padrões da ordem transcende. Isso significa que o professor deve apontar a perda de realidade, que invariavelmente encontra-se no desejo do indivíduo de ser o criador de sua própria existência e de seus próprios valores. Ao mesmo tempo, o professor tem de explicar ao aluno qual é o padrão empiricamente verdadeiro da ordem transcendente. A este respeito, em Hitler e os Alemães, Voegelin diz: “As experiências da razão e do espírito deixam claro que o homem experiencia-se como um ser que não existe de si mesmo. Ele existe em um mundo que lhe é dado de antemão. A existência deste mundo é um mistério, e o nome deste mistério, da causa do ser do mundo, do qual o homem é um componente, chama-se ‘Deus’. Portanto, a dependência da existência da causação divina da existência é, e sempre tem sido, a discussão básica da filosofia”. Trata-se de um chamado existencial profundo, e não apenas um chamado para sustentar opiniões e conceitos aprovados pela religião. É por isso que Voegelin criticou duramente o papel desempenhado pelas igrejas protestantes durante o período nazista: embora seus líderes se mantivessem fiéis aos dogmas e conceitos de suas igrejas, recusaram-se a prestar testemunho à verdade transcendente.

Por fim, Heyking explica que estas fases não são temporais, ou seja, elas ocorrem alternadamente e mesmo simultaneamente. Não devem, portanto, ser encaradas de maneira isolada.