O fator central do domínio da elite brasileira sobre a população pobre é a humilhação. É o sentimento de humilhação que faz com que o pobre concorde, admire e ame o humilhador.
De maneira mais ampla, o principal combustível da humilhação é a escravidão. No entanto, não se trata de meramente atribuir importância histórica à escravidão conforme praticada no período colonial e imperial, mas destacar o papel interpretativo que a escravidão tem nos dias de hoje.
Em outras palavras, a maneira como a sociedade brasileira é interpretada revela que a escravidão racial, outrora vigente de maneira ostensiva até a República Velha, passa a assumir a forma de um racismo cultural. É importante que a escravidão se mantenha para que o prazer em humilhar se mantenha. A humilhação não precisa ser algo consciente e articulado porque, afinal, trata-se de um sentimento. Negar à população cultura, saúde e educação é o veículo da humilhação, é a maneira da elite olhar o povo “de cima para baixo”.
Esse racismo cultural é produto de uma narrativa interpretativa singular: o Brasil vem de Portugal, e com os portugueses teria vindo uma herança de corrupção, crime e miséria medievais. Por isso, o que faz do Brasil um país rico com um povo pobre seria o patrimonialismo e a corrupção populares, que perpetuariam essa herança portuguesa. O Brasil é pobre porque, segundo esta linha interpretativa, o povo é corrupto. Eis que o racismo passa a ser algo moral, não mais racial.
É dessa forma que a elite brasileira se oculta. A educação e a imprensa fomentam a ideia de que o verdadeiro inimigo dos brasileiros – a elite econômica que hoje se oculta no sistema especulativo que atende pelo nome de “Faria Lima” – não rouba, mas “negocia”. Eis em poucas palavras como os inimigos do Brasil operam: a elite rouba, a imprensa mente. As demais instituições – câmaras legislativas, sistema judiciário, aparelho policial, forças armadas, universidades, igrejas evangélicas etc. – procuram garantir que nenhum elemento externo seja capaz de furar a bolha da narrativa interpretativa.
Racismo não tem a ver com raça porque o racismo hoje em dia se mostra em máscaras que moralizam o racista. Eis o racismo cultural.
Fonte: Jessé Souza, Exploração, história e injustiça, YouTube, 2025.