23 de janeiro de 2006

O mistério das duas naturezas de Cristo

Recomendo a leitura do artigo The Mystery of the Two Natures, de James Cutsinger.

Em suma, Cutsinger conclui que a afirmação segundo a qual "Jesus é Deus" está correta, mas sob certo ponto de vista apenas. O erro, segundo ele, seria afirmar que Jesus é Deus e Deus é Jesus , ou seja, que em Jesus estavam presentes todos os atributos de Deus Pai.

Os Pais da Igreja repudiavam esse tipo de raciocínio, e até mesmo há, teologicamente, o nome das três heresias que se seguem a esse raciocínio:

1) A tradição ensina que foi o Filho, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que encarnou-se em Jesus, não a Primeira Pessoa do Pai. Confundir as Pessoas ou, pior, igualá-las, constitui uma heresia chamada monarquianismo modalista.

2) Embora Cristo tenha participado integralmente em cada aspecto de nossa physis humana (exceto o pecado), ele não participava conosco de nossa personalidade humana. Ele era fisicamente homem pois sentia emoções, privações físicas (fome, sede etc.), mas era o Logos encarnado. Pensar que Jesus Cristo foi um "homem excepcional", sobre quem a divindade foi projetada, constitui uma heresia chamada monarquianismo dinamista.

3) As duas naturezas de Cristo estão hipostaticamente ligadas, de maneira que nenhuma eclipsa ou sufoca a outra, numa perfeita communicatio idiomatum. Supor o contrário, ou seja, que a humanidade de Jesus foi sobrepujada pela Divindade que nEle estava manifesta, constitui uma heresia chamada monofisitismo.

Cutsinger lembra que Jesus, embora tenha dito que Eu e meu Pai somos um, disse também Meu Pai é maior do que eu. Isso quer dizer que, embora Jesus seja Deus, ele é a Segunda Pessoa e apenas a Segunda Pessoa, permancendo Absoluto para as criaturas mas subordinado à Primeira Pessoa. É por isso que Jesus orava a Deus Pai. Se Jesus fosse Deus e Deus fosse Jesus, então para quê orar? Temos de admitir que a divindade de Jesus era derivativa, ou seja, Jesus não era a Essência Divina, mas a auto-determinação dessa Essência Divina ao nível do Ser. No entanto, como vimos, o argumento de Cutsinger é refutar a tese exclusivista segundo a qual Jesus = Deus. Dizer que Jesus é Deus está correto, mas a conexão verbal "é" não deve ser entendida como uma igualdade matemática ("Jesus é igual a Deus").

É aqui, nessa igualdade matemática, que muitos cristãos equivocadamente se apegam.

Cutsginer continua, raciocinando da seguinte forma: Ok, Jesus é o Filho de Deus, mas será Jesus o único Filho de Deus? Observem que o argumento do artigo refuta apenas a identidade exclusivista Filho = Pai, mas não o exclusivismo Jesus-único-Filho-de-Deus. Cutsinger afirma que os Pais da Igreja e as diversas fórmulas conciliares jamais deram a entender que Jesus fosse o único Filho de Deus mas admite que, dentro do "planeta" que cada religião representa (nas palavras de Schuon), é perfeitamente compreensível que se desenvolva um grau de egoísmo que contamine os dogmas exotéricos.