18 de dezembro de 2024

Temas de ontologia em Mário Ferreira


Visão geral do ser

Ao versarmos sobre ontologia (isto é, metafísica geral), é necessário antes entendermos que ontológico é tudo aquilo que se refere ao ser em geral, ao seu logos, enquanto ôntico é aquilo que se refere ao ente determinado, ao fato de ser. O ser ontologicamente é um e ônticamente é múltiplo.

Uma das perguntas fundamentais da ontologia é precisamente por que os seres que existem existem? Tudo muda, é verdade, mas o que muda é algo que muda, algo firme, estável, fixo. O ser não se explica, o ser não se define. O ser é nossa própria experiência, está dentro e fora de nosso pensamento. É o conceito mais claro e límpido que nos pode surgir.

O ente, por outro lado, é o que tem ser, o que é. Do ente podemos dizer aquilo que é, o “fundo” do ser, o que logicamente define o ser (a essência) e o fato de ser (a existência). Estão ambos incluídos no ser, são os modos de ser. O conceito de ente é transcendental porque podemos predicá-lo de qualquer coisa, seja singularidade, seja particularidade, seja universalidade.

Esquecemos, no entanto, o mais importante: é que o ser não é apenas um conceito, e se dele, conceitualmente, há pouco a dizer, se dele silenciam os nossos esquemas intelectuais, dele fala, palpitante, expressiva, toda a nossa afetividade, toda a nossa consciência, tudo quanto em nós é ato, atividade, desejo, promessa e certeza. [...] Essa presença do ser nos cerca e nos inclui. Dele não podemos evadir-nos, nem o podemos negar, mesmo quando tentamos negá-lo. Antecede-nos e sucede-nos, e sentimo-nos como testemunhas afirmativas dele. [...] O ser é a voz do ser que fala em tudo.

Inevitável não se lembrar do verso bíblico Porque nele vivemos, e nos movemos, e somos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração. (Atos 17:28)

Curiosíssima os três modos de ser apresentados por Mário Ferreira no tocante ao tempo. O devir, ou seja, o vir-a-ser, é um modo de ser do presente, um ato híbrido. O modo de ser do passado é epimeteico e o modo de ser do futuro é prometeico. Ambos, epimeteico e prometeico, são. O tempo “está” no ser. Um trecho críptico de Mário, que parece conferir ser, ou modo de ser, ao tempo. Em outras palavras, parece que o tempo não é apenas uma medida do movimento (o tempo relativo), mas é também absoluto como “presença no ser” [sic]. No mínimo curioso.

As propriedades do ser

O que é próprio de uma coisa são seus acidentes necessários, ou seja, acidentes que também podem ser encontrados em outros entes, mas no caso do ser lhe são necessários, embora não lhe sejam essenciais. E quais são os acidentes necessários do ser? A unidade, a verdade, o bem (“valor”, como o chama Mário), a inteligibilidade e a similitude, entre outros.

Estas propriedades, ou transcendentais, são convertíveis, ou seja, são análogos, pois ora são unívocas, ora equívocas, sem ser exclusivamente nem uma nem outra. Veja-se, por exemplo, o caso do bem (“valor”): a bondade em si todo ente tem, mas a bondade relativa, ou seja, a bondade para outro, todo ente pode (i.e. tem potencial) para ter, segundo os planos. Há uma “coerência da tensão” aqui, como diz Mário (para entender melhor o conceito de “tensão” consulte sua Filosofia Concreta.

Quanto à inteligibilidade do ser, Mário a justifica da seguinte forma, apoiando-se em Duns Scot:

Em primeiro lugar, o ser é verdadeiro, pois a sua falsidade seria o nada absoluto. Ora, o nada absoluto é ininteligível; portanto o ser é inteligível, pois é o seu contrário. Por ser inteligível o ser, não se conclui ainda que nós, homens, possamos inteligi-lo exaustivamente, mas apenas proporcionalmente à natureza humana.

A distinção formal em Duns Scot

O leitor deve se lembrar que Duns Scot, tal como mencionado por Edward Feser aqui, não se limita a apontar a existência apenas de distinções reais e lógicas, mas também as distinções formais.

Considere, por exemplo, a distinção, no homem, entre sua animalidade e sua racionalidade. O leitor verá que os tomistas, tal como a expõe Feser, a consideram uma distinção lógica do tipo virtual, ou seja, uma distinção lógica que tem algum fundamento na realidade. O problema disso, explica Mário, é que considerá-la virtual significa que as formalidades só podem ser elaboradas pela nossa mente (isto é, sem uma mente que a elabore a formalidade não poderia existir).Isso é falso, e tanto é assim que o realismo moderado, uma doutrina cara aos tomistas, cairia por terra. Sim, pois se as formalidades existem apenas nas mentes humanas – mesmo que cum fundamento in re como dizem os tomistas – forçosamente concluiríamos elas são meros nomes: cairíamos no nominalismo. Os escotistas não negam, portanto, o realismo e, pelo contrário, o fundamentam no paralelismo entre a ordem gnosiológica e a ordem ontológica. Em outras palavras, o esquema concreto é a existencialização da essência e, por isso mesmo, tem realidade, e dele se constroem os esquemas noético-abstratos (em sua Filosofia Concreta, Mário a chama de “eidético-noético”).

A univocidade do ser em Duns Scot

A analogia se justifica pelo fato do ser finito ser tão dessemelhante ao Ser infinito. Dessa forma, caberia apenas falar em analogia de proporção. É curiosa a relação que Mário estabelece entre incomensurabilidade de Deus e o mundo com a incomensurabilidade entre o diâmetro e a circunferência (π, ou seja, 3,141592653...).

Mas, segundo Duns Scot, o primeiro objeto do conhecimento humano é o ser, ou seja, não é o ente nem a essência, “porque tudo quanto conhecemos é, e por estar o ser presente em todo o nosso conhecimento, dele partimos para a ele chegar”. O ser é sempre ser, e por isso Scot afirma a univocidade do ser. Não existe isso de um ente ter “mais ser” ou “menos ser” que outro porque isso implicaria que haveria uma “fonte de ser” alternativa ao próprio ser.

No entanto, cabe aqui uma nuance. Para Scot, o ser é unívoco, sim, mas quando se refere à essência. Não é unívoco quanto às determinações do ser, nem quanto aos transcendentais. O que ele quer dizer com isso é que as diferenças últimas do ser (ato, potência) são apenas determinações do ser, enquanto os transcendentais (unidade, verdade etc.) são as propriedades do ser. Ora, nas determinações e propriedades não cabe univocidade porque o ser não pode diferenciar o ser enquanto ser. Explicando melhor: o ser ou está em ato, ou está em potência; não posso dizer que o mesmo ser tem ser em ato e ser em potência. Não faria sentido isso.

Para ser claro, a univocidade do ser de Duns Scot não é univocidade assim. Ora, se nas determinações e transcendentais não cabe atribuição de ser, se, por exemplo, este celular é também outro que constitui o que Mário chamaria de “esquema de celular”, então cabe aí uma síntese de diferenças e semelhanças. A síntese de diferenças e semelhanças é...analogia.

Ora, então se o ser é unívoco, o ente é análogo em suas determinações (modalidades).

Se nos colocamos do ângulo do esquema eidético, tem razão Duns Scot ao afirmar a univocidade; mas, fundando-nos no empirismo, de onde parte a análise tomista, tem Tomás de Aquino razão de afirmar a analogia.

Não há aí contradição que não permita uma coerência dialética entre os dois pensamentos, e a disputa entre tomistas e escotistas peca por nenhuma das partes considerar que o ponto de partida de cada uma é diferente, com consequências diferentes, mas que se harmonizam dialeticamente.

Partindo do ser concreto [este celular em potência e ato], temos que afirmar a analogia: partindo-se do esquema noético-eidético [ideia de celular], alcança a univocidade.

Em suma, Tomás parte da univocidade do ente e chega à analogia do ser, enquanto Scot parte da univocidade do ser e chega à analogia do ente.

O nosso cosmos não nos revela a ordem do ser, mas apenas aquela que nossos esquemas podem captar. Portanto, não nos admiremos de mistérios. O que nos cabe é construir esquemas que nos habilitem a penetrar e realizar a mistagogia, a penetrar nos mistérios (desenvolvimento do intellectus viatoris [intelecto do viajante] dos escolásticos), para obter a iluminação que melhor nos revele a verdade.

As relações

A relação é uma das categorias de Aristóteles, e seu status ontológico é dos mais tênues, inferiores. Uma relação, para que tenha realidade, depende da realidade do fundamento que a sustenta. No entanto, uma vez que ganhe realidade (embora não “concretude”, à moda de Mário Ferreira), a relação revela uma mudança qualitativa, que se não se dá nos elementos componentes, certamente se dará na própria relação, que leva ao surgimento de um novo estado, uma nova distinção, a da totalidade, além de a totalidade das partes.

Note, por exemplo, o ângulo que se forma no encontro de duas retas. Ou na molécula de água que se forma da conjunção de um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio. A possibilidade da água foi atualizada pela relação dos átomos.

A relação é, nas palavras de Mário, “um estado com o germe do esquema”. Elas não se hipostasiam, mas elas se concretizam com os elementos que as fundamentam. Em outras palavras, elas são reais, embora, em si, não sejam concretas, muito menos hipóstases.

As ideias

E cabe observar que as ideias são também uma relação. Leiamos o que diz Mário Ferreira:

As coisas, pertencentes ao mundo objetivo, têm posicionalidade no tempo e no espaço, e elas têm, por sua vez estrutura, a qual implica a primeira.

Os objetos ideais, enquanto ideais, têm posicionalidade no tempo psíquico, onde se estruturam como esquemas, num eu de posicionaliade tempo-espacial.

Os esquemas abstratos são sem existência no mundo exterior, enquanto tais, mas com referência ao objeto, pois, como já vimos, se nem o esquema abstrato de nada pode excluir a objetividade para ser pensado, muito menos as ideias de possíveis.

Mas esses objetos ideais não são subsistentes de per si, como separados na ordem universal, que os contém em potência ou em ato.

O mundo das ideias platônicas não é como frequentemente se julga, algo que se dê topicamente fora deste, em sentido espacial. As ideias não têm topicidade, mas têm a significabilidade das coisas que as apontam, como símbolos que são estas.

Por isso, uma ideia, a de bem, por exemplo, pode ser captada por vários atos de pensar, sendo ela sempre o mesmo pensamento, desde que não consideremos o que há de hilético, de empírico, de fático, que a ela se junta, na experiência individual.

Os objetos metafísicos não são entidades que se possam hipostasiar como subsistentes de per si, mas como subsistentes na ordem do ser (ontológico). Elas constituem a idealidade real do ser e são afirmadas pela realidade ideal deste.

Os modos

A exemplo das relações, os modos também são seres mínimos, de intensidade mínima. São modos de ser, por exemplo, a dependência do efeito à causa, a união das partes de um todo, o deslocamento da Terra em torno do Sol etc. Qualquer modificação de um ente real é um modo, que é sempre atual, ôntico, de consistência física. Os modos nos fazem lembrar a operação da potência cogitativa: reagimos não apenas às coisas que se nos apresentam, mas a “algo mais” que nelas está associado. Por intuição estimativa captamos o ser e seus modos, embora, claro, tal potência possa ser educada e aperfeiçoável nos homens a ponto de elevá-la de mera estimação à cogitação, mas isso é outro assunto. O que importa aqui é que os modos são inseparáveis do ser que modifica e, embora haja entidade neles, não há ensidade (termo de Mário), ou seja, são seres “inalienados” porque têm subsistência em outro (in alius).

Aqui cabe não confundir modo com acidente. Os acidentes têm consistência ontológica própria, ou seja, onticamente independem da substância. Os modos, por sua vez, têm consistência meramente ôntica. Isso significa que os modos revelam a imperfeição dos entes quanto considerados onticamente, mas não revelam a imperfeição do ser ontologicamente. Vimos em Edward Feser, na mesma postagem citada acima, que os tomistas consideram os modos de ser como uma distinção real menor (união, dependência, presença, inerência, determinação efetiva etc.).

 Tomemos como exemplo a água, cuja combinação decorre da união de partes. Esta união é um modal substancial. Esta união estava em potência nas partes (moléculas de oxigênio e hidrogênio) e agora está em ato no todo. Este todo tem um novo esquema concreto, uma nova tensão, mas a união é em si não é esta nova tensão. O esquema da água é uma coisa, o modo substancial da união é outra coisa. Outro exemplo, mas de modal acidental, é a modificação da quantidade. Em si mesma, a quantidade pode ser considerada abstratamente, mas na substância na qual está “pendurada”, a quantidade está em estado de inerência (é um modal acidental). Similarmente, a ação também é um modal acidental porque a ação não é apenas um “efeito da causa”, mas o modo da causa (como que o “modificar próprio” da causa). A dependência entre o efeito e a causa é o modo da ação.

A matéria para Duns Scot

A matéria, enquanto princípio, não tem ser próprio, segundo os tomistas. Mas Duns Scot discorda porque, se a matéria não tem nenhuma realidade, ela é nada. Se a matéria é nada, como poderia receber e canalizar a “eficácia” das causas? Se a matéria é nada, como poderia receber a forma? Para Scot, “a matéria não recebe seu esse da forma, mas ela, por si mesma, tem o seu esse (ser). [...] Em suma, a matéria é o ser cujo ato consiste estar em potência em relação aos outros atos”.

Mário entende que o ato criador é a criação dos termos determinante (ato=forma) e determinável (potência=matéria), o que equivaleria ao Yang e Yin chineses, pakriti e parusha dos Upanishads.

Fonte: Mário Ferreira dos Santos, Ontologia e cosmologia, Editora Logos, São Paulo, SP, Brasil, 1959.

2 de dezembro de 2024

O ente e a essência


Visão geral

Segundo Tomás de Aquino, o ente e a essência são as primeiras coisas que são captadas pelo intelecto. Assim, em sua obra seminal Do ente e da essência, Tomás discorrerá sobre a distinção entre estes dois conceitos e, mais ainda, demonstrará a distinção real entre o ser e a essência.

“Ente” é aquilo a que atribuímos as dez categorias. “Essência” é o que é comum a todos os entes que são colocados nos diversos gêneros e espécies. (Humanidade é a essência de homem, por exemplo). A essência é aquilo pelo qual o ente tem o ser que é. É como se o ente “derivasse” seu ser da essência (forma/natureza). O ente, cabe lembrar, está propriamente nas substâncias, enquanto nos acidentes está apenas “de certo modo” e “sob certo aspecto”.

Substâncias compostas

Chamamos algumas substâncias de “compostas” porque há nelas forma e matéria. As definições das sustâncias compostas, que apontam (“significam”) as essências dessas substâncias, têm de conter tanto a forma quanto a matéria. Mas aqui Tomás faz uma observação importante: a essência não é uma relação entre forma e matéria, pois isso nos forçaria a concluir que a essência, sendo uma relação, se reduziria a um mero acidente.

No entanto, e aqui cabe uma reflexão importante, sabemos que o princípio de individuação, segundo Tomás de Aquino, é a matéria designada, ou seja, não a matéria como princípio, mas a matéria já devidamente designada por uma quantidade. Isso já sabemos dos inúmeros estudos de tomistas dos mais variados tipos. Ora, na definição de homem – ou seja, em sua essência –, não há obviamente nada que indique que “homem” é este osso e esta carne. Que homens tenham ossos e carne é óbvio, mas também é óbvio que estamos falando de homens em geral, não deste ou daquele homem em particular. Em outras palavras, na essência do homem há um corpo cuja essência contém, entre outros aspectos, a capacidade de designar-se (materializar-se quantitativamente) em três dimensões. Mas o corpo não contém somente esta capacidade (“perfeição”). Ele também contém a capacidade(“perfeição”) da vida. Vejamos o que diz Tomás (grifos meus) e deduzamos em seguida algumas suspeitas:

Acontece, porém, que na própria realidade aquilo que possui uma só perfeição alcance também uma outra perfeição além daquela, como é claro no caso do homem, que possui tanto a natureza sensitiva quanto, além dela, a intelectiva. Do mesmo modo, sobre esta perfeição de possuir tal forma que nela possam designar-se três dimensões pode advir alguma outra perfeição, como a vida ou alguma outra coisa. [...] Mas pode também o nome “corpo” significar certa coisa que tem uma forma a partir da qual possam designar-se na coisa três dimensões, qualquer que seja esta forma, podendo a partir dela provir alguma outra perfeição ou não.

 

Tomás chega a propor que “corpo” é gênero de “animal”. A meu ver isso abre espaço para entendermos que, depois da morte – ou seja, depois que a potência vegetativa da alma perde ação sobre a “matéria designada nas três dimensões” – do corpo, presente na essência do homem, “pode advir alguma outra perfeição” que não seja a matéria designada. Em outras palavras, o que morre com o “corpo” não é o corpo, mas a matéria designada, já que o corpo necessariamente – pois é da essência do homem – terá de advir de outra maneira. Claro que isso precisa ser mais bem esclarecido pois, uma vez perdido o princípio de individuação com a morte da matéria designada, o que individuaria os seres humanos no pós-morte? Tomás não aprofunda o tema aqui, mas é notório que haja uma abertura para “outra perfeição”, a qual genericamente podemos chamar, à moda do próprio Tomás, de “vida”.

Onde “está” a essência?

Tomás critica os platônicos por situarem a essência fora dos singulares porque, se fosse assim, não poderíamos declarar sobre os (“predicar dos”) singulares nenhum gênero ou espécie. Por outro lado, obviamente não podemos dizer que a essência esteja em algum (ou apenas alguns) singulares, sob pena de não ser essência de todos os singulares significados.

A solução? A essência, afirma Tomás, é uma imagem particular inteligida, à exemplo de uma estátua que por semelhança representasse os seres humanos. A partir dos acidentes de uma coisa inteligimos sua natureza (essência).

As puras inteligências (substâncias simples)

No caso das puras inteligências, que estão mais próximas do primeiro princípio, não há matéria designada e, portanto, suas essências coincidem com suas formas. Não há “forma e matéria”, como nos homens, mas somente forma. No entanto, Tomás toma o cuidado ao  não atribuir-lhes “ato puro” porque, embora não tenham matéria,  têm potência.

O ser e a essência

Tomás claramente distingue “ser” de “essência”. Posso inteligir o que é homem ou a fênix, mas isso não significa que por isso homem e fênix tenham ser nas coisas. Mas de onde vem o ser das coisas? Não pode vir da forma ou da essência porque teríamos de concluir que o homem, por exemplo, é causa de si mesmo, o que é impossível. Assim, tem de haver um “Ente Primeiro” que é apenas ser. Estamos falando, claro, de Deus. Eis que descobrimos, de quebra, que a potência das puras inteligências está precisamente na forma (que coincide com a essência, lembre-se), que está em potência para o ser.

Mas qual a diferença entre uma pura inteligência e outra? Tomás confessa que a desconhece. As puras inteligências têm seu gênero a partir de sua imaterialidade, a diferença é tomada de seus graus de perfeição, mas o que é precisamente essa diferença não sabemos.

Fonte: Santo Tomás de Aquino, O ente e a essência, Ecclesiae Editora, Campinas, SP, Brasil, 2022.

19 de novembro de 2024

Sindérese e consciência

A sindérese é o princípio para o agir prático, ou seja, capta os preceitos fundamentais para a ação moral e a lei natural (p.ex., faça o bem e evite o mal, respeito pela vida, honrar os pais, caridade e compaixão, autopreservação etc.). Ele é semelhante ao hábito do intellectus, que vimos na postagem anterior, mas do ponto de vista da vontade, não do intelecto. Mas, aqui, ao contrário do intellectus, que é um hábito perfectível (uma virtude, portanto), a sindérese é um hábito inato, que garante as condições das nossas ações práticas. Não é perfectível, portanto. Tampouco jamais é extinta (mesmo em doentes mentais, pessoas em coma ou bebês).

A consciência, por outro lado, é a aplicação particular da sindérese, obrigando relativamente (ou seja, “impele”) o homem enquanto crê que seja uma consciência reta, além de considerar a retidão do que foi feito ou do que será feito. A consciência, portanto, pode errar porque ao aplicar o princípio pode fazê-lo erroneamente.

Portanto, a sindérese é a base para a inclinação ao bem, enquanto a consciência é a consideração de tais princípios em determinadas ações.

Fonte: Tomás de Aquino, A sindérese e a consciência, Ecclesiae Editora, Campinas, SP, Brasil, 2015.

18 de novembro de 2024

As virtudes intelectuais especulativas


O bem de cada ser é o seu fim. E, portanto, como a verdade é o fim do intelecto, conhecer a verdade é o ato reto do intelecto; por onde, o hábito que aperfeiçoa o intelecto para conhecer a verdade, tanto na ordem especulativa como na prática, chama-se virtude. (Tomás de Aquino, ST I-II, q.56, a.3, resp ad 2)

Ora, as virtudes intelectuais especulativas aperfeiçoam o intelecto, que é conhecer o ente, ou seja, chegar à verdade das coisas, descobrir o essencial. Aperfeiçoar o intelecto significa torná-lo mais maduro, consistente e estável.

Os hábitos especulativos do intelecto têm por objetivo, em conjunto, apreender o ente. Esta é a operação, o ato, por excelência do intelecto. Eis as três virtudes intelectuais especulativas:

(1) Intellectus (ou “virtude dos primeiros princípios”). É o hábito do conhecimento evidente dos primeiros princípios, que são superiores à razão por serem anteriores a ela e lhe darem seu fundamento. É uma “luz intensa”, um instrumento do intelecto agente, ou seja, não é algo adquirido, mas natural, um hábito entitativo. Os primeiros princípios de que falamos são, pois, pelo que deixa implícito o autor, do princípio de não-contradição, do princípio de identidade e do princípio do terceiro excluído. É o fundamento dos primeiros princípios da moral porque não há como a vontade apetecer um bem se o intelecto antes não conhece o ente. “Quando vemos um objeto e sabemos que ele é, quando entendemos que o todo é maior que a parte, que o triângulo tem três lados”.

Mas o hábito do intelecto é aperfeiçoável ("perfectível")? O autor não esclarece, mas o que ensina Angela Knobel, no capítulo 8 de The New Cambridge Companion to Aquinas (Cambridge University Press, 2022), é que, sim, o hábito do intelecto ("understanding", ou "entendimento", como ela chama) é perfectivel, e é por isso que Tomás o chama de "virtude". A minha dúvida surgiu porque fui levado a crer que os "primeiros princípios" captados pelo hábito do inteecto são somente os princípios evidentes a todos, como o princípio da não-contradição, da identidade e do terceiro-excluído. Mas não é bem assim. Há também os princípios que são evidentes, mas não a todos. A essência de uma determinada substância (p.ex. a propriedade curativa de uma erva) só será evidente depois que, precedido pela experiência e pela prática do hábito da ciência neste gênero de coisas, o indivíduo se tornar capaz de imediatamente, por meio do hábito do intelecto, captar tal nota essencial. Assim, a autora conclui que (a) o intellectus em si não é perfectível (ou seja, a habilidade de captar a essência dos entes é algo que depende, por exemplo, da compleição corporal), mas, (b) ele é, sim, perfectível dentro de seus limites naturais mediante a prática das demais duas virtudes intelectuais especulativas.

(2) Scientia (ou “virtude do raciocínio”). É o hábito do conhecimento não-evidente das causas particulares e inferiores, que opera mediante termos a partir dos primeiros princípios, das causas universais, imateriais e necessários de um determinado gênero de ente (ou seja, não as causas primeiras, mas as causas segundas e próximas desse gênero específico de ente). Em outras palavras, a ciência explica o que é e porque algo é assim. “O médico que estuda medicina possui um hábito da ciência médica ou da cura do corpo, entendendo as causas, as conclusões e princípios gerais dessa ciência”.

(3) Sapientia (ou “virtude das causas primeiras”). É o hábito do conhecimento das realidades de último grau, da verdade suprema, do ordenamento de todas as coisas. Não se trata dos primeiros princípios deste ou daquele gênero de coisas, mas do ente enquanto ente, o objeto supremo e próprio da metafísica. A sabedoria é (ou deveria ser) o mais desejado e amado fim do homem porque, enquanto se entrega a seu estudo, “já vai participando de algum modo da verdadeira beatitude”. O sábio ordena a si mesmo, sua vida, suas paixões, sua vontade conforme a causa primeira, que é Deus. Por isso o intelecto às vezes é chamado de capacidade “violenta” da alma, precisamente porque nos torna aptos a dominar nossos movimentos passionais e agir de acordo com a vontade espiritual.  Não basta, portanto, conhecer a causa primeira e julgar as coisas por ela, mas é necessário ordenar todas as coisas também. É no exercício dessa virtude que reside a felicidade humana (ainda que imperfeitamente), pois o intelecto é, afinal, algo de divino em nós. Vale lembrar, embora seja óbvio, que não falamos aqui de , mas do exercício da especulação de Deus por meio da razão.

Estas virtudes, bem como as demais virtudes intelectuais (prudência e arte), estão todas ligadas ao fim último do homem (de todos os homens), que é o ato de conhecer. O conhecimento começa pelo conhecimento dos entes e se desenvolve (ou deveria se desenvolver) naturalmente até atingir a luz de verdades mais altas e supremas. Evidentemente esse apetite por conhecimento só poderá concluir-se na visão beatífica, ou “visão da essência divina”.

Fonte: Willian Kalinowski, O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de Aquino, Contra Errores Editorial, Campinas, SP, Brasil, 2022.

17 de novembro de 2024

Política: a metafísica dos antimetafísicos


Mais importa obedecer a Deus do que aos homens. (Atos 5:29)

Indaguei o que era a iniquidade, e não achei substância, mas a perversão de uma vontade que se afasta da suprema substância, de ti, meu Deus, e se inclina para as coisas baixas. (Santo Agostinho, Confissões 7, 16)

O mal refere-se a um mau uso do mundo pela vontade, não a um cosmo mau. (G.K. Chesterton)

Lei é razão sem paixão. (Aristóteles, Política 1287a32)

Tudo sugere que a vida orgânica será um episódio muito curto e sem importância na história do universo. Muitas vezes, ouvimos pessoas se consolarem de seus problemas individuais dizendo: “Será tudo a mesma coisa daqui a 100 anos”. Mas você pode fazer o mesmo com nossos problemas como espécie. O que quer que façamos, tudo será igual daqui a algumas centenas de milhões de anos. A vida orgânica é apenas um relâmpago na história cósmica. No longo prazo, ela não dará em nada. (C.S. Lewis, De futilitate)

Se algum poder é o sumo bem maior, ele deve ser perfeitíssimo. Ora, o poder humano é imperfeitíssimo, porque se baseia nas vontades e nas opiniões humanas, que são de máxima inconstância. E quanto maior for o poder considerado, tanto mais depende ele de muitos, o que também concorre para a sua fraqueza, porque, quando uma coisa depende de muitos, também pode ser destruída de muitas maneiras. Logo, o sumo bem do homem não está no poder mundano. (Tomás de Aquino, SG 3, 31)

O fim da lei divina é levar os homens à união com Deus. [...] As leis humanas, porém, se ordenam a determinados bens terrenos. (Tomás de Aquino, ST II-II, 140, 1)

Se a contemplação do ser é o fim último do homem, qual a contribuição da política para tal fim? Ou, em outras palavras, a política tem alguma utilidade para alcançarmos a contemplação do ser? É claro que sim, e eis o que veremos aqui.

A tese central de James Schall, baseando-se em Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Leo Strauss e Eric Voegelin (mas não só), é que a teoria política moderna reduz a ética, a religião e a ontologia à política, encarregando o homem e o mundo decaído por fornecerem suas próprias balizas, o que, além de impossível – ou talvez pelo fato mesmo de ser impossível –, é devastador.

O Velho Testamento, seja na história da criação, da queda, do exílio, dos hebreus, das guerras, dos profetas, é um esforço contínuo para impedir que o homem se contente com nada menos do que seu próprio Criador, o próprio Deus. Do ponto de vista político, a principal ameaça é um sistema político que reivindique as prerrogativas de Deus. Obedecer a Deus não é alienar-se, mas, pelo contrário, é o caminho da restauração. A história da queda ensina que o efeito dispersivo do pecado ancestral pode ser parcialmente reparado mediante a política. A morte de Cristo indicaria que a política em si é incapaz de reestruturar o homem nesta vida. A felicidade superior pertence ao Reino, que não é deste mundo.

Santo Agostinho foi claro ao apontar que a origem do mal no mundo não está propriamente no âmbito da política ou da cultura, mas no âmbito da vontade. Para ele, a política é naturalmente limitada porque nenhum bem futuro neste mundo poderá assegurar-nos a imortalidade. Não há esperança em nenhuma ordem política, não importa se “perfeita”, imperfeita, bárbara ou o que seja. Eis a contribuição cristã à filosofia política: ela só faz sentido quando contextualizada na imortalidade humana e na vida do século futuro. Pelo contrário, é por meio da redução de nossas expectativas em relação à política que se pode melhor vislumbrar a conquista da bem-aventurança. Santo Agostinho chama a atenção para o mal da política: ela nunca é tão mal que não possa piorar. E, frequentemente, piora. O mal, para Santo Agostinho, não é o aprisionamento do bem pela matéria, mas a simples ausência de bem. Em termos éticos, o mal é fruto de uma escolha.

Isso nos leva à questão do inferno, uma reflexão a qual o homem medieval estava especialmente inclinado. O “inferno” era considerado como a pior forma de governo e, claro, uma possibilidade derradeira da liberdade humana, na qual o mal deve ser punido e o bem recompensado. E eis aqui uma reflexão crucial de Santo Agostinho: o que rege o Estado não é a justiça (isso não cabe aos homens), mas o amor comum, ou seja, uma vontade que pode escolher uma política justa e, frequentemente, pode escolher uma injusta. O inferno, portanto, livra a política de um fardo terreno impossível, “de modo que essa mesma ordem política não seja obrigada a ver como sua tarefa o exercício da justiça e da punição absoluta por seus próprios esforços”. Quando se rejeita os limites da razão então abre-se espaço para a reivindicação da possibilidade de construir racionalmente a vida boa. É evidente que o pensamento clássico é repulsivo a tal possibilidade. Embora possa soar um tanto pueril, mas é notório observar como a rejeição da revelação pela razão produz aqui mesmo o inferno político. Quando Jacques Ellul anuncia que a definição mesma de religião é a de “ajudar o irmão”, ou seja, dar-lhe roupa, comida e habitação, tal humanismo se autoenclausura. Impossível não ver aí a definição perfeita de inferno: melhorar o vale de lágrimas que, por mais “bem-intencionado”, não passa de uma tentativa tola de envernizar o inferno. Você pode desconsiderar o inferno, mas ele não vai desconsiderar você.

Schall observa que tinha razão Platão, em A república, ao notar que um dos sinais infalíveis da decadência de uma civilização é a oferta excessiva de médicos e advogados. Isso é um sintoma de que a população em geral acredita na tolice de que o mundo é capaz de salvar (medicina) e de fazer justiça (advocacia).

Quando esta vida se torna tudo o que existe, a má saúde e a injustiça tornam-se intoleráveis, para não dizer exasperantes e destrutivas. [...] Homens e mulheres devem ser relativamente saudáveis e justos, é claro. Mas há uma linha tênue, não mais tão demarcada, entre uma visão de mundo que acredita que os homens devem reduzir a má saúde e a injustiça e aquela que suspeita de devam ser erradicadas. [...] O “possível” não limita mais o que é politicamente factível. A estranha e curiosa condição humana não atua mais como freio ou restrição aos esforços para a construção de uma vida perfeita na Terra. E o fracasso na tentativa de produzir tal sistema passa a ser atribuído a determinados grupos e pessoas que vivem no mundo e são acusadas de causar esse fracasso.

Observe o caráter gnóstico dessa postura: a razão e o discernimento humano definem o conteúdo do que é humano. O homem não é mais um ser sujeito a um Deus. É claro que estamos no reino da ética revolucionária, da busca do homem perfeito, da salvação temporal. A moralidade, portanto, passa a ser a identificação com as leis do sistema ideológico vigente. A lei, nas civilizações clássicas, tinha por objetivo libertar o homem da tirania de suas paixões e protegê-lo das paixões alheias (“razão sem paixão”, como disse Aristóteles). Mas a lei era apenas a segunda melhor opção, ou seja, a lei era incapaz de colocar o homem em contato direto com o bem. Nunca, jamais, a lei foi pensada para resolver os problemas mais profundos do homem com a justiça. Por isso Santo Agostinho pensava o Estado como um mero remédio para o excesso de orgulho e ganância. Nenhuma ética, nenhuma santidade, é capaz de ser alcançada pela política e pela lei. Eis uma sábia reflexão de Schall a respeito:

[N]os é dito no Novo Testamento que existem dois mandamentos, o amor a Deus e o amor ao próximo. E nos é dito que se amamos o nosso próximo, cumprimos a lei. [...] Os limites do segundo mandamento estão no primeiro. Este é o mistério da nossa existência, que todos devemos encarar na intimidade dos nossos corações, dos nossos inquietos corações, como Santo Agostinho os chamava.

É notável como a morte de Cristo demonstrou que nenhuma ordem política contém o propósito e a felicidade do homem. Os primeiros cristãos sentiram que o Estado não era tão necessário: para os Apóstolos Pedro e Paulo, por exemplo, a autoridade vinha de Deus, e o Estado, como dizia Santo Agostinho, funcionava quando muito como “remédio” para as faltas e imperfeições humanas, como um mantenedor da “paz”, e eis tudo. Tomás de Aquino ensina que a melhor forma de regime é aquela composta por homens sujeitos à lei que está além da política. Assim, o melhor regime político é aquele capaz de colocar aos homens a liberdade e o ócio e, ao mesmo tempo, controlar as más escolhas e desejos de forma legal e institucional. É quando muito a isso, e somente a isso, que o bom Estado pode almejar. E a pior forma de governo não é aquela que elimina fisicamente a raça humana, mas aquela em que para salvar suas vidas os homens têm de ceder ao mal: morrer não é tão mal quanto viver maliciosamente. O mal final está na ordem da inteligência e da liberdade, não na mera destruição física. A ética da rendição em nome do pior Estado, ou seja, é melhor render-se a um Estado totalitário do que morrer honrosamente, não é cristã, mas hobbesiana. Eis o que disse Santo Agostinho em Contra Faustam:

Qual é a acusação contra a guerra? Seria a de que alguns homens, que morrerão de qualquer jeito mais cedo ou mais tarde, são mortos para estabelecer a ordem, a fim de que outros possam viver em paz? Fazer tal acusação não é próprio de mentes religiosas, mas de mentes timoratas. Os verdadeiros males da guerra são o amor à violência, a crueldade vingativa, a inimizade feroz e implacável, a resistência selvagem, a ânsia pelo poder e coisas semelhantes; e geralmente é para impedir esse tipo de coisa, quando a força é necessária par infligir a punição que, em obediência a Deus e às autoridades legais, homens bons empreendem guerras. É quando se encontram em tal posição no que diz respeito à condução dos assuntos humanos que essa conduta correta exige que ajam ou façam outros agirem dessa maneira.

A velha desculpa de que a conduta correta perante um regime tirânico é a aparente “virtude clássica” é típico de “mentes timoratas” (ou seja, covardes). A conduta correta requer ação, que não é guerra em si, mas o argumento (ou seja, a caneta, ensina Schall). Na ausência de uma autêntica filosofia política os piores regimes tornam-se “morais” em nome da “busca da virtude”.

Conclui-se, portanto, que o bem comum e o bem pessoal não são contraditórios, mas correlativos. Ora, o bem pessoal só se desenvolve quando lida com os outros (cf. a virtude da justiça). Assim, ensina Tomás de Aquino, a qualidade de quem olha para o absoluto depende de como o homem olha para a sociedade. Para Tomás, a sociedade não tem ser substancial, mas encontra-se na categoria da relação, e tal relação, embora seja acidental (e não substancial, como em Deus), é real porque seus sujeitos e termos são reais. As relações entre os homens não são pessoas, pois são acidentais, e portanto não há ser nessas relações como as há na Trindade; assim, estão enganados aqueles filósofos que conferem substancialidade à sociedade, ao Estado, à raça, à natureza, ou ao que quer que seja que não seja a pessoa. A sociedade existe em pessoas, mas não é ela uma tertium quid. E as pessoas, sozinhas, são incapazes de satisfazerem suas potências, mas somente aquela Pessoa Absoluta que não é senão o próprio Deus. Substituir Deus pelo Estado ou pela natureza será sempre uma tentativa, intencional ou não, de degradar o homem.

Nota-se tal degradação especialmente no desaparecimento da misericórdia nas sociedades contemporâneas. A “compaixão” ou “benevolência” secular está no cerne do Estado absoluto, e aqui importa pouco se estamos falando de regimes liberais, socialistas, fascistas ou o que seja; afinal, “o homem não contempla mais o que há no ser metafísico, mas o que ele coloca no lugar por seu próprio poder”. Os homens, imaginando que a misericórdia fosse algo “natural” e não sobrenatural, concluíram que poderiam fabricá-la. Ledo engano: o ordinário está enraizado no extraordinário. O mundo foi criado na misericórdia, como ensinou Tomás de Aquino, não na justiça (ST I, 21, 4). O abundante veio antes do suficiente. O dar veio antes do receber. A “justiça” neste mundo é inversamente proporcional à justiça efetiva da misericórdia, da caridade autêntica, da graça. O desprezo pela misericórdia é a chave para entender a teoria política mdoerna.

Fonte: James Schall, A política do céu e do inferno, Ecclesiae Editora, Campinas, SP, Brasil, 2022.

31 de outubro de 2024

A guerra gnóstica contra o actus essendi

Com efeito, pela grandeza e beleza das criaturas se pode, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Criador. (Sabedoria 13:5)

As seitas gnósticas têm metafisicamente falando um único objetivo: combater a ideia de que Deus criou todas as coisas segundo a lei da analogia (a boa e velha analogia entis, sobre a qual tanto versamos por aqui). Há nelas um elemento comum, que é a revolta contra a ordem metafísica real. Em outras palavras, mesmo que velada ou inconscientemente, a gnose trata o ser como termo equívoco (o ser é absolutamente dessemelhante ao Ser, que é o caso das seitas gnósticas) ou unívoco (o ser é absolutamente idêntico ao Ser, que é o caso das seitas panteístas). Os homens são levados a uma ou outra perspectiva por vários motivos, entre os quais, em geral, estão ocultas causas pessoais, psicológicas. Manter a postura saudável e equilibrada de não identificar as criaturas com Deus, nem negar a excelência da criação, pode ser especialmente árduo para muitas pessoas. Nas palavras de Étienne Gilson: “A Renascença marca o início da era em que o homem se declara satisfeito do estado de natureza decaída”. E Orlando Fedeli: “Há na alma renascentista uma revolta que rejeita a transitoriedade das coisas, uma revolta contra o tempo, uma oposição à aceitação do mal relativo das criaturas. [...] Ao mesmo tempo em que no Renascimento e no Humanismo se divinizavam o homem e a natureza, a razão e o universo, chegava-se também ao extremo oposto, negando-se qualquer valor à razão [...] Passa-se de uma supervalorização absoluta da razão à sua negação completa. E não se sabe se o homem, pela razão, deve dominar o universo, ou se, pelo contrário, o universo deve absorver o homem pelo amor, negando-se a razão”.

Fedeli apelida de “antropoteísmo” a religião do homem, a qual divide-se em panteísmo (divinização do corpo, geralmente monista e racionalista pró-Utopia) e gnose (divinização da alma, geralmente dualista e místico pró-Milênio). Novamente, Fedeli confere certo caráter psicológico à causa do antropoteísmo: “[Ele] é fruto de um orgulho egolátrico e de um sensualismo antinomista, levados ao paroxismo. [...] É a revolta contra a morte, a dor, o trabalho e as mil outras misérias que fazem da vida humana um vale de lágrimas. [...] Se nota um desejo de destruir os princípios metafísicos. Ele [o antropoteísmo] odeia o ser”. O autor centra-se mais na gnose pois considera o panteísmo uma espécie de “fase infantil” ou antessala da gnose. A gnose é mais própria de espíritos intelectualizados, enquanto o panteísmo é mais próprio de pessoas ligadas à matéria (“têm por Deus o próprio ventre”), ou seja, pessoas de menor valor natural. No panteísmo enquadram-se tanto os materialistas crassos quanto os tipos mais pretensamente filosóficos (“racionais”, ateus etc.), bem como aqueles de mentalidade “científica”, como cientistas em geral, engenheiros, físicos etc.

A gnose necessariamente tem de negar os princípios metafísicos. Ela nega, por exemplo, o princípio de identidade, pois as coisas perdem sua individualidade, sua essência, sua personalidade. Nega também o princípio de contradição, pois os contrários passam a coincidir. Similarmente, o princípio de causalidade e finalidade se perdem, pois se não há ordem metafísica, não há causa e efeito, não há relação a um fim, não há relação entre Criador e criatura. Os transcendentais se dissolvem todos (res, aliquid, unum, verum, bonum e pulchrum) porque o ser se dissolve no abismo do nada. Toda ordem analógica é negada pela gnose. Por fim, a gnose recusa-se a aceitar o espaço (não há materialidade) e o tempo (não há movimento, pois não há ato e potência e, portanto, não há movimento e sua medida, que é o tempo).

Um traço curioso da gnose é sua perpétua inversão de um conceito em seu contrário, uma espécie de ponte metafísica. Mestre Eckhart, Jacob Boehme, a Cabala de Isaac Luria, Simão Mago, Hegel etc. são expoentes dessa característica (finito é infinito, nada é tudo, muitos é um, o nada é o real, o corpo é espírito etc.). Similarmente, há uma ponte moral na gnose, no sentido que prega uma moral ascética, de tipo budista, mas quando o asceta alcança sua “união mística”, de repente se vê acima de toda lei moral, e tudo lhe passa a ser permitido.

Vejamos alguns temas essenciais da gnose:

1. Teogonia. Há a Divindade, o princípio de que tudo se originou, e há Deus, o cosmocrator, o criador. Não há qualquer relação analógica entre o ser divino e o ser criado (qualquer semelhança com o Pe John Romanides não é mera coincidência). Essa distinção está clara em Mestre Eckhart, por exemplo (divinitas vs. Deus, Gottheit vs. Gott). A vida íntima da Divindade consiste num eterno processo de divisão dialética interior. Os sistemas gnósticos narram complicadas genealogias emanadas do fundo abissal da Divindade.  Diz-se, simplificadamente, que os éons eram partículas resultantes dessa divisão e que se opunham dialeticamente umas às outras, de maneira que eram absolutamente iguais e, por isso mesmo, não tinham consciência de sua limitação. Assim como uma gota no oceano não “sabe” que é limitada, pois se vê no todo e julga-se o todo, assim também os éons não “sabem” de sua limitação no pleroma. Em cada éon reptia-se a dialética tudo=nada que há na Divindade.

2. Cosmogonia. Mas eis que houve uma “queda”, uma ruptura, um “exílio”, o mal metafísico: um éon sem seu “cônjuge” surge e passa a agir. É o demiurgo. Os demais éons são levados a compreender que não eram tudo. Está rompida a felicidade absoluta no pleroma. Por que se deu o surgimento do demiurgo? Os sistemas gnósticos não explicam, apenas narram. Aliás, isso nos faz lembrar a crítica de Philip Sherrard à “metafísica” de René Guénon em seu Estados Múltiplos do Ser: Guénon afirma ("narra") que o Ser determina-se a si mesmo enquanto o leitor se vê perdido sem uma explicação minimamente plausível de como isso pôde ser possível.

Ora, isso deixa sem resposta a questão sobre como o próprio Ser é determinado. A ordem não-manifestada, escreve Guénon, é feita de Ser e Não-Ser. O Ser engloba todas as possibilidades de manifestação, formal e informal, na medida em que estas serão manifestadas; o Não-Ser engloba todas as possibilidade de não-manifestação, incluindo o próprio Ser e a manifestação, na medida em que permanecem puras possibilidades. [15] Mas será que isso significa que o Não-Ser é o princípio do Ser no mesmo sentido que o Não-Ser determina o Ser? Não podemos afirmar isso, pois aquilo que é completo e infinito em sua não-determinação não pode determinar-se sem tornar-se menos e outro do que si próprio, contradizendo assim sua própria natureza, o que seria uma impossibilidade. Portanto, o Não-Ser não pode abarcar o princípio ou a possibilidade de autodeterminação: ele não é determinado por nada (pois o Não-Ser é “não-dual” e onde não há dualidade nada pode ser determinado por nada) e ao mesmo tempo é impotente para determinar o que quer que seja (pois no âmbito do Não-Ser Absoluto não há nada a determinar e nada que possa ser determinado).

Isso significa que somos confrontados com um dilema. Tem de haver uma primeira determinação, pois caso não haja uma primeira determinação não é possível que haja determinações subsequentes e, assim, toda a teoria dos estados múltiplos do ser perderia sua fundamentação ontológica. Por outro lado, no Absoluto não há, de acordo com Guénon, um princípio que possa determinar a primeira determinação. É da necessidade de resolver esse dilema que Guénon anuncia o que poderíamos chamar de salto quântico metafísico. Diz ele: “O Ser não é determinado, mas determina-se a si mesmo”.

Vale a pena nos determos um pouco mais nessa afirmação. A primeira parte da frase, em si, equivale a dizer que uma determinação não é determinada, o que sem dúvida é uma contradição em termos; enquanto que a segunda parte da frase assume novamente ares daquilo que Guénon chamava de absurdidade, pois viola a lei da não-contradição, cuja conformidade caracteriza para Guénon aquilo que é possível. Ora, em que sentido uma determinação pode determinar-se a si mesma ou ser seu próprio princípio? Nenhuma determinação pode possuir o princípio de seu próprio ser – ou seja, de sua própria determinação – em si mesma, pois isso seria o mesmo que dizer que há um princípio que existe à parte ou oposto ao Infinito, e isso acarretaria em contradizer toda a ideia de Absoluto conforme ensinada por Guénon. Todavia, conforme vimos acima, o Absoluto não pode, em Si, ser o princípio da determinação sem ao mesmo tempo contradizer Sua própria natureza. Ora, se o Ser realmente determina-se a si mesmo por meio de uma espécie de combustão espontânea, então há aí uma possibilidade de uma impossibilidade: uma possibilidade de que uma determinação que não possui o princípio de sua própria determinação em si mesma e é, portanto, com respeito ao Absoluto, rigorosamente nada e desprovida de qualquer ser ou existência, mas que mesmo assim é o princípio de sua própria determinação e de fato determina-se a si mesma.

Percebemos desde logo por que é necessário postular esta determinação inerentemente contraditória do Ser, pois do contrário seria impossível explicar a passagem do Absoluto indeterminado para a primeira determinação, o puro Ser, e assim construir toda a teoria subsequente da estrutura do universo. Mas isso não deixa de ser um tipo de deus ex machina sem o qual o dilema apresentado permaneceria insolúvel; nem deixa de ser uma violação da lei da não-contradição, ou seja, uma absurdidade, conforme Guénon define esse termo. Assim, a tentativa de apresentar um princípio metafísico supremo em termos que sejam logicamente consistentes introduz necessariamente uma inconsistência lógica na descrição de quaisquer determinações que sejam subsequentes a este princípio, e na descrição de quaisquer manifestações (ou aparências de manifestações) de quaisquer tipos.

O demiurgo teria aprisionado os éons na matéria: em cada coisa há um componente material que encarcera uma partícula divina. Eis que tudo, portanto, é divino, e no cosmo há uma luta entre as partículas divinas e a materialidade.

3. O demiurgo. Ele é o “deus mal”, a causa do mal metafísico. Os gnósticos o identificam com Satanás e com Javé, criador dos céus e da terra. O demiurgo é o inimigo do Deus absconditus, ora imitando-o, ora ignorando-o. A serpente teria procurado revelar aos ignorantes Adão e Eva que o criador não era o Deus verdadeiro. Portanto, foi a serpente quem primeira revela a gnose: o demiurgo (Javé-Satanás) era um ignorante que criara um cosmos caricato por não conhecer o mundo do pleroma.

O demiurgo é o Javé-Satanás do Velho Testamento, enquanto o deus do Novo Testamento é bom e misericordioso. Por isso devemos rejeitar a lei (VT) e basta a fé para a salvação (NT), sem necessidade de obras. É claro que isso faz lembrar a tese luterana, o mesmo Lutero, aliás, que inspirou-se ostensivamente em Eckhart (“Não quero Moisés com sua lei, pois ele é um inimigo do Senhor Cristo”). Fedeli lembra na parte 2 de sua aula sobre o esquema gnóstico que a renovação carismática guarda grande semelhança com a seita dos Irmãos do Livre Espírito, declaradamente gnóstica. Alguns gnósticos chamam o demiurgo de Topos (“Lugar”), uma alusão ao criador do espaço e do tempo.

4. Antropogenia. O homem é o ponto que une o espiritual e o material. Ele é, assim, o ponto inicial para o retorno à Divindade. A gnose repete a ideia do “homem universal”, ou seja, o homem ao mesmo tempo é uma redução do universo, enquanto o universo é um homem ampliado. O homem também foi criado pelo demiurgo e, assim como as demais coisas criadas, tem aprisionado algo da substância divina em seu corpo.

5. Psicologia. A gnose é antipática à razão, ao raciocínio, à lógica, à vontade, porque eles são não apenas incapazes de apreender o divino, mas dificultam em fazê-lo (veja acima o que dissemos sobre a gnose ser contrária aos princípios metafísicos que, por sua vez, são a base da lógica). Só por meio da intuição pneumática isso seria possível. O pneuma, ou centelha divina no homem, é o que constitui seu verdadeiro eu. As almas humanas individualizadas constituiriam, originalmente, uma grande alma coletiva e divina. Daí a gnose ser contra tudo aquilo que personaliza, seja a vontade (apegada aos desejos), seja a razão.

6. Soteriologia. Não há salvação propriamente na gnose, porque quem caiu não foi o homem, mas o próprio Deus. A passagem do nada absoluto (o não-ser) ao ser é a queda; portanto, não houve queda moral, mas uma queda ontológica. A soteriologia gnóstica consiste, portanto, numa dupla moralidade: ascética (fruto do ódio à matéria e à existência) e antinomista (prática de ações degradantes e repugnantes). Os dez mandamentos são, portanto, um meio perpetuante do aprisionamento das centelhas divinas. O pecado é o meio de salvação gnóstico, ou seja, ele é a técnica por excelência para destruir as cadeias ontológicas, isto é, para destruir o ser.

7. Cristologia. Não há Redentor na gnose porque não há pecado ancestral. Por vezes os gnósticos alegam que Cristo não teria corpo, por motivos óbvios. Eles rejeitam todos os elementos estruturais da Igreja: organização, hierarquia, leis, templos etc. Os gnósticos são contra todo dogmatismo porque entendem que a verdadeira igreja é pneumática, formada exclusivamente por homem “espirituais”.

8. Escatologia. Enquanto não são libertas da matéria pela gnose, o inferno é o renascimento das partículas divinas, ou mesmo a transmigração para corpos de animais, plantas e até mesmo matéria bruta. O inferno é, portanto, a permanente ligação a um corpo material. Os gnósticos, no entanto, ao morrerem são reintegrados na Divindade.

9. O amor. A gnose odeia o ser, portanto as questões relativas ao sexo e à reprodução lhe são importantes. De maneira geral, os gnósticos desprezam as mulheres porque são fontes de procriação, ou seja, da continuidade material da humanidade. As relações sexuais podem ser livres, contanto que não deem à luz a novas vidas. A gnose é o elemento subjacente que explica por que a mulher deveria apoiar uma seita que despreza a mulher: há aqui uma possível explicação do apoio feminino ao feminismo. No romantismo, a mulher em concreto é desprezada, enquanto a partícula divina que há nela (simbolizada pela dama) é apresentada num contexto de amor platônico idealizado. A mulher é uma fada, mas na verdade é a luxúria idealizada. Diz Denis de Rougemont: “A licenciosidade demoliu o casamento por baixo, enquanto a cavalaria [o amor cortês ou cavalheiresco] o ridiculariza de cima”. Diz ainda Fedeli: “O amor sentimental dos gnósticos é apenas um meio utilizado para romper os laços da individualidade e obter uma união “mística” de duas almas, de duas partículas divinas com a Divindade [...] e, portanto, exige a morte como veículo de libertação”.

10. Eclesiologia. Na igreja gnóstica, todos são iguais (porque todos são igualmente divinos), não há santos. Essa igreja tem membros não apenas na Igreja, mas em todas as religiões. Não há “símbolo de fé” na gnose, eis porque é difícil traçar os limites de cada seita. Seus contornos são fluidos e confusos.

Para Fedeli, panteísmo e gnose ocasionalmente se unem, provocando grandes “curtos-circuitos”. Foi o caso da Reforma Protestante, da Revolução Francesa, da Revolução Russa, do modernismo e, compreende-se, do Concílio Vaticano II.

Fonte: Orlando Fedeli, Antropoteísmo, Flos Carmeli Edições, São Paulo, SP, Brasil, 2020.

28 de outubro de 2024

Uma reconciliação entre hesicasmo e tomismo nas Tríades


1. Introdução

A tradição espiritual ortodoxa grega conhecida como hesicasmo, pela qual monges contemplativos afirmam perceber a luz incriada revelada na Transfiguração de Cristo no Monte Tabor, tem sido geralmente exposta em uma terminologia que parece claramente incompatível com os conceitos da escolástica latina. Os três pontos principais de incongruência com o Ocidente são: (1) a distinção real entre a essência divina e as energias divinas; (2) a noção de uma luz incriada que é realmente distinta de Deus; e (3) a alegação de que é possível ver essa luz divina por meio de práticas contemplativas aqui na terra.

Esses pontos foram debatidos de forma controversa entre os ortodoxos durante o século XIV, mais notoriamente entre Gregório Palamas (c. 1296-1359), um monge hesicasta do Monte Athos, e Barlaão de Seminara (c. 1290-1348), um monge calabrês influenciado pela escolástica latina.[1] No curso dessas controvérsias, Palamas foi compelido a esclarecer a ideia do hesicasmo, especialmente ao defendê-lo da acusação de fingir atingir visões celestiais pelo esforço humano.

As questões disputadas foram resolvidas em uma série de concílios em Constantinopla entre 1341 e 1351, considerados por muitos ortodoxos como tendo status ecumênico. Esses concílios sustentaram as doutrinas palamistas, e os patriarcas subsequentes de Constantinopla promoveram agressivamente o hesicasmo como uma condição para a comunhão, mesmo em outros patriarcados ortodoxos. Gregório Palamas foi canonizado como santo logo após sua morte e, como no caso de Fócio, suas virtudes reais são exaltadas de forma ainda mais extravagante, pois ele é visto como um baluarte contra as supostas heresias do Ocidente.

Embora a controvérsia hesicasta tenha sido indubitavelmente agravada por circunstâncias históricas favoráveis ​​ao zelo antilatino, há preocupações legítimas de que o hesicasmo e a teologia latina possam ser incompatíveis, o que é um problema sério agora que o hesicasmo passou a ser considerado um componente indispensável da tradição espiritual ortodoxa. A maioria dos neoescolásticos tem uma visão negativa em relação à possibilidade de reconciliação, até mesmo sugerindo que o hesicasmo é uma heresia. Alguns teólogos católicos modernos têm a visão oposta da noção escolástica de Deus como ato puro ou da ideia de essência divina, que deveriam ser descartadas. Esta última opção não está disponível para nós, que apreciamos o quão bem fundamentadas são essas teses escolásticas. No entanto, qualquer cristão que apreenda que Deus é totalmente transcendente deve reconhecer que nenhuma concepção teológica pode jamais pretender abranger tudo o que Deus é. Nesse sentido, o estudo de Palamas nos ajudará a desenvolver o devido respeito pela superessencialidade de Deus e, ao mesmo tempo, fornecerá a chave para harmonizar o que parece irreconciliável.

2. Resumo dos problemas

2.1 Distinção essência-energias

Gregório Palamas defendeu as crenças hesicastas das acusações de Barlaão em três conjuntos de três tratados escritos a partir da década de 1330, conhecidos coletivamente como Tríades. No curso dessa defesa, ele fez apelos frequentes à distinção entre a essência divina e as energias divinas. Embora essa terminologia não fosse uma inovação sua, ele enfatizou a distinção a ponto de sugerir que as energias divinas eram algo alheio à essência divina, como se as operações de Deus fossem de alguma forma separáveis ​​do próprio Deus. Isso parece ser totalmente contrário à noção escolástica de Deus como actus purus, sem qualquer mistura de potencialidade, de modo que todos os chamados atributos, faculdades e operações de Deus são idênticos à essência divina. Este ensinamento, embora formulado em conceitos aristotélicos, sustenta a unidade radicalmente simples de Deus, e a encontramos até mesmo em Maimônides.[2]

A distinção entre essência divina e energias divinas é problemática com relação à teologia latina se ela fizesse uma distinção entre potência e ato em Deus. Ela contradiria diretamente o monoteísmo básico se chegasse ao ponto de implicar que há uma pluralidade de elementos em Deus, como se Ele fosse composto de essência e energias. Por outro lado, se as energias se referem meramente às ações ou obras (erga) de Deus, então até mesmo o monoteísmo estrito de Maimônides admite isso, mas nesse caso as energias não devem ser identificadas com o próprio Deus.

A noção escolástica de Deus como actus purus deriva não apenas de considerações metafísicas, mas também da convicção monoteísta de que não há defeito ou deficiência em Deus. Não há potencialidade não realizada na Essência Divina; qualquer coisa que Deus possa ser, Ele já é. Não se segue disso que Ele faz tudo o que pode fazer, uma vez que as ações de Deus são estranhas à Sua essência, que é tudo o que Ele é.

Contra a alegação ortodoxa de que os latinos tomaram emprestado acriticamente da filosofia pagã, podemos observar:

a. A Igreja latina não recebeu Aristóteles sem modificações (por exemplo, compare o tomismo com o averroísmo);

b. A própria Igreja Ortodoxa não se esquiva de tomar emprestado da filosofia pagã, especialmente de Platão;

c. Não há vergonha em fazer uso de uma filosofia que foi desenvolvida primeiro por pagãos, como se os cristãos fossem obrigados a reinventar a cultura do zero. Na verdade, não há alternativa se os ortodoxos não estiverem dispostos a criar sua própria filosofia cristã a exemplo do que o Ocidente fez com o tomismo e o escotismo.

A objeção contínua diante desses fatos reduziria a posição ortodoxa a alegar que a filosofia não tem nada a dizer sobre a teologia, mas isso é claramente contrário à crença implícita dos Padres gregos de Nicéia em diante.

Como não estamos justificados em deixar de lado a teologia escolástica por ser filosófica, devemos considerar se a teologia palamista é compatível com essa tradição ocidental legítima. Na teologia latina, Deus age somente por Sua essência, não por meio de múltiplas faculdades ou elementos.[3] A distinção essência-energias de Palamas pode muito bem ser compatível com essa teologia, pois ele não nega que as operações próprias de Deus (ou seja, o intelecto e a vontade divinos) são indistinguíveis de Sua essência. Pelo contrário, Suas operações (energias) manifestadas no mundo são distintas do próprio Deus. Essa era a noção de energeia pretendida por Honório quando ele entendeu mal a controvérsia monotelética pela primeira vez, dizendo que Deus tem inúmeras energias, ou seja, ações.

Para dar um exemplo concreto, suponha que Deus cure milagrosamente uma pessoa doente. Esse ato, enquanto manifestado no mundo — ou seja, o processo da pessoa sendo curada — é distinto da essência divina. Se não fosse assim, testemunhas desse milagre poderiam alegar ter visto a essência divina, e teríamos alguma forma de idolatria ou panteísmo.

Portanto, a distinção essência-energias é realmente uma distinção entre o que é o próprio Deus, incluindo Suas operações ou atos próprios, e Suas operações ou atos enquanto manifestados no mundo. É outra tentativa de abordar a difícil questão de como a essência divina pode agir sobre o mundo enquanto ainda permanece radicalmente distinta dele. O Ocidente concebe a atividade própria de Deus como inteiramente contida em Deus, que age sem instrumento além de Sua essência, e está em contato virtual com Seus efeitos, ou seja, o ser de Suas criaturas. O Oriente, por outro lado, considera que a atividade divina manifestada no mundo deve ser distinta de Deus, ou seja, a atividade divina se estende além da essência divina como tal. Talvez essas visões possam ser harmonizadas dizendo que há dois aspectos da atividade divina — aquele dentro de Deus e aquele enquanto manifestado no mundo, e que essas operações divinas no mundo não são emanações substanciais da essência divina.

2.2 Luz incriada

Tal tentativa de harmonização não leva em conta a noção de luz incriada de Palamas. Isso é um problema porque parece postular claramente algo que não é Deus e não foi criado, o que seria obviamente herético. Por que os ortodoxos, geralmente tão escrupulosos, acreditam em tal coisa? Novamente, há certa sutileza aqui.

Considere o ato divino da criação. Esse ato, como algo próprio de Deus, é indistinguível da essência divina. No entanto, esse ato, como manifestado no mundo, é distinto de Deus. O mundo ainda não foi criado, então não podemos falar desse ato (a luz incriada) como sendo criado. Podemos evitar a heresia observando que esse ato não é uma substância (ousia), uma vez que é distinto da essência divina, e certamente não pode ser parte do mundo, pois o mundo ainda não foi criado.

Alguém pode objetar: não é revelado que o mundo foi criado pelo Verbo Divino e informado pelo Espírito Santo agitando o caos primordial (águas do abismo)? Parece que a doutrina de Palamas cria um intermediário entre o Verbo e a criação, e entre o Espírito e a criação. No entanto, a luz incriada de Palamas é apenas um aspecto distinto do mesmo ato que é próprio de Deus. É esse aspecto do ato que sai de Deus, para criar algo diferente de Deus. Se a solução de Palamas parece logicamente problemática, dificilmente é mais do que qualquer relato de como Deus cria algo diferente de Si mesmo quando Seu ato é atividade de Si mesmo, ou seja, divino. Verdade seja dita, nem o relato metafísico escolástico nem o palamista realmente resolvem o assunto adequadamente. Na melhor das hipóteses, eles indicam ou apontam para uma realidade incompreensível. Nesse sentido, os ortodoxos estão certos em afirmar que a filosofia é inadequada à teologia, mas isso não significa que a filosofia não tenha nada a dizer sobre o assunto.

A criação não pode ser concebida como aumentando ou estendendo a essência divina além do que ela já é, pois o ato próprio de Deus (ou seja, o ato de ser Ele mesmo) é livre de imperfeição ou deficiência. Nem pode ser considerado como uma emanação (literalmente, derramamento) da essência divina, pois isso implicaria uma espécie de panteísmo ou panenteísmo. Algumas teologias modernas nebulosas teriam Deus se aprimorando ou se aperfeiçoando ao criar o mundo, o que é obviamente errôneo e herético. O caminho para a harmonização não deve envolver comprometer o verdadeiro monoteísmo.

2.3 A percepção da luz por meio do hesicasmo

Uma questão à parte é se os monges do Monte Athos e outros hesicastas são realmente capazes de ver essa luz incriada com os olhos da mente ou com os olhos físicos por meio da contemplação. A forte convicção dos monges de que eles realmente veem essa luz os compeliu a defender o palamismo, mas a teologia palamista não exige estritamente que alguém seja capaz de ver a luz da criação.

Adrian Fortescue, na Enciclopédia Católica de 1911, afirmou que as práticas hesicastas eram semelhantes à autossugestão. À maneira preguiçosa do ressentiment liberal, tornou-se moda rejeitar essa posição como intolerante, sem oferecer evidências contrárias. No entanto, dificilmente se pode negar que os comportamentos físicos precisos prescritos pelos hesicastas são os mesmos usados ​​para autossugestão. Isso inclui: respiração controlada; esvaziamento da mente de percepções externas, pensamento discursivo e avaliações volitivas; repetição de uma breve expressão ou mantra; quietude corporal; e direcionamento da consciência para o centro do corpo. Tal similaridade dá causa razoável para suspeitar que a maioria das experiências hesicastas são fenômenos naturalistas.

Embora os hesicastas modernos sejam cuidadosos em especificar que não veem a luz divina por seus próprios esforços, mas apenas se tornam receptivos à graça livremente dada por Deus, a regularidade e a frequência dessa experiência mística colocam sua autenticidade em questão. Nem mesmo os santos e os apóstolos tiveram tantas visões. O fato de os monges verem uma luz é consistente com experiências de autossugestão. Não há razão, mesmo assumindo a distinção essência-energias palamista, para que a energeia da criação deva se manifestar como luz. O fiat lux em Gênesis ocorre após o início da criação do mundo, enquanto a energeia da criação, segundo Palamas, tem de ser anterior a toda a criação.

Embora não seja possível provar que todos os relatos de visão da luz incriada sejam inautênticos, há fortes fundamentos probabilísticos para negar que o hesicasmo regularmente resulte em visões autênticas. Ainda assim, pelo que os latinos chamam de juízo prudencial e os gregos chamam de oikonomia, a Igreja geralmente tolera crenças devocionais, desde que não sejam prejudiciais e não sejam afirmadas como revelação. Seria indiscreto pressionar o assunto em qualquer direção, seja para dizer que a experiência hesicasta é autoinduzida, seja para dizer que ela prova a realidade da luz incriada. A diversidade de opinião deve ser tolerada neste assunto.

3. As Tríades: essência e energia divinas

Exploraremos as questões relacionadas ao hesicasmo na ordem cronológica inversa àquela seguida por Gregório Palamas nas Tríades.[4] Gregório começou com uma defesa das práticas hesicastas contra as acusações filosóficas de heresia de Barlaão, seguidas por uma discussão da própria luz incriada e, finalmente, empregou a distinção essência-energias para defender a última doutrina. Estamos seguindo a ordem reversa para que possamos começar com o que é teologicamente fundamental e, então, determinar até que ponto as doutrinas mais práticas são consequentes a estas. Embora isso tenha a desvantagem de certo anticlímax, lidando primeiro com as doutrinas mais elevadas, parece mais consistente com a exposição lógica que desejamos dar.

No segundo discurso da terceira tríade, Palamas argumenta que os dados do Apocalipse mostram que Deus não é uma essência monádica sem atributos, mas sim que Ele possui faculdades ou poderes: sabedoria, presciência, criação, abrangência de todas as coisas, providência, deificação. Todas essas faculdades ou poderes delineiam a intersecção de Deus com o mundo. Elas não são extrínsecas à essência divina, mas subsistem nela. (III, ii, 5)

A realidade das faculdades ou poderes divinos nunca foi negada por teólogos judeus ou cristãos, mas o que está em questão é se essas faculdades ou poderes podem ser considerados distintos da essência divina. Maimônides e os escolásticos latinos sustentaram que Deus age somente por Sua essência, de modo que todas as supostas faculdades ou atributos divinos se referem à Sua essência e nada extrínseco a ela. Palamas concorda que essas faculdades não são extrínsecas à essência, mas nega que isso implique que Deus seja uma mônada. Este é um esclarecimento importante, uma vez que a exposição judaica e escolástica da unidade absoluta da essência, sem divisão ou composição, pode ser tomada como implicando uma falta de riqueza em Deus, que também é infinito ou ilimitado. A teologia de Palamas enfatiza o último aspecto de Deus, de modo que não há absolutamente nada faltando nEle. Em vez de uma mônada sem estrutura, a essência divina deve ser vista como algo muito mais rico e completo do que toda a diversidade do mundo visível.

As faculdades ou poderes divinos são propriedades ou acidentes da essência divina? Os escolásticos responderam negativamente, pois isso implicaria imperfeição em Deus. Lembre-se de que Aristóteles usa o termo dynamis ou poder para se referir à potencialidade em vários sentidos diferentes. Em geral, a distinção entre potencialidade e atualidade é entre a capacidade não realizada e o existente ou operação realizado. Como não há deficiência em Deus, é impróprio atribuir a Ele dynamis ou potentia em um sentido que exclua a atualidade ou a perfeição. Deus já é tudo o que Ele pode ser, como qualquer monoteísta abraâmico admitirá, então, nesse sentido, certamente não há potencialidade nEle distinta da atualidade. Assim, a caracterização latina da essência divina como actus purus é sólida. No entanto, com relação ao mundo, há algumas obras que Deus faz e outras que Ele não faz, embora Ele tenha o poder de fazer essas outras coisas. Assim, parece que há realmente poder em Deus que seja distinto de ações realizadas, sem prejuízo da verdade de que não há deficiência ou potencialidade existencial na essência divina.

3.1 Poderes inoriginados (energeiai) e obras (erga)

Embora o poder de Deus não faça tudo o que poderia fazer, ele é diferente dos poderes ou faculdades das criaturas, pois nunca é uma mera potencialidade ou inerte (desfuncional). Ele é sempre energético (ou seja, em ação) e real. O poder de Deus parece inativo apenas da perspectiva das criaturas temporais. Assim, quando Palamas menciona que Deus não exercerá presciência no final, não devemos tomar isso como se a presciência de Deus é sempre inativa em Sua eternidade. O mesmo ocorre com o poder da criação ex nihilo, que é exercido apenas em um momento específico de nossa perspectiva, mas o poder nunca é inativo no Deus eterno.

Deus per se está fora do tempo, e nEle há apenas atividade em sua plenitude. É somente quando consideramos o poder divino como imanente à criação que podemos considerá-lo às vezes ativo e às vezes inerte. É somente de uma perspectiva temporal que podemos dizer que “Deus descansou” no sétimo dia.

Palamas diz: Os poderes de Deus são inoriginados, portanto não é verdade que somente a essência divina seja inoriginada. Claramente, ele não considera esses poderes idênticos à essência divina, embora também admita que eles são necessariamente subsistentes na essência divina e inseparáveis ​​dela. Uma vez que os poderes divinos são substancialmente da essência divina, a declaração de Palamas não pode ser tomada como tendo descoberto alguma outra coisa substancial que não tenha origem além da essência divina.

Quais são os poderes de Deus? Eles são realidades substanciais ou meras distinções formais? Deus usa um poder para conhecer e outro para criar? Os escolásticos (e Maimônides) respondem que Deus faz tudo por Sua essência. Os poderes não são faculdades ou potencialidades, mas a atividade energética viva real (energeia) de Deus. Eles são múltiplos no sentido de que Deus realiza inúmeras obras (erga), de modo que percebemos inúmeras obras ou operações divinas (energeiai), como Honório professou. No entanto, a frase “Deus opera obras” é enganosa, pois tem três termos, quando há apenas duas realidades: o Deus-que-age e as obras (erga) que são Seus efeitos no mundo criado. A obra ou energeia de Deus é inseparável do próprio Deus.

Palamas frequentemente faz uso da analogia do sol e seus raios. Para que a analogia funcione, devemos considerar a visão medieval de que o sol é essencialmente luz, e seus raios são emanações da essência solar. Isso ilustra o sentido em que pode haver uma essência e muitas energias em Deus, sendo que estas últimas não são substancialmente distintas da essência. Pode ilustrar ainda melhor como as energias são um meio pelo qual Deus pode, em algum sentido, sair de Si mesmo, agindo sobre o mundo. Aqui, no entanto, deve-se proteger contra qualquer teologia emanacionista que estenderia a essência divina ao mundo.

Palamas distingue entre poderes divinos, que alguns Padres chamaram de energias naturais, e as obras (erga) de Deus. Note que Palamas, em concordância com a teologia escolástica, identifica poder e energia divinos, uma vez que não pode haver potencial não realizado em Deus. No entanto, de acordo com a prática dos Padres gregos, ele se refere a essas energias no plural, para corresponder à pluralidade de obras interiores e exteriores definidas (erga) de Deus. Apenas os energeiai subsistem na essência divina, enquanto os erga são completamente distintos de Deus, como até mesmo Maimônides admite.

É óbvio que os energeiai ou poderes divinos existem desde a eternidade, uma vez que são substancialmente da única essência divina pela qual Deus age. No entanto, mesmo alguns erga podem existir fora do mundo e do tempo. Por exemplo, os poderes de Deus ou energias naturais da providência e da presciência permitem que Ele preveja e planeje a criação. Essas obras (erga) de previsão e planejamento são distintas de Deus, uma vez que correspondem ao mundo determinado que Deus escolheu criar. No entanto, tais obras de providência (fazer provisões ou planos para o mundo determinado a ser criado) e obras de conhecimento (prever as criaturas determinadas que virão a ser) devem ter ocorrido antes que o mundo fosse criado e, portanto, fora do tempo. Assim, pelo menos algumas das obras de Deus são inoriginadas no tempo. (III, ii, 6)

Isso não significa que as obras sejam absolutamente inoriginadas, pois elas ainda têm sua fonte na essência divina. Somente o Pai é a origem inoriginada ou princípio inprincipiado (arche anarchos).

Pode parecer que essa noção de Deus contemplando o mundo antes de realmente criá-lo implica algum tipo de potencialidade em Deus. Pelo contrário, Palamas diz que nunca houve um momento em que Deus começou a ser movido em direção à contemplação do mundo. De fato, sua afirmação de que as energias e até mesmo alguns erga são inoriginados enfatiza a pura realidade de Deus, em quem nada é irrealizado ou incompleto. Embora às vezes falemos das energias como poderes ou faculdades, não devemos entender isso no sentido de potencialidades. (Veja, por exemplo, Maimônides, Guia para os Perplexos, I, lv)

O propósito do exemplo acima, evidentemente, é mostrar que há coisas além da essência divina que são inoriginadas, anulando uma das objeções de Barlaão contra a luz incriada. O argumento pode ser expresso neste silogismo:

(1) A providência de Deus é inoriginada.

(2) A providência não é a essência divina.

A essência divina não é a única inoriginada.

Se tomarmos “providência” no sentido de uma obra determinada (ergon), então a segunda premissa certamente se mantém, mas a primeira premissa é estabelecida apenas no sentido de inoriginada no tempo, não necessariamente no sentido de ingênita ou incriada.

Se tomarmos “providência” no sentido de um poder ou energia divina (energeia), então a primeira premissa se mantém tão absolutamente quanto para o Deus inoriginado, uma vez que a energia é da essência divina. Neste caso, no entanto, a segunda premissa só pode ser entendida como negação da identidade lógica, não da unidade substancial. O próprio Palamas argumentaria que a providência não é outra substância extrínseca à essência divina, mas sim uma energia dessa mesma essência. Lembre-se de que energeia, segundo Aristóteles, que cunhou o termo, é uma atualização ou perfeição de uma essência. Não é potencial (dynamis), embora no caso de Deus também o descrevamos como poder (dynamis), uma vez que não há potencial anterior ao qual possamos nos referir à sua capacidade de agir, pois não há nada além de atualidade no Deus inoriginado. Em qualquer interpretação, ainda não foi estabelecido que seja viável postular um ser incriado que seja essencialmente distinto de Deus.

É certo que Palamas nem sempre distingue claramente as energias divinas das obras divinas (erga) e dos atributos ou virtudes divinas. Em vários momentos, ele descreve cada uma dessas coisas como orbitando a essência divina, muito parecido com os raios ao redor do sol. Na presente discussão (III, ii, 6), ele lista a presciência divina, a volição, a providência, a autocontemplação e poderes similares como obras inoriginadas (erga) de Deus. Aqui ele parece querer dizer “obras” no sentido de energeiai, ou seja, como pertencentes ontologicamente a Deus. Isso significaria que a segunda interpretação do silogismo acima seria mais apropriada. Confirmando essa ideia, Palamas continua dizendo que cada uma das obras de Deus é uma virtude ou atributo. Assim como as obras são inoriginadas, assim também são as virtudes, que também são distintas da essência divina.

No entanto, vimos que a energeia e os atributos divinos são distintos da essência divina apenas pela identidade lógica, não em substância, pois todos eles subsistem na essência divina única. As energias e atributos são absolutamente inoriginados, não como seres separados, mas em virtude de subsistir na essência divina absolutamente inoriginada. Deus age por meio de Sua essência e nenhum outro instrumento, então Suas energias são tão inoriginadas quanto a essência divina. As virtudes ou atributos divinos também são próprios da essência divina, como Maimônides expôs longamente, então eles também são inoriginados na medida em que a essência divina é inoriginada. Nada disso indica que haja qualquer ser inoriginado fora da essência divina.

3.2 Atributos inoriginados

Ao falar de atributos ou qualidades divinas como se fossem realmente distintas da essência divina, Palamas parece introduzir uma distinção substância-acidente em Deus. No entanto, se Deus tivesse qualidades ou quaisquer outros acidentes, haveria algo nEle que dependeria de outra coisa para sua existência, o que é impossível e contra a fé. Mesmo na teologia trinitária, onde se diz que o Filho e o Espírito Santo se originam do Pai (gerando e procedendo, respectivamente), isso não significa que o Filho ou o Espírito Santo dependam de algo externo a Si mesmos para Seu ser, pois todas as Três Pessoas participam da essência divina inoriginada plena e diretamente. Negar isso é adotar a heresia do subordinacionismo.

Uma subordinação de acidentes em Deus não é menos questionável do que uma subordinação de pessoas, pois isso implicaria que há algo em Deus que não é ontologicamente absoluto, embora Deus em Sua plenitude seja metafisicamente necessário. A presença de acidentes reais em Deus introduziria dependência e contingência nEle, o que é totalmente contrário à fé abraâmica (e à sólida teologia natural, nesse caso). Consequentemente, as qualidades e atividades de Deus não podem depender de uma essência subjacente que seja diferente delas mesmas. Em vez disso, essas qualidades e atividades são da própria essência divina, e são plurais apenas com relação à sua manifestação externa em obras criadas. (Maimônides, op. cit., I, lii)

Palamas postula ainda que a existência de Deus é algo inoriginado, embora distinto da essência divina. Ele não repete o erro filosófico (sustentado por Avicena, Maimônides, Duns Scot) de que a existência é um acidente ou determinação da essência e, portanto, ontologicamente subordinada à essência. Pelo contrário, ele considera a existência como algo anterior à essência, pelo menos no caso de Deus, pois é a primeira existência da qual todos os outros seres dependem. Ele não indica que essa existência é necessariamente anterior até mesmo à essência divina, embora mais tarde veremos como ele considera Deus como superessencial, seguindo Pseudo-Dionísio e São Máximo, o Confessor.

Embora Maimônides tenha aceitado a ideia de que a existência é normalmente um acidente da essência, no caso de Deus a existência é absoluta (ou seja, não é devida a nenhuma causa), então ela não é superadicionada à essência divina como um acidente. Somente em Deus, “existência e essência são perfeitamente idênticas”. (Maimônides, I, lvii) Santo Tomás fez uma correção importante à ontologia aristotélica, considerando a existência como uma atualização da essência, não uma determinação ou acidente. Assim, normalmente, a essência é mera potencialidade na ordem da existência; ou seja, uma essência não precisa existir. No entanto, a existência de Deus é metafisicamente necessária, então Ele é puro ato na ordem da existência, sem nenhuma potencialidade. Em outras palavras, “o que Deus é”, ou seja, a essência divina, necessariamente implica “ser” (esse), então não há distinção real entre a essência divina e o Deus que existe. Assim, na ontologia tomista, a essência divina e o Deus existente são um e o mesmo. É importante entender isso para evitar as objeções que Palamas levantaria contra o que ele percebia como essencialismo teológico.

Na ontologia tomista, qualquer apelo à existência de Deus como algo inoriginado que é distinto da essência divina estaria indicando apenas uma distinção formal. Mesmo na ontologia de Palamas, que aparentemente admite uma distinção real, a existência divina não é concebida como algo substancialmente distinto da essência divina. Em outras palavras, ainda não mostramos que há algo inoriginado que não seja Deus.

Talvez haja algum sentido em que os atributos ou virtudes divinas absolutamente inoriginados estejam fora de Deus, verdadeiramente erga em vez de energeiai. Afinal, as criaturas podem participar das virtudes divinas, embora de forma imperfeita. Palamas começa com a declaração de São Máximo, o Confessor, de que existência, vida, santidade e virtude são obras de Deus que não têm um começo no tempo.

É filosoficamente inexato considerar a existência como uma obra de Deus. A existência não é algo que você faz, mas mais primitivo do que a ação, sendo inseparável de si mesmo. Ainda assim, a existência pode ser considerada uma “obra” no sentido de uma energeia ou atualização da essência.

Nossas virtudes, participando de virtudes divinas (por exemplo, santidade, imortalidade), não são idênticas às virtudes divinas, uma vez que nossa participação tem um começo no tempo. Assim, mesmo as obras de Deus (erga) com uma origem no tempo podem ser ditas como participantes das virtudes inoriginadas de Deus. (III, ii, 7) Essas obras originárias (erga) podem ser consideradas como operações de Deus (energeiai) conforme manifestadas na criação. Os filósofos da tradição escolástica enfatizariam ainda mais que mesmo as energeiai são plurais apenas com relação à pluralidade de erga, não per se, pois não pode haver pluralidade de componentes na essência divina.

3.3 O superessencial

Gregório Palamas geralmente se opõe a falar de Deus como uma essência (ousia). Nisto, ele segue a teologia de Pseudo-Dionísio, o Areopagita (c. 500) e São Máximo, o Confessor (c. 580-662), que comentou sobre Dionísio em sua Scholia. A base para esta objeção é que ousia é entendida como se referindo a algum ser determinado, enquanto Deus transcende todas as determinações e definições.

Em seu comentário sobre Dionísio, São Máximo escreve: “Se ousia (ser) vem de einai (ser), mas einai delineia a concepção de qualquer coisa que passa (paragoges tinos ennoian hypographei), muito menos ousia pode ser propriamente dito de Deus. (São Máximo, Scholia in Migne, Patrologia Graeca, IV, 186-87.) O verbo grego eimi (infinitivo: einai) significa “acontecer”, ou seja, “ser” em grego é “acontecer”. No entanto, Deus não é algo que acontece; pelo contrário, tudo o que acontece é por causa dEle. Como a fonte de todo ser, Ele não pode ser adequadamente chamado de Ser (ousia). Pelo contrário, Deus supera todas as essências (ousias), pois todo ser vem dEle. Consequentemente, São Máximo segue Dionísio ao chamar Deus de superessencial (hyperousiotes).

Maimônides e os escolásticos reconheceram que Deus não existe no mesmo sentido que as criaturas existem, pois estas têm apenas uma existência contingente e derivada. Elas “acontecem” ou “vem a ser”, enquanto algo mais forte é pretendido quando dizemos que “Deus é”. Portanto, o uso do termo “essência divina” para designar Deus pode ser apropriado, desde que entendamos que para Deus “ser” é algo mais absoluto do que o sentido comum do termo.

No entanto, há uma objeção adicional ao uso teológico do termo essência. Diz-se que uma definição é uma declaração da essência, e uma essência é aquela realidade que corresponde a uma definição. Sob esse formalismo, parece que uma essência deve ser algo definível, mas Deus transcende todos os limites e, portanto, é indefinível. Assim, é apropriado falar de Deus ontologicamente como “superessencial”, ou, mais paradoxalmente, a “essência superessencial”, ou seja, a essência indefinível, em analogia com o arche anarchos, o princípio inprincipiado. Na teologia tomista, a inadequação da noção de essência é abordada de um ângulo diferente, colapsando a distinção entre “o que Deus é” (essência) e “o Deus que é” (existência), com este último entendido como transcendendo todos os limites, de acordo com a fé.

São Máximo parece divergir em outro ponto de Maimônides e dos latinos, que sustentam que as virtudes ou atributos divinos são meramente maneiras de falar sobre a essência divina da perspectiva do mundo criado. Em vez disso, ele diz que Deus transcende infinitamente tais virtudes inoriginadas. Isso não significa que as virtudes sejam algum tipo de demiurgo entre Deus e o homem. Em vez disso, a essência divina não é contida por nenhuma virtude ou grupo de virtudes. Deus não é meramente santidade, imortalidade, vida etc., pois Ele é inesgotável. As virtudes são verdadeiramente da essência divina e não algo separável dela, mas mesmo a participação celestial nelas não dá uma compreensão exaustiva de Deus, pois Ele é absolutamente ilimitado.

A teologia dionisíaca faz com que Deus transcenda o Ser assim como Ele transcende atributos. Nisto, como em outros assuntos, Pseudo-Dionísio parece ter sido influenciado pelo neoplatônico Proclo, que ensinou que o Uno não pode ter uma natureza determinada se for a fonte de todas as naturezas determinadas. O Uno produz não apenas cada natureza particular, mas também sua totalidade, que é o Ser. No entanto, Pseudo-Dionísio apenas toma emprestado conceitos de acordo com a noção cristã de Deus como superlativamente transcendente. Ao contrário dos neoplatônicos, ele não vê a união com Deus como henosis ou a perda da individualidade, mas, em vez disso, postula uma noção genuinamente encarnacional de theosis, como veremos mais tarde. Seu Deus não é uma mônada, mas um infinito inesgotável para além de qualquer comparação. Com razão, o Areopagita era uma autoridade patrística estimada tanto no Oriente quanto no Ocidente, e essa autoridade não se limitava à crença errônea de que ele era da geração subapostólica (o que era questionado até mesmo por alguns doutores medievais), mas porque os escritos pelos quais ele era conhecido eram indubitavelmente sólidos.

Seguindo a noção dionisíaca de que Deus transcende o Ser, São Máximo diz que Deus não é nada (oude) das coisas que são, mas Ele está acima de todos os seres (hyper ta onta), como a fonte e o fim de todo pensamento. (PG, IV, 189-90) Ou seja, Deus é não-ser no sentido de que Ele não está no mesmo plano que aquelas coisas que chamamos de seres, seja na existência física ou no pensamento, uma vez que Ele é a fonte de toda a existência e até mesmo de todos os conceitos. Portanto, é enganoso falar da essência de Deus na medida em que isso implica algum conceito definido ou existente definido.

A teologia do superessencial não deve ser interpretada como uma construção meramente apofática, definindo Deus em termos do que Ele não é. Palamas cita Pseudo-Dionísio: “Deus possui o superessencial de uma maneira superessencial”, tomando isso como significando que Deus está além até mesmo da transcendência do ser, ou seja, não-ser. (III, iii, 14) Nem ousia nem sua negação podem definir Deus.

Palamas também sustenta que Deus transcende todas as energias divinas; na verdade, Ele transcende “tudo o mais” infinitamente muitas vezes. Nenhum cristão pode discordar, mas devemos deixar claro que “tudo o mais” deve significar tudo o que não é Deus. Quando os teólogos latinos falam da essência divina, este termo designa nada além de Deus. Uma coisa é dizer que Deus transcende o Ser, mas é bastante paradoxal sugerir que Ele transcende o Ser divino que é Ele mesmo. Se a essência divina denota o próprio Deus, então Ele não a transcende, pois isso implicaria que Deus pode ser transcendido. Se a essência divina não é Deus, então o que é? O próprio Palamas às vezes desliza para o uso do termo essência, embora sempre com o entendimento de que isso é superessencial. Da mesma forma, se os latinos devem usar o termo essência divina, isso não deve ser interpretado como algo que determina ou limita Deus.

Para aqueles de nós que continuam a usar o termo essência divina por conveniência, isso deve ser entendido apenas como denotando o próprio Deus, pois “o que Deus é” é respondido unicamente pelo próprio Deus. Usamos o termo essência para enfatizar Sua realidade positiva, que é uma plenitude que excede qualquer limite definido por qualquer termo, incluindo Ser (ousia). Deus é uma ousia ou substância apenas no sentido de que Ele não é intrinsecamente dependente de nenhum outro ser; ou seja, Ele não é um acidente.

A noção de Deus como superessencial pode dar espaço à ideia de que as energias divinas são algo alheio à essência, mas Palamas não segue esse caminho. Ele consistentemente considera as energias como subsistindo na essência. A superessencialidade de Deus implica que nenhuma enumeração de atributos ou energias poderia caracterizar Deus exaustivamente, então nenhuma das energias pode ser simplesmente identificada com Deus. Nem as virtudes divinas, nem a “glória eterna” (a ser equiparada à luz incriada), nem a vida divina (que pode ser considerada uma energeia mais generalizada) “são simplesmente a essência superessencial de Deus, pois Deus transcende todas elas enquanto causa”. (III, ii, 7)

Esta última declaração pode parecer implicar alguma subordinação dentro de Deus, como se alguns de Seus atributos fossem causados ​​por algo mais fundamental para Seu ser. No entanto, Palamas de fato assume a posição convencional de que a pluralidade de atributos é apenas algo que percebemos no mundo criado e, nesse sentido, são consequentes ao superessencial. Dizemos que Deus é vida, bondade etc. apenas por causa das “energias reveladoras e do poder do Superessencial”.

3.4 As energias revelam a essência por meio de atributos

Essa noção de energias revelando parcialmente a essência é consistente com a forma como os Padres gregos viam a energia natural em geral. A energia ou operação de uma coisa é o que permite que a mente apreenda a essência ou natureza. Assim, energeia pode ser considerada aquilo que manifesta ou revela uma essência. A energeia divina revela algo do superessencial, que apreendemos como atributos divinos.

Podemos invocar a analogia de raios de luz (energias) revelando algo do sol (essência). Seria errado dizer que um dado raio é o sol, mas também seria errado dizer que o raio é alguma substância separada do sol. O raio é ao mesmo tempo a coisa vista e aquilo pelo qual vemos. Vemos a essência do sol? Não como tal, mas pelo atributo que chamamos de luz. Há um sentido em que o raio (energia) é identificado com a essência (a coisa vista) e um sentido em que é identificado com o atributo (aquilo pelo qual vemos).

Podemos dizer a esta altura se esta é uma distinção formal ou real entre o sol e seus raios, entre essência e energias? Certamente não há distinção real na ordem da essência. As energias não são substancialmente distintas da essência, nem são acidentes da essência. No caso dos raios solares, cada raio transmite algo da essência solar, mas um raio individual obviamente não é idêntico à essência solar, e esta não é uma mera distinção formal. Além disso, como uma emanação substancial, um raio é capaz de se estender além do lugar próprio do sol, então ele está de alguma forma fora do sol enquanto subsiste em sua essência.

No entanto, no caso de Deus, não é admissível que a essência divina (ou o superessencial) deva ser transmitida apenas parcialmente em cada energia, pois a essência é indivisível, não admitindo quantidade. Palamas, ciente do problema, confessa que Deus subsiste inteiramente em cada energia ou atributo que revela, embora Ele transcenda a energia ou atributo. Por esta razão, corretamente damos nome a Deus de acordo com cada atributo (por exemplo, quando dizemos, “Deus é justiça”, “Deus é santidade” etc.). Que Deus transcenda e subsista completamente em cada energia não é uma contradição, afirma Palamas. Pelo contrário, uma é possível pela outra:

“Pois, dada a multidão de energias divinas, como Deus poderia subsistir inteiramente em cada uma sem nenhuma divisão; e como cada uma poderia fornecer a Ele um nome e manifestá-Lo inteiramente, graças à simplicidade indivisível e sobrenatural, se Ele não transcendesse todas essas energias? (III, ii, 7)”

É em razão da transcendência de Deus que Ele pode estar totalmente presente em cada atributo ou energia, sem prejuízo de Sua simplicidade ou unidade. O argumento pode ser expresso simplesmente da seguinte forma:

(1) Se Deus não transcendesse Suas energias, Ele não poderia se manifestar nelas exceto por divisão.

(2) De fato, Deus é total e inteiramente manifesto em cada energia.

Deus deve transcender Suas energias.

Este argumento não pretende mostrar como a transcendência de Deus permite que Ele se manifeste completamente em cada energia, mas começa admitindo que sem tal transcendência seria impossível. A segunda premissa deve ser aceita como um fato por qualquer um que admita que há energias divinas e que Deus é indivisível por (super)natureza. Note que a segunda premissa torna a essência e as energias perfeitamente coextensivas, diferentemente dos raios solares que transmitem a essência solar em quantidades apenas parciais. Assim, quando Palamas diz que Deus transcende Suas energias, isso não contradiz a ideia de que a essência e as energias são coextensivas, mas sim a supõe.

3.5 As energias são limitadas no tempo

Seguindo a linguagem dos Padres gregos, Palamas afirma que algumas energias divinas têm um começo e um fim no tempo. Barlaão está errado ao supor que qualquer coisa que tenha um começo é criada, pois todas as energias divinas são incriadas, mas algumas delas têm um começo no tempo. Em particular, “começo e fim devem ser atribuídos, se não ao poder criativo em si, então pelo menos à sua atividade, isto é, à sua energia como direcionada para coisas criadas”. (III, ii, 8)

O exemplo em questão, no entanto, não é uma coisa substancial, mas uma aplicação do poder divino à criação temporal. A “atividade” do poder criado, ou seja, “sua energia enquanto direcionada às coisas criadas”, não é uma essência nem uma energia per se, mas um aspecto ou aplicação de uma energia da perspectiva do temporal. Palamas admite tacitamente que o poder criativo divino é em si mesmo sem princípio. Apenas sua atividade com relação ao mundo determinado tem um começo no tempo. Ele não refutou a tese de que toda coisa substancial com um começo é criada. Nem mesmo mostrou que a energia per se tem um começo no tempo.

É errôneo pensar no poder divino ou na faculdade da criação como ocioso antes de todas as eras, apenas para se tornar ativo durante a criação, pois isso implicaria potencialidade ou deficiência em Deus. Em vez disso, Deus em Sua essência age atemporalmente, então Seu poder criativo está sempre ativo. É somente da perspectiva do mundo criado que Sua atividade tem um começo e um fim.

Uma vez que essa distinção é apreciada, podemos avaliar melhor a observação de Palamas de que a presciência divina tem um fim, mas não um começo, então mesmo essa energia claramente não originada não deve ser identificada com a essência superessencial, que é eterna. Entendemos que não é a energia ou operação da presciência per se que tem um fim no tempo, mas apenas sua aplicação da perspectiva do mundo criado. Deus conhece todas as coisas na eternidade; é somente da nossa perspectiva temporal que ele tem pré-ciência do que quer que seja. Então Palamas apenas mostrou que as energias enquanto manifestadas na criação são distintas da essência divina, não que as energias como tais sejam distintas da essência.

Ainda assim, o exemplo da presciência divina mostra que mesmo algo claramente inoriginado pode ser limitado no tempo, pelo menos na medida em que é manifestado no mundo (ou seja, pelos profetas). Mais geralmente, as energias do Deus eterno podem se manifestar em momentos ou períodos definidos no tempo, e elas não deixam de ser divinas por isso. No entanto, as energias como tais são atemporais e eternas. Exatamente como o Deus eterno pode agir no mundo do tempo é algo que nenhuma teologia pode fingir explicar.

3.6 As energias são distintas da essência

Palamas apresenta outro argumento para a distinção entre essência e energia, citando São Cirilo, que afirma que “a energia e o poder divinos consistem no fato de que Deus está em toda parte e contém tudo, sem ser contido por nada”. No entanto, a essência não consiste unicamente neste fato (ou seja, há mais na essência do que estar em toda parte). “Essência e energia, portanto, não são totalmente idênticas em Deus, embora Ele seja inteiramente manifesto em toda energia, sendo Sua essência indivisível”. (III, ii, 9)

Não está claro que a declaração de São Cirilo sobre a onipresença especifique exaustivamente a energia divina. Se o fizesse, ele teria que querer dizer energia apenas na medida em que se manifestasse no mundo, pois a atividade divina como tal não tem localização. Além disso, parece haver certas energias divinas, como o poder da criação, presciência e bondade, às quais a noção de onipresença é inaplicável ou pelo menos desnecessária. Podemos até considerar a própria onipresença como uma energia ou atributo divino particular, em vez de uma característica definidora de toda energia divina.

Como o tradutor N. Gendle observa em uma nota de rodapé, São Cirilo usa onipresença para indicar que as energias são imanência divina no cosmos. (p.149.) No entanto, Palamas, diferentemente de São Cirilo, nem sempre limita a noção de energia à imanência divina. Assim, ele não pode invocar validamente São Cirilo como atestando que a noção palamista de energia divina é per se limitada à onipresença.

Embora possamos certamente concordar com Palamas que as energias, na medida em que se manifestam no mundo, não são totalmente idênticas à essência divina, embora a essência esteja totalmente presente em cada uma delas, ainda pode ser o caso de que a totalidade da energia divina per se, ilimitada pelos atributos imanentes que apreendemos no mundo, seja idêntica à essência divina, pois a essência divina é totalmente ativa e de forma alguma inerte.

Alguém pode contrariar essa identidade observando que geralmente há uma distinção entre uma essência e o fato de sua atividade, mas essa distinção é colapsada em Deus, cuja essência é agir. Uma distinção real entre essência e energias só faz sentido na medida em que consideramos energias estritamente em seu aspecto imanente.

São João Crisóstomo, por outro lado, diz que “a energia essencial de Deus consiste em não estar em lugar nenhum....no sentido de que transcende tempo, lugar e natureza”. (III, ii, 9) Aqui a energia é considerada em seu aspecto transcendente, isto é, como é per se na essência eterna, o que explica o uso do singular e sua descrição como “energia essencial”. A energia divina como tal não está em um lugar ou tempo específico, nem está em alguma natureza determinada. São Máximo acrescentaria que ela nem mesmo é contida por uma natureza divina, já que Deus é superessencial.

A evidência patrística mais forte de Palamas vem de São Basílio, que diz que “é ridículo afirmar que o poder criativo é uma essência... que a providência é uma essência... simplesmente tomando toda energia como essência”. Isso só mostra que não podemos tomar cada energia como uma essência, mas não nega que a essência subsiste completamente em cada energia (como Palamas) admite, nem que a energia divina em geral, considerada per se, é indistinguível da essência. Tudo o que é afirmado é que as várias energias e atributos associados são manifestações da essência única.

São Máximo afirma que “toda a vida absoluta, toda a imortalidade e todos os atributos que pertencem essencialmente a Deus são obras de Deus”. Aqui, “obras” deve ser entendido como o que temos chamado de “energias”, uma vez que pertencem a Deus essencialmente. Aqui, as energias são praticamente identificadas com os atributos, que é o sentido em que as energias são percebidas do mundo criado. No entanto, mesmo esses atributos, enquanto manifestos no mundo, são considerados ontologicamente anteriores ao mundo e como ainda pertencentes à essência divina. Eles não são “obras” no sentido de produtos, criaturas ou efeitos que são totalmente distintos de Deus.

Nenhum ser criado ou acidente é ontologicamente anterior aos atributos divinos manifestados. Se admitirmos com os Padres que todas as essências além da essência divina foram criadas por Deus, devemos confessar que os atributos manifestados são anteriores até mesmo ao “número”, que precede os seres contingentes. Nessa visão, a pluralidade aparente das energias manifestas seria ontologicamente posterior às próprias energias manifestas. Naturalmente, na ordem do tempo, elas seriam simultâneas, uma vez que as energias são instantaneamente manifestadas como uma pluralidade, em virtude da estrutura do mundo que elas criam. A energia divina em si é a Unidade que é Deus.

Palamas, no entanto, está interessado em enfatizar a pluralidade das energias e sua não-identidade com a essência divina, o que requer que ele as considere como elas são manifestadas no mundo. Nesse sentido, nenhuma das energias pode ser identificada com a Essência de Deus; “elas não existem nEle, mas em torno dEle”, muito a exemplo dos raios do sol. Mesmo aqui, é importante enfatizar que as energias são manifestações da essência, não algo externo à essência.

A essência e as energias divinas podem ser ainda mais distinguidas pelo fato de que os Padres dão nomes para as energias, mas nenhum nome para a natureza da Trindade incriada. (III, ii, 10) Ou seja, a teologia positiva ou catafática se aplica apenas às energias, não à essência inominável e inefavelmente transcendente. Novamente, isso não mostra que as energias são extrínsecas à essência, mas sim que elas representam o aspecto imanente da divindade. Deus per se, por outro lado, é completamente inacessível e incompreensível.

Palamas usa o termo “divindade” para se referir a uma energia particular, a saber, o poder da deificação ou theosis. Barlaão, consistente com sua noção de energias como obras externas de Deus, afirmou que a deificação é criada porque começa no tempo. Palamas aproveita isso, dizendo que Barlaão está absurdamente sustentando que a “divindade de Deus” é criada. Não é assim, pois apenas a deificação como manifestada no mundo tem um começo, não a divindade em si. Novamente, a confusão surge quando falhamos em distinguir entre energeia em si mesma e enquanto manifestada no mundo.

O próprio Palamas reconhece que as energias são inoriginadas, pois Deus contemplou de fora do tempo tudo o que Ele faria. Deus em Sua essência abrange todas as Suas energias nomeáveis ​​e mais, de modo que a essência divina transcende todos os nomes.

Cada energia manifesta a essência, e há muitas energias, mas isso significa que há pluralidade em Deus. Invocando sua analogia favorita, Palamas diz que quando chamamos cada raio de sol de “sol”, não negamos que haja apenas um sol. Essa metáfora pode funcionar apenas se sustentarmos que as energias são consubstanciais (homoousion) na essência única.

As energias não são a essência, mas manifestações ou atos da essência. No entanto, esses atos considerados per se não são estranhos à essência, que em si é puro ato, como os tomistas ensinam. De fato, as energias não são múltiplas e nomeáveis, exceto quando são manifestadas no mundo. Considerada em si mesma, não há distinção real entre energeia e a essência.

3.7 As energias são participáveis

No entanto, a manifestação das energias divinas no mundo certamente pertence à realidade. Embora possamos não entender exatamente como isso pode ser assim, de alguma forma Deus é capaz de agir sobre o mundo, tornando Suas energias participáveis ​​pelas criaturas.

Barlaão alegou que apenas coisas criadas são participáveis, negando assim a possibilidade de theosis, exceto em um sentido equívoco. Podemos participar das obras de Deus, e também dos “poderes e energias”, pois estes têm um começo e um fim temporal. (III, ii, 11) Palamas ficou surpreso que alguém ousasse falar das energias divinas como criações. Aqui ele distinguiu claramente energeiai de erga, sendo o primeiro um aspecto incriado da divindade, e o segundo sendo as obras temporais de Deus.

Palamas não se opõe a “poderes e energias” sendo agrupados, uma vez que ambos são próprios de Deus. De fato, os escolásticos sustentam que não há distinção real entre o poder divino considerado como faculdade e como operação, pois não há potencialidade irrealizada (inerte ou incompleta) em Deus. Isso não implica que Deus faça todas as obras externas possíveis (erga), apenas que Seu poder é totalmente ativo. Ele pode reter parte ou toda essa atividade de várias partes da criação. Isso não ocasiona potencialidade em Deus, mas na criação.

Temos notado repetidamente que a energeia divina pode ser considerada per se ou como imanente na criação. É no último aspecto que as energias divinas são participáveis, e podem até ser limitadas no tempo (como Palamas admitiu anteriormente), embora sejam incriadas. Embora estejamos considerando as energias divinas como manifestadas no mundo, elas não são menos verdadeiramente divinas, portanto theosis realmente é “divinização”. Isso não significa que participamos da essência divina imparticipável per se.

A abordagem palamista à teologia é um desafio ao pensamento latino, na medida em que estamos acostumados a restringir a discussão da energeia ao seu aspecto per se, no qual não há distinção real com a essência divina. Se é possível realmente participar da energeia, de uma perspectiva latina parece que isso implicaria participar da essência divina imparticipável. A teologia grega não pretende resolver essa contradição, mas apenas aponta para a realidade misteriosa de que Deus é de alguma forma totalmente transcendente e verdadeiramente imanente no mundo.

Seguindo a Pseudo-Dionísio, Palamas diz que até mesmo o termo “essência” (ousia) designa um poder de Deus, o de “criar substância”. (III, ii, 11) Essa é uma maneira de usar o termo, mas não deve ser confundido com o uso escolástico, que se refere ao ser do próprio Deus, não ao Seu poder de criar outro ser além de Si mesmo. Lembramos que Palamas considera Deus como superessencial, anterior a todo ser. Mesmo assim, ele às vezes usa o termo “essência” para se referir a Deus em sua total transcendência. Em outras ocasiões, ele usa expressões como “superessencial” ou “mais do que Deus” para indicar que não devemos considerar Deus como uma substância definida e delineada. Tais expressões não são estritamente necessárias se entendermos implicitamente que a essência divina implica o infinito, a transcendência de todos os limites.

No contexto atual, Palamas trata ousia como uma energia, ou seja, o poder sempre operante de criar o ser. Assim, ele é capaz de argumentar contra a fórmula escolástica de que Deus possui poder “por meio da essência”. A realidade na qual todas as energias são unificadas é o próprio Deus, ele diz. O Senhor disse a Moisés: “Eu sou aquele que é”, não “Eu sou a essência”. Aquele que é não deriva da essência, mas a essência deriva dEle, “pois é Ele que contém todo o ser em Si mesmo”. (III, ii, 12)

Palamas aqui assume que ousia deve designar algo distinto do próprio Deus. No entanto, os escolásticos não pretendem nada além do próprio Deus quando falam da essência divina, que eles consideram não ter distinção real de Sua existência, ou seja, Deus-que-é. É significativo, no entanto, que Deus se revele como Aquele que é, sugerindo que Sua existência é pelo menos formalmente anterior a quaisquer essências. Assim, Ele é a fonte de todo ser, incluindo Sua essência!

Esta formulação tem a vantagem de enfatizar que Deus não recebe Seus poderes de uma essência ou natureza, mas que Ele em Sua simplicidade e unidade inefáveis ​​é a fonte de todo poder e todo ser, ou seja, superessencial.

Ainda assim, os Padres e Doutores latinos usam corretamente o termo “essência”, contanto que entendam isso para designar esta transcendência final de Deus, não pretendendo, com isso, definir ou limitar Deus. A “essência divina” é realmente apenas outro termo para Deus neste uso. Não é bíblico, mas dificilmente podemos esperar encontrar grego filosoficamente técnico no Velho Testamento hebraico. No entanto, a revelação nos obriga a identificar a essência divina com o próprio Deus em Sua transcendência, e não a configurá-la como algo anterior à atividade ou existência de Deus.

Retornando ao tema da deificação, Palamas vê a necessidade de qualificar o uso do termo “Deus”, distinguindo “Deus por natureza” e “Deus pela graça”. Este último se refere a criaturas que passam por theosis pela graça divina, enquanto o primeiro se refere a Deus per se. Mesmo Palamas não pode evitar usar terminologia essencialista, já que “por natureza” aqui significa per se ou “por ser” (ousia). Mesmo que “natureza” divina e “ser” fossem de alguma forma distintos, o uso do termo “natureza” dificilmente seria aceitável se “ser” for considerado muito limitante. Por que Palamas permite um, mas não o outro?

Em grego, devemos lembrar que physis (“natureza”) é um princípio de crescimento ou movimento. Enquanto princípio, é uma origem. Essa noção de Deus como um originador de ação dinâmica é provavelmente muito mais agradável para Palamas porque não restringe Deus a nenhuma definição estática. A essência, por outro lado, parece tornar Deus estagnado e contido. Da mesma forma, qualquer termo que escolhermos será inadequado, já que nossas mentes o tratarão como um substantivo definido. É melhor simplesmente aceitar que intencionamos que nossos termos designem aquilo que transcende nossa compreensão, em vez de discutir sobre a escolha do rótulo.

Ainda assim, neste caso, há uma diferença real na metafísica subjacente à escolha dos termos. Palamas, assim como os Padres gregos, considerava uma “natureza” ou physis como o princípio unificador de ousia e energeia. Os escolásticos medievais, por outro lado, identificavam physis com ousia, ou seja, a natureza de uma coisa é o que é. Esta tese aristotélica foi explodida pela dinâmica galileana e pela física moderna, por isso é hoje corretamente ridicularizada como “essencialismo”. No entanto, os ortodoxos gregos nunca negaram a realidade das essências (pressupostas pelo credo niceno); eles não são nominalistas. Enquanto isso, alguns escolásticos, notavelmente Santo Tomás e os neotomistas, reconheceram a existência como distinta da essência, como uma atualização ou energeia da essência. Assim, as visões desenvolvidas do Oriente e do Ocidente são compatíveis se entendermos “natureza” como um princípio existente.

Um outro problema terminológico é que energeia é um conceito confuso no Oriente. Ao contrário dos latinos, que consistentemente usam actus no sentido de atualização de Aristóteles, os gregos às vezes usam energeia para significar uma faculdade ou poder, e outras vezes como sinônimo de ergon, ou seja, uma obra. (Este uso equívoco torna a aparente confusão do Papa Honório sobre o número de “operações” divinas ainda mais compreensível.) Se energeia é uma faculdade ou poder, então já está contido no que os latinos chamam de essentia. Se energeia é uma ação ou ergon, então isso é distinto do latim essentia. Se energeia é tomada no sentido de Aristóteles, então é o modo de ser de uma essência. No caso específico de Deus, não é realmente distinto da essência.

Barlaão invoca a autoridade de Dionísio ao mostrar que os poderes ou energias participáveis ​​são criados, pois Dionísio diz: “Os poderes providenciais produzidos pelo Deus imparticipável são Ser-em-si, Vida-em-si e Divindade-em-si, ‘e que os seres criados participam destes de acordo com seu modo próprio, tornando-se assim vivos e divinos. Se Deus é imparticipável, como Dionísio admite, então esses poderes participáveis ​​não podem ser Deus, de acordo com Barlaão. Por essa lógica, até mesmo a chamada Divindade-em-si é criada, na medida em que é considerada uma energia participável. Tais poderes devem ser distinguidos da glória de Deus que está além da participação e propriamente divina. A glória participável de Deus não é a essência, e não é eterna’”.

Gregório Palamas se opõe a (1) dizer que os poderes de Deus são criados e (2) dizer que a glória eterna é imparticipável. Com relação à segunda questão, ele cita São Gregório Nazianzeno, que distingue a glória eterna contemplada pelos anjos da essência imparticipável. Assim, os intelectos angélicos participam de uma glória verdadeiramente eterna, não de algum substituto criado. Dionísio diz que essas inteligências divinas estão “unidas aos raios inoriginados e infinitos do Belo e do Bem”. Evidentemente, Dionísio também sustenta que essa glória participável é eterna, embora seja distinta da essência imparticipável. (III, ii, 13)

A essência é superessencial, ou seja, absolutamente sem limite, portanto imparticipável. Embora a essência seja una, suas energias são muitos raios participáveis, a serem identificados com as muitas “divisões (merismois) do Espírito Santo” mencionadas por São Paulo. (Heb. 2:4) A Vulgata tem isso como distributionibus, em concordância com o sentido de efusões energéticas. De alguma forma, Deus dá uma parte ou aspecto de Si mesmo em Seus atos energéticos, permitindo diferentes modos de participação. Não participamos da essência divina como tal, mas participamos de algo verdadeiramente divino e eterno, uma vez que os “raios” são consubstanciais a Deus.

Toda união é por meio do contato, diz Palamas, invocando a filosofia. Assim, uma união com tais iluminações implica um contato espiritual real com elas. Tal contato com uma iluminação merece ser chamado de visão. Esta visão não é sensível nem intelectual, mas espiritual ou divina, uma vez que a energia divina ou luz eterna transcende todas as criaturas (incluindo anjos). Assim, nenhuma criatura pode percebê-la por seus próprios poderes, então a luz também é aquela pela qual vemos. (Ibid., III, ii, 14)

Quando São Gregório Nazianzeno diz que os anjos contemplam uma glória eterna “eternamente”, Palamas entende que isso significa que o poder pelo qual eles percebem a glória eterna é estranho à natureza angélica. (Ibid., III, ii, 15) Como evidência adicional de que isso é pela graça, não pelo poder natural dos anjos, ele observa que os demônios ainda possuem a natureza dos anjos, mas não participam da glória divina. (Ibid., III, ii, 16) Isso não prova estritamente sua alegação, uma vez que a falha em perceber pode implicar uma remoção do objeto sem perda de faculdade. No entanto, se fosse aceito que a glória contemplada pelos anjos realmente é energia divina, pareceria necessário que isso fosse pelo poder divino, uma vez que a energia é substancialmente da essência absolutamente transcendente.

Palamas se distancia da filosofia escolástica, que considera todas as contemplações superiores como “intelectuais”, vendo os anjos como seres de puro intelecto. Em vez disso, ele usa o termo “espiritual”, referindo-se não aos espíritos dos homens ou anjos, mas ao Espírito Santo. A “luz” não é um conhecimento intelectual, mas iluminação espiritual. É impossível fazer mau uso dela, pois ela abandona quem quer que seja mau. É uma “energia divinizante... de forma alguma separável do Espírito energizante”. (III, ii, 17) O Espírito Santo fornece a energeiai que torna possível a theosis. Embora o homem iluminado tenha um começo no tempo, a iluminação, considerada em si mesma, não tem começo. Lembre-se de que, para Palamas, a iluminação não é meramente a experiência de ver, mas aquilo pelo qual vemos.

É útil distinguir três sentidos de iluminação: (1) aquilo que é visto; (2) aquilo pelo qual se vê; (3) o evento de ver. Na teologia palamista, (1) e (2) são idênticos; eles são a “luz do Tabor” ou “glória de Deus”. (3) não é eterno, mas tem um começo no tempo. Não é uma essência ou energia, mas um fato. É limitado pelo caráter do recipiente, um ser criado. Para que (1)-(2) seja eterno, sua realidade deve ser independente da participação de qualquer criatura. É algo que realmente existe desde a eternidade, e não é apenas uma experiência criada para nosso benefício.

Barlaão citou Dionísio dizendo que Deus “estabeleceu” os poderes, o que implica que eles foram criados. Palamas responde que Dionísio usou estabelecer (hyphistemi) no sentido em que São Basílio diz que o Pai estabelece o Filho. (III, ii, 18) O Filho não é criado, mas Sua fonte está no Pai. O mesmo pode ser verdade para os poderes, afirma Palamas. No entanto, vimos anteriormente que Dionísio se referiu aos poderes como “produzidos”.

Para se livrar dessa dificuldade, Palamas admite que a existência dos poderes é criada, ou seja, sua manifestação na criação. Diz-se que os poderes enquanto tais “não existem” em razão de sua transcendência; eles estão além da participação. Os seres criados que participam deles são “seres”, mas aquilo em que eles participam é inoriginado. (III, ii, 18)

Decifrando essa ontologia, Palamas entende a existência muito como Avicena ou Duns Scot, como uma individuação concreta ou determinação do ser. Como os poderes são totalmente transcendentes, eles não têm determinação de ser, ou seja, existência, até que alguma criatura participe deles.

A ontologia tomista não considera a existência como uma determinação do ser, mas como o ato ou “ser” de um ser ou essência. Nesse entendimento, o poder divino como tal certamente existe e é incriado. Não é a existência do poder divino, mas sua manifestação determinada que é criada, e como essas manifestações são muitas, podemos falar de poderes divinos no plural.

3.8 Energias teofânicas

Barlaão sustentou, contra os hesicastas, que nenhum homem pode ver a essência divina, pois nem mesmo um anjo pode fazer isso. Palamas responde que o homem vê Deus não por seu próprio poder, mas porque Deus se digna a revelar-se por Seu poder. Quem negaria que Deus pode fazer isso? Contra a alegação de Barlaão de que tal visão deve ser mediada pela hierarquia angélica, ele retruca: “Você está tentando sujeitar à necessidade o Mestre da necessidade?” (III, iii, 5) Nesta poderosa declaração, Palamas afirma que Deus não está vinculado a nenhuma necessidade física ou metafísica; Ele pode suspender quaisquer regras. Aqui ele realmente se afasta da teologia de Dionísio, que sustentava que a luz divina é transmitida das ordens angélicas superiores para as inferiores.

Palamas sustenta que as teofanias nas Escrituras eram casos de homens que realmente veem Deus. Isso parece ter sido verdade para Moisés, que “falou com o Senhor face a face”, e para Abraão, que falou com alguém que “jurou por Ele mesmo”. Se isso foi concedido aos patriarcas, deveríamos esperar pelo menos o mesmo dos santos cristãos.

São Gregório de Nissa explica que Santo Estêvão, o primeiro mártir, viu “a glória de Deus e o único Filho de Deus”, não porque sua natureza fosse exaltada, mas pelo Espírito Santo. São Gregório admite apenas que a glória divina, não a essência divina, é visível. Esta tem sido a interpretação tradicional das outras teofanias bíblicas também. Assim, continua sendo verdade que “Ninguém viu a Deus”. (João 1:18) Palamas tenta uma interpretação diferente deste versículo, dizendo que ele se refere apenas à cognição intelectual, não à contemplação espiritual. No entanto, esta é uma intenção improvável do Evangelista, pois a declaração perderia toda a força. Supostamente, a contemplação espiritual é superior à intelecção, mas “Ninguém viu Deus” de forma menor, apenas maior? A interpretação mais parcimoniosa é que ninguém viu Deus em Sua essência. Eles só viram Sua glória ou energias, que podem ser emanações da essência, mas não a inesgotável essência superessencial enquanto tal. Sobre isso, os Padres gregos, Palamas e o Ocidente estão de acordo.

As energias pelas quais o homem vê Deus, que podemos chamar de energias teofânicas e Palamas chama de “divindade”, são ao mesmo tempo a coisa vista e aquilo pelo qual vemos, ou seja, a glória de Deus. Elas parecem ter uma relação especialmente forte com a essência divina, já que sua função é manifestá-la em algum sentido. Lembre-se de que tais visões são chamadas “espirituais” não com referência ao espírito do homem, mas porque são realizadas pelo Espírito Santo, em Quem somos capazes de ver a glória divina. No entanto, o Espírito Santo é a essência divina em sua plenitude, indicando ainda mais uma associação especialmente próxima entre a essência e a energia teofânica.

Para explicar essa relação, Palamas invoca a noção filosófica grega de energia essencial. Os Padres gregos aceitaram a ideia de que nenhuma natureza pode existir ou ser conhecida a menos que possua energia essencial. Lembre-se de que a existência era considerada uma determinação do ser; na ontologia tomista, diríamos que essa “energia essencial” é uma atualização do ser ou essência, ou seja, existência. [Aqui Daniel Castellano escorrega ao confundir actus essendi com existência, um erro comum entre alguns tomistas. Isso prejudicará sua ponderação acerca da “energia essencial” ou teofânica de São Gregório Palamás, alegando que não faz sentido dizê-la criada ou incriada. A distinção real a qual aludem os tomistas é entre ser (ou ato de ser) e essência, e não entre existência (fato de ser) e essência. EW] A ideia de que a energia é também aquilo pelo qual uma essência é conhecida vem da influência de Platão e Plotino. Isso emprega uma noção ampla de conhecimento, ou seja, por contato, sensação, intelecção ou contemplação espiritual.

Dado que a existência de uma essência depende de sua “energia essencial”, Palamas expõe duas teses. (1) Se uma energia essencial é criada, então sua essência também é criada. (2) Se uma essência é incriada, então sua energia essencial também é incriada. (III, iii, 6)

Na ontologia tomista, o que os gregos chamam de “energia essencial” é simplesmente idêntico à existência, e não faz sentido falar da “existência” como criada ou não criada. A existência não é uma coisa, nem é uma ação que algo faz, não é uma “coisa” de forma alguma. [De fato, a existência “não é uma coisa de forma alguma”, mas o ser (actus essendi) não é existência e, enquanto tal, é criado, muito embora participe analogicamente do Ser absoluto. É aqui, no ser, que Castellano deveria ter se apoiado para harmonizar as noções tomistas e palamistas de energias incriadas (no caso dos tomistas, a graça). EW] É a realidade ou atualidade de uma essência, [Castellano reduz o ser à essência, o que é esperado dadas suas premissas. EW] não algo superadicionado a ela. Da mesma forma, a “cognoscibilidade” de uma essência não é alguma coisa adicional que é criada ou não criada. Quando falamos da existência ou cognoscibilidade de uma essência, estes não são sujeitos ou seres distintos, mas modos ou atualizações de algum ser ou essência. [A energia teofânica, que é incriada segundo os ortodoxos, poderia ser muito melhor abordada pelos tomistas no âmbito do ser, que é “meio criado, meio incriado”, dada sua natureza analógica, como evidencia a ideia de analogia entis. Tentar harmonizar ambas as abordagens na essência, que é incriada tanto para tomistas (estão “na mente de Deus”) quanto para ortodoxos (os logoi das coisas criadas de São Máximo, o Confessor), me parece uma estratégia débil e, ademais, desnecessária. EW]

Com esta ontologia mais refinada, desconhecida por Barlaão e Palamas igualmente,[5] o problema da criação ou incriação de energias divinas essenciais, ou seja, energias teofânicas, desaparece. A incriação da energia teofânica é a incriação da essência divina. A energia teofânica não é outra coisa incriada além da essência divina. Aqui, é claro, estamos considerando a energia divina em si, não sua manifestação no mundo, que é limitada pelo tempo e espaço.

Embora não haja necessidade de falar das “energias” da existência ou da cognoscibilidade como entidades incriadas distintas, o que deveríamos dizer das outras energias divinas? Palamas invoca o famoso exemplo de que Cristo tem duas naturezas e duas energias, uma humana e uma divina em cada caso. Esta formulação ortodoxa, que identifica as “vontades” em Cristo como “energias”, indica que a vontade divina é uma energia. É incontestável que esta é uma energia da natureza divina, pois é essencial para Deus desejar. Também parece inquestionável que a vontade divina é incriada.

Mais uma vez, há pouca razão para considerar a incriação de uma energia divina como algo diferente da incriação da essência divina. Como até Palamas admite, as energias divinas têm a essência divina como sua substância; elas não são algo estranho à essência, ou seja, aquilo que não é Deus. Portanto, não há necessidade de invocá-las como seres incriados adicionais. Há apenas um Ser divino (ousia); as “energias” não são outra coisa que Deus-em-ação, que é o próprio Deus. A fórmula tomista de que a essência de Deus é Sua existência capta isso da melhor forma que as palavras podem expressar nessa ontologia. Isso não negaria a verdadeira divindade da energia teofânica, embora eliminasse o problema de tratá-la como uma coisa adicional incriada.

Ainda assim, Palamas precisa de alguma noção de energias enquanto distintas da essência para dar seu relato da theosis, onde os homens participam da natureza divina de acordo com alguma energia, não se tornando Deus por natureza (ou seja, infinito, imparticipável etc.). Deve haver algum sentido em que essa energia seja da essência, e outro em que seja distinta da essência.

Deus não transcende as energias enquanto agente para Suas ações; ou seja, as energeiai não são erga separáveis. No entanto, deve haver algum sentido em que Ele transcende as energias, pois São Máximo diz que o dom da theosis ou divindade “existe eternamente do Deus eterno”, enquanto Dionísio diz que Deus é “mais-que-Deus”, ou seja, mais que divindade. De alguma forma, Deus é anterior e superior à energia inoriginada. (III, iii, 8)

Se Deus é anterior à energia divinizante como sugere São Máximo, então ela deve ser inoriginada apenas no sentido de não ter um começo no tempo, não como não tendo uma fonte. Palamas pode afirmar que a essência é superior às energias apenas quando estas são concebidas como determinadas e enumeráveis, como na teologia catafática. A essência é considerada apofaticamente, transcendendo qualquer determinação ou atributo particular, então ela é “mais do que inoriginada”, “mais do que divindade” etc. A essência é superior aos atributos ou energias catafáticas no sentido de ser totalmente indefinível e ilimitável.

Ainda assim, esses atributos ou energias são apenas aspectos da essência, não entidades fora da essência. Em outras palavras, uma dada energia não é tudo o que Deus é, mas também não é algo que não seja Deus. Para evitar a inferência de que Deus consiste em partes, devemos considerar a pluralidade de energias como algo que não está em Deus per se, mas como Ele abrange o mundo criado que admite a pluralização. Energeia divina é Deus-em-ação, não um ato separável (ergon) de Deus. Na medida em que é Deus, é Uno, embora considerado com relação aquilo que opera (ergon), é plural e determinado.

Embora não esteja claro se Palamas aceitaria as inferências acima, ele certamente reconheceu que as energias divinas não são demiurgos entre Deus e a criação. A substância das energias é a essência divina, então a “superioridade” da essência sobre as energias catafáticas não deve ser interpretada como implicando que ela é feita de “material” melhor do que elas. Sua anterioridade às energias não implica prioridade no tempo ou desigualdade de essência, assim como o Filho e o Espírito Santo não são essencialmente subordinados ao Pai por conta de se originarem dEle.

Apesar de sua crítica anterior a Barlaão por reduzir Deus a uma essência, o próprio Palamas frequentemente usa o termo essência divina para denotar Deus no sentido mais elevado e completo. Deve-se sempre entender, no entanto, que essa essência não é definível, mas considerada apofaticamente, transcendendo todos os limites conceituais.

As energias são inoriginadas (ou, como poderíamos dizer, elas transmitem algo da essência inoriginada), então a participação na graça pode tornar uma criatura inoriginada como Melquisedeque. (Loc. cit.) A energia divina é o meio pelo qual criaturas finitas no tempo podem ser tornadas eternas, não em si mesmas, mas pela imersão na eternidade divina que a energia traz.

Não é por natureza, mas pela graça (que Palamas considera como energia) que alguns homens são capazes de ver a glória de Deus. Somente aqueles que são escolhidos recebem este dom, como foi o caso dos discípulos escolhidos Pedro, Tiago e João no Monte Tabor. A liturgia grega da Transfiguração diz que eles viram a beleza essencial e eterna de Deus no Monte Tabor. (III, iii, 9) Esta tradição contradiz a afirmação de Barlaão de que eles só viam a glória de Deus nas criaturas. Esta glória ou energia divina, que é ao mesmo tempo o que é visto e aquilo pelo qual se vê, é própria de Deus, revelando algo da essência divina. Esta energia ou glória é o que Palamas e outros hesicastas em outros lugares chamam de “luz incriada”. Pelo relato do Evangelho, parece que eles viram isso com seus olhos corpóreos. Embora os olhos humanos por natureza não possam ver Deus, eles foram transformados pela graça para ver algo desta glória.

Embora as energias divinizadoras permitam aos homens transcender a natureza humana, essas energias permanecem próprias de Deus, não do homem. Assim, Gregório Palamas agora diz que as energias estão em Deus, ao contrário de sua metáfora usual de raios ao redor do sol. Da mesma forma, São Máximo descreve a alma divinizada como entrando em Deus, onde ele contempla os princípios internos das coisas criadas. Tal intelecção pode preceder a união espiritual. (III, iii, 10)

Barlaão se opôs a qualquer insinuação de que Deus pode, em qualquer circunstância, ser um objeto sensível. Ele tentou impugnar Palamas sobre o “superessencial”, o que parecia reduzir a essência a uma mera posse de Deus. Qualquer tentativa de distinguir Deus de Sua essência resultaria nesta dicotomia: “Se Deus possui uma essência, Ele é uma ideia genérica, contemplada em pensamento abstrato, ou então Ele é um objeto particular”. Se Deus não é uma abstração formal ou uma mera instanciação de alguma essência, então Ele deve ser idêntico à Sua essência.

Palamas responde que “o ser interior de Deus não é o mesmo que o de um objeto existente”. (i.) Isso ecoa Maimônides, que disse que a existência não é predicada de Deus da mesma forma que outros seres.[6] Tanto Maimônides quanto Palamas consideravam a existência como uma predicação ou determinação do ser. Como Deus é ilimitado e indeterminado em Seu ser interior, Ele não deve ser equiparado a Seus “atributos”, incluindo a existência, que são manifestações determinadas do superessencial ilimitado.

Aqui encontramos “atributos” incluindo a existência, distintos do Ser interior de Deus, embora pouco antes esse Ser interior tivesse sido descrito como energia divinizante. É improvável que Palamas aqui pretenda uma distinção entre energias e atributos. Em vez disso, a energia divinizante revela algo do Ser interior, ou seja, o superessencial, e é por isso que é retratada como atraindo uma pessoa para Deus.

Se Deus é visto apenas por meio de energias ou atributos, “aquilo que O cerca”, isso não seria diferente de outros objetos que são vistos por meio de seus efeitos, de acordo com Barlaão. Não vemos a essência do sol, mas seus efeitos ou energias circundantes. Palamas responde que o termo “sol” é comumente aplicado aos raios, bem como à sua fonte, então há apenas um sol. Da mesma forma, há apenas um Deus em Sua essência e em Sua graça deificante, embora haja um sentido em que esta última seja “de” Deus. (III, iii, 11) O exemplo do sol pretende mostrar como a energia pode ser distinta da essência sem ser uma segunda coisa.

A graça deificante não é idêntica à percepção subjetiva do destinatário. Assim como os raios existem antes de serem vistos, a luz da deificação pode existir à parte da experiência. (III, iii, 11) Palamas não identifica as energias como manifestações, pois as considera como tendo existência anterior independente da criatura. Esta iluminação divina não é sensível por si mesma, ou todos poderiam vê-la.

Recapitulando, o próprio Deus é a Essência superessencial, com a qual queremos dizer uma essência que não é confinada por nenhuma definição. Deus-em-ação é energia divina, que é substancialmente a essência, mas manifestada no mundo como operações ou atributos distintos. De acordo com Palamas, as energias são plurais e determinadas mesmo antes de serem percebidas. Isso implicaria que Deus as determina antes que toquem a criação, então elas são realidades eternas não criadas, não meramente as perspectivas das criaturas. Quer consideremos isso como convincente ou não, parece que algum tipo de paradoxo precisa estar envolvido para explicar o fato de que Deus realmente comunica algo de Sua essência imparticipável por meio da deificação.

Na visão palamista, parece que a graça deificante não é meramente aquilo que permite ao homem ver Deus, mas uma realidade eterna ou aspecto de Deus esperando para ser visto. Palamas sustenta que a energia da deificação é a mesma que a graça que concede ao homem a semelhança de Deus, ou seja, a graça santificante, e essa graça também é luz. Ele cita São Gregório Nazianzeno, primeiro a mostrar que a graça da santificação ou união divina na vida pós-morte também é luz: “Então, contemplando a luz da glória oculta e mais do que inefável, em companhia dos poderes celestiais, eles se tornam capazes de receber a pureza abençoada”. A luz da glória divina é uma realidade preexistente, já contemplada pelos anjos, que permite que alguém receba a pureza divina, restaurando completamente a imago Dei. Esta santificação merece ser chamada de theosis, pois São Gregório, o Teólogo, continua: “Ele permanece inteiramente homem por natureza em sua alma e corpo, e se torna inteiramente Deus em sua alma e corpo pela graça, e pela radiância divina da glória abençoada com a qual ele se torna inteiramente resplandecente”. (III, iii, 13) São Gregório considera a luz ou radiância como divina, mas é tão claro se equipara totalmente esta luz com a graça santificante. Em vez disso, parece que ele considera a theosis como a obra conjunta de uma graça santificante interior e uma luz divina que transmite a glória de Deus ao homem em seu aspecto exterior.

Independentemente de como os dons deificantes são enumerados, São Gregório Nazianzeno e Gregório Palamas concordam que tanto a alma quanto o corpo podem ser purificados por alguma graça iluminadora para perceber Deus. Esta não é a iluminação meramente intelectual que Deus às vezes concede, permitindo-nos apreendê-Lo breve e tenuamente por meio de algum atributo inteligível. Em vez disso, todas as faculdades do corpo e da alma são purificadas para se tornarem receptivas a uma iluminação espiritual mais perfeita. (III, iii, 12) A mesma energia que revela Deus também torna o homem semelhante a Deus, já que nenhuma criatura pode perceber Deus por seu próprio poder natural.

Contra a tendência racionalista (alguns diriam platônica) de Barlaão de insistir que as faculdades sensíveis devem ser mortificadas para perceber Deus, Palamas sustenta que mesmo as faculdades sensíveis são transformadas e aperfeiçoadas para que possam participar dessa iluminação. (III, ii, 15) Isso será necessário para apoiar a alegação dos hesicastas de que a luz divina pode ser vista até mesmo com olhos corpóreos.

4. A glória incriada

Até aqui falamos de energias teofânicas ou divinizadoras enquanto poderes divinos pelos quais Deus transforma uma criatura para que ela possa perceber algo da essência divina. Tais energias são aspectos do próprio Deus e consubstanciais com a essência superessencial. Também existe uma glória divina ou vida celestial que é distinta de Deus, mas inseparável dEle. Como isso também é eterno, podemos dizer que é incriado.

Em geral, o termo “glória” se refere a um aspecto de uma pessoa conforme percebido por outros. Isso não precisa implicar que a glória esteja somente nos olhos de quem vê, especialmente quando consideramos que ela expressa uma virtude intrínseca da pessoa em questão. No caso da glória divina, isso é algo percebido por uma criatura diferente de Deus, embora o perceptível não pertença somente à criatura, mas também a Deus, ou a glória não seria propriamente divina. Como Deus é essencialmente imperceptível, essa glória não pode ser a essência divina, mas deve ser eterna para que a glória de Deus não dependa das criaturas.

A vida celestial dos anjos e santos é frequentemente identificada como a contemplação da glória divina. Gregório Palamas observa que a vida divina e celestial é corretamente chamada de “espírito” ou “divindade” pelos Padres, pois o dom deificante nunca é separado do Espírito Santo que o dá. Este dom é “uma luz concedida em uma iluminação misteriosa”. É “enhipostático” porque está na hipóstase de outro (ou seja, do receptor). Não é contemplado em si mesmo, nem em sua essência, mas na hipóstase (ou seja, no locus pessoal do receptor). O Espírito Santo transcende enquanto causa deste dom de vida deificante, que está nEle e procede dEle. (III, i, 9)[7]

Aqui Palamas está considerando a energia da deificação conforme ela se manifesta no receptor. Isso de fato não é idêntico à essência divina, mas uma operação de Deus. O que é recebido não é idêntico à energia divina, pois a criatura é capaz de receber essa energia apenas parcialmente. Lembre-se de que Palamas considera que Deus transcende até mesmo a energia em si, pois Deus é superessencial, não contido por nenhum conceito determinado. No entanto, notamos que as energias são plurais apenas com relação à sua atividade em relação ao mundo. Como Palamas admite, elas são substancialmente da essência, que não admite composição.

4.1 A realidade das energias teofânicas

A questão que surge é se a glória divina, como percebida por homens ou anjos através de energias teofânicas, é algo que realmente existe em Deus ou se é algo que existe apenas na mente da criatura. Palamas sustenta a primeira visão, observando que a glória de Deus que brilhou no rosto de Moisés não poderia ter sido luz sensível comum, pois nenhum homem poderia contemplá-la. Da mesma forma, ele cita São Gregório Nazianzeno dizendo que Cristo virá da maneira como Ele o fez no Monte Tabor, “o divino triunfando sobre o corpóreo”. Contra a alegação de Barlaão de que esta era luz visível, apenas um símbolo da divindade, Palamas retruca: como isso pode ser um símbolo da divindade se dura apenas um dia? (III, i, 10) Este argumento retórico prova muita coisa. Afinal, a sarça ardente era um símbolo de Deus, mas não era permanente, e o mesmo é verdade para todas as revelações proféticas. Maimônides sustentava que tal luz teofânica foi criada, com o propósito de manifestar a presença divina.[8]

Santo Tomás de Aquino estava familiarizado com a opinião de Maimônides (e Avicena) de que os atributos divinos existiam somente nas mentes dos homens, e com a opinião aparentemente contrária de Dionísio (e Santo Anselmo) de que as criaturas participam de atributos verdadeiramente divinos que estão em Deus. Ele reconcilia essas duas visões em um artigo raramente lido, mas importante, em seu Comentário sobre a Sententia:

“Aqueles da primeira opinião consideraram as próprias coisas criadas, sobre as quais nomes de atributos são impostos, assim como o nome sabedoria é imposto a uma certa qualidade, e o nome essência é imposto a uma certa coisa que não subsiste, e isso está longe de Deus, e por essa razão eles disseram que Deus é ser sem essência (Deus est esse sine essentia) e que a sabedoria como tal (sapientia secundum se) não está nEle.

Outros, na verdade, consideraram os modos de perfeição dos quais esses nomes são tirados, e, porque Deus de acordo com um simples “ser” (esse) é perfeito em todos os sentidos (omnibus modis), que é significado por nomes desse tipo, por essa razão eles disseram que esses nomes positivos são adequados a Deus. Portanto, é claro que essa opinião deles não nega de forma alguma o que os outros dizem, porque nem o primeiro grupo disse que algum modo de perfeição de Deus é do “ser”, nem o segundo grupo colocou em Deus uma qualidade nem uma coisa não subsistente.

Portanto, o terceiro é claro, a saber, que as razões dos atributos (rationes attributorum) estão realmente em Deus, porque a razão de um nome é mantida na parte daquele a quem o nome é imposto, em vez de na parte daquele que impõe o nome.

Com relação ao quarto, a saber, se a pluralidade dessas razões está apenas na parte do nosso entendimento, ou está de alguma forma na parte da coisa, sabe-se que essa pluralidade se estende às razões, pelo fato de que a coisa, que é Deus, ultrapassa o nosso entendimento.[9]

Primeiro, Santo Tomás reconhece livremente que o termo “essência” é inadequado para Deus na medida em que isso implica alguma coisa definida não subsistente. Da mesma forma, nomes de atributos são inadequados quando considerados como se referindo a qualidades definidas, uma vez que meros acidentes são ainda mais distantes de Deus. Como costuma ser o caso, ele interpreta seus predecessores caridosamente, salvando sua doutrina ao introduzir sua própria distinção metafísica entre o ato de existir (esse) e a essência (essentia). Deus existe simplesmente, e em virtude dessa existência simples Ele contém todas as perfeições.

Deus como tal não é plural ou composto, mas pelo único ato ilimitado da existência divina Ele realiza todas as perfeições atribuídas a ele. A pluralidade desses atributos não está apenas em nossas concepções mentais, mas também nas rationes que respondem a elas. Uma ratio no uso de Santo Tomás não é nada além do que o intelecto entende pela significação de um nome. Esta não é simplesmente a concepção da mente, mas o que responde a essa concepção na realidade. A ratio é a semelhança de nossa concepção em algo factual. Isso distingue concepções baseadas em fatos de concepções fictícias, como uma quimera, que não correspondem a nada real.

A princípio, pode parecer que não pode haver nenhuma ratio correspondente aos nomes dos atributos divinos, ou então que qualquer ratio desse tipo é inaplicável a Deus. Se os nomes dos atributos divinos têm definições, então eles são limitados e indignos de Deus. Se os atributos divinos estão além da definição, então o intelecto não pode entender nada por seus nomes e não pode haver ratio.

Santo Tomás, ao contrário, sustenta que mesmo um nome para algo que ultrapassa nossa compreensão e, portanto, além da definição, pode ter uma ratio. Quando usamos o nome “sabedoria” para nos referir à sabedoria divina, não intencionamos nenhuma sabedoria que possamos entender ou definir, mas algo que ultrapassa nossa compreensão. Embora nossa concepção seja indefinível, ela intenciona algo. A ratio é a coisa intencionada, não o que entendemos.

Intencionamos por “sabedoria divina”, “bondade divina” etc. distintas perfeições para além da compreensão humana. Deus realmente responde a cada uma dessas perfeições, então há uma diversidade de rationes, não apenas uma pluralidade de concepções mentais. A pluralidade de rationes não implica pluralidade em Deus, ou seja, pluralidade no único esse. Em vez disso, todas essas rationes são realizadas em Deus por uma e a mesma coisa. Para ilustrar, Tomás de Aquino cita São João Crisóstomo ao descrever como os anjos louvam a Deus, alguns como Sua glória e alguns como Sua bondade etc., mostrando que eles não podem ter uma visão do Uno que abrange todos os atributos. Da mesma forma, podemos dizer que uma luz branca e brilhante tem rationes distintas que respondem aos nossos conceitos de brilhante e branco, mas de uma maneira concebível [10] na realidade não há um composto de coisas ou princípios naturais, um que torna a luz branca e outro que a torna brilhante, nem a brancura e o brilho são realmente distintos da luz em si.

Essa justificativa metafísica reforça a insistência de Palamas na realidade extramental da glória divina, que é um atributo divino. Palamas encontra mais apoio na revelação. Certamente no século futuro não teremos necessidade de símbolos, nem seremos enganados em nossas esperanças, ganhando apenas uma luz sensível. (III, i, 11) Esse argumento é mais potente, pois uma vez que se admite que a glória do céu prometida a nós não pode ser mera luz sensível, não há obstáculo para admitir que Deus pode já ter concedido tal visão na terra a seus servos.

A revelação real da glória divina no Céu não implica uma compreensão completa de Deus, o superessencial, ou Deus, o esse. A glória é apenas uma das muitas perfeições divinas que, embora reais, não introduzem pluralidade ou composição na existência divina como tal. Embora a glória divina possa não comunicar a compreensão completa do Deus infinito, ela realmente manifesta o próprio Deus, não meramente um símbolo ou representação Dele. Palamas cita São Gregório de Nissa: “Foi como luz que a divindade se manifestou aos discípulos no Monte.” (Homilia XL, 6) De acordo com Palamas, isso não pode significar que a luz era um mero símbolo. (III, i, 12) Lembre-se de que em grego um symbolos é uma marca ou sinal, algo diferente da coisa representada. Se algo é um símbolo da glória ou divindade de Deus, então não é a glória ou divindade de Deus. Como Palamas diz, um desenho da humanidade não é humanidade.

Acrescentando à sua evidência patrística, Palamas cita São João Crisóstomo, que diz “a divindade manifestou seus raios.” Como os raios poderiam ser da divindade se a luz fosse apenas um símbolo, formado a partir da natureza existente? Da mesma forma, São Basílio fala de “Deus que habita na luz inacessível.” A Liturgia da Festa da Transfiguração diz: “Na Tua Luz que apareceu hoje no Tabor, vimos o Pai como luz e também o Espírito como luz”, e “Tu revelaste um…raio da Tua divindade”. Palamas contrasta seu método, confiando na fé dos santos e da Igreja, contra o de Barlaão, que usa a filosofia para mostrar que a luz não é verdadeiramente a própria divindade. (III, i, 12)

Para que não se pense que essa conversa sobre luz como divindade possa ser um lapso no paganismo, devemos dissipar uma confusão de termos. A “luz” do Tabor etc. não é luz sensível. É descrita como tal por causa de uma semelhança aparente, mas é visível apenas para aqueles que são espiritualmente transformados. Ela se torna visível aos olhos, mas apenas aos olhos transformados. Não estamos vendo Deus em Sua essência (ou seja, Sua existência ilimitada ou o superessencial), mas estamos vendo um ato ou energia real de Deus. Esta energia nunca é separada da essência, então nós de certa forma “vemos” a divindade. Isso não é mais problemático do que qualquer outra tentativa de descrever a theosis ou a imanência divina.

Na concepção latina da essência divina, nenhuma emanação é possível em actus purus. Isso não impede a manifestação energética da divindade, pois não é o esse incomunicável ou a essência superessencial que é manifestada.

Palamas argumenta debilmente que São Máximo teve uma visão exaltada da luz como divindade. Como São Máximo às vezes faz do mais alto o símbolo do mais baixo (por exemplo, o Senhor na Cruz é um símbolo do nosso corpo pregado às nossas paixões), supostamente deveríamos inferir que sua menção da luz como um símbolo das teologias catafática e apofática implica a superioridade da luz. De qualquer forma, não deveríamos considerar essa menção da luz como um símbolo para implicar que é uma mera aparência ou ilusão. Afinal, São Máximo diz que Moisés é um símbolo da providência e Elias um símbolo do julgamento, embora sejam homens reais. A maioria dos Padres evita chamar a luz de símbolo, então ela não é confundida com algo diferente de Deus, ou seja, uma criatura. (III, i, 13) No entanto, pode ser chamada de “símbolo da divindade” no sentido de um sinal que comunica a divindade, embora não como algo alheio a ela.

Barlaão afirmou que a luz do Tabor era apenas um fantasma ou símbolo da glória de Deus (III, i, 14), semelhante a outros perceptíveis simbólicos mostrados aos profetas, por exemplo, os ferros de Ezequiel e a foice de Zacarias. Palamas responde pedindo que consideremos se a luz é um símbolo natural ou não-natural. Um símbolo natural deriva seu ser da natureza da fonte; neste sentido, o calor é um sinal ou “símbolo” do fogo. Caso contrário, é um símbolo convencional ou não-natural, como uma tocha que avisa sobre o ataque de inimigos. Se o símbolo não tem existência natural, é um fantasma, como os perceptíveis de visões proféticas. (III, i, 13) Se a luz do Tabor não é natural, ela tem seu próprio ser ou natureza, ou é um fantasma. Se for o último, então Cristo nunca realmente foi, é ou será como Ele apareceu no Tabor! (III, i, 14) Isso reduziria a Transfiguração a um mero espetáculo de luzes. Em vez de revelar Cristo, estaria disfarçando-O. Isso contradiz o testemunho patrístico sobre a realidade da Transfiguração. (III, i, 15)

O argumento de Palamas não precisa implicar que a Transfiguração foi uma revelação completa de Cristo em Sua Essência ou em Sua glória. Pode ser um símbolo no sentido de que é uma antecipação ou revelação parcial da glória plena de Cristo.

4.2 A luz teofânica como símbolo natural da divindade

Uma vez que eliminamos a possibilidade de fantasma, ou a luz é conatural com Deus ou não é. A analogia do sol/raios de Palamas usada em outro texto sugere que ela é conatural com Deus. Às vezes, ele pode enfatizar demais a não-identidade dessa energia com a essência divina, parecendo implicar independência. No entanto, ele rejeita a noção de que a luz é uma realidade independente, pois isso adicionaria hereticamente uma terceira natureza a Cristo. (III, i, 17) Claramente, Palamas não está criando um demiurgo a partir dessa luz. Pelo contrário, ela é conatural e coessencial com Deus.

Para expressar tal entendimento em terminologia latina, diríamos que há uma distinção virtual entre a essência divina e a energia (ou seja, a luz). Essa distinção virtual não é meramente formal ou conceitual, mas também está nas rationes extramentais. No entanto, a distinção não é “real” no sentido de in re, ou seja, a energia não é uma “coisa” separada da essência divina. Os ortodoxos frequentemente se opõem às negações latinas da distinção real, mas nesta terminologia técnica, o complemento de “real” inclui não apenas “imaginário”, mas também “virtual”.

Palamas aborda o status ontológico da glória divina com o conceito de enhypostasis, em conformidade com os Padres. Na cristologia primitiva, a doutrina ortodoxa da encarnação considerava a natureza humana de Cristo como enhypostática, significando que a humanidade de Cristo existia em uma pessoa humana individual concreta como um substrato ou hipóstase. Isso se opunha à doutrina anhypostática herética de que apenas certa natureza humana impessoal era unida à natureza divina, não uma pessoa humana definida, caso em que Jesus não seria um homem real.

Quando os Padres gregos se referiram à luz divina como “enhipostática”, afirma Palamas, eles evidentemente queriam afirmar que era algo persistente no ser (ou seja, substancial), não uma mera ilusão ou algum fenômeno passageiro. (III, i, 18) Isso não implica que a luz seja uma quarta hipóstase além das três Pessoas divinas, apenas que ela é fundamentada no ser substancial, não uma mera percepção ou conceito. Anteriormente, Palamas sustentava que a hipóstase na qual a luz gloriosa é inerente é a criatura receptora. (III, i, 9) Pela graça, ela cria raízes em nosso ser e se apega à nossa pessoa, então é mais substancial do que uma percepção passageira. No entanto, por natureza, essa luz é inerente às Pessoas divinas, então também é enhipostática nesse sentido.

A luz, de acordo com Palamas, é obviamente um símbolo natural da divindade de Cristo, não da humanidade. Uma vez que coexiste com a natureza divina eterna, não tem começo nem fim. (III, i, 19). Agora vemos por que se diz que está “ao redor de Deus”, da mesma forma que o calor está ao redor do fogo. Um símbolo natural toma seu ser a partir do que representa. É possível participar do símbolo natural sem participar da natureza. Assim, podemos ver o amanhecer, embora não possamos olhar diretamente para o sol. Podemos sentir o calor do fogo, mas não colocar a mão nele. (III, i, 19) Esse contraste entre o imparticipável (sol, fogo) e o participável (raio, calor) serve como uma analogia entre a essência divina e as energias participáveis ​​(por exemplo, glória ou luz). Isso é o mais perto que podemos chegar de reconciliar a realidade da theosis com a transcendência absoluta de Deus.

Há limites, no entanto, para essa analogia. Os exemplos físicos dão acidentes essenciais que são distintos da substância. A glória de Deus não pode ser um mero “acidente” da essência divina, pois isso implica subordinação em Deus. Isso criaria uma relação de causa e efeito entre Deus e Sua glória, embora sejam coexistentes. Além disso, não está claro que realmente resolvemos a incongruência. Se estamos versando sobre a glória de Deus enquanto manifestada nas criaturas, então, sim, há essa participação parcial. Mas se a glória é conatural com a essência divina, não estamos então verdadeiramente participando da essência imparticipável, pelo menos imperfeitamente?

Devemos ter em mente que os gregos estão usando conceitos metafísicos diferentes daqueles dos latinos. Para Palamas e muitos Padres gregos, uma “natureza” (physis) consiste em essência (ousia) e energia (energeia). Energia não é um acidente, mas a atualização de uma natureza. Portanto, não é algo subordinado ou extrínseco à natureza.

Identificar a energia participável muito de perto com a essência divina, por outro lado, parece implicar que podemos participar da essência imparticipável. É por isso que Barlaão recua em identificar a luz divina como uma energia natural de Deus, pois isso implicaria que podemos de alguma forma ver a essência divina. Ao reduzir a luz e qualquer outra revelação perceptível a um mero fantasma, no entanto, ele parece negar a possibilidade de qualquer theosis real ou participação em Deus. De fato, se essas visões são meras ilusões, a glória e a luz seriam, na verdade, menos do que conceitos intelectuais, já que estes últimos pelo menos podem corresponder a objetos reais.

Palamas, mantendo-se fiel à Igreja, afirma que Deus realmente pode nos elevar para participar nEle, mas não em Sua essência. Isso pode parecer ter dupla interpretação, mas há muitos mistérios da fé que parecem contraditórios à primeira vista. Palamas usa a distinção essência-energias para mostrar que a theosis não é contraditória. Ao contrário dos hesicastas posteriores, ele não se contentou em dizer que a fé está além da lógica, mas levou as objeções lógicas a sério. Mantendo-o neste padrão, podemos perguntar: a glória é da essência divina ou não? Participamos da essência divina por meio da glória? Em termos mais gerais, como alguém participa de um Deus imparticipável?

Barlaão levantou pontos semelhantes, não em negação aberta da theosis, mas apontando para as tensões internas do relato de Palamas sobre a luz ou glória divina participativa. Ao afirmar a realidade divina da glória percebida, Palamas parece ter criado um novo problema para sua explicação. Se a luz, pergunta Barlaão, é tão completamente transcendente, portando muito do Mestre, por que hesitar em dizer que esta é a essência superessencial? Por que colocar algo acima da luz? Isso parece tornar Deus composto, a menos que a luz seja uma criatura, afinal. (III, i, 24)

Palamas responde que a energia ou luz é inseparável da essência divina. O superessencial não é composto por causa disso. Caso contrário, “nenhuma essência simples existiria se assim fosse, pois alguém procuraria em vão por uma essência natural sem energia”. Longe de evitar a filosofia, Palamas se baseia nessa tese metafísica em apoio à sua teologia. Uma energia não é um princípio natural distinto, então Palamas não é culpado de diteísmo. Nem é uma energia algo meramente acidental a uma essência. Sem qualquer energia (ou seja, atividade), uma essência (ousia) seria inerte (ou seja, inoperante), então não seria verdadeiramente uma natureza (physis, ou seja, princípio de movimento, mudança ou atividade). Assim, a energia não é outra coisa, nem essência (ousia) nem acidente. (Lembre-se de que Aristóteles usa ousia para o que os latinos chamam de substância.) Ao se defender da acusação de Barlaão de tornar Deus composto, Palamas toma como certa a simplicidade da essência divina e, portanto, concorda com os latinos neste ponto importante, pelo menos em princípio.

Os tomistas sustentam (assim como Maimônides) que a natureza divina é inefável e simples, mais radicalmente do que até mesmo os anjos, a ponto de o ato de Deus (esse, "ser") ser inseparável de Sua essência. Palamas encontra uma doutrina semelhante em São Máximo, que ensina que a natureza divina é “inoriginada, incriada, ininteligível, simples e sem composição, e assim também é Sua vontade”. Observe que a vontade divina foi historicamente considerada uma energeia ou operação de Deus. Palamas concorda com São Máximo que a simplicidade da essência divina se aplica à vontade divina, bem como a “todas as energias naturais pertencentes à divindade”. (III, i, 25) As energias não introduzem pluralidade em Deus, pois todas elas participam da simplicidade da essência divina. Assim como a vontade de Deus, embora inoriginada, não é um segundo Deus, tampouco as outras energias o são.

4.3 A luz teofânica enquanto deificação (theosis)

A pluralidade de energias não é causada pela pluralidade em Deus, mas pelas diferentes maneiras pelas quais Deus se manifesta a diferentes pessoas. Não é por nossas próprias faculdades naturais, mas por Seu dom ou energia deificante que podemos ser unidos à divindade. São Máximo, em Ad Thalas, diz que “Deificação é uma união mística hipostática”, além do intelecto. (III, i, 28) Deus não se permite ser visto na essência superessencial, mas de acordo com Seu dom deificante. A deificação pode ser chamada de “graça da adoção”, ou seja, não somos filhos naturais de Deus. Nós, como humanos, não participamos da natureza divina, mas somos filhos adotados pela vontade ou energia de Deus. (III, i, 29)

Essa graça, o princípio da divindade, é de fato um relacionamento, diz Palamas, embora não seja natural. Não é meramente sobrenatural, mas até mesmo além do relacionamento qua relacionamento, pois como um relacionamento teria um relacionamento? (III, i, 29) Com isso ele quer dizer que a deificação é tanto o relacionamento em si quanto o objeto com o qual a criatura se relaciona, assim como a luz é tanto a coisa vista quanto aquilo pelo qual você vê. O objeto é a energia divina, então mesmo essa energia transcende o relacionamento e está além da nossa compreensão. Com a graça da deificação, podemos experimentar uma energia divina incompreensível, mas nunca podemos conhecer Deus em Sua essência. Isso se deve à limitação da deificação ou energia enquanto manifestada nas criaturas, não que tal energia seja limitada em si mesma. Palamas apenas diz que Deus não nos permite ver Sua essência, talvez porque ele relute em declarar que qualquer coisa é absolutamente impossível para Deus.

Como as energias são uma graça sobrenatural, não uma perfeição de nossa natureza racional, elas só podem ser conhecidas pela experiência. Podemos aprender sobre elas não nos tornando mais racionais, mas seguindo aqueles que têm experiência. A deificação está além de todo nome, ou seja, além da nossa concepção racional, então Palamas hesita até mesmo em escrever sobre isso. (III, i, 32) Não porque pretenda explicá-la, mas apenas para defender a crença nessa realidade contra acusações de idolatria.

“O Princípio da deificação, divindade por natureza, a Origem imparticipável de onde os deificados derivam sua deificação” é inacessível aos sentidos e ao intelecto, mesmo ao angelical. Somente quando uma criatura (mente ou corpo) é hipostaticamente unida à divindade, esta se torna “visível”. Somente criaturas hipostáticas (ou seja, pessoas individuais) podem receber tal união. Quando a deificação se une a uma mente, essa mente pode “conhecer” Deus, embora não pela intelecção natural. Quando se une a um corpo, esse corpo pode “ver” Deus, embora não pela visão natural. Aqueles deificados “receberam uma energia idêntica à da essência deificante” (III, i, 33) ou seja, a energia divina recebida é a mesma que a energia natural da essência divina.

A deificação é possibilitada pela encarnação, pois “Porque nele [Cristo] habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Col. 2:9). Aqueles que são santificados em Cristo podem igualmente ter a divindade habitando, não apenas em suas almas humanas, mas até mesmo em seus corpos. Essa habitação da energia divina não é como “a arte nas obras de arte”, onde o poder criativo brilha em seus efeitos, mas sim como “a arte (techne) no homem que a adquiriu (ou seja, aprendeu)”. Em outras palavras, a energia da divinização é algo dado a nós, mas não algo produzido em nós. Os santos, portanto, agem como instrumentos do Espírito Santo, operando milagres por Sua energia. (III, i, 13)

Evidentemente, a energia divina da theosis é chamada de “luz” por causa de seu efeito na faculdade da visão, mas afeta todas as faculdades, permitindo que percebam o que não podem por seu próprio poder. Essa luz reveladora, ou princípio de deificação ou divindade, não é idêntica à essência divina na medida em que é manifestada enhipostaticamente. No entanto, considerada em si mesma e em sua plenitude, existindo à parte de qualquer recipiente, não é outra coisa senão a essência superessencial. Pois, como Palamas admite, somente Cristo poderia receber todo o poder infinito do Espírito, e ele, portanto, participou da própria divindade, ou seja, a essência divina. (III, i, 14). Parece, então, que é errado aplicar uma distinção energia-essência a Deus considerado em Si mesmo, embora possa ser aplicada a Deus como manifestado às Suas criaturas. Como Palamas confessou, a natureza divina é diferente de outras naturezas, então não há razão para esperar que Ele esteja vinculado à regra usual de que uma natureza deve ter essência e energia, mesmo que tal tese metafísica seja admitida. Sem negar que a natureza divina é energética, devemos dizer que a energia não é outra res além da essência divina, pois isso contradiria a simplicidade da essência divina, que Palamas, seguindo São Máximo, admitiu.

Para tornar esta explicação lógica e metafisicamente coerente, devemos distinguir entre diferentes sentidos do termo “energia”. Como os latinos corretamente observam, não há potencialidade na essência divina, então ela nunca deixa de agir em sua plenitude. A plenitude ilimitada desta atividade pode ser considerada a energia “natural” (por analogia equívoca entre as naturezas divina e criada) do superessencial. Este é o sentido em que Deus tem apenas uma operação, ou seja, uma única vontade divina, como na doutrina ortodoxa de que Cristo tem uma vontade divina e uma vontade humana. Podemos considerar a energia divina inteiramente como vontade, já que Deus não faz nada involuntariamente. A vontade de Deus não é algo distinto de Deus, ou meramente acidental para Ele. Consequentemente, esta única energia divina ou vontade divina pode ser identificada com a essência divina, ou pelo menos não considerada algo extrínseco a ela.

No entanto, há outro sentido, no qual Deus tem muitas energias, conforme manifestadas e expressas nas criaturas. Este sentido é amplamente usado pelos Padres gregos, e de fato foi o sentido entendido por Honório em sua carta sobre a controvérsia do monotelismo. É este sentido que Palamas usa quando diz que o dom deificante do Espírito não pode ser equiparado à essência divina, porque nenhuma criatura pode receber a totalidade da indivisível energia divina. (III, i, 34) Aqui, a energia deificante recebida é apenas uma obra particular de Deus ou ato de volição. Não é limitada em si mesma, pois é indivisível da plenitude da energia divina, mas é limitada pela capacidade da criatura que a recebe, ou à medida que Deus escolhe dispensar. Este relato não deixa objeção em igualar a plenitude da energia divina, considerada em si mesma, com a essência divina. De fato, ao dar a limitação da criatura como a razão para a não-equação, Palamas implica que a energia divina em sua totalidade deve ser igualada com a essência.

Esta luz divina ou energia deificante pode ser reconhecida quando a alma cessa de ceder às más paixões. É somente quando temos desprezo pela glória humana que podemos perceber a glória divina. Esta luz pode ser percebida mesmo se os olhos estiverem fechados ou arrancados. (III, i, 36) Não é por nossos próprios esforços que percebemos esta luz, primeiro porque é somente com a ajuda da graça divina que podemos ser libertados das paixões malignas, permitindo que a paz interior que vem do amor de Deus flua para dentro de nós. Mesmo neste estado receptivo, não vemos a glória divina por nosso próprio poder ou faculdades, pois ela é visível até mesmo para os cegos. A energia ou luz divina, tanto aquela que vemos quanto aquela pela qual vemos, pertence a Deus.

5. Deificação ou theosis

O que os latinos chamam de graça santificante, os gregos chamam mais ousadamente de theosis ou deificação. Isso se refere ao processo (ou a um estágio posterior do processo) dos fiéis se tornarem como Cristo e, assim, atingirem uma certa semelhança com Deus. Esse processo é levado a cabo pelo poder divino, não pelo nosso. No entanto, aqueles não acostumados ao termo podem achar a noção de deificação desconfortavelmente semelhante às pretensões divinas de vários governantes pagãos. O Papa Pio XII em Mystici Corporis (1943) oferece um padrão pelo qual podemos dizer se nossa compreensão de santificação ou deificação cruzou a linha para a idolatria: “rejeitar todo tipo de união mística pela qual os fiéis de Cristo devem de alguma forma passar além da esfera das criaturas e entrar erroneamente no divino, mesmo que seja apenas na medida de se apropriarem para si mesmos como seus um único atributo da divindade eterna que seja." (Mystici Corporis, 78)

Palamas permanece do lado da ortodoxia ao tratar todos os dons deificantes como roupas emprestadas, por assim dizer, em vez de algo próprio de nós mesmos. Ele segue o Novo Testamento ao falar de nós como filhos adotivos, em vez de filhos de Deus por natureza. (III, 1, 29; cf. Rom. 8-9, Gal. 4:5, Ef. 1:5) Ele também disse que a criatura deificada é como um artista que adquiriu a arte como algo aprendido, em vez de uma obra de arte, que é em si uma expressão de maestria. Ou seja, os santos podem realizar atos divinos (por exemplo, operar milagres) apenas pelo que lhes é dado por Deus; não é algo intrínseco a eles. (III, 1, 13) Essas são apenas maneiras diferentes de dizer que os atributos divinos não devem ser predicados de nós como nossos e não de Deus.

Para Palamas, essa distinção em atribuição ou predicação não é uma mera tecnicalidade, pois ele mantém uma noção mais exaltada da essência divina em comparação com as criaturas. Ela não apenas transcende todos os sentidos, mas até mesmo a divindade! (II, iii, 8) Ou seja, está além de qualquer coisa que possa ser afirmada sobre Deus, além de toda teologia catafática. Consequentemente, a luz divina não deve ser identificada com a essência divina, embora os santos atestem que ela é real, não meramente simbólica. “O que é, eles não pretendem saber.” “É uma graça invisivelmente vista e ignorantemente conhecida”, ou seja, não é por nossos poderes de sentido ou intelecto que podemos vê-la ou conhecê-la.

Barlaão sustenta que o que é divino e imaterial não pode ser visto, aplicando esse princípio também aos anjos, que não podem ser vistos nem mesmo uns pelos outros. Embora os hesicastas não sustentem que a luz divina seja um anjo, Palamas acha útil apontar como alguns Padres ensinaram que os anjos, embora incorpóreos, podem ser vistos por diferentes modos. Às vezes, eles aparecem como uma essência concreta sensível, que é visível a qualquer criatura, mesmo os não-iniciados ou animais brutos. Às vezes, eles podem aparecer como uma essência etérea (ou seja, uma substância inteligível e não sensível), que uma psique só pode contemplar parcialmente. Para aqueles que são purificados e tornados dignos, uma visão verdadeira pode ser concedida. Assim, Barlaão está errado ao afirmar que os anjos são invisíveis em sua essência, não apenas na medida em que são incorpóreos. Isso coloca as visões dos contempladores de Deus em pé de igualdade com as dos animais brutos. (II, iii, 10)

Palamas não explica como uma essência imaterial pode ser vista, mas simplesmente aceita que isso é possível porque aconteceu e é atestado pelos Padres. Isso é possível não por nossas próprias faculdades, mas por um dom deificante. Barlaão acha que é categoricamente impossível para qualquer um, mesmo um anjo, ver uma essência imaterial, uma vez que ela não é suscetível à visão ou qualquer outra forma de sensação. Além disso, nem deveria ser possível para os anjos se verem intelectualmente, uma vez que cada anjo é sua própria espécie de substância intelectual, de acordo com uma conhecida tese escolástica (não está entre as vinte e quatro teses confirmadas como “normas seguras para orientação intelectual” de 1916). Isso ocorre porque os anjos, sendo imateriais, não têm princípio de individuação e, portanto, cada um é sua própria espécie de substância intelectual. No entanto, tudo o que realmente sabemos sobre os anjos em sua essência é que eles são incorpóreos, o que não é necessariamente o mesmo que imaterial no sentido escolástico. Eles podem ter uma “matéria” incorpórea que os individualiza, então eles podem ser inteligíveis uns aos outros.

Deixando de lado as especulações, uma vez que se admite que essências incorpóreas podem, no entanto, ser percebidas por diferentes modos (símbolo sensível, símbolo inteligível ou na realidade), as limitações de nossas faculdades não impõem uma restrição rígida ao que é possível. A essência autorreveladora, seja Deus ou anjo, supre a deficiência, permitindo-se ser vista. No caso de Deus, no entanto, é absolutamente impossível que Sua essência esteja contida em qualquer visão, uma vez que a essência divina transcende qualquer ser ou atribuição determinada. Assim, as visões divinas são apenas revelações parciais.

A mente contemplativa, diz Palamas, vê mais do que ela mesma (ou seja, a essência da mente) na visão, mas vê a glória impressa em sua própria imagem por Deus. A glória reforça o poder da mente de transcender a si mesma. Para ser receptivo a tal visão, é preciso apenas purificar as paixões. Ao contrário de Barlaão, a ignorância intelectual não impede a visão de Deus. Manter os mandamentos é suficiente, e o efeito dos mandamentos é purificar as paixões, não erradicar a ignorância intelectual. (II, iii, 11) O que torna alguém digno da visão divina é a liberdade do pecado, e não há pecado na ignorância intelectual. Não é nossa capacidade, mas o poder de Deus, que torna a visão possível, então não precisamos aperfeiçoar nosso intelecto para ascender a essa contemplação, como um neoplatônico poderia sustentar. Precisamos apenas de um coração puro para sermos considerados dignos de entrar na presença divina, que não admite impureza. Essa purificação preliminar é em si atribuível não somente aos nossos próprios esforços, mas à graça divina com a qual cooperamos.

Palamas é cuidadoso, no entanto, ao afirmar que os hesicastas não veem a essência divina, ou uma emanação da essência divina, mas sim a glória divina, em suas visões de luz. Ele concede a Barlaão que a essência divina nunca pode ser perceptível, distinguindo a luz gloriosa da essência divina. (II, iii, 12) Isso parece colocá-lo em apuros novamente, pois agora temos algo do Deus imperceptível que é verdadeiramente divino, mas não a essência divina nem uma emanação dela. Como evitar a acusação de diteísmo?

Lembre-se de que a glória divina é um atributo, que não é a essência divina ou uma emanação dela, mas uma manifestação energética de Deus, não separável da essência divina. É uma parte ou um dos muitos aspectos de Deus somente de nossa perspectiva e capacidade limitada. Não é meramente imaginário, mas tem existência extramental; é algo real em Deus. Como divino, não é perceptível ou inteligível por nossas faculdades, mas é feito assim para nós por seu próprio poder revelador.

Não está claro por que a glória divina, que “pertence à natureza divina de uma maneira inefável”, deveria se manifestar como luz, ou mesmo como algo sensível. Palamas cita Santo Isaque de Nínive atestando que a alma tem “dois olhos”, um que vê os segredos da natureza, ou seja, a glória de Deus na natureza, e outro que vê os mistérios espirituais, ou seja, a “glória de Sua santa natureza”. (II, iii, 15) Isso é semelhante à distinção latina entre glória divina externa e interna.[11] Temos “olhos” para a glória divina, embora não vejamos a própria natureza divina. Pode ser apropriado, portanto, referir-se ao que esses olhos veem como “luz”, mas isso apenas estabelece um uso metafórico.

Contra o apriorismo filosófico de Barlaão, Palamas oferece o testemunho dos Padres e outros contemplativos. Seu relato de que observar os mandamentos produz contemplação, embora não remova a ignorância (como Barlaão objeta), prova que a recepção de visões contemplativas não depende do conhecimento mundano. A contemplação divina ou a união com Deus não traz conhecimento cognitivo, pois o divino é intelectualmente incompreensível, embora também traga a verdadeira sabedoria que cura a alma em sua faculdade cognitiva. (II, iii, 17)

A união com Deus pode ser considerada como “conhecendo” Deus apenas em um sentido equívoco, pois essa união transcende todos os modos naturais de percepção e intelecção. A contemplação divina está além de qualquer compreensão intelectual, então pode ser descrita retoricamente como “ignorância”, mas mesmo esse nome não se aplica adequadamente à sua singularidade. Não é teologia apofática, uma série de abstrações ou negações que distinguem Deus de tudo o mais, pois isso opera pelo raciocínio discursivo. (II, iii, 35) Afinal, se apenas listarmos as maneiras pelas quais não podemos conhecer Deus, isso dificilmente pode estabelecer uma união entre a mente e Deus. Nietzsche estaria certo em chamar tal religião de niilista se não houvesse nada mais do que essas negações. É por meio da oração que somos capazes de nos afastar das paixões malignas e das distrações neutras (incluindo o conhecimento das coisas criadas), para que possamos dedicar nossa atenção inteiramente a Deus. Este estado de alma indistraído e imperturbável já transcende a teologia apofática, uma vez que deixa de lado o conhecimento discursivo, dedica atenção ao Deus existente e eleva a mente em vez de negá-la com o resto da criação. Ainda não é união, pois isso só pode vir pelo Espírito Santo concedendo o que está além de todos os poderes naturais. (II, iii, 35)

A contemplação divina não é apreendida por nenhuma faculdade natural, nem mesmo pelo intelecto espiritual dos anjos. Em vez disso, o Espírito Santo concede um poder que transcende todas as faculdades criadas, por meio do qual podemos apreender a glória divina ou luz. Nesta união arrebatadora, vemos a luz porque nós mesmos fomos trazidos à união com a luz. Na medida em que estamos unidos à luz, não podemos nem mesmo nos perceber por faculdades naturais, o que explica a perplexidade de São Paulo. (II, iii, 37; cf. 2 Cor. 12:1-4)

Este relato da theosis pode parecer cruzar o limite definido em Mystici Corporis, pois Palamas afirma que São Paulo tinha “saído de todos os seres, e se tornado luz pela graça, e não-ser pela transcendência, isto é, excedendo as coisas criadas.” (II, iii, 37) Ele nega que isso implique participação absoluta na essência divina, que está além do “não-ser pela transcendência.” Ainda assim, se a glória divina é um atributo divino, de fato a “pedra angular dos atributos de Deus”, [12] cruzaria a linha para a idolatria dizer que nos tornamos a glória ou a luz no sentido de algo que é propriamente nosso. Evitamos isso se entendermos a qualificação “pela graça” para significar que o dom da luz permanece próprio somente a Deus. Nós “nos tornamos luz” apenas no sentido equívoco de que os santos “operam milagres”, ou seja, pelo poder divino na criatura ou por meio dela, não por um poder próprio da criatura. Palamas parece pensar que evita a idolatria ao fazer uma distinção entre a glória e a essência divina, como se fosse possível para uma criatura se tornar uma e não a outra. Embora possamos admitir que é possível, pela graça divina, participar de uma e não da outra, essa participação nunca é algo que torna a glória divina propriamente atribuível a nós.

É verdade, como diz Palamas, que a glória das coisas criadas não é a mesma que sua essência. (II, iii, 66) Sua conclusão analógica de que isso deveria ser ainda mais o caso do Deus totalmente transcendente não se segue, no entanto, pois a glória divina pode igualmente ser totalmente transcendente, e é altamente duvidoso confiar em analogias com a natureza, ao tratar da simplicidade absoluta de Deus. No entanto, na medida em que a glória existe para ser vista, ela é imanente em vez de transcendente, embora muito dela permaneça transcendente. Certamente a glória externa, por definição, é imanente na natureza, e até mesmo parte da glória interna pode ser tornada imanente pelo dom da contemplação. A criatura em união contemplativa transcende todas as criaturas na medida em que faz algo pela graça divina que é impossível por qualquer natureza criada, mas não no sentido de que ela deixa de ser uma criatura.

É difícil articular como uma criatura pode participar sobrenaturalmente de Deus, embora a participação absoluta em Sua essência seja impossível, sem parecer introduzir uma segunda entidade divina que não seja a essência divina. Devemos ter em mente o princípio de que as manifestações ou energias de Deus são parciais ou plurais de acordo com os limites de nossas capacidades, mas em si mesmas são de um só tecido com a essência divina.

Sem entender como isso pode ser assim, podemos aceitar que isso é assim no testemunho da revelação. Cristo orou: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós.” (João 17:21) Em outro lugar, São João diz: “Seremos semelhantes a ele [Cristo]; porque assim como é o veremos.” (1 João 3:2) São Paulo também ensina: “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.” (2 Cor. 3:18) Os ortodoxos sempre entenderam que um antegozo dessa mesma glória do Senhor foi concedida aos apóstolos no Monte Tabor. Essa mesma glória foi vista por Santo Estêvão pouco antes de sua morte. Da mesma forma, Palamas acredita que o “raio de luz” banidor de demônios concedido a Santo Antônio foi verdadeiramente uma manifestação da glória divina (interna).

Tudo isso estabelece que é possível que os santos tenham realmente visto a glória de Deus. Isso não é por sensação ou intelecção, pois Deus é insensível e ininteligível, mas por um “conhecimento supraintelectual.” (II, iii, 68) Os latinos também acreditam que contemplaremos Deus por uma intuição direta e imediata. Barlaão assume erroneamente que essa visão beatífica será confinada aos modos de sensação e intelecção. Se assim fosse, não poderíamos ver Deus de verdade, mas apenas símbolos de Sua presença. A realidade da theosis pode ser realizada somente por uma graça divinizante que transcenda completamente as faculdades naturais.

Mesmo essa dotação sobrenatural confere somente uma medida da glória de Deus na contemplação divina, não a transcendência ilimitada da essência divina. As criaturas sempre permanecem limitadas de alguma forma, e tais limites são a medida dos dons divinos. Isso vale para a natureza não menos do que para o sobrenatural, pois todos os nossos dons naturais são dons divinos. Consequentemente, os ortodoxos geralmente não fazem uma distinção nítida entre as ordens da natureza e da graça, uma vez que tudo é um dom de Deus, e somos limitados somente pela medida do que Deus nos concede. No entanto, para evitar pretensões idólatras, eles também devem tomar cuidado às vezes para usar o termo “graça” para se referir especificamente àquilo que está além da capacidade da natureza.

Pode parecer ousado afirmar que uma criatura possa perceber a glória divina interna, que é perceptível somente a Deus. A explicação da theosis, um dom divinizador que nos dá a semelhança com Deus e é em si um atributo divino, dificilmente parece menos ousada. Contra essa preocupação, podemos notar que até mesmo o termo latino “graça santificante” esconde a mesma aspiração ousada. Afinal, santificar é tornar santo, mas somente Deus é santo. De alguma forma, somos capazes de participar dessa santidade. Sem entender como isso pode ser assim, e sem fingir que essa habitação na glória divina torna qualquer atributo divino nossa propriedade, podemos, no entanto, aceitá-lo pela fé, seguindo o testemunho da Escritura e da tradição.

6. A experiência hesicasta

Embora Gregório Palamas tenha provado com sucesso que Deus pode conceder theosis aos santos, é menos óbvio que os hesicastas consigam isso regularmente. Nesta vida, as teofanias são raras e não podem ser conquistadas por esforços humanos. Além disso, a contemplação supraintelectual prometida aos santos parece não corresponder à experiência aparentemente sensorial dos hesicastas. Se a glória divina interna está além da sensação e da intelecção, deve ser algo mais do que uma mera luz percebida pelos olhos do corpo ou da alma.

Enquanto Palamas insiste repetidamente que a contemplação pode ser concedida apenas pela graça divina, não por qualquer esforço humano, o hesicasmo parece prescrever um método positivo para atingir a união com Deus. Este seria um tipo especialmente descarado de pelagianismo. Ele tem ecos das pretensões autossalvíficas do misticismo oriental, ao qual os ocidentais frequentemente recorrem porque oferece um método definido para a iluminação espiritual. Tais práticas espirituais são geralmente quietistas, esvaziando a mente de todos os pensamentos, resultando em um estado pacífico e eufórico.

Aqueles que afirmam que esse estado eufórico é a visão de Deus apenas trazem descrédito sobre sua religião para aqueles familiarizados com os métodos e efeitos da autossugestão. Sem pretender dar um endosso geral ou rejeição de experiências hesicastas, a prudência exige que tentemos identificar alguns meios de distinguir a contemplação genuína de fenômenos meramente naturalistas.

6.1 A contemplação divina como experiência positiva

Embora Palamas frequentemente invoque a teologia apofática para mostrar que a contemplação divina transcende todas as faculdades naturais, incluindo o intelecto angélico, ele, no entanto, insiste, com os hesicastas, que a contemplação é uma experiência com conteúdo positivo que afeta o corpo e a alma. A contemplação está além do conhecimento e da sensação, mas não é mera negação. É precisamente por insistir na realidade positiva de tal contemplação que o hesicasmo se distingue do mero quietismo ou da adoração do nada.

Aqueles que protestam que as iluminações divinas não podem ser tornadas acessíveis aos sentidos se contradizem, pois devem confessar com todos os ortodoxos que, sob a Nova Lei, pelo menos, houve iluminações divinas tornadas perceptíveis aos sentidos (por exemplo, a Transfiguração, Pentecostes), não meros símbolos. (I, iii, 3) Mesmo a redução das teofanias do Antigo Testamento a meros símbolos é problemática em alguns casos (especialmente os de Moisés), mas Palamas não insiste neste ponto.

Barlaão, restringindo-se à filosofia, pensa que a contemplação deve ser intelectual, uma vez que o conhecimento é a única iluminação que transcende os sentidos. Assim, ele faria do conhecimento o objetivo da contemplação. Palamas considera a contemplação como algo além da intelecção, embora possa ser chamada de “conhecimento” em um sentido altamente ambíguo. Se por “intelecto” queremos dizer qualquer faculdade que apreenda ideias ou essências, então mesmo o intelecto angélico é naturalmente incapaz de contemplar a divindade, que está além de todos os conceitos ou essências. O intelecto angélico é diferente do nosso tanto em habilidade quanto em modo de operação, de modo que não precisa começar com os sentidos, usar perceptíveis como símbolos ou raciocinar discursivamente. Ele apreende o que está em seu poder imediatamente e permanentemente, apreendendo diretamente as ideias, mas Deus está além de qualquer ideia. A compreensão divina que eles desfrutam no Céu não é por sua própria natureza, que é compartilhada até mesmo com os demônios, mas é transmitida a eles pela glória divina.[13]

Como o intelecto, não menos que o corpo, é incapaz de contemplação divina por seu próprio poder ou modo de apreensão, Palamas não vê obstáculo em admitir que a iluminação divina pode elevar similarmente as faculdades sensíveis do corpo além de sua capacidade natural. As faculdades racionais e sensíveis iluminadas não veem por seu próprio poder, mas pela glória divina. De alguma forma, elas se tornam capazes de ver o que em si não é intelectivo nem sensível.

Está longe de ser óbvio, no entanto, que essa união mística concedida aos santos tenha algo a ver com experiências hesicastas. Barlaão ficou compreensivelmente escandalizado com o comportamento de alguns hesicastas, que ficaram confusos, pularam e ficaram cheios de felicidade delirante. Os monges que experimentaram esses êxtases frequentemente mostravam poucos sinais de melhoria moral, e alguns até se gabavam de que era desnecessário estudar as Escrituras, pois a oração mística era suficiente. Eles até fingiam que as cores das luzes sensíveis eram interpretáveis, com as coisas divinas sendo brancas e o mal um amarelo ardente. (I, iii, 3) Esses e outros erros neomessalianos foram tão amplamente divulgados que dificilmente se pode duvidar que eles eram prevalentes pelo menos entre alguns hesicastas. Tal desejo por êxtases constantes é a marca de um novato, não de um santo.

No entanto, Palamas sustenta que a autenticidade de uma visão não deve ser descartada apenas porque é percebida com as faculdades sensíveis. Contra a tendência racionalista (alguns podem dizer platônica) de Barlaão de insistir que as faculdades sensíveis devem ser amortecidas para perceber Deus, Palamas sustenta que até mesmo as faculdades sensíveis são transformadas e aperfeiçoadas para que possam participar dessa iluminação. (III, ii, 15) Isso será necessário para confirmar a alegação dos hesicastas de que a luz divina pode ser vista até mesmo com olhos corpóreos.

Pode parecer que essa posição é incompatível com o asceticismo ocidental, que enfatiza um amortecimento das faculdades sensíveis. No entanto, esse amortecimento é apenas com relação à concupiscência no sentido negativo. Embora existam algumas práticas que envolvem uma negação de bens sensíveis, isso é com o objetivo de fortalecer nossas faculdades a longo prazo, como atestado por São João da Cruz. A purgação dos sentidos é projetada para remover nosso apego aos bens corpóreos, de modo que nossas faculdades não desejem nada além de Deus. Como os sentimentos não podem mais nos ajudar a encontrar Deus, isso nos faz precisar e ansiar pela contemplação puramente espiritual trazida pela graça. Na primeira noite escura, os sentidos são acomodados à alma racional, livres de afeições em relação às coisas deste mundo e desejando apenas a Deus. Na segunda noite escura, o espírito, por sua vez, é purgado de imperfeições, de modo que a alma possa caminhar na fé, mesmo sem consolações espirituais. Isso prepara a alma para a recepção passiva da união divina, que São João descreve em termos puramente espirituais, sem menção explícita ao corpo. São Gregório Nazianzeno, em sua quarta oração teológica, diz que o corpo também é purificado, mas a purificação do corpo implica que ele esteja sujeito à alma. Isso concorda com o que São João da Cruz chama de primeira noite escura.

Palamas rejeita qualquer tendência a impor uma divisão muito nítida entre corpo e alma. Embora muitos santos tenham ensinado que o espírito contemplativo deve se separar das faculdades sensíveis, isso deve ser entendido apenas com relação às nossas paixões carnais viciosas. Não há nada de errado em permitir emoção, memória e outras faculdades sensíveis em nossa contemplação; de fato, é impossível para a alma espiritual humana agir sem as faculdades sensíveis. Palamas enfatizará repetidamente uma visão de “pessoa inteira” da iluminação espiritual, onde corpo e alma agem como uma unidade não apenas na preparação para a contemplação divina, mas em vivenciá-la.

A união mística com Deus não pode ser uma contemplação puramente intelectual, pois Deus está além do conhecimento e do desconhecimento, ou seja, além da teologia catafática e apofática. A visão divina é, portanto, incompreensível e inominável, razão pela qual o Apóstolo e os santos não puderam dizer o que é a “luz”. Essa incompreensibilidade não implica que se veja apenas de forma negativa, conforme a teologia apofática, pois de fato se vê algo. (I, iii, 4)

A visão não é realizada pelo corpo ou pela alma. Não é realizada corporalmente, uma vez que o corpo de Cristo está além dos Céus. (I, iii, 5) A união não é o produto de uma causa ou relacionamento, pois estes dependem do intelecto. Embora venha a ser por abstração (ou seja, apofaticamente), não é em si abstração. (I, iii, 17) Por essas distinções, Palamas evita a heresia messaliana, pois a união não é o resultado de nada que dependa de nós, ou seja, atividade intelectual ou sua negação. Nem pensar nem “esvaziar sua mente” afetam a união divina, embora a última condição possa ser uma preparação para tal união, na medida em que nos liberta de paixões viciosas e distrações mundanas. Todas as práticas hesicastas devem ser interpretadas não como causadoras de união mística, mas criando condições apropriadas para que o contemplativo seja receptivo à graça divina. De acordo com São João da Cruz, Palamas sustenta que a união divina é um dom que pode ser concedido após a remoção do que prende a mente ao mundo (Loc. cit.); a purgação em si não é a união, nem a causa da união.

Mesmo com essas qualificações, esse relato é psicologicamente ingênuo. Supostas uniões místicas parecem seguir exercícios hesicastas com uma frequência que ultrapassa a dos Apóstolos. Como podemos ter certeza de que tais êxtases não são autoinduzidos em um nível inconsciente? Palamas diz que se toda atividade intelectual cessou, como eles poderiam ver, exceto pelo poder de Deus? (I, iii, 18) Isso também é ingênuo, pois supõe que toda atividade mental está na consciência racional. O córtex visual ainda pode estar ativo. Embora Palamas faça bem em mostrar que não há obstáculo teológico ao tipo de visões divinas reivindicadas pelos hesicastas nesta vida, isso está muito longe de mostrar que suas reivindicações concretas são críveis.

Seria um erro quietista pensar que a visão mística consiste em simplesmente não fazer nada. Assim, Palamas diz que não é “inação absoluta”, mas sim “uma inação que supera toda ação”. (I, iii, 19) Ou seja, o processo apofático de abstração, pelo qual nos despojamos de todas as coisas que não são Deus, não nos leva ao nada, mas a algo que está além de todas as ações determinadas. Somente neste sentido a apophasis leva à união mística. A apophasis apenas nos prepara para a união mística; não é suficiente para efetuá-la. Assim, Palamas nega que as visões santas se refiram à “ascensão pelo caminho negativo”, que está dentro dos poderes humanos e não transforma a alma. (I, iii, 20) Esta “ascensão pelo caminho negativo” não é o que São João da Cruz chama de “ascensão à união com Deus”, mas se refere apenas à teologia apofática como uma meditação puramente intelectual. O método de São João integra ascetismo intelectual e sensual. Não há distinção nítida entre “pelo seu próprio poder” e “pela graça”. Ao praticar o asceticismo voluntariamente, você recebe graças maiores.

Ainda assim, o hesicasmo pode parecer um atalho que contorna a ascensão contemplativa. Segundo São João, extremamente poucos, provavelmente apenas os apóstolos, se tornam prontos para a visão beatífica nesta vida. Nas Escrituras, São Paulo sugere que teve tal visão apenas uma vez, quatorze anos atrás (2 Cor. 12:2), mas os hesicastas afirmam ter tais visões repetidamente! É verdade que São Paulo descreve essa experiência transcendente como visão, dizendo “Não sei se vi fora do corpo ou no corpo”. (Loc. cit.) Um poder além de nossas faculdades sensíveis e intelectuais nos permite “ver” em algum sentido. De acordo com Santo Isaque de Nínive, a alma neste estado transcende a oração, não orando nada determinado, mas recebendo de Deus uma oração pura, ou seja, uma visão da glória divina. Palamas descreve esse estado de êxtase como contemplar uma "luz sem limite, profundidade, altura ou largura". São Paulo estava no meio deste sol mais brilhante que o cosmos, “tendo se tornado todo olho”. (I, iii, 21) Verdadeiramente, esta não é luz sensível, mas algo além da sensação e intelecção que é transmitido à nossa alma ou corpo transfigurado. Muitos Padres escreveram sobre esta luz, mas quantos alegaram experimentá-la?

Para vincular experiências hesicastas com a tradição ortodoxa da theosis, Palamas deve enfatizar o papel da “luz” nas teofanias. Ele confessa que esta não é luz sensível, nem é luz intelectual (ou seja, conhecimento), mas sim uma iluminação que transcende as faculdades, mas misteriosamente tornada acessível a elas pela graça. Esta luz não é meramente um símbolo ou efeito especial da deificação. Ele ousadamente a considera como a fonte da deificação, ou seja, “tearquia”. [14] Ou seja, a luz não é meramente o ato ou ergon de Deus de deificar uma criatura, mas também “deificação-em-si”, ou seja, a energia deificante que é um atributo real de Deus, independente da experiência de qualquer criatura.

“Embora pareça produzir uma distinção e multiplicação no Deus único, ainda assim é o princípio divino, mais-que-Deus e mais-que-princípio. A luz é uma na divindade única e, portanto, é ela mesma o princípio divino, mais-que-Deus e mais-que-princípio, uma vez que Deus é o fundamento da subsistência da divindade. (I, iii, 23)”

A luz ou energia da divindade, como outros atributos divinos, não é uma parte ou acidente de Deus, mas está perfeitamente na unidade divina. Não é apenas a coisa vista, mas aquilo pelo qual se vê, e a fonte do ser divino, ou seja, o princípio divino (que transcende qualquer conceito definido de “princípio”) não pode ser outro senão o próprio Deus, o superessencial (“mais-que-Deus”). Isso não implica que podemos ver o superessencial, pois somos capazes apenas de participação finita. Em vez disso, a energia divinizante, considerada em si mesma, não é nada além da fonte da divindade, o Princípio além de todos os princípios, ou seja, Deus.

Assim como outros atributos divinos, a glória interna ou energia da deificação não é logicamente idêntica a Deus, pois Ele pode fazer outras coisas além de conceder deificação; por exemplo, Ele pode criar de nada. “Divindade” pode ser considerada em dois sentidos: (1) a realidade do dom deificante que nos diviniza, uma participação finita em Deus, ou (2) a fonte da deificação, ou deificação-em-si. Ambos os sentidos de “divindade” são chamados de “luz” por Palamas, em aparente concordância com Pseudo-Dionísio.

Santo Tomás de Aquino também adotou o uso dionisíaco do termo “luz” ou “iluminação” como uma realidade análoga no reino intelectual. Embora se possa dizer que a luz sensível é um símbolo da luz intelectual, Aquino considerou esta última não menos real. [14] Ele evidentemente aceitou a visão dionisíaca de que anjos maiores podem iluminar anjos menores, acrescentando perfeições à natureza destes últimos. (Summa Theol., I, 45, 5) O princípio desta iluminação santificadora é chamado de “hierarquia” por Pseudo-Dionísio. Uma iluminação ainda mais alta, além da intelecção, pode ser transmitida às criaturas pelo próprio Deus. Isso é chamado de theosis, e seu princípio é “tearquia”.

Tanto em Tomás de Aquino quanto em Pseudo-Dionísio, descobrimos que as iluminações hierárquicas e teárquicas são mediadas pela luz intelectual ou algo além da luz intelectual, mas não pela luz sensível: “…as coisas mais divinas e elevadas vistas pelos olhos ou contempladas pela mente são apenas as expressões simbólicas daquelas que estão imediatamente abaixo dela, que está acima de tudo.” (Pseudo-Dionísio. The Mystical Theology, I) Palamas se esforçará para mostrar que a iluminação divina, embora esteja além da sensação e da intelecção, pode, no entanto, revelar-se à nossa visão corporal, bem como à nossa inteligência.

6.2 O método da oração hesicasta medieval

O misticismo de Pseudo-Dionísio, o Areopagita, não parece fornecer uma base promissora para o hesicasmo. É verdade que Dionísio enfatiza a negação e o caminho apofático, embora não exclua a teologia catafática, e descreve a contemplação divina como uma quietude além do conhecimento. No entanto, ele também a chama de escuridão, porque é uma iluminação totalmente inacessível à visão corporal e intelectual. Mesmo as luzes e trombetas percebidas por Moisés não são contemplação divina, mas coisas logo abaixo dela, apontando para ela.

Ela irrompe, mesmo daquilo que é visto e daquilo que vê, e mergulha o místico na escuridão do desconhecimento, de onde toda a perfeição do entendimento é excluída, e ele é envolto naquilo que é totalmente intangível, totalmente absorvido nisso que está além de tudo, e em ninguém mais (seja ele mesmo ou outro); e através da inatividade de todos os seus poderes de raciocínio é unido por sua faculdade mais alta a ela que é totalmente incognoscível; assim, por não saber nada, ele conhece Aquilo que está além de seu conhecimento. (Pseudo-Dionísio, o Areopagita. The Mystical Theology, cap. I. Esoterica, vol. II, 2000, p.205.)

A luz sensível nem é mencionada aqui, uma vez que está abaixo da luz intelectual, então, obviamente, não pode ver o que o intelecto não pode ver.

Rezamos para que possamos chegar a esta escuridão que está além da luz e, sem ver e sem saber, ver e conhecer o que está acima da visão e do conhecimento através da percepção de que, por não ver e por desconhecer, alcançamos a verdadeira visão e conhecimento; (Ibid., cap. II, p.205.)

Novamente, não há nada sobre as faculdades naturais de alguma forma receberem a capacidade de ver o divino. Pelo contrário, é negando essas faculdades que obtemos essa iluminação suprassensual e supraintelectual. Palamas afirma que a contemplação divina pode realmente vir como luz sensível, e não apenas simbolicamente. Ele diz isso porque o hesicasmo é um desenvolvimento relativamente novo, estranho aos Padres. Embora eles reconhecessem que a luz do Tabor não era um mero símbolo, eles nunca afirmaram que a glória divina era percebida pelos olhos corporais.

Para justificar essa nova posição, Palamas se contrasta com os origenistas e todos os outros que dizem que o corpo é mau. Deus habita no corpo, não apenas na alma. São Paulo não chama a carne de má, mas aquilo que a habita, a “lei dentro dos meus membros”. Em vez de rejeitar nossa carne, devemos estabelecer uma boa lei para nossas faculdades: temperança para os sentidos, amor para a parte afetiva, vigilância ou oração para a parte racional, rejeitando tudo o que impede a mente de Deus. (I, ii, 2) Um corpo subordinado a essa alma corretamente ordenada dificilmente pode ser chamado de mau. Tudo isso é muito bom, mas caricatura a oposição. Não é preciso pensar que o corpo é mau para sustentar que as faculdades sensíveis são completamente incapazes de contemplar Deus. É preciso apenas sustentar, com fé ortodoxa, que Deus é incorpóreo, então Ele nunca pode ser percebido corporalmente.

Para Palamas, no entanto, corpo e alma não são nitidamente distinguíveis, nem as faculdades sensíveis das faculdades espirituais. A alma é uma realidade única com múltiplos poderes, a mente (nous) sendo um desses poderes. Esta parte racional do nosso ser é incorpórea, então não pode ser confinada em nós como em um recipiente, mas é, no entanto, considerada assentada em algum lugar no corpo, seu instrumento. Não pode estar fora de nós, pois é naturalmente unida ao corpo. Alguns dizem que está no cérebro, mas Palamas sustenta que está no coração, como em um instrumento. (I, ii, 3) Ele faz essa escolha apelando não à filosofia, mas à revelação, tomada literalmente: "Pois é do coração (kardia) que os maus pensamentos surgem." (Mt. 15:19)

Nenhuma pessoa informada hoje invocaria a ideia bíblica como canonizando a antiga crença — sustentada por hebreus, gregos, egípcios, hindus e astecas, entre outros — de que o coração é a sede da consciência. No entanto, essa crença literal era comum entre os cristãos muito antes dos hesicastas. A citação de Palamas de São Macário do Egito (século IV) inclui tais expressões: “O coração dirige todo o organismo... é lá no coração que a mente e todos os pensamentos da alma têm seu assento.” (Hom. XV, 20) Quando Palamas diz “nosso coração (kardia) é o lugar da faculdade racional, o primeiro órgão racional do corpo,” ele quer dizer isso literalmente. O coração localizado no peito é o “órgão controlador.” (I, ii, 3) Para corrigir essa psicologia falha, podemos substituir o coração pelo cérebro, ou melhor ainda, considerar kardia mais abstratamente como o ponto de união entre alma e corpo. Em outras palavras, é a alma como imanente no corpo.

Os hesicastas ensinavam que eles deveriam reunir sua mente e encerrá-la no “corpo mais interior ao corpo, que chamamos de coração.” Novamente, Palamas quer dizer literalmente o órgão em nosso peito. Quando deixamos de lado a falsa premissa de que esse órgão é a sede da consciência, não há mais uma razão convincente para concentrar a atenção no peito. “Oração no coração” pode ser mais abstrato, focando na união entre nossas faculdades racionais e sensíveis. Ironicamente, não podemos “sentir” nosso cérebro, já que o sistema nervoso central não tem neurônios sensoriais. Ainda assim, podemos focar nossa consciência na alma sensível, unindo assim as faculdades racionais e sensíveis. Neurologicamente, nossa consciência está indo para o sistema límbico, não para algum órgão corporal. Isso recaptura o ponto básico do hesicasmo palamista. A mente ou “coração” deve ir mais fundo em si mesma, não em outro lugar. Focar em algum outro órgão corporal pode direcionar nossa atenção para o que é externo à consciência e ser uma distração.

Voltar a alma para dentro não é “conhecer a si mesmo” em um sentido naturalista, mas se preparar para receber a graça interior. Palamas diz que você não deve apenas entrar em sua mente, esquecendo que tem um corpo, mas deve entrar em seu corpo também. (I, ii, 3) Os hesicastas focavam no peito, de onde vem nossa respiração (pneuma), e onde fica o coração, que se acredita ser o ponto de união entre corpo e alma, pois é onde sentimos nossos sentimentos mais profundos. Para combater o pecado corporal e mental, “é preciso forçar a mente a retornar ao corpo e a si mesmo”. Se negligenciarmos o corpo, o pecado crescerá ali, ou seja, como desejos inconscientes. Virar a alma “para fora”, contemplando visões puramente intelectuais, é um erro helênico, de acordo com Palamas. Aqui ele se distingue dos neoplatônicos, gnósticos e origenistas, que focam sua atenção em objetos externos de pensamento, como se a contemplação fosse uma viagem de descoberta intelectual. Em vez disso, uma visão verdadeiramente divina é concedida por Deus apenas a uma alma digna, então nosso único esforço deve ser nos proteger do pecado. Isso não deve ser um daqueles falsos êxtases ou inspirações demoníacas onde os destinatários estão “fora de si”, sem saber o que estão dizendo. Tal suspensão da personalidade mostra que a inspiração vem de fora, enquanto a verdadeira contemplação divina deve vir de dentro, pela união divina com o recipiente da graça.

Alguns dizem que a mente já está dentro da alma, então como ela pode ser “chamada de volta para dentro?” Palamas responde que a essência da mente é uma coisa, sua energia é outra. (I, ii, 5) Ou seja, seu ser está na alma, mas pode ser direcionado para objetos diferentes de si mesma, permitindo que ela veja coisas diferentes de si mesma. Essa distinção entre consciência e atenção ilustra ainda mais a relação entre essência e energia. De forma análoga, a essência divina em si mesma é totalmente imparticipável, mas Deus pode alcançar “fora de Si mesmo” por meio da energia divina, direcionando Sua atividade para criaturas determinadas. Já que não podemos alcançar Deus, embora Ele possa nos alcançar, nossa tarefa é simplesmente reunir o que São Basílio chama de nossa mente dispersa, para que Deus possa nos encontrar protegidos do pecado e do erro, com a ajuda de Sua graça.

Palamas considera um erro de Satanás manter a mente fora do corpo durante a oração. Em vez disso, ele se refere a São João Clímaco em sua Escada da Ascese Divina: “O solitário ou estudante da quietude e da solidão [que Palamas interpreta como hesicasta] é aquele que tenta circunscrever e fechar a natureza incorpórea no corpo, sua casa (o que é claro que é paradoxal e incomum).” (I, ii, 6; PG, lxxxviii, 1097B) Quando contemplamos coisas mais elevadas, ou estamos em oração, parece natural esquecer que temos corpos, pelo menos na medida em que o corpo é orientado para o mundo, receptivo a estímulos sensoriais e distrações. Deveríamos de fato direcionar nossa atenção para longe do “corpo” nesse sentido. No entanto, a contemplação interior não é puramente intelectual; o corpo também participa da deificação. Sentimentos e afeições do coração também são importantes. Afinal, quão vazia é a oração sem sentimento?

As disciplinas físicas do hesicasmo, como olhar para si mesmo e controlar a respiração, não são absolutamente necessárias, de acordo com Palamas, mas auxílios pedagógicos para ajudar as pessoas a focar a mente dentro de si mesmas. Isso evita que a mente se “disperse” ou vagueie. (I, ii, 7) Para manter a mente sempre ativa, é dada uma tarefa, como repetir o nome de Jesus, para evitar distrações.[16] Palamas segue a técnica de respiração simples de Pseudo-Simeão (século XIII?), que é controlar a respiração interna e externa, segurando-a um pouco, para que se possa controlar a atenção da mente e a respiração na mesma ação. Esse afastamento das técnicas mais elaboradas (e perigosas) propostas por Nicéforo, o Monge (século XIII) e outros hesicastas reflete a visão de Palamas de que tais técnicas servem apenas para minimizar distrações e não induzem o estado contemplativo.

Somente quando, “com a ajuda de Deus”, a mente é purificada da distração, ela pode ser conduzida a uma “recordação unificada” [17] que é um “efeito espontâneo da atenção da mente, pois o movimento de vaivém da respiração é aquietado durante a reflexão intensiva, especialmente com aqueles que mantêm uma quietude interior de corpo e alma.” (I, ii, 7) Essa “quietude interior” (hesychia) é o que dá ao hesicasmo seu nome, e por que seus detratores o acusam da heresia do quietismo. Progresso no hesicasmo significa progresso na quietude ou imobilidade, o que seria puro quietismo se isso fosse um fim em si mesmo. Palamas, no entanto, salva o hesicasmo da heresia ao tornar esse estado meramente preparatório para a união mística. Ele não nega que esse estado seja o resultado de esforços humanos (“um efeito espontâneo da atenção”), embora mesmo aqui a ajuda divina seja necessária. Da mesma forma, ele deve reconhecer que a disciplina hesicasta não é a única maneira de atingir esse estado sem distração, embora ele ache que seja um método especialmente bom.

Embora não possamos nos tornar indistraídos e protegidos do pecado sem ajuda divina, a abordagem desse estado parece ser predominantemente naturalista, o que explicaria sua possibilidade de ser alcançada mesmo por aqueles fora da fé cristã. Ao focar a atenção no peito, controlar a respiração e ignorar todas as distrações externas enquanto repete uma oração ou mantra, a pessoa espontaneamente se torna quieta ou silenciosa de corpo e alma. O que essa quietude significa para um místico cristão? Não há pensamentos discursivos? Nenhuma verbalização? Cabeça vazia? Palamas indicou em outro lugar que Deus está além de todos os conceitos definidos, mas mais do que sua negação, então a união mística é mais do que mero nada. Ainda assim, parece que a quietude preliminar é uma quietude quase absoluta de corpo e alma.

Alcançar o estado de quietude a princípio exige trabalho e esforço, pois é preciso crescer no amor para aprender a ter paciência. Nicholas Gendle observa que os contemplativos orientais devem primeiro forçar os lábios a repetir a oração de Jesus, então ela finalmente se torna autoativadora como um ritmo no coração, mesmo dormindo. (N. Gendle, trad. Gregory Palamas: The Triads, p.127.) Isso sugere ainda mais um fenômeno naturalista ou fisiológico, seguindo uma lei definida. Por outro lado, a ênfase no esforço moral dando frutos (I, ii, 8) pode distinguir o hesicasmo do mero quietismo. Palamas encontra uma justificativa moral até mesmo para o tão ridicularizado olhar para o umbigo. A concupiscência está centrada na barriga, então devemos focar a mente lá para combater a “lei do pecado”. Se aceitarmos essa dimensão moral, então a meditação se torna mais do que apenas desligar a mente e os músculos, e o conteúdo positivo da religião cristã se torna importante, pois somente pela verdadeira fé podemos nos proteger contra o pecado.

O hesicasmo, como entendido por Palamas, não é inteiramente passivo, pois é preciso estar vigilante contra as paixões malignas do corpo e da alma. Isso requer usar a mente para prestar atenção a todo o ser, corpo e alma. Desejos corporais não pecaminosos retornam à sua fonte, tornando-se elevados e unidos a Deus. A carne é assim transformada e elevada, não desprezada. O corpo é nosso colega de trabalho (“co-laborador”). Devemos reprimi-lo apenas se ele se rebelar, mas aceitá-lo se ele se comportar bem. (II, ii, 5)

As disciplinas corporais são projetadas não para negar o corpo, mas para mortificar sua capacidade de pecar. Para evitar ser dominado por emoções apaixonadas, é preciso obter domínio sobre o prazer sensual. O sofrimento não apenas mortifica as paixões pecaminosas, mas traz consigo uma compunção sagrada ou penitência (katanyxis). (II, ii, 6) Conforme ensinado nos Evangelhos, a oração e o jejum estão intimamente ligados. Para atingir a verdadeira oração mental, é preciso primeiro evitar a distração por qualquer coisa incompatível com esse estado. Mera introspecção não é suficiente, pois alguns sentidos podem operar sem nenhum estímulo externo. Aqui, a experiência dos santos, não o raciocínio, ensina que a sensação dolorosa ao sentido do tato ajuda a oração interior. (II, ii, 5) Jejum, camisas de crina e outras armadilhas do ascetismo são projetadas para facilitar a contemplação, não para infligir dor por si só.

Mortificação das paixões não significa tornar-se insensível como uma pedra. Os hesicastas sentem dor física em suas posturas, as quais Barlaão criticou. Palamas responde que desconforto ou sofrimento físico não é obstáculo à oração, mas é propício a ela. Assim, São João Clímaco ensina: “A fome é o material da oração”. Ao mortificar inclinações pecaminosas, o sofrimento produz uma santa katanyxis (compunção; literalmente dormência ou estupor), “através da qual tanto as manchas das faltas passadas são eliminadas quanto o favor divino especialmente atraído", dispondo alguém à oração. (II, ii, 7) Racionalmente, isso parece estranho, pois a fome e outras dores dificultam pensar claramente. No entanto, a verdadeira oração mental não é intelectual ou discursiva, mas uma atenção à presença divina, diante da qual ninguém pode ficar sem primeiro deixar de lado suas paixões viciosas com compunção. Esta katanyxis não é uma tristeza apaixonada pelos pecados (que vem depois da oração), mas um entorpecimento dos desejos viciosos, portanto eles não têm apelo para nós. Tal estado só pode ser sustentado com a graça divina. Em suma, contemplação não significa esquecer-se do corpo em todas as suas sensações e afeições. Algumas delas (dor, alegria, tristeza) são positivamente propícias à contemplação. Pelo contrário, devemos nos anestesiar apenas para paixões pecaminosas.

Por outro lado, Palamas pensa que São Paulo, ao contemplar o terceiro céu (2 Cor. 12:2), “tinha esquecido tudo o que diz respeito ao corpo”, e de fato aqueles que buscam a união divina devem abandonar todas as atividades corporais e intelectuais. (II, ii, 8) Essa transcendência do corpo e da alma segue o misticismo dionisíaco, mas é difícil de conciliar com práticas hesicastas que envolvem sensação e afeição. Quando o apóstolo fala da “preocupação da carne” (Rm 8:5-7), ele quer dizer paixões pecaminosas, carnais ou mentais, em contraste com a positiva “preocupação do espírito”. Nem a terminologia supraespiritual dionisíaca nem a ênfase hesicasta no papel positivo do método físico podem ser encontradas em São Paulo, embora essas tradições ainda possam ser expressões válidas do misticismo cristão.

Palamas parece considerar a experiência corporal e afetiva do hesicasmo apenas como preliminar à união divina, que transcende corpo e alma. Barlaão considera isso uma admissão de que as “luzes” e outras experiências sensoriais não são produtos da graça divina, uma vez que estão ausentes da contemplação divina e, portanto, não serviriam a nenhum propósito que levasse a ela. Notavelmente, Palamas responde que a união divina transcende não apenas coisas inúteis, mas também coisas grandes e necessárias. (II, ii, 8) Isso desafia corajosamente a noção de que “Deus faz tudo com um propósito” no sentido de utilidade ou mesmo necessidade, então não podemos explicar a graça divina em termos de motivo ou propósito como os entendemos.

Embora o hesicasta deva, paradoxalmente, usar a disciplina corporal para se desapegar das paixões carnais, isso não significa que o corpo não participe da união divina. Apelando para sua própria experiência, Palamas sabe que essa união não é um produto da imaginação consciente, nem é um fantasma passageiro. Ele a descreve como uma “energia permanente produzida pela graça, unida à alma e enraizada nela.” (II, ii, 9) Aqui a energia divina é considerada em seu aspecto de uma obra determinada de Deus. Livre de imagens materiais, uma alegria espiritual nos faz desprezar os prazeres corporais, e atua até mesmo no corpo, dando a este último um aspecto espiritual. Essa alegria enobrece o corpo, em contraste com os prazeres corporais que poluem a mente. (II, ii, 9)

Barlaão afirma que qualquer amor por atividades comuns ao corpo e à alma apaixonada prega a alma ao corpo, escurecendo-a. Palamas retruca: “Mas que dor, prazer ou movimento não é uma atividade comum do corpo e da alma?” O corpo não deve ser excluído nem mesmo das paixões mais nobres da alma. Aqui Palamas entende que as paixões não são meramente emoções carnais e viciosas, pois a alma “sofre coisas divinas”, então é “apaixonada” mesmo em sua dignidade espiritual que recebe a deificação. Essa energia divina atua até mesmo no corpo, como provado pelo rosto resplandecente de Santo Estêvão. Ela atrai “a carne a uma dignidade próxima ao espírito”. Tais energias estão naqueles que abraçam o hesicasmo durante toda a vida. (II, ii, 12)

Palamas admite que isso parece contrário à razão, mas insiste na superioridade da experiência sobre a teoria. A experiência mística é suficiente para refutar qualquer alegação a priori de que algo é impossível. Os hesicastas vivenciam a deificação do corpo por meio da alma, então eles sabem que é possível, apesar dos juízos da filosofia. Afinal, o poder divino transcende o inteligível.

Ele talvez exagere na importância do corpo quando diz que “curas e milagres nunca acontecem a menos que a alma que exerce qualquer um dos dons esteja em um estado de intensa oração mental e seu corpo em perfeita sintonia com a alma”. (II, ii, 13) Isso não apenas não condiz com os milagres realizados pelas orações de almas santas no Céu, mas ousaria fazer da prática hesicasta uma condição necessária desses dons divinos. Esse é o tipo de pretensão semipelagiana que faria da excelência monástica a medida da proximidade de Deus e o critério para recompensas divinas. No entanto, Deus é supremamente soberano e pode dispensar ou reter Seus dons conforme Ele achar adequado. A alegação citada pode ser tomada em um sentido ortodoxo se for entendida meramente em contraste com aqueles dons de instrução e interpretação de línguas, que podem ser adquiridos naturalisticamente sem nenhuma oração. De fato, Palamas não pretende restringir o poder do Espírito de operar à vontade, pois ele observa que o Espírito é comunicado não apenas durante a oração mental, mas até mesmo por meio de ações corporais, como a imposição de mãos. (II, ii, 13) Ele deseja apenas insistir que o corpo não deve ser excluído como um veículo e recipiente da graça divina, incluindo a da deificação.

O arrebatamento celestial de São Paulo está em tensão com a ênfase hesicasta no papel do corpo, mas Palamas sustenta que tais êxtases levam os homens para fora de suas almas não menos do que seus corpos. Mesmo assim, tais pessoas permanecem concentradas em si mesmas (ou seja, corpo e alma em unidade), e é através de seu corpo e alma que Deus efetua tais experiências sobrenaturais. De qualquer forma, as visões divinas não precisam implicar esquecimento dos sentidos corpóreos, como provado pelos exemplos dos Apóstolos falando em línguas no Pentecostes, e Moisés segurando seu cajado. (II, ii, 14)

Assim como o arrebatamento espiritual não é uma mera negação de preocupações corporais, a impassibilidade hesicasta também não é uma mera mortificação da parte apaixonada da alma. Ela implica mover positivamente a alma apaixonada do mal para o bem. Palamas considera que a parte apaixonada da alma consiste nos apetites irascível e concupiscente. Estes não devem ser totalmente suprimidos, mas domados, ou seja, submetidos ao bom julgamento e à razão. Embora esses poderes possam ser mal utilizados, eles também têm bons usos. Um apetite concupiscente domado ajuda a abraçar a caridade, enquanto um apetite irascível ordenado ensina paciência. A askesis ou violência contra si mesmo, necessária para disciplinar a natureza caída, é apenas um ataque inicial, para que se possa então direcionar as faculdades para seu uso correto. Assim como os leigos devem usar as coisas mundanas em conformidade com a vontade de Deus, os monges devem usar a alma apaixonada, depois que ela for disciplinada pela violência. (II, ii, 19)

“Tal força, por força da habituação, facilita nossa aceitação dos mandamentos de Deus e transforma nossa disposição mutável em um estado fixo.” Um ódio constante aos estados e disposições malignos na alma produz impassibilidade, o que significa nenhuma disposição maligna, mas muitas boas. Isso leva ao amor pelo Bem único. A verdadeira contemplação deve envolver a alma apaixonada para que isso seja um sacrifício vivo. (II, ii, 20) São Paulo exorta “que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, vosso culto racional.” (Rom. 12:1) O corpo bem ordenado é um sujeito adequado para a graça santificadora.

Palamas estabelece um ascetismo saudável e encarnacional, com uma visão holística da pessoa como uma unidade de corpo e alma. Fazemos violência aos nossos corpos e às nossas faculdades apaixonadas apenas para domesticá-los e direcioná-los para bons usos. Uma vez disciplinados, eles não devem ser desdenhados, mas podem participar plenamente da contemplação divina. Embora sua teologia e ascetismo holístico sejam sólidos, ele não estabelece que o hesicasmo realmente resulta em visões de Deus. Ele apenas refuta objeções filosóficas e teológicas à possibilidade.

Os hesicastas não podem exigir que acreditemos que eles realmente tiveram uma visão de Deus com olhos deificados e almas apaixonadas, mas não podemos dizer que isso é impossível em princípio, pois tal negação é antiencarnacional. Cada caso de visão hesicasta deve estar sujeito aos critérios usuais de revelações privadas. Não somos obrigados a acreditar em nenhum caso em particular. Nenhuma técnica humana garante uma visão de Deus, que pode livremente conceder ou negar visões em quaisquer termos que desejar. No máximo, podemos nos tornar mais bem dispostos para tal união mística pelas mesmas práticas que, com a ajuda divina, nos aperfeiçoam como cristãos.

6.3 Correções modernas à prática hesicasta

Qualquer alegação de que a disciplina hesicasta é especialmente adequada para facilitar a contemplação mística é problemática, pelo simples fato de que era desconhecida pela Igreja em seus primeiros séculos. Embora a Oração de Jesus e outras invocações simples do Santo Nome sejam práticas verdadeiramente antigas, seu uso mântrico em combinação com uma técnica física começa apenas com os hesicastas medievais. Kallistos Ware identifica alguns estágios anteriores desse desenvolvimento. No século IV, os monges egípcios usavam orações de invocação de uma única frase para manter a lembrança de Deus. Por volta de 600 d.C., o nome de Jesus foi especialmente invocado para ajudar a atingir a quietude interior, e a forma padrão da Oração de Jesus apareceu pela primeira vez. Alguns contemplativos do sétimo ao nono séculos parecem indicar que esta oração deve ser coordenada com a respiração. Apenas o ciclo copta macariano (séculos VII-VIII?) afirma explicitamente que a Oração de Jesus deve ser rezada a cada exalação. Nenhuma afirmação desse tipo é feita em textos gregos até o final do século XIII.[18]

O primeiro registro de uma disciplina física completa foi escrito por Nicéforo, o Hesicasta (mestre de Gregório Palamas), que pode ter inventado a disciplina, ou pelo menos a formalizado em regras definidas. Originalmente criado no rito latino, mas desiludido com o que ele percebia serem falsas crenças, Nicéforo se juntou aos monges do Monte Athos. Lá, ele prescreveu certos métodos para evitar que a mente divagasse durante a meditação, para que a alma pudesse atingir uma quietude ou quietude. Pouco depois, Gregório do Sinai (+1346) também escreveu um método, e ainda uma terceira versão erroneamente atribuída a São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022) apareceu na mesma época.

Com algumas variações, as autoridades hesicastas concordam em alguns elementos básicos da prática física. Todos concordam que se deve sentar enquanto se reza, o que era uma inovação incomum na época; normalmente se rezava em pé. A postura envolvia abaixar a cabeça bruscamente em direção ao umbigo, mesmo que o pescoço e os ombros doessem. Os hesicastas modernos aconselham a adotar uma posição confortável, para que você não esteja ciente do seu corpo, embora isso pareça incompatível com a justificativa encarnacional de consciência corporal de Gregório Palamas, até mesmo desconforto. Gregório do Sinai e Pseudo-Simeão defendem desacelerar a respiração primeiro, para que possa ser sincronizada com a Oração de Jesus. Nicéforo não especifica que a respiração deve ser desacelerada, mas apenas que se deve concentrar o intelecto na respiração, para explorar o eu interior. “Coloque pressão em seu intelecto e obrigue-o a descer com sua respiração em seu coração.”[19] Aqui o intelecto está literalmente descendo para o coração, que era considerado abranger não apenas as emoções, mas toda a consciência, então isso significa ir para a sede do intelecto e o centro de todo o seu ser.

Evidentemente, essa técnica física foi informada por uma psicologia errônea centrada no coração. Os hesicastas modernos podem interpretar “coração” de forma mais figurativa, justificando desvios das práticas físicas medievais. De fato, Nicéforo sustentava que as técnicas corporais eram opcionais, enquanto a parte essencial é a Oração de Jesus (que antecede o hesicasmo em séculos). Ware observa que os ortodoxos modernos consideram a antiga técnica psicossomática perigosa para a saúde e não deve ser usada sem a orientação de um pai espiritual. Nicéforo, por outro lado, recomendava essa técnica especialmente para aqueles que não têm um guia espiritual. Ele considerava isso uma espécie de muleta para novatos.

Os hesicastas modernos tendem a desvalorizar o papel das técnicas corporais, tanto por razões de saúde física quanto para evitar confundir o esforço humano com a graça divina. Ignácio Brianchaninov (1807-1867) aconselha os monges a não danificarem seus pulmões ao tentarem aprender essas técnicas. Em vez disso, o essencial é “a união do intelecto com o coração durante a oração, e isso é alcançado pela graça de Deus em seu próprio tempo”. [20] Da mesma forma, Teófano, o Recluso (1815-94) deixa de lado as técnicas físicas como perigosas. “O essencial é adquirir o hábito de fazer o intelecto ficar em guarda no coração — no coração físico, mas não de forma física”. [21]

Com o benefício do maior conhecimento da psicologia humana, os ortodoxos modernos como Ware são astutos o suficiente para evitar “igualar o efeito natural de certos exercícios físicos com a graça divina da oração interior”. Simplesmente combinar a respiração com o ritmo da oração é seguro e recomendado até mesmo por contemplativos ocidentais como Santo Inácio de Loyola. Exercícios respiratórios ou posturas mais elaboradas podem causar problemas cardíacos. A repetição irracional de mantras pode induzir a auto-hipnose, produzindo muitas das luzes “noéticas” que Barlaão ridicularizou. Posturas alternativas, como agachar-se ou prostrar-se, conhecidas no judaísmo como sinais de humildade, também podem ser frutíferas, uma vez que dispensamos o erro de insistir que a concentração precisa ser focada no coração físico.

A maioria, talvez todos, dos elementos duvidosos da prática hesicasta foram eliminados ou corrigidos em sua interpretação pelos ortodoxos modernos. Com essas modificações, há muito menos perigo de confundir os efeitos psicossomáticos naturais da meditação com visões místicas, nem há qualquer pretensão de que o homem possa trabalhar seu caminho em direção à graça por algum método humano definido. Como o hesicasmo se purificou de seus aspectos questionáveis, não parece mais haver qualquer razão para não recebê-lo como uma prática legítima em toda a Igreja, Oriente e Ocidente.

Notas

[1] É contestado, embora pouco relevante, se Barlaão foi um convertido à Ortodoxia grega ou nasceu nessa tradição. De qualquer forma, sua adoção da escolástica foi muito exagerada. Na verdade, ele escreveu tratados (publicados em italiano como Opere contro i Latini, 1998; cf. Migne, PG vols. 150-151) opondo-se às teses tomistas, à primazia papal, ao filioque e à aristotelização latina. De fato, Barlaão pode ter sido o criador do antiaristotelismo adotado pelos palamistas no final do século XIV, uma postura não sustentada pelo próprio Palamas. [Antoine Lévy. The Woes of Originality, cap. 4 em Divine Essence and Divine Energies: Ecumenical Reflections on the Presence of God in Eastern Orthodoxy, eds. C. Athanasopoulos e C. Schneider (Cambridge: James Clarke, 2013), pp. 98 seq.]

Barlaão estava firmemente na tradição oriental em muitos aspectos, e sua oposição ao hesicasmo era baseada não apenas na epistemologia aristotélica do conhecimento vindo através dos sentidos, mas também em uma doutrina neoplatônica de que Deus está além da experiência sensível e é absolutamente incompreensível, então Ele pode ser conhecido apenas indiretamente e simbolicamente. É este último postulado que vai contra a crença ortodoxa na theosis, e de fato leva logicamente ao agnosticismo. [L'esicasmo e la controversia Palamitica] [16 de maio de 2017]

[2] … esses vários atributos que descrevem Seu poder, grandeza, poder, bondade etc. são idênticos, denotando Sua essência, e não algo estranho à Sua essência. Moses Maimonides, The Guide for the Perplexed, M. Friedlander trad., 2ª ed. (Nova York: Dover Pub., 1956 [repub. 1904 ed.]), I, xx, p. 29. Também: Deus é ativo, nunca passivo, Ibid., I, xliv, p. 58.

[3] …o objeto da vontade divina é Sua bondade, que é Sua essência. Portanto, uma vez que a vontade de Deus é Sua essência, ela não é movida por outra coisa que não ela mesma, mas por si mesma somente… Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, 1a, 19, 1. No mesmo artigo, Santo Tomás não identifica o intelecto e a vontade primariamente com a essência, mas com a existência de Deus, ou seja, o ato de ser. No entanto, não há distinção real entre essência e existência em Deus. Além disso, a essência não é algo distinto do próprio Deus. Ibid., 1a, 3, 3-4.

Maimônides diz que todas as ações de Deus emanam de Sua essência, não de qualquer coisa estranha superadicionada à Sua essência. Além disso, essas diferentes ações não implicam que diferentes elementos devem estar contidos na substância do agente. Maimônides, Guia para os Perplexos, op. cit., I, lii, p.72. Em outro lugar, ele diz que faculdades como sentidos externos ou internos são atribuídas a Deus apenas equivocadamente. Na verdade, no entanto, nenhum atributo real, implicando uma adição à Sua essência, pode ser aplicado a Ele... Ibid., I, xlvii, pp. 63-64.

[4] Nicholas Gendle, trad. Gregory Palamas: The Triads, ed. John Meyerdorff (Mahwah, Nova Jersey: Paulist Press, 1983).

[5] Como Étienne Gilson observou, a compreensão de Santo Tomás sobre essência e existência foi ignorada pela maioria dos escolásticos até o renascimento neotomista do século XIX. Etienne Gilson. Being and Some Philosophers (Toronto: Pontifical Inst. of Medieval Studies, 1949).

[6] Maimonides, op. cit., I, xxxv, p. 49.

[7] Nicholas Gendle, trad. Gregory Palamas: The Triads, ed. John Meyerdorff (Mahwah, Nova Jersey: Paulist Press, 1983).

[8] Guide for the Perplexed, op. cit., I, xxv, p.34.

[9] St. Thomas Aquinas. Commentary on the Sentences of Peter Lombard, I, d. 2, q. 1, a. 3. Conforme observado por Mercedes Rubio em Aquinas and Maimonides on the Possibility of Knowledge in God (Springer Netherlands, 2006), essa distinção tríplice foi adicionada muito mais tarde, refletindo o pensamento maduro de Santo Tomás, e ele sustentou que isso era necessário para entender toda a primeira parte.

[10] Esta é apenas uma ilustração hipotética, não uma afirmação real sobre a realidade física.

[11] A glória externa é ainda subdividida em gloria materialis, pela qual a ordem da natureza manifesta a glória de Deus, e gloria formalis, pela qual criaturas inteligentes glorificam ativamente a Deus por meio de suas ações e louvores.

[12] John A. Hardon, S.J. "The Divine Attributes Retreat: The Attributes of God – The Glory of God" (Inter Mirifica, 1998)

[13] Pascal P. Parente. The Angels, cap. 2

[14] “Tearquia” era frequentemente usada por Pseudo-Dionísio como sinônimo da Santíssima Trindade, mas às vezes, como neste uso por Palamas, significa o princípio ou fonte da divinização. Por unidade e simplicidade divinas, este princípio não é algo existencialmente separado de Deus.

[15] De fato, Santo Tomás considerou a luz intelectual, mesmo em sua operação natural, como sendo informada pela luz divina. Conhecemos os primeiros princípios participando de semelhanças divinamente transmitidas das rationes eternas.

[16] Tal repetição perde o caráter de oração e se torna mântrica se ignorarmos o significado e simplesmente reproduzirmos o som. É possível obter o benefício da redução de distração da repetição, enquanto ainda oramos verdadeiramente, como nas orações do rosário que ajudam a concentrar as meditações nos mistérios divinos. A repetição e a rotina tornam as distrações menos prováveis, então você não precisa dispersar sua energia lutando contra elas. Se houver distrações não pecaminosas, você pode simplesmente reconhecê-las e continuar meditando.

[17] Em uma nota de tradução, N. Gendle atribui esta expressão a Ps.-Denys, On Divine Names, IV, 9. Nessa obra, no entanto, Dionísio está falando da bondade divina reunindo todas as coisas para si mesma. Palamas, em vez disso, descreve a alma reunindo a pessoa inteira em uma unidade, um estado que é um efeito de sua atenção direcionada para dentro.

[18] Kallistos Ware. “Praying with the body: the hesychast method and non-Christian parallels” Sobornost 14:2 (1992), 6-35.

[19] PG 147:963B-964A. Traduzido em Ware, op. cit.

[20] The Arena: An Offering to Contemporary Monasticism, tr. Archimandrite Lazarus (Moore), (Madras 1970), p.84 (tradução modificada por Ware, op. cit.).

[21] Conforme traduzido em Ware, op. cit.

Fonte: Daniel Castellano, Reconciling Hesychasm and Scholasticism in the Triads of Gregory Palamas, 2017.