Aprender a
morrer, de acordo com os estoicos, é desaprender
a ser escravo.
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Sócrates
costumava dizer que a morte é como alguém que brinca usando uma máscara
assustadora, vestida de bicho-papão para assustar as crianças pequenas. O sábio
remove cuidadosamente a máscara e, olhando-a de frente, não encontra nada que valha a pena temer.
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Uma vez que
realmente aceitamos nosso próprio fim como um fato inevitável da vida, faz tão
pouco sentido desejar a imortalidade como desejar corpos tão duros quanto
diamante ou poder voar nas asas de um pássaro. [...] Como a morte está entre as coisas mais certas da vida, para um homem
sábio, ela deve estar entre as menos temidas.
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Os estudos
abrangentes de Zenão o convenceram de que disciplinas intelectuais como lógica e metafísica poderiam contribuir
potencialmente para o desenvolvimento de nosso caráter moral. Zenão estabeleceu
um currículo para o estoicismo dividido em três tópicos abrangentes: ética,
lógica e física (que inclui metafísica e teologia).
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Os estoicos
adotaram a divisão socrática das virtudes cardeais em sabedoria, justiça,
coragem e moderação. As outras três virtudes podem ser entendidas como a
sabedoria sendo aplicada às nossas ações em diferentes áreas da vida. A justiça é a sabedoria aplicada à esfera
social, no nosso relacionamento com outras pessoas. Mostrar coragem e moderação significa dominar nossos medos e desejos,
respectivamente, superando o que os estoicos chamavam de “paixões”. [...] Como
Sócrates havia dito anteriormente, as vantagens externas na vida só são boas se
soubermos usá-las com sabedoria. No entanto, se algo pode ser usado para o bem
ou para o mal, não pode ser realmente bom em si mesmo, portanto, deve ser
classificado como “indiferente” ou neutro. Os estoicos diriam que coisas como
saúde, riqueza e reputação são, no máximo, vantagens ou oportunidades, em vez
de serem coisas boas por si sós. As vantagens sociais, materiais e físicas, na
verdade, trazem aos indivíduos tolos mais oportunidades
de prejudicar a si mesmos e aos outros. [...] O sábio estoico, ou o homem
sensato, não precisa de nada, mas usa tudo para o bem; o tolo acredita que
“precisa” de inúmeras coisas, mas as utiliza para o mal.
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Marco
aprendeu que os estoicos acreditavam que havia um relacionamento entre o verdadeiro amor à sabedoria e uma maior
capacidade de resiliência emocional. Sua filosofia continha em si uma
terapia moral e psicológica (therapeia)
para mentes perturbadas pela raiva, medo, tristeza e desejos doentios. Eles
chamaram o objetivo dessa terapia de apatheia,
que não significa apatia, mas liberdade em relação aos desejos e emoções
prejudiciais (paixões). Dizer que Apolônio ensinou a filosofia estoica a Marco
é, portanto, também dizer que o treinou para desenvolver resiliência mental por
meio de uma forma antiga de psicoterapia e autoaperfeiçoamento, às vezes
descrita como a “terapia das paixões”.
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Epicteto
dizia a seus alunos que os fundadores do estoicismo distinguiam entre dois estágios de resposta a qualquer evento,
incluindo situações ameaçadoras. Primeiro vêm as impressões inicias (fantasia), que são impostas
involuntariamente à nossas mentes pelo que nos cerca, quando somos inicialmente
expostos a um evento como a tempestade no mar. [...] Até mesmo a mente de um
perfeito sábio estoico será inicialmente abalada por choques abruptos desse tipo,
e ele se afastará instintivamente, tomado pelo medo. Essa reação é fruto não de
um julgamento de valor incorreto a respeito dos perigos enfrentados, mas de um
reflexo emocional que surge em seu corpo, que ignora temporariamente a razão.
[...] Por outro lado, a capacidade humana de pensar pode fazer com que
perpetuemos nossas preocupações além desses limites naturais. A razão, nossa maior bênção, também é a
nossa maior maldição. No segundo estágio de resposta, os estoicos dizem que
geralmente adicionamos julgamentos voluntários de “consentimento” (sunkatatheseis) a essas primeiras
impressões automáticas. Aqui, a resposta do sábio estoico difere daquela
apresentada pela maioria das pessoas. Ele não se deixa levar pelas reações
emocionais iniciais a uma situação que tenha invadido sua mente. Epicteto
afirma que o estoico não deve consentir ou confirmar essas primeiras
impressões, tais como a ansiedade diante do perigo. Em vez disso, ele as
rejeita como sendo um engano, analisa-as com indiferença, abandonando-as.
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Sêneca
também observou que certos infortúnios atingem o homem sábio sem incapacita-lo,
como a dor física, as doenças, a perda de amigos ou filhos ou catástrofes
infligidas por derrota na guerra. Esse tipo de coisa pode arranhá-lo, mas jamais feri-lo.
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O Hamlet de
Shakespeare exclama: “Não existe nada bom ou ruim, mas pensar faz com que seja
assim”. Os estoicos concordariam que não
há nada de bom ou ruim no mundo externo. Somente o que depende de nós pode
ser considerado verdadeiramente “bom” ou “ruim”, o que torna esses termos
sinônimos de virtude e vício.
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A
catastrofização geralmente envolve o pensamento “E se?”. E se o pior cenário
possível vier a acontecer? Isso seria insuportável. Por outro lado,
descatastrofizar tem sido descrito como sair
do “E se?” para o “E daí?”: Então, e se tal coisa acontecer? Não é o fim do
mundo; eu posso lidar com isso. [...] Lembrar-seda transitoriedade dos eventos
é uma das estratégias favoritas de Marco. Uma maneira de fazer isso é se
perguntar: “Realisticamente, o que provavelmente acontecerá a seguir? E depois?
E então, o que mais?”. E assim por diante.
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Uma das
lendas mais famosas sobre Diógenes, o Cínico, conta como Alexandre, o Grande,
procurou o filósofo. É uma justaposição de opostos: Diógenes viva como um
mendigo, e Alexandre era o homem mais poderoso de todo o mundo conhecido. No
entanto, quando Alexandre perguntou a Diógenes se havia algo que poderia fazer
por ele, o Cínico teria respondido que Alexandre poderia sair da frente, pois estava bloqueando o sol. Diógenes podia
falar com Alexandre como se fossem iguais porque era indiferente à riqueza e ao
poder. Diz-se que Alexandre se afastou e retornou às suas conquistas,
aparentemente sem ter adquirido muita sabedoria.
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Outra
técnica útil de esclarecimento de valores para estudantes de estoicismo envolve
a criação de duas listas curtas em colunas lado a lado intituladas “Desejado” e
“Admirado”:
1. Desejado. As coisas que você mais deseja para si na
vida.
2. Admirado. As qualidades que você considera mais
louváveis e admiráveis em outras pessoas.
A princípio,
essas duas listas quase nunca são idênticas. Por que elas são diferentes e como
sua vida mudaria se você desejasse as qualidades que considera admiráveis em
outras pessoas? Como os estoicos poderiam dizer, o que aconteceria se você tornasse
a virtude sua prioridade número um na vida? O aspecto mais importante desse exercício
de esclarecimento de valores, para os estoicos, seria compreender a verdadeira
natureza do bem maior do homem, elucidar nosso objetivo mais fundamental e
viver de acordo com ele. Tudo no estoicismo remete a um objetivo final de
apreender a verdadeira natureza do bem e viver de acordo com isso.
Depois de
esclarecer seus valores fundamentais, você pode compará-los às virtudes
cardeais estoicas da sabedoria, justiça, coragem e moderação.
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Lúcio
estruturou toda a vida em torna da busca por prazeres vazios como forma de
evitar entrar em contato com suas emoções. Os psicólogos sabem que as pessoas
geralmente adotam hábitos que consideram prazerosos – das redes sociais ao crack – como uma maneira de se distrair
ou reprimir sentimentos desagradáveis. No caso de Lúcio, o álcool e outras diversões
talvez lhe oferecessem uma maneira de escapar da preocupação com suas
responsabilidades como imperador. Como veremos, não há nada de errado com o
prazer, a menos que comecemos tanto a desejá-los que negligenciemos nossas
responsabilidades ou substituamos atividades saudáveis e gratificantes por atividades
que não o são.
Buscar
prazeres vazios e transitórios nunca levará à verdadeira felicidade em longo
prazo. Entretanto, o prazer pode ser complexo – pode nos atrair se passando por
algo que não é. O que todos nós realmente procuramos na vida é o sentimento de
autêntica felicidade e satisfação que os estoicos chamavam eudaimonia. [...] As pessoas ainda confundem prazer com felicidade
e frequentemente acham difícil imaginar outra perspectiva de vida.
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Contudo, o valor de um homem pode ser medido pelas
coisas que ele estima. Gostar do sofrimento dos outros é ruim. Sentir
prazer em ver homens arriscando perder a vida ou sofrer ferimentos graves
seria, portanto, considerado um vício pelos estoicos. Por outro lado, é bom
gostar de ver as pessoas florescerem. Você pode pensar que isso seja óbvio; no
entanto, o prazer pode nos cegar até o ponto de não vermos as consequências para
os outros e para nós mesmos.
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Há mais
dois pontos-chaves sobre alegria estoica que devem ser enfatizados:
1. Os
estoicos tendiam a ver a alegria não como o objetivo da vida, que é a
sabedoria, mas como um subproduto dela, portanto, acreditavam que tentar encontra-la
diretamente poderia nos levar ao caminho errado se a busca fosse à custa da
sabedoria.
2. A
alegria no sentido estoico é fundamentalmente ativa, e não passiva; vem da percepção
da qualidade virtuosa de nossas próprias ações, das coisas que fazemos,
enquanto os prazeres corporais surgem de experiências que acontecem conosco,
mesmo que sejam consequência de ações como comer, beber ou fazer sexo.
Marco diz,
portanto, que não é nos sentimentos, mas nas ações, que reside o seu bem
supremo.
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Em outras
palavras, os estoicos não eram desmancha-prazeres. Marco estava convencido de
que poderia obter tanta satisfação saudável com as coisas simples que
aconteciam em sua vida quanto os que buscava prazer, como seu irmão,
satisfazendo vorazmente seus desejos doentios. Sócrates também alegou, paradoxalmente,
que aqueles que praticam o controle realmente obtêm mais prazer com coisas como
comida e bebida do que aqueles que se entregam a elas em excesso. A fome é o melhor sabor, disse ele, enquanto,
se comermos demais, estragamos nosso apetite. [...] No entanto, um paradoxo
ainda mais profundo reside na noção de que, em última análise, a virtude da autodisciplina pode se tornar uma fonte
maior de “prazer” do que comida ou outros objetos externos de nosso desejo.
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Pensando
bem, poucos afirmariam que essa é a maneira mais gratificante de passar a vida.
Ninguém nunca teve as frases “Eu gostaria de ter visto mais televisão” ou “Eu
gostaria de ter passado mais tempo no Facebook” gravadas na lápide.
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Devemos nos
lembrar de que a dor é sempre suportável,
pois é sempre aguda ou crônica, mas nunca as duas coisas ao mesmo tempo. Um dos
pais da igreja, Tertuliano, resumiu a ideia dizendo que Epicuro cunhou a máxima
“um pouco de dor é desprezível, e uma grande dor não é duradoura”. Portanto,
você pode aprender a suportar dizendo a si mesmo que a dor não durará muito se
for intensa ou que será capaz de suportar algo muito pior se a dor for crônica.
As pessoas frequentemente se opõem a isso afirmando que a dor que sentem é ao
mesmo tempo crônica e aguda. [...] O ponto é que uma dor crônica além da nossa
capacidade de suportar teria nos matado, então, o fato de ainda estarmos de pé
prova que somos capazes de suportar algo muito pior. Embora isso possa ser
difícil de aceitar para algumas pessoas, os participantes dos meus cursos online que sofreram muitos anos com dor
crônica relataram que essa máxima epicurista foi de grande ajuda para eles,
assim como para muitas pessoas ao longo dos séculos anteriores. [...] Por que
os antigos consideravam essa estratégia específica uma maneira útil de lidar
com a dor? Quando as pessoas estão realmente em dificuldade, elas se concentram
em sua incapacidade de lidar com o problema e na sensação de que o problema
está ficando fora de controle. “Eu simplesmente não aguento mais isso!”. No
entanto, Epicuro afirma que, concentrando-se nos limites de sua dor, em termos
de duração ou gravidade, é possível desenvolver uma mentalidade mais voltada
para o enfrentamento e menos sobrecarregada por preocupações ou emoções negativas
a respeito de sua condição. Marco também acreditava ser útil pensar em sua dor
como confinada a uma parte específica do corpo, em vez de se deixar consumir
por ela, imaginando-a mais difundida. A dor quer dominar sua mente, tornando-se
a história toda.
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Então, como
Marco pôde superar sua total falta de experiência e se tornar um líder militar
tão talentoso? Como permaneceu calmo diante de situações incertas e contra
inimigos tão formidáveis? Uma das técnicas estoica mais importantes empregadas
por ele foi a de agir “com uma cláusula de reserva” (hupexhaire sis). [...] Essencialmente, significa realizar qualquer ação enquanto aceita com
tranquilidade que o resultado não está inteiramente sob seu controle.
Aprendemos com Sêneca e outros que isso pode assumir a forma de uma advertência,
como “Se o destino permitir”, “Se Deus quiser” ou “Se nada me impedir”. [...]
Estamos perseguindo um resultado eterno “com a reserva” de que o resultado não depende
inteiramente de nós. [...] De fato, Marco chega ao ponto de dizer que, se você não
age com a cláusula de reserva em mente, qualquer falha imediatamente se tornará
um mal para você, ou uma fonte potencial de sofrimento.
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Enquanto a
psicoterapia moderna geralmente se concentra na ansiedade e na depressão, os
estoicos se debruçavam mais sobre o problema da raiva. [...] Eles acreditavam
que a raiva é uma forma de desejo.
[...] A raiva geralmente consiste no desejo de prejudicar alguém, porque
achamos que fez algo errado e merece ser punido. [...] A raiva decorre da ideia
de que uma injustiça foi cometida ou de que alguém fez algo que não deveria ser
feito. A raiva está frequentemente associada à impressão de que você, de alguma
forma, foi ameaçado por outra pessoa, tornando a raiva uma companheira intima
do medo. [...] Não devemos responder a pessoas desagradáveis e inimigos com
raiva, mas tratar isso como uma oportunidade de exercitar nossa própria
sabedoria e virtude. Os estoicos veem as pessoas problemáticas como se fossem
uma receita de um médico ou de um parceiro de treinamento designado por um
treinador de luta livre. [...] Apolônio é retratado dizendo: “Existem homens
maus – eles são uteis para ti; sem eles, que necessidade haveria de se ter
virtudes?”.
A próxima estratégia
envolve imaginar a pessoa de quem você está com raiva de uma maneira mais
completa e abrangente – não se concentre apenas nos aspectos de seu caráter ou
comportamento que você considera mais irritantes. Marco diz a si mesmo para
considerar com cuidado o tipo de pessoa que costuma ofendê-lo. Então,
imagina-os pacientemente em suas vidas diárias: comendo em suas mesas de
jantar, dormindo sem suas camas, fazendo sexo, descansando, e assim por diante.
[...]
Nenhum
homem faz o mal conscientemente, o que também implica que ninguém o faz de
propósito. [...] Se está fazendo o que é errado, você deve assumir que é porque
não sabe agir de uma maneira melhor. Como Sócrates indicou, ninguém quer
cometer erros ou ser enganado; toda as criaturas racionais desejam
inerentemente a verdade. [...] Todos se ressentem de ser chamados de cruéis ou
desonrosos. Em certo sentido, acreditam que o que estão fazendo é certo ou pelo
menos aceitável. Não importa quão perversa aquela conclusão possa parecer, ela
é justificada na própria mente de quem a formulou. Se pensarmos constantemente
nas outras pessoas como estando enganadas, e não simplesmente sendo maldosas,
como privadas de sabedoria para encarar seus desejos, inevitavelmente lidaremos
de maneira mais gentil com elas. [...] Da mesma forma, não julgamos as crianças
com severidade quando elas cometem erros, pois não sabem o que estão fazendo.
No entanto, os adultos ainda cometem os mesmos erros morais que as crianças.
Eles não desejam ser ignorantes, mas agem como tal sem ter essa intenção.
Lembrar que
as outras pessoas são humanas, e imperfeitas, pode ajuda-lo a receber críticas
(ou elogios) delas de uma maneira mais equilibrada e menos emocional.
[...]
As ações dos
outros são externas a nós e não podem danificar nosso caráter, mas nossa própria
raiva nos transforma em um tipo diferente de pessoa, quase como um animal, e,
para os estoicos, esse é o maior dano. “Outra pessoa me fez mal? Isso é
problema dela, não meu”.
Fonte: Donald Robertson, Pense como um imperador, CDG Edições, Porto Alegre, Brasil, 2022.
Veja também: A estupidez inteligente e outros insights estoicos