28 de outubro de 2022

O homem absurdo e a ideia do suicídio


É segunda-feira. Acordo de manhã, tomo banho, como alguma coisa. Carro, trânsito, escritório. Reuniões, e-mails, projetos, clientes, chefe. Hora do almoço, como mais alguma coisa. Depois mais escritório. Fim da tarde, carro, trânsito, casa. Assisto qualquer coisa em qualquer tela. Pago as contas. Como mais alguma coisa. Cama. Terça-feira, mesma coisa. E também a quarta, a quinta, a sexta. Sábados e domingos iguais aos anteriores. Uma viagem aqui, alguma ativiadde extra-laboral ali.

Talvez esta rotina faça sentido para você. Talvez em meio às atvidades do dia-a-dia você encontre momentos de alegria e esperança que, em si, são suficientes para fazê-lo seguir em frente. Talvez você tenha alguma religião, fé, espiritualidade, filosofia, meditação, ou seja lá o que for, que lhe conforte e lhe dê "forças".

Mas talvez você tenha uma consciência mais desenvolvida, uma inteligênia mais aguçada, uma percepção mais profunda da vida -- digamos logo, um QI acima da média --, e nada do que descrevi acima o satisfaça. A vida como um todo não faz sentido para você. Angústias, sofrimentos, dores: a vida enquanto tal, a vida em sua totalidade, não tem unidade, não fornece nenhum motivo em si que a torne digna de ser vivida, digna de ser suportada. Os momentos alegres e singulares da vida se diluem no oceano do absurdo.

O que fazer? Em seu Mito de Sísifo, Albert Camus invoca o que, em sua opinião, é o problema filosófico mais importante de toda a história da humanidade: o suicídio. Sim, a ideia parece irreverente, inóspita, mas diante do absurdo da vida, diante da ausência de toda razão profunda, do caráter insensato da agitação cotidiana, é perfeitamente legítimo que perguntemos: por que não?

A ciência e a psicologia classificam o mundo, ensinam coisas notáveis a seu respeito, mas ao fim e ao cabo tudo não passa de imagens, de metáforas. Como diz Camus com eloquência, "as suaves linhas destas colinas e a mão da tarde sobre este coração agitado me ensinam muito mais". As categorias da ciência e do conhecimento não têm nada a ver com o espírito. Aqui é notável a semelhança de raciocínio com Schumacher.

Qaunto à filosofia, Camus tampouco encontra consolo. A postura existencial ele entende ser uma espécie de "suicídio filosófico", ou seja, uma forma cômoda de superar o dilema negando-o. A negação é o Deus dos existencialistas na medida em que nega a razão humana. Husserl, por sua vez, apenas reúne o universo que outrora encontrava-se disperso, desconexo, mas não resolve o dlema de que a mera reunião não implica em unidade. Ao fim e ao cabo, a fenomenologia também nega versar sobre o absurdo da vida.

Ocore que Camus, mediante uma série de insights, chega a uma brilhante conclusão: quanto menos sentido ten a vida, melhor. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente. Mas para viver esse destino é necessário ter em mente sua absurdidade. A palavra-chave é rebelião, ou seja, rebelar-se conscientemente. Viver é fazer viver o absurdo. O homem tem de enfrentar a obscuridade da vida. Enfrentar tal obscuridade significa resignar-se a nosso destino devastador. Suicidar-se é render-se ao absurdo. Rebelar-se é aceitar a realidade do absurdo. A única verdade é o próprio desafio de viver em rebelião.

O homem inconsciente do absurdo vive escravo do sentido que artificialmente atribui à vida. A ideia de que somos eternos, fingir que há um "amanhã", é apegar-se à bola de ferro acorrentada a seu tornozelo. Somente na rebeldia, na revolução, é possível exercitar a liberdade. Dar sentido à vida é criar barreiras dentro das quais encerro minha vida. Portanto, a ideia não é viver "melhor" (segundo a moral comum), mas viver "mais", viver com verdadeira paixão (acumular experiências, estar diante do mundo com a maior freqência possível, da maneira mais presente pssível).

Portanto, eis as três consequências que Camus deriva do absurdo: a rebelião, a liberdade e a paixão (pela diversidade).

O homem absurdo

Camus delinea três exemplos de homem absurdo: o amante, o comediante e o aventureiro. Nenhum deles, e nenhum homem absurdo, nega o eterno; ocorre apenas que eles não têm o que fazer com ele.

Em termos éticos e morais, o homem absurdo reconhece apenas a existência de responsáveis, mas não de culpados. Em outras palavras, a carga condenatória, o castigo psicológico, é inexistente para o homem absurdo. Ele é responsável por tudo o que faz, mas não aceita ser culpado por nada: a vida humana é um sopro, e seu objetivo não pode ser cumprir regras morais.

Don Juan, por exemplo, o amante por excelência, não tem objetivos morais. ele não quer ser santo. O que ele quer é quantidade, ao contrário do santo, que quer qualidade. Qualidade para quê? Por acaso as coisas têm alguma sentido profundo? Por acaso a vida tem sentido? Claro que não. A vida do santo é movida pelo mito do sentido, da eternidade, do além. O santo finge não existir o absurdo. O homem absurdo, pelo contrário, não só não finge como vive de acordo com ele. O homem absurdo não se separa do tempo, afinal. O amor convencional, aquele através do qual nos doamos a uma mulher, pode ser "enriquecedor" para ambos, mas em termos pessoais será empobrecedor a ambos, pois estarão literalmente apartados da vida, das experiências que ela pode proporcional para além da mera doação mútua. O amor convencional não é libertador, é uma prisão. O homem absurdo não quer "ser" algo na eternidade: o homem absurdo escolhe não ser nada, mas escolhe ser algo nesta vida. Eis a única grandeza a que pode aspirar.

O pensamento absurdo não quer explicar, não quer se aprofundar. Quer apenas descrever. Eis sua ambição. O autêntico artista absurdo é aquele que retrata o contreto, e que tal retratação não signfique nada além do concreto. A obra absurda ilustra < renúncia do pensamento a seus prestígios e sua resignação a ser apenas uma inteligência que põe em marcha as aparências e cobre com imagens o que carece de razão. A arte absurda deve refletir aquilo que deve manifestar o pensamento absurdo: rebelião, liberdade e diversidade. E, claro, uma profunda inutilidade.

Fonte: Albert Camus, El Mito de Sísifo, Literatura Random House, Barcelona, Espanha, 2021.

22 de outubro de 2022

Um guia para os perplexos


O economista alemão E.F. Schumacher goza de boa fama como distributista, tendo sido intelectualmente influenciado por pessoas tão diferentes como Mahatma Gandhi, Karl Marx, Buda, Lord Keynes e pelo pensamento econômico da Igreja Católica. No entanto, é sua obra filosófica que me interessou, em especial seu A Guide for the Perplexed, recomendado por James Schall, se não me engano, em On the Unseriousness of Human Affairs.

Para Schumacher, filosofar é contemplar o mundo em sua totalidade, e não em suas partes, o que estaria mais bem a cargo das diversas ciências humanas. Daí o "guia para os perplexos": os perplexos somos nós, aqueles que, diante da miríade de conhecimentos novos e fascinantes produzidos pelas ciências, sentem falta de um mapa a partir do qual possam navegar e orientar-se na vida.

A crítica de Schumacher não vai tanto direcionada à ciência enquanto tal, mas a sua incapacidade de responder às perguntas que realmente valem a pena. Na verdade, o cientificismo que se formou em torno das ciências modernas simplesmente nega a validade dessas perguntas. Neste ponto, a obra-prima de Jordan Peterson, Maps of Meaning, é fundamental para entender a questão: a ciência é parte da porção "o que é" do mundo, mas não da porção "o que deveria ser". A destruição da sabedoria antiga levou consigo os antigos mapas que nos norteavam no mundo. Como dizia Viktor Frankl, o lamentável não é tanto que os cientistas se especializem, mas que os especialistas generalizem.

Mas que perguntas são essas? São aquelas que se referem aos fins, aos sentidos, da vida, dos sentimentos, das ações, dos pensamentos. O que precisamos para ser felizes? Qual é a verdade que nos liberta? Onde encontrá-la? O que devo fazer da minha vida? E assim por diante.

O mapa de Schumacher se baseia no que ele chama de Grandes Verdades. São quatro:

1. A Grande Verdade sobre o mundo: é a estrutura hierárquica dos 4 grandes níveis do ser.

2. A Grande Verdade sobre o homem: é o princípio da adequação (adaequatio).

3. A Grande Verdade sobre o aprendizado: são os 4 campos do conhecimento.

4. A Grande Verdade sobre a vida: é a distinção entre problemas convergentes e divergentes.

René Descartes e Francis Bacon, pensadores típicos da era moderna, afirmavam que o alcance da mente humana era estritamente limitado, ou seja, que não havia razão para interessar-se por assuntos que ultrapassem sua capacidade. No entanto, a sabedoria tradicional considerava que a mente humana, embora fraca, era ilimitada, ou seja, que era capaz de alçar-se acima de si mesma a níveis cada vez mais elevados. Assim, Schumacher entende que o cientificismo se desfez dessa dimensão vertical da existência. Não há mais "superior" e "inferior", não há melhor e pior, não há hierarquia. A matematica e a física, por exemplo, são absolutamente mudas a esse respeito. A vida se encontra sem orientação, sem diretrizes, sem sentido.


1. Os níveis do ser

Schumacher recorda que no mundo natural há certas diferenças entre os seres ou, mais precisamente, certas "descontiuidades ontológicas", certos "saltos de nível", que podemos destruir embora sejamos incapazes de construir. Os seres são classificados por reinos: mineral ("seres inanimados"), vegetal, animal e humano, e as respectivas qualidades que identificam sua descontinuidade ontológica são vida (vegetal), consciência (animal) e autoconsciência (humano), esta última entendida como uma capacidade de dizer "eu" e de dirigir a consciência de acordo com fins próprios. Observe que, embora possamos destruir a vida, a consciência e a autoconsciência, somos incapazes de dar vida a uma pedra, consciência a uma planta e autoconsciência a um animal.

Aqui observamos que a evolução, entendida como o processo de surgimento espontâneo e acidental dos poderes vitais, da cosciência e da autoconsciência a partir da matéria inanimada, é algo totalmente incompreensível. Não é possível o surgimento acidental do superior a partir do inferior.

Do nível inferior, o nível mineral, se ocupa a física e a química. E talvez aqui resida uma das grandes confusões da era moderna: dizer que a vida, o primeiro fator que explica o segundo nível do ser ("reino vegetal"), é apenas uma combinação atômica é o mesmo que dizer que Hamlet, de Shakespeare, é apenas uma combinação de letras. Descrever um animal como um complexo sistema físico-químo não está errado. O que está errado é fingir que tal descrição não omite a animalidade do animal. Há, portanto, uma diferença de tipo, não de grau, entre os níveis do ser.

É curioso observar que o superior compreende em certo sentido o inferior, mas é incapaz de entender algo superior a si mesmo. Isso explica por que as pessoas que têm sua autoconsciência pouco desenvolvida tendem a considerá-la uma simples extensão da consciência. E explica por que essas pessoas tendem a tratar o próximo com certa brutalidade, certa bestialidade. Não é incomum que se tratem a si mesmas assim também. Ao contrário da vida e da conscieêcia, que agem de maneira automática, involutária, a autoconsciência é uma potencialidade, não tanto uma realidade, que cada indivíduo deve desenvolvê-la se quer chegar a ser verdadeiramente humano, se quer chegar a ser uma persona.

Há certos traços que caracterizam os níveis do ser aos quais chamamos "progressões". 

A progressão mais notável é a passividade/atividade, ou seja, a passagem da passividade para a atividade conforme se sobe no nível do ser. A partir da passividade total de uma pedra, coforme subimos a escada dos níveis do ser, chegamos a contemplar o ser humano, no qual existe um sujeito que diz "eu" (ou seja, que tem consciência de si mesmo, que tem autoconsciência), que não apresenta virtualmente nenhuma limitação, muito embora, claro, existam limitações práticas as quais deve respeitar. Por isso os homens são obrigados a lançar mão de sua imaginação, de sua capacidade intuitiva, para completar o processo de atividade e, assim, por extrapolação, superar essas limitações impostas pelas circunstâncias do entorno.

O movimento, a atividade, possui origens distintas nos níveis do ser. No nível da matéria inanimada é a relação causa-efeito física, e totalmente externa, que explica o movimento. Nas plantas, é essa cadeia causal física e também o estímulo interno que produz (fototropismo, a busca das raízes por umidade etc.). Nos animais, é tudo isso mais o motivo (certos impulsos, atrações e forças, como a curiosidade, o medo do inimigo, o reconhecimento do dono etc.), que ocorre no chamado "espaço interior". Ainda assim, a causa dos motivos deve estar fisicamente presente para que os motivos se manifestem. Nos homens a autoconsciência acrescenta outro fator causal da atividade: a vontade. Aqui não há coação física, nem estímulo, nem força motivadora, mas uma pura "ideia", ou seja, a mente humana é capaz de prever acontecimentos futuros. É o poder da presciência. Claro, é limitada de acordo com cada ser humano, de acordo com as condições presentes etc., mas é um poder típico deste nível do ser.

Há outras progressões além da passividade/atividade. Por exemplo, a progressão necessidade/liberdade. Schumacher explica que o espaço interior é o cenário da liberdade. Em outras palavras, é num espaço interior desenvolvido que se produz a liberdade. Da observação direta deduzimos que a maioria das pessoas se comporta mecanicamente, como uma máquina, na maior parte do tempo. O poder especificamente humano da autoconsciência se encontra adormecido, e o ser humano, como o animal, somente age -- com mais ou menos inteligência -- em resposta a influências externas. Somente quando o homem faz uso do poder da autoconsciência alcança o nível de persona, o nível da liberdade. Neste exato momento o homem está vivendo, e não sendo vivido. Sim, as forças da necessidade continuam existindo e atuando, acumuladas no passado, mas ao mesmo tempo se produz aí uma pequena fenda, uma minúscula mudança de direção. Assim que ser livre é como ser rico: é uma possibilidade, uma meta, um destino ao qual nos esforçamos.

Observa-se nos níveis do ser a progressão desintegração/integração. A matéria inanimada pode ser dividida e subdividida inúmeras vezes sem perder suas características. No nível vegetal a integração é frágil. Nos animais, no entanto, as partes não podem sobreviver à sua separação, mas em nível mental a logicidade e coerência são modestas, a memória é escassa e o intelecto, na melhor das hipóteses, nebuloso. Nos homens, no entanto, a integridade é uma possibilidade que lhe está dada pela autoconsciência mas, novamente, é necessário esforçar-se por conseguí-la. Em geral, o nível de autoconsciência das pessoas é muito baixo, de forma que convive nelas uma miríade de personalidades, de egos, que dizem "eu" alternadamente.

Não é difícil a esta altura identificar a progressão visível/invisível. Todos os nossos pensamentos, emoções, sentimentos, imaginações, devaneios, fantasias, sonhos são invisíveis. Tudo o que se refere a nossos projetos, planos, segredos, ambições, todas as nossas esperanças, medos, dúvidas, perplexidades, todos os nossos afetos, suposições, reflexões, vazios, incertezas, todos os nossos desejos, saudades, apetites, sensações, gostos, antipatias, aversões, atrações, amores e ódios: tudo isso é invisível.

E quanto ao mundo? Sim, o mundo tem tamanhos, ou "alcances", diferentes de acordo com o nível do ser. Poderíamos chamar essa progressão espacial de inexistente/ilimitado. A matéria inanimada não tem mundo. As plantas e animais têm mundos proporcionais às suas necessidades biológicas e materiais. Os homens são capax universi, ou seja, são capazes de trazer o universo inteiro à sua experiência. Segundo Hobbes, o homem que nega viver como persona, mas insiste em voltar-se às suas necessidades meramente biológicas, às comodidades materais, àquilo que lhe ocorre por acidente, "atrairá" inveitavelmente uma vida miserável: é uma vida "solitaria, pobre, suja, bestial e breve".

Em suma, a autoconsciência confere aos homens potencialidades infinitas e, segundo deduz Schumacher, não somente a potencialidade mas a necessidade de tornar-se sobre-humano.


2. O princípio da adequação

A adequação tem a ver com possuir o instrumento apropriado para conhecer a si mesmo e o mundo que o rodeia. Em outras palavras, o entendimento deve adequar-se ao objeto que se pretende conhecer. Tomás de Aquino dizia, de maneira muito eloquente, que "o conhecimento se produz na medida em que o objeto conhecido se encontra dentro da pessoa". 

Os cinco sentidos são suficientes para conhecermos a matéria inanimada. Mas se queremos que os dados que os sentidos coletam tenham sentido, que identifiquemos forma, estrutura, regularidade, harmonia, ritmo, significado etc, serão necessárias aptidões diferentes, superiores. Serão necessário "sentidos intelectuais", por assim dizer. Há muitas coisas que algumas pessoas "veem", enquanto outras não as "veem". Em outras palavras, algumas pessoas são adequadas, enquanto outras não são.

E aqui Schumacher expõe um entendimento bastante curioso. Segundo ele, o observador deverá escolher o nível adequado por meio da fé. Isso mesmo, fé, pois Schumacher está de acordo com o velho slogan agostiniano segundo o qual credo ut intelligam. O mundo real não nos chega com etiquetas ou rótuos indicando qual o nível adequado a ser utilizado. A propósito, escolher um nível inadequado não significa necessariamente que a conclusão implicará em erro ou contradição lógica, mas apenas que os diferentes níveis, embora todos verdadeiros, lógicos e objetivos, não são por isso igualmente reais. Em termos práticos, o observador tem de possuir um intelecto devidamente formado, treinado e educado, mas também sua fé (suas "suposições fundamentais") terá de estar bem desenvolvida, sob pena de entregar-se a repetir aquilo que seu tempo e sua época dizem de acordo com o nível de fé, ou ausência de fé, vigente.

Aqui cabe fazer uma distinção entre intelecto e fé. O intelecto é capaz de ver para além dos cinco sentidos. As verdades matemáticas e geométricas, por exemplo, são típicas do exercício intelectual. Mas a fé enxerga para além do intelecto. A fé abre o chamado "olho do coração", algo que todos nós possuímos, mas nem todos o exercitam. A plena compreensão, a plena certeza, é algo que somente o olho do coração pode proporcionar. O intelecto, por mais "verdadeira" que seja a conclusão a que chegue, nunca ultrapassa o nível da opinião. Somente o olho do coração possui essa misteriosa capacidade de reconhecer a verdade aí onde se encontra. Os sentidos e o intelecto nos dão experiência. O olho do coração nos dá iluminação. Schumacher acredita que o mundo das ideias está dentro de nós.


3. Os campos de conhecimento

O aprendizado compreende 4 grandes campos de conhecimento, os quais respondem às seguintes pergutas:

(I) O que acontece no meu mundo interior? O que eu sinto?

(II) O que acontece no mundo interior dos outros seres? O que você sente?

(III) O que pareço aos olhos dos outros seres? O que eu pareço?

(IV) O que realmente obervo no mundo que me rodeia? O que você parece?

Vamos examiná-los um a um.


(I) A atenção (noûs)

Dizem que a psicologia é uma ciência nova. Trata-se de um entendimento completamente falso; pelo contrário, o que se observa é que a psicologia é uma das ciências mais antigas. O que ocorre é que os aspectos essenciais da psicologia foram esquecidos, o que faz com que muitos concluam que seja portanto algo novo. A psicologia tradicional tinha como objetivo não tanto curar as pessoas mentalmente enfermas e convertê-las à normalidade, mas curar as pessoas mentalmente normais e convertê-las à supernormalidade.

A psicologia tradicional entendia que a autoconsciência está intimamente ligada à faculdade da atenção, mais especificamente à faculdade de dirigir a atenção. Schumacher nos lembra que são raros os momentos em qe nos damos conta da possibilidade de dirigir nossa atenção aonde queremos, ou seja, livre de qualquer "atração", e mantê-la aí pelo tempo que desejarmos. São raros esses momentos de liberdade e autoconsciência.

O objetivo aqui é que a atenção esteja plenamente desperta. Não se trata evidentemente de despertar do sono noturno comum, mas de despertar do movimento errante e sem rumo da atenção. Esses movimentos, segundo Schumacher, nos tornam incompetentes, miseráveis e algo menos humanos.

Essa atenção pura se alcança mediante a interrupção de todo e qualquer "murmúrio" interno, ou ao menos observar tal murmúrio com calma. A atenção pura é algo que está acima das atividades de pensar, raciocinar, debater, opinar etc., que, por mais importantes que sejam, são subsidiárias à atenção pura, ou seja, elas devem apenas classificar, conectar e verbalizar as ideias e conteúdos obtidos pela atenção pura. O pensamento é algo que está no nível da consciência, e não no nível superior da autoconsciência. A mente, explica Schumacher citando Nyanaponika, "regressa ao estado original das coisas. [...] A observação retrocede à fase primieva do processo de percepção, na qual a mente s enecontra em um estado meramente receptivo e a atenção se limita puramente a notar o objeto". A ideia portanto é que o ego do homem, com seus apegos e interesses, não adultere o material autêntico e imaculado recebido pela atenção pura. Os vários egos que habitam o homem agem de maneira descoordenada, destrutiva, e livrar-se desses egos é algo que o homem somente pode empreender esperando em Deus, com um "propósito puro", como é dito no clássico inglês The Cloud of the Unkown.

Segudo Schumacher, no Cristianismo a tradição que estabelece a técnica e a experiênca acumulada de milênios de prática da atenção pura encontra-se na Igreja Ortodoxa, mais especificamente na prática do hesicasmo e da oração incessante no interior de alguns mosteiros gregos e russos.  Citando o Metropolita Kallistos Ware, Schumacher explica que a Oração de Jesus opera como uma lembrança constante que leva o homem a voltar-se ao interior a todo momento, tornando-o consciente de seus pensamentos fugazes, de suas emoções repentinas, inclusive de seus movimentos, de modo que pode lhe servir de grande ajuda para controlá-los.

Vale a pena citar alguns trechos de Mysticism and Philosophy, de W.T. Stace:

"Suponhamos que uma pessoa interrompa interrompa o fluxo dos sentidos físicos de maneira que nenhuma sensação possa chegar à consciência. [...] Não parece existir nenhuma razão a priori para que um homem que se proponha este objetivo [...] não consiga, adquirindo concentração e controle suficientes, apartar de sua consciência toda sensação física.

Suponhamos que, depois de ter se libertado de todas as sensações, o homem continue excluindo da consciência todas as imagens sensuais e, depois, todos os pensamentos abstratos, processos de raciocínio, volições e demais conteúdos concretos. O que restaria à consciência? Não haveria nenhum conteúdo mental, apenas um completo vazio, o nada.

Se supõe a priori que a consciência se afundaria por inteiro e que ficaríamos adormecidos ou inconscientes. No entanto, os místicos introspectivos -- milhares deles em todo o mundo -- afirmam que alcançaram esse completo vazio de conteúdos mentais concretos, e o que ocorre é algo muito diferente do desmoronamento da consciência. Pelo contrário, o que surge é um estado de consciência pura, no sentido de que não é consciência de nenhum conteúdo empírico. A consciência é seu único conteúdo.

O paradoxo é que exista uma experiência autêntica sem um conteúdo autêntico, uma experiência que ao mesmo tempo seja algo e nada. Em nossa consciência normal e cotidiana sempre há objetos, imagens, inclusive nossos próprios sentimentos e pensamentos percebidos introspectivamente. Suponhamos então que apaguemos todos os objetos físicos e mentais. Quando o eu não está ocupado em apreender objetos se torna consciente de si mesmo. Surge o próprio eu. [...] Podemos dizer que o místico se liberta de seu ego empírico, com o qual o puro ego, normalmente oculto, sai à luz. O ego empírico é o fluxo da consciência. O ego puro é a unidade que mantém juntas as múltiplas correntes do fluxo".

O paradoxo só existe para quem se afana em acreditar que nada superior pode existir acima de sua conscincia e experiência cotidianas. É necessário transcender a consciência mediante a autoconsciência. O homem precisa abrir-se ao puro ego, ao eu, ao vazio, ao poder divino que habita em seu interior. É isso que ensinam as grandes espiritualidades.


(II) O autoconhecimento

Para conhecer o próximo é necessário antes conhecer-se a si mesmo melhor. É isso ao menos que ensinam as grandes tradições espirituais. A expicação é que por mais que as outras pessoas comuniquem o que pensam e sentem de maneira precisa, abrangente e correta, tais dados não serão corretamente interpretados se não dispusermos em nosso interior alguma experiência que corresponda àquela transmitida por nosso interlocutor. Isso vale desde as dores físicas até sentimentos como amor, ódio, alegria, tristeza, esperança, medo, angústia etc. Nada disso é observável por nossos sentidos externos e, portanto, exige certa eperiência interior para que as compreendamos verdadeiramente.

É possível que sejamos pessoas "honradas", "respeitosas", "dignas", "crentes" etc., mas sem uma atividade interior desenvolvida, toda e qualquer empatia, toda e qualquer compreensão da condição alheia, seremos como uma pianola, que apenas macaqueia a partitura que lhe inserem, ou como um computador, que executa à risca o que determnado programa lhe comanda.

Nossa consciência não é capaz de apreender corretamente os sinais que nos chegam pelos sentidos. Um gesto, por exemplo, não pode ser interpretado por uma mente puramente racional; é absolutamente necessário que a autoconsciência desempenhe este papel. Neste sentido, Schumacher recomenda que tomemos contato com a vida e a obra daqueles que conseguiram chegar a tal autoconhecimento (místicos, santos, mestres espirituais etc.).


(III) A auto-observação

Para entender como os outros me veem é necessário que esteja consciente de meu movimento pendular, ou seja, de como eu tendo a mudar com muita frequência de uma opinião a sua opinião oposta. A ideia não é apenas dar-se conta da mudança, mas observá-la sem julgá-la, sem justificá-la.

O segredo aqui está em observar e compreender as necessidades, perplexidades e dificuldades dos demais, mas de maneira que nossos egos, ou seja, nossas próprias necessidades, perplexidades e dificuldades, não interfiram nessa observação. O altruísmo, entendido aqui como ausência do ego, é um pré-requisito para aprendermos algo do próximo.

Quando uma pessoa ama a si mesmo não existe nada entre o que ama e o que é amado. Mas quando ama o próximo, seu pequeno ego costuma intrometer-se. Portanto, amar ao próximo como a si mesmo significa amar sem nehuma intromissão do próprio ego; significa alcançar o altuísmo perfeito, eliminar todo e qualquer vestígio de egoísmo.


(IV) A ciência

Atualmente acreditamos que a "ciência" é a fonte verdadeira do conhecimento a respeito do mundo que nos rodeia. Ela conta com a ajuda de instrumentos e equipamentos e, claro, de teorias e hipóteses que norteiam seus estudos.

Aqui Schumacher vê um problema importante. Sim, é verdade que a ciência está a cargo de tudo isso, mas seria o mesmo que dizer que uma grande obra de arte se limita aos materiais que a compõe. É como se o inferior ocupasse o lugar do superior.

Ele explica que as ciências grosso modo podem ser divididas em dois grupos ou dois "graus":

(a) Ciências descritivas: botânica, geografia, zoologia, história, biologia etc. Estas ciências se ocupam de toda a verdade. Aqui há classificações, regularidades observadas, conjecturas, teoremas com diferentes grau de plausibilidade, mas nunca provas.

(b) Ciências instrutivas: física, química, matemática etc. Estas ciências se ocupam de partes ou aspectos da verdade que são úteis para manipulação. Portanto, elas tratam somente do aspecto morto da natureza. Dado que seu objetivo é produzir resultados repetíveis e previsíveis, e dado que vida, consciência e autoconsciência são elementos que possuem "vontade própria", essas ciências não podem levá-los em conta. Aqui é possível falar de provas, de "comprovação científica".

Do ponto de vista científico, especialmente no caso das ciências instrutivas, não faz sentido distinguir entre o que podemos conhecer (epistemologia) e o que realmente existe (ontologia). Isso é importante entender porque as ciências, ao concentrarem-se no aspecto aparente do mundo, não são capazes ipso facto de dar-lhe sentido ao que estudam. As ciências, afinal, têm a ver mais com fertilidade (produzir resultados num campo previamente delimitado) do que com veracidade (explicar o mundo e sua estrutura). É por isso que as ciências descritivas, quando mais amplas se pretenderem, ou seja, quanto mais abrangentes, mais globalizantes, mais será necessário aplicar-lhes fé. Não por outro motivo o evolucionismo nos parece uma doutrina religiosa: seus postulados não podem ser provados.

As ciências descritiva estão vocacionadas a alcançar o significado e o propósito para além das aparências, mas para isso têm de contar com o apoio da experiência interior. Se não for assim, estarão fadadas a serem meras coleções, meros inventários, meras descrições enciclopédicas.


4. Os tipos de problemas

Na vida encontramos dois tipos de problemas:

(a) Problemas convergentes. São aqueles que se resolvem mediante o emprego da inteligência. Quanto mais inteligência se lhes aplicamos, tanto mais as respostas ao problema convergerão. Os problemas enfrentados pelas engenharias são típicos dessa classe de problemas. Tai problemas se relacionam com o aspecto inerte do universo. Consciência e autoconsciência não estão presentes para "atrapalhar" sua solução.

(b) Problemas divergentes. São aqueles cuja solução provém de um par de contrários, os quais, tomados em si, são irrenconciliáveis. Os problemas das ciências humanas são típicos dessa classe de problemas. O problema de como educar uma criança é resolvido a partir do par disciplina/liberdade, e sua solução é irredutível a esses termos. Quanto mais lógica e consistente a proposta de solução tanto mais divergente será a solução proposta em contrário. As soluções aqui não são meramente lógicas, mas existenciais. A experiência interior, a qualidade e profundidade dessa experiência, é o fator determinante. As grande obras de literatura em geral se ocupam destes problemas.

A vida é maior do que a lógica. Um educador é melhor ou pior que outro não tanto por conta do método que empregue, embora, claro, isso possa ter alguma influência, mas mais por conta de fatores como amor, empatia, participação, compreensão, compaixão. São as faculdades de ordem superior as que se requerem para aplicar qualquer política, seja de disciplina ou liberdade. Mobilizar essas faculdades exige um elevado grau de autoconsciência.

Os problemas divergentes ofendem a mente lógica, que deseja fazer desaparecer a tensão entre os pares, inclinando-se para um ou para outro lado. No entanto, os problemas divergentes provocam, estimulam e agudizam as faculdades mais elevadas do homem, sem as quais não seria mais que um animal inteligente. Neegar-se a aceitar a divergência dos problemas divergentes faz com que estas faculdades permaneçam inativas e se atrofiem, e quando isso acontece o mais provável é que o "animal inteligente" se destrua a si mesmo.

Fonte: E.F. Schumacher, Una Guía para los Perplejos, Atalanta, Girona, Espanha, 2019.

8 de outubro de 2022

As origens da busca por um conhecimento integral pela filosofia russa


1. Era natural que o processo de ocidentalização, ao qual Pedro, o Grande, havia dado um impulso tão poderoso, tivesse dado origem em algumas mentes a uma reação. Não era tanto uma questão de ciência e tecnologia ocidentais, mas da penetração de crenças ocidentais, formas de pensamento, valores e ideais sociais, uma penetração que parecia para alguns significar a contaminação da Rússia por um espírito estrangeiro e constituir uma ameaça às tradições e valores de seu país. Obviamente, este ponto de vista pressupõe que a Rússia tinha algo próprio que valia a pena preservar. Pois se ela estivesse totalmente carente de qualquer tradição ou modo de vida ou valores ou instituições próprias, ela claramente teria que olhar para fora de si mesma. O lugar natural para olhar era para a Europa Ocidental, que de qualquer forma compartilhava com a Rússia uma formação cristã e que era muito menos estranha à classe educada na Rússia do que as culturas orientais. O Oriente parecia ter se tornado ossificado, estagnado, enquanto a Europa Ocidental mostrava um espírito criativo e dinâmico. De qualquer forma, a classe educada já era europeizada ou ocidentalizada em uma medida considerável, e é natural que, para refletir os membros desta classe, o problema apareça como uma das relações da Rússia com o Ocidente e não com o Oriente. Afinal, eram as formas ocidentais de pensar que penetravam na Rússia. Havia, portanto, uma escolha entre sustentar que a salvação e o futuro da Rússia estavam em uma assimilação cada vez maior pela mentalidade ocidental ou sustentar que ela deveria seguir um caminho próprio. Coube àqueles que adotaram a segunda posição mostrar que a Rússia tinha o potencial de seguir um caminho próprio, que a ideia de um desenvolvimento cultural e social especificamente russo não era sem sentido. Para colocar o assunto de uma maneira diferente, tinha que ser demonstrado que a imagem de Chaadayev sobre a Rússia era injustificada, que ela não era simplesmente uma folha de papel em branco na qual Pedro, o Grande, havia escrito "Ocidente".

A tarefa de demonstrar isso foi empreendida pelos primeiros eslavófilos. Em neste contexto, o termo "eslavófilo" não deve ser entendido como equivalente a 'pan-eslávico'. Mais tarde, o eslavofilismo, de fato, tenderá a se transformar em pan-eslavismo, na alegação de que a Rússia deveria agir como campeã e protetora de todos os povos eslavos, que ela deveria resgatá-los de seus respectivos soberanos, particularmente dos turcos, e uni-los sob sua liderança. No início, no entanto, os eslavófilos ocuparam-se com o aprofundamento na história russa, distinguindo um espírito e tradição russos de suas contrapartes da Europa Ocidental, e apontando o caminho russo para o autodesenvolvimento nacional. A mudança pode ser ilustrada pela história dos dois irmãos Aksakov, Konstantin e Ivan. Konstantin Aksakov (1817-60), um dos primeiros eslavófilos, tornou-se famoso por levar sua idealização do povo russo ao ponto de andar vestido de camponês.[1] Ivan Aksakov (1823-86), no entanto, embora também fizesse parte dos primeiros eslavófilos, acabou se tornando um ardente proponente do pan-eslavismo.

Pode-se estar inclinado a pensar que, como os primeiros eslavófilos se dedicaram a tentar mostrar que a Rússia tinha um espírito e uma tradição distintos e que incorporavam valores que eram, em certos aspectos, superiores aos do Ocidente, sua atividade seria altamente aceitável para o regime estabelecido. No reinado de Nicolau I, o Conde Uvarov, que foi Ministro da Educação de 1833 até 1849, proclamou o slogan "Ortodoxia, Autocracia e Nacionalidade". [2] Os eslavófilos enfatizaram as virtudes da Ortodoxia como distintas do catolicismo e protestantismo ocidentais; eles não eram revolucionários em queriam destronar o czar; e eles tinham a tendência de idealizar o povo russo. Parece natural concluir que Nicolau devesse ter reconhecido neles valiosos aliados no combate a ideias perigosas e subversivas.

Este não era de fato o caso. Em sua busca por valores exemplificados na vida russa, os primeiros eslavófilos naturalmente olharam para trás, para a Rússia pré-petrina, para um período antes da abertura de Pedro, o Grande, ao Ocidente. Na Rússia antiga, antes do desenvolvimento de um Estado burocrático, eles viram o czar governar com seu conselho de boiardos, a velha nobreza. [3] Eles viram um país em que a servidão não era tão opressiva como mais tarde se tornaria, e se olharam para trás o suficiente, viram um país em que a servidão ainda não havia sido estabelecida. Além disso, eles voltaram sua atenção para a organização "democrática" de cidades antigas como Novgorod e Pskov. Não há dúvida de que eles tendiam a idealizar a Rússia pré-petrina, mas a questão é que eles encontraram sua Utopia no passado, não no presente, e, como todos estavam cientes, essa imagem implicava em críticas à autocracia burocrática estabelecida ou consolidada por Pedro, o Grande. Obviamente isso ficou claro para as autoridades. Mais tarde, a propagação do pan-eslavismo envolveu a aceitação da autocracia como o centro da unidade para um mundo eslavo, mas pensadores como Ivan Kireyevsky não estavam preocupados com o pan-eslavismo. Eles estavam preocupados em exaltar o que eles consideravam ser os bons pontos da Rússia pré-petrina, e sua atitude dificilmente poderia ser aceitável para um monarca que se considerava um imperador moderno, o sucessor de Pedro, o Grande e Catarina II, não um czar de Moscóvia. Mesmo a ênfase eslavófila na comuna da aldeia poderia ser considerada ofensiva, na medida em que implicava a aprovação de uma medida do autogoverno local e a crítica ao aumento do controle pela burocracia. Como foi comentado acima, os eslavófilos não eram revolucionários. Eles não queriam abolir a monarquia. Mas eles tendiam a limitar o exercício do poder político à proteção da nação contra a agressão externa e à manutenção da ordem interna, deixando todo o resto para a esfera privada. Em particular, deveria haver liberdade não só de pensamento, mas também de expressão. Em outras palavras, a censura e o controle pelo Estado da vida intelectual eram abusos. Esta não era obviamente uma atitude que poderia ganhar favores aos olhos de Nicolau I e seus burocratas. O imperador não tinha intenção de confinar suas atividades em defesa do país e manutenção da ordem pública. Ou melhor, a manutenção da ordem pública implicava muito mais para ele do que para os eslavófilos.

Tem sido frequentemente enfatizado que os primeiros eslavófilos, como os irmãos Kireyevsky, Khomyakov, os dois Aksakovs e Yury Samarin, vieram de famílias proprietárias da nobreza, e foi sustentado que a idealização eslavófila da Rússia pré-petrina e a crítica à civilização ocidental refletiam um apego à vida patriarcal da Rússia rural. Há, sem dúvida, alguma verdade nesta contenda. Ivan e Pyotr Kireyevsky, por exemplo, poderiam olhar para trás em uma vida familiar feliz e unida em uma propriedade rural administrada por seu pai altamente educado e anglófilo, enquanto os Aksakovs eram filhos de Sergei Aksakov que escreveu as deliciosas crônicas familiares e memórias pessoais que deram prazer a muitos leitores. [4] Seria um erro, no entanto, pensar nos eslavófilos simplesmente como nobres do interior que denunciavam as influências ocidentais como uma ameaça à visão romântica da vida pacífica e idílica e pouco sofisticada dos camponeses em uma propriedade rural. Eram homens altamente educados, bem familiarizados com o pensamento e a literatura ocidentais, que na maioria dos casos passou a abraçar ideias eslavófilas apenas após uma atração inicial por um pensador ocidental. Por exemplo, Alexsei Khomyakov (1804-60) estudou matemática na Universidade de Moscou e também se familiarizou com ciências naturais, [5] história, filosofia, religião comparada e teologia. Viajou pela Alemanha, França e Inglaterra, onde conheceu vários escritores e pensadores. Quando jovem, ele foi um admirador de Hegel por um tempo. Na verdade, ele manteve uma admiração pelo "poder gigantesco" de Hegel. [6] Mas ele se tornaria o mais sábio dos eslavófilos, um teólogo leigo e filósofo da história. Similarmente, Konstantin Aksakov era um entusiasta de Hegel na época em que ele era um membro do círculo de Stankevich, que incluía Belinsky e Bakunin entre seus membros. Em outras palavras, Konstantin Aksakov pode ser considerado como tendo sido um ocidentalizador antes de sua conversão ao eslavofilismo e sua ruptura com o círculo de Stankevich. Ivan Kireyevsky também passou a formar suas ideias eslavófilas apenas gradualmente, e sua crítica ao pensamento ocidental foi uma crítica fundamentada, não apenas uma reação instintiva. Quanto a Alexander Koshelev (1806-83) e Yury Samarin (1819-76), que se tornariam políticos ativos [7], eles também já foram admiradores de Hegel. Na verdade, Samarin tentou por um tempo combinar ideias hegelianas e eslavófilas.

Este capítulo será dedicado principalmente a Ivan Kireyevsky, em particular à sua crítica ao racionalismo ocidental e à sua ideia de consciência integral ou conhecimento integral, embora as referências a outros eslavófilos não sejam, naturalmente, obnubiladas. A escolha de Ivan Kireyevsky não deve ser entendida como significando que, na opinião deste autor, haja um sistema uniforme de ideias ou ideologia que encontrou sua expressão mais adequada nos escritos de Kireyevsky. É uma questão de Kireyevsky ter exposto algumas teorias, a teoria do conhecimento integral, por exemplo, que têm algum interesse em si mesmas e que foram adotadas por filósofos religiosos posteriores.


2. Ivan Vasilyevich Kireyevsky nasceu em 1806, filho mais velho de um proprietário de terras anglófilo que conhecia bem a literatura russa e da Europa Ocidental, mas cuja mente se voltava cada vez mais para as ciências naturais. Seu pai morreu em 1812, e sua mãe posteriormente se casou com A. A. Elagin, que estava interessado em filosofia, particularmente no pensamento de Schelling, um de cujos escritos ele traduziu para o russo. A educação de Ivan Kireyevsky esteve a cargo de tutores, embora o poeta Vasily Zhukovsky (1783-1852), um parente, também estivesse envolvido. Conta-se que, aos dez anos, Ivan já conhecia a fundo a literatura russa e francesa, e que, aos doze, tinha um bom conhecimento do alemão. Ele também desenvolveu um interesse pela filosofia, enquanto Zhukovsky dirigiu sua atenção para escritores e pensadores ingleses. Quando a família se mudou de sua propriedade rural para Moscou em 1821, Ivan estava bem qualificado para realizar estudos na universidade, onde frequentou cursos sobre temas como latim e grego, direito e economia política.

Em Moscou Kireyevsky [8] entrou para o serviço governamental nos Arquivos do Ministério das Relações Exteriores em 1824 e tornou-se membro da Sociedade dos Amantes da Sabedoria. Embora apreciando a clareza da escrita de Locke e até mesmo formando uma impressão favorável de Helvetius, ele foi fortemente atraído pela filosofia da natureza e estética de Schelling. Ele provavelmente foi apresentado ao pensamento de Schelling, antes mesmo de ir a Moscou, por D. M. Vellansky (1779-1847), o professor de São Petersburgo que era amigo da família. Em Moscou, no entanto, Kireyevsky foi influenciado por M. G. Pavlov, que expôs a filosofia da natureza de Schelling por meio de uma introdução ao estudo da agricultura e da física. O entusiasmo da juventude universitária russa filosoficamente inclinada pelo idealismo alemão, especialmente por Schelling, pode ser explicado em termos da situação sociopolítica. Pode-se argumentar, isto é, que, como a concretização de uma mudança social e política estava fora de questão na época, durante o reinado de Nicolau I, um substituto foi encontrado na esfera do pensamento abstrato. Após o fracasso da metafísica ascendente dezembrista, representada por Fichte, Schelling e outros idealistas alemães, tal pensamento abstrato teve de substituir a ação política. Parece ao presente escritor que esta teoria, que pertence à sociologia do conhecimento, é sensata. [9]

Em 1828 Kireyevsky publicou um artigo perspicaz sobre a poesia de Pushkin no Mensageiro de Moscou. Nele, ele representou Pushkin como expressando a alma nacional, a alma ou espírito do povo russo. Hoje em dia, Pushkin é universalmente reconhecido como o maior poeta russo, mas na época a avaliação de Kireyevsky sobre ele era uma novidade. Pushkin tinha pouca utilidade para a filosofia em geral; ele não gostava do idealismo alemão; e desaprovava o entusiasmo demonstrado pelos "jovens dos Arquivos" por Schelling. Mas ele apreciava as qualidades dos jovens e mantinha relações amistosas com os membros da Sociedade dos Amantes da Sabedoria, incluindo Kireyevsky.

Kireyevsky deu sequência a seu ensaio sobre Pushkin com uma "Pesquisa da literatura russa em 1829". Neste ensaio, ele homenageou Karamzin, Novikov, Pushkin, Zhukovsky, Del'vig, mas criticou a qualidade dos jornais russos (eles seriam melhorados se a censura fosse afrouxada) e do teatro russo, além das produções de Fonzivin e Griboedov. De maneira mais geral, Kireyevsky viu uma estreita relação entre poesia e filosofia, e suas observações sobre a Europa são interessantes. As nações da Europa Ocidental foram representadas como já tendo atingido a maturidade, como tendo desenvolvido suas "ideias" e apresentando indivíduos plenamente formados, cada um distinto dos outros. Por esta razão, nem a Inglaterra, nem a França, nem a Alemanha foram capazes de fornecer o ponto focal da unidade cultural necessária. Somente uma nação jovem poderia atender a essa necessidade. Havia duas, os Estados Unidos e a Rússia. O primeiro, no entanto, não estava apenas muito distante da Europa, mas também "unilateral", por causa de sua relação histórica com a Inglaterra. Restou a Rússia. Justamente por seu atraso, e por sua potencialidade para absorver as influências ocidentais e incorporá-las em um desenvolvimento criativo, a Rússia tinha a missão de ser a líder da Europa. Mas, para cumprir esse papel, seu desenvolvimento cultural foi essencial. [10]

Isso pode soar como se Kireyevsky já fosse um eslavófilo. Embora, no entanto, a ideia de Kireyevsky de que cada nação tenha sua própria “ideia” ou essência e sua visão de uma missão cultural de liderança para a Rússia possam ser vistas como passos no caminho para sua ideologia eslavófila posterior, ele não era neste momento o crítico da Europa Ocidental que ele se tornaria. Ele admitiu que a cultura russa era importada, e essa admissão implicava endosso da abertura de Pedro, o Grande para o Ocidente. Em janeiro de 1830 partiu para Berlim na companhia de seu irmão Pedro. Na capital prussiana, ele ouviu Hegel palestrando e achou a experiência decepcionante, embora conhecê-lo pessoalmente o tivesse levado a estimar Hegel como um grande pensador. Em Munique ele conheceu Schelling e se interessou pelos novos desenvolvimentos do pensamento de Schelling. Mas ele foi repelido pelo que considerava ser o filistinismo burguês dos alemães, e não se arrependeu quando um surto de cólera o levou a interromper sua turnê europeia e retornar à Rússia em novembro de 1830.

De volta à Rússia, Kireyevsky assumiu a direção de um novo jornal, ao qual deu o nome de O Europeu. O primeiro número, publicado em 1831, incluía seu ensaio "O Século XIX", um ensaio que os historiadores tendem a ver como a marca d'água das tendências ocidentalizantes em seu pensamento. Comparando a Rússia com a Europa Ocidental, Kireyevsky sustentou que a primeira não diferia da segunda por possuir valores culturais que faltavam à Europa. Era uma questão de a Europa Ocidental possuir tradições e valores que faltavam à Rússia. Tanto a Europa Ocidental como a Rússia receberam a religião cristã, mas a Rússia carecia da herança greco-romana que teve uma influência tão profunda na vida intelectual da Europa Ocidental, nos seus sistemas jurídicos, na sua organização urbana e também na sua religião, na medida em que a Igreja Católica, em virtude do que recebeu ou herdou de Roma, conseguiu efetivamente unir a Europa no período medieval e capacitá-la a resistir às agressões externas. Havia uma unidade cultural, enquanto no caso da Rússia a unidade necessária para se livrar do jugo mongol havia sido alcançada por meios "físicos", pela ascensão de Moscou a uma posição de poder preeminente e liderança militar. O avanço cultural veio apenas por meio de uma abertura à influência ocidental, e esse ainda era o caso. É verdade que a Rússia tinha seus poetas e escritores, mas o fato de tê-los se devia ao estímulo do Ocidente.

Essa linha de pensamento naturalmente nos faz lembrar de Chaadaev. É verdade que a primeira Carta Filosófica de Chaadaev não foi publicada até 1836, mas as Cartas foram escritas entre 1827 e 1831. Portanto, é bem possível que Kireyevsky estivesse familiarizado com as ideias de Chaadaev, mas não parece haver evidência suficiente para nos permitir avaliar que influência direta, se houver, essas ideias exerceram no pensamento de Kireyevsky. O que podemos dizer é que, independentemente da questão da influência direta, existem semelhanças e diferenças. Por exemplo, enquanto a afirmação de Kireyevsky de que a Rússia deve suas conquistas culturais à influência do Ocidente é obviamente semelhante ao ponto de vista de Chaadaev, há também uma clara diferença entre suas respectivas imagens da Europa Ocidental. Chaadaev tinha uma visão bastante obscura da Grécia e Roma e enfatizou os papéis culturais e sociais do catolicismo e no que ele considerava ser a unidade da cristandade medieval. Kireyevsky, no entanto, enfatizou o papel da herança greco-romana no desenvolvimento da Europa Ocidental e a falta dessa herança na Rússia. Ele não negou que a Igreja Católica tenha desempenhado seu papel no desenvolvimento cultural e social da Europa, mas estava inclinado a enfatizar o que o próprio catolicismo havia recebido do mundo antigo. Quanto ao aspecto puramente religioso da questão, Kireyevsky acreditava que a Igreja Ortodoxa havia preservado o cristianismo em uma forma mais pura. Em geral, Eberhard Müller está sem dúvida justificado ao ver Chaadaev como um adepto do tradicionalismo de um "de Maistre ou de Bonald" [11] e Kireyevsky como estando sob a influência do idealismo alemão. Assim, para Chaadaev, o Renascimento foi uma tentativa de retorno a um passado que o mundo cristão deveria ter deixado para trás e a Reforma, um lamentável rompimento da unidade alcançada na Idade Média, enquanto para Kireyevsky o Renascimento, a Reforma e até a Revolução Francesa foram passos necessários no desenvolvimento histórico, na dialética da história, apesar de quaisquer características censuráveis.

Ao discutir o desenvolvimento da Europa, foi na vida intelectual que Kireyevsky deu ênfase. Ele considerava o Iluminismo do século XVIII destrutivo, como expressão de um espírito de negação que culminou na Revolução Francesa. Esse processo de negação, no entanto, preparou o caminho para uma nova tentativa de síntese, como exemplificado no idealismo alemão. Na opinião de Kireyevsky, no entanto, embora uma síntese adequada não pudesse ser alcançada pelo racionalismo do século XVIII, também não poderia ser alcançada pelo misticismo, por meio de uma fusão com a natureza ou com o Absoluto. Tanto o racionalismo quanto o misticismo foram removidos do contato com a vida real. A vida real é histórica, em desenvolvimento. Sociedades e culturas devem ser vistas como tendo cada uma sua própria missão, mas essas missões devem, por sua vez, ser vistas como contribuindo e interagindo com a cultura da humanidade em geral. Cada povo tem seu papel a desempenhar "na cultura de toda a humanidade, naquele lugar que ocupa na marcha geral do progresso humano". [12]

Qual é o papel a ser desempenhado pela Rússia neste processo? Na medida em que Kireyevsky enfatiza não apenas a importância da herança greco-romana, especialmente a romana, no desenvolvimento da Europa Ocidental, mas também a falta dessa herança na Rússia, pode parecer que a Rússia nunca poderá sair de seu estado de atraso em relação ao Ocidente. Pois ela obviamente não pode cancelar sua história, por assim dizer, e receber a herança de Roma no século XIX. Kireyevsky argumenta, no entanto, que na época do Iluminismo ocorreu uma ruptura no desenvolvimento da cultura europeia, no sentido, ou seja, de que um novo capítulo se iniciava. A Rússia não pode recapitular em si mesma a cultura do mundo antigo, nem a da cristandade ocidental da Idade Média, mas pode perfeitamente apropriar-se do que é valioso na cultura europeia contemporânea. Na verdade, é isso que ela tem feito. Observe a penetração primeiro das ideias do Iluminismo, depois da filosofia alemã, para não falar da ciência ocidental. A Rússia, porém, não está condenada simplesmente à apropriação e à imitação. O que ela se apropria deve ser usado de forma a se adequar ao espírito nacional russo. E a cultura russa pode se desenvolver sobre essa base. Pode até ser que a Europa Ocidental venha a ser para a Rússia o que o mundo antigo foi para a Europa Ocidental.

Em 1832, depois de apenas duas edições, O Europeu foi suprimido. O conde Benckendorff, chefe da Terceira Seção (polícia), escreveu que o imperador, tendo se dignado a ler o artigo de Kireyevsky, também se dignara a descobrir que o ensaio não era realmente sobre literatura, como pretendia ser, mas sobre assuntos políticos. De acordo com Nicolau I, a palavra 'iluminação' significava 'liberdade', enquanto 'atividade mental' significava 'revolução'. Ele, portanto, orientou que a publicação da revista deveria ser proibida. Zhukovsky fez o possível para defender Kireyevsky, a quem o imperador havia descrito como desleal e indigno de confiança. Embora Kireyevsky não tenha sido submetido à prisão, mas apenas à fiscalização policial, a revista foi encerrada.

Dois anos depois, em 1834, Kireyevsky casou-se com uma jovem muito piedosa, Natalya Petrovna Arbeneva. Nessa época, Kireyevsky, embora não fosse antirreligioso, certamente não era um crente ortodoxo. Quando, no entanto, ele e sua esposa estavam lendo Schelling, sua esposa lhe disse que o que o atraía em Schelling estava tudo nos escritos dos Padres gregos da Igreja. O comentário dela o levou a estudar os Padres, e ele também se familiarizou com o confessor e conselheiro de sua esposa, um monge chamado Filaret. Kireyevsky também se tornou um amigo próximo de Khomyakov, que estava profundamente ligado à Igreja Ortodoxa. Avaliar os graus de influência exercidos por determinadas pessoas é obviamente uma tarefa impossível quando faltam provas firmes, mas o fato indiscutível é que Kireyevsky retornou à fé na qual havia sido criado.

A reconversão de Kireyevsky à Ortodoxia forneceu uma das bases para o desenvolvimento de sua ideologia eslavófila. Parece provável que a supressão do Europeu, que foi um grande golpe para ele, também influenciou o desenvolvimento de seus pontos de vista, estimulando-o a olhar para trás, além do estabelecimento do sistema imperial, para as tradições e a vida da Rússia ortodoxa pré-petrina. Um fator importante foi, sem dúvida, a discussão com Khomyakov e outros nos salões ou recepções noturnas realizadas na casa da mãe de Kireyevsky. De fato, a primeira declaração de Kireyevsky de sua ideologia eslavófila tomou a forma de um breve ensaio Em Resposta a A. S. Khomyakov, que foi lido aos participantes no salão de Elagin no início de 1839. O caso Chaadaev deve obviamente ter sido um assunto para discussão nessas reuniões, e as opiniões expressas por Chaadaev na carta que levou as autoridades a lhe diagnosticarem loucura sem dúvida ajudaram a cristalizar as próprias opiniões de Kireyevsky, mesmo que apenas por meio de reação. Em todo caso, é claro que, entre a publicação de seu artigo sobre o século XIX no Europeu e a composição de sua resposta à perspectiva de Khomyakov, Kireyevsky se desenvolveu na direção do que é conhecido como eslavofilismo.

Tendo em vista o fato de que Khomyakov era ele próprio um líder eslavófilo, pode parecer estranho que a primeira declaração de Kireyevsky sobre os pontos de vista eslavófilos tome a forma de uma "resposta a Khomyakov". Mas Kireyevsky não estava atacando a afirmação de Khomyakov de que a Rússia deveria seguir um caminho próprio. Sua crítica foi dirigida, por exemplo, à maneira como Khomyakov havia colocado o problema da Rússia em seu ensaio “Sobre o Velho e o Novo”. Khomyakov começou atacando aqueles que idealizavam a Rússia pré-petrina de maneira acrítica. Sendo um historiador, ele não teve dificuldade em mostrar que sua imagem romântica da Moscóvia estava muito distante da realidade, e que sua afirmação de que a Rússia pré-petrina era melhor do que a Rússia pós-petrina estava sujeita a sérias objeções. Em seguida, passou a sublinhar o que lhe parecia os elementos valiosos da história russa, como a divisão de poderes na Rússia antiga (antes da ascensão de Moscou) entre o príncipe, responsável pelos negócios estrangeiros e pela defesa, e a assembleia popular, responsável pela administração da justiça e outros assuntos internos. Khomyakov não condenou a consolidação do Estado, estimulada pela necessidade de se livrar do jugo mongol. Mas ele evidentemente acreditava que o futuro da Rússia estava no desenvolvimento de acordo com seus próprios "princípios". Kireyevsky objetava que, em vez de perguntar se a Rússia pré-petrina era melhor do que a Rússia pós-petrina, seria mais útil começar com a Rússia atual e perguntar se “é necessário para a melhoria de nossa vida retornar à velha Rússia ou desenvolver o elemento ocidental oposto”. [12] Seu ponto era que perguntar se a velha Rússia era melhor ou pior do que a Rússia pós-petrina era uma abordagem muito acadêmica. O fato claro era que, para o bem ou para o mal, a Rússia, como realmente era, incorporava tanto elementos derivados do passado quanto elementos ocidentais. A questão importante era qual conjunto de elementos deveria ser cultivado e desenvolvido. Em outras palavras, Kireyevsky estava sugerindo que Khomyakov havia adotado uma abordagem antiquada e que a questão importante não era tanto a natureza do passado, mas o que deveria ser feito no presente. A discussão entre ambos os pensadores não era, no entanto, de fundamental importância.

Na verdade, o próprio Kireyevsky voltou-se para a reflexão sobre o passado, tanto da Europa Ocidental quanto da Rússia. O desenvolvimento da cultura europeia, ele sustentava, teve três fundamentos, a civilização greco-romana, as tribos bárbaras que destruíram o Império Romano e o Cristianismo ou Catolicismo Romano. Na Roma antiga ele viu o espírito do racionalismo, um racionalismo que havia sido herdado pela Igreja Católica, mais tarde pelo Protestantismo, e ao qual a Ortodoxia russa, com seu Cristianismo puro, se opunha. No Ocidente, o racionalismo cresceu e "é agora a única característica da cultura e do modo de vida da Europa". [13] Kireyevsky poderia ter usado proveitosamente em sua interpretação da cultura da Europa Ocidental algo da abordagem mais equilibrada de Khomyakov para sua avaliação da Rússia pré-petrina. Mas seu ataque ao racionalismo e sua afirmação de que o espírito da Rússia ortodoxa estava livre desse mal e se opunha a ele seriam características proeminentes de seu eslavofilismo. [13] A propósito, Khomyakov também exaltava a Ortodoxia às custas do Catolicismo e do Protestantismo. [14] Ambos os homens viam o futuro da Rússia como dependendo em grande medida da manutenção da tradição ortodoxa, que tendiam a identificar com o Cristianismo puro ou genuíno.

Kireyevsky também contrastou o individualismo europeu com a organização social da Rússia em pequenas comunidades, indivíduos e comunidades pertencentes um ao outro, inseparáveis. Ele estava obviamente olhando para trás, para a comuna da aldeia, por exemplo, mas não conseguiu mostrar como essas comunidades poderiam sobreviver como base da sociedade, a menos que a Rússia se isole e resista a toda industrialização. Kireyevsky não era socialista, mas essa questão se tornaria aguda para os propagadores de um socialismo agrário especificamente russo, baseado na comuna da aldeia. No entanto, Kireyevsky estava mais preocupado com o choque entre duas concepções de ser humano, uma individualista, atribuída à Europa Ocidental, a outra orgânica (em termos de pertencimento a uma comunidade limitada), atribuída à Rússia. Como os historiadores notaram, sua preferência sem dúvida refletia até certo ponto sua experiência de vida patriarcal no campo.

Em 1845 Kireyevsky assumiu a editoria do Moscovita, um jornal que havia sido fundado em 1839 sob a direção de M. P. Pogodin. Ele esperava que a revista, enquanto servia como órgão eslavófilo, também recebesse contribuições de ocidentalistas amigáveis como Herzen e Granovsky. Em vez disso, os dois partidos se polarizaram. No número inicial da revista, depois de assumir a editoria, Kireyevsky publicou o primeiro de três capítulos de seu "Estudo do Estado Contemporâneo da Literatura", a palavra "literatura" incluía muito mais do que o termo normalmente sugeriria. Não podemos seguir Kireyevsky no que o Dr. Gleason chama de seu 'tour turbilhão' [15] pela literatura, filosofia e teologia europeias, mas deve-se mencionar sua posição geral em relação ao problema da Europa.

Apesar da permeação da Europa pelo racionalismo, argumentou Kireyevsky, havia uma relação discernível entre as histórias nacionais das nações ocidentais e suas literaturas. No caso da Rússia, no entanto, havia uma lacuna entre sua cultura literária, que devia tanto à influência ocidental, e aqueles elementos de sua vida cultural e social que eram derivados do passado e preservados pelo povo simples. Em outras palavras, a cultura literária era algo estranho à massa da população, sem raízes no passado da nação. A Rússia foi assim confrontada com uma escolha. Por um lado, ela poderia lutar pela assimilação mais completa possível da cultura estrangeira na esperança de que eventualmente "todo o complexo de nossa cultura venha a concordar com o caráter de nossa literatura". [16] Por outro lado, a Rússia pode tentar apagar todos os elementos ocidentais "de nossa vida intelectual pelo desenvolvimento de nossa cultura especial". [17] Na opinião de Kireyevsky, esses dois cursos extremos devem ser descartados. A Europa estava exausta e uma política de completa assimilação ao Ocidente seria um desastre para a Rússia. Ao mesmo tempo, uma política de isolamento introvertido também seria desastrosa. Significaria eliminar o que já havia se tornado parte da vida russa e envolveria o isolamento da cultura geral da humanidade. A Rússia precisava do Ocidente. "A cultura europeia, como fruto maduro do desenvolvimento geral da humanidade, arrancada de uma velha árvore, deve servir de alimento para uma nova vida, um novo meio de estimular o desenvolvimento de nossa vida intelectual". [18] Kireyevsky não era nenhum anti-europeu fanático. Pelo contrário, “o amor à cultura europeia, assim como o amor à nossa cultura, unem-se finalmente num só amor, numa luta por uma cultura viva, plena, universalmente humana e genuinamente cristã”. [19] Ao mesmo tempo, Kireyevsky, acreditando que a Europa Ocidental havia se esgotado, esperava que a Rússia desenvolvesse sua cultura, enriquecida por sua herança europeia, a um nível novo e superior e que servisse de luz e guia para outras nações.

Depois de editar três números do Moscovita, Kireyevsky retirou-se para a propriedade rural da família (Pogodin retomou a redação do jornal). Na década de 1840, seu interesse pela religião se manifestou em seu trabalho de tradução e edição de escritos dos Padres gregos e de teólogos e escritores espirituais da Igreja Ortodoxa. Seu amigo, o monge Filaret, morreu em 1842 e, posteriormente, Kireyevsky se voltou para Macário, um ancião do mosteiro de Optina, com quem colaborou na publicação de literatura espiritual ortodoxa. Esse interesse pelo pensamento religioso tinha uma estreita ligação com seu eslavofilismo e com suas reflexões anteriores sobre as relações entre a Rússia e a Europa Ocidental, e em 1852 ele publicou um longo ensaio “Sobre o caráter da cultura da Europa e sua relação com a cultura de Rússia” na Miscelânea de Moscou. Suas ideias sobre a Europa e a Rússia eram substancialmente as mesmas que ele havia expressado em ensaios anteriores, e a censura percebeu uma falta de entusiasmo pela obra de Pedro, o Grande, e seus sucessores. Mas no ensaio Kireyevsky começou a formular sua ideia de conhecimento integral, e essa ideia foi discutida mais detalhadamente em seu ensaio "Sobre a necessidade e a possibilidade de novos princípios para a filosofia", que apareceu em 1856, na revista Colóquio Russo, editada por Koshelev e Ivan Aksakov. Como o conceito de racionalismo de Kireyevsky e sua ideia de conhecimento integral serão discutidos na próxima seção, não há necessidade de se deter aqui no conteúdo dos dois artigos mencionados.

Os últimos anos de Kireevsky foram obscurecidos por doenças, por mortes na família, incluindo a de uma filha, e, aparentemente, por um sentimento de fracasso e indignidade pessoal. Em 1856 contraiu cólera em uma visita a São Petersburgo e morreu. Ele foi enterrado no mosteiro de Optina, e seu irmão Pedro, que morreu pouco depois, foi enterrado ao lado dele. Kireyevsky, portanto, não teve oportunidade de elaborar uma filosofia nas linhas indicadas em seu ensaio sobre a necessidade de novos princípios na filosofia. Mas é duvidoso que ele tivesse feito isso, mesmo que tivesse vivido mais. Pois ele não parece ter sido dotado de energia e vontade para levar os projetos até a sua conclusão.

Kireyevsky frequentemente expressava suas ideias em revistas literárias e na forma de discussão da literatura europeia e russa. Também as autoridades viram ideias politicamente subversivas apresentadas sob o disfarce de seu ensaio sobre literatura e filosofia. N. O. Lossky estava sem dúvida justificado quando se referiu à interpretação de Nicolau I do artigo de Kireyevsky no Europeu como soando "como os delírios de um louco sofrendo de mania de perseguição". [20] Mas deve-se lembrar que, na época, a crítica literária era regularmente usada como cobertura para a expressão de ideias que provavelmente pareciam perigosas para as autoridades, e que os professores que queriam insinuar ideias liberais ou radicais eram bem aconselhados a fazê-lo indiretamente, na forma, por exemplo, de críticas a outros países, talvez no passado, deixando para o público fazer as aplicações tópicas. Especialmente depois de 1848, quando o regime de Nicolau se tornou ainda mais iliberal do que antes, desenvolveu-se o que poderíamos descrever como uma arte de expressar ideias liberais ou radicais de formas disfarçadas. A censura às vezes era perceptiva, outras vezes espantosamente cega ou estúpida. Quanto a Kireyevsky, ele de fato não era revolucionário, mas certamente não gostava da autocracia e do regime burocrático, que considerava um produto do racionalismo ocidental.

Quanto à servidão, os eslavófilos a consideravam um abuso. Além de ser questionável do ponto de vista cristão, sua introdução e fortalecimento desferiram um golpe na vida independente da comuna aldeã, cujas virtudes os primeiros eslavófilos gostavam de exaltar. Mas enquanto a maioria dos principais eslavófilos estava convencida de que a servidão deveria ser abolida diretamente, certos problemas haviam sido resolvidos [21] e medidas práticas para efetivar a emancipação haviam sido elaboradas, Kireyevsky era mais tímido. Ele concordava com seus companheiros eslavófilos que a servidão era um abuso e que acabaria por ser abolida, mas temia que a emancipação provocasse desordens, que aumentasse muito a imoralidade entre os camponeses e que os camponeses libertos recebessem um tratamento pior por parte do governo. funcionários da burocracia do que tinham, em geral, dos proprietários de terras. [22] Ele, portanto, esperava que a emancipação dos servos fosse adiada até que a Rússia sofresse uma espécie de conversão, que levaria as pessoas a tratar os outros como pessoas humanas, como possuidoras de valor como seres humanos. Em outras palavras, Kireyevsky via a emancipação por decreto imperial (diferente de atos de alforria por proprietários individuais de terras) como sendo adiada por um período indefinido. Com certeza, o que ele pensava não fazia muita diferença prática. Embora Nicolau I entendesse que a servidão com o tempo seria abolida, ele não tinha intenção de efetivar ele mesmo essa emancipação. No entanto, tornou-se uma das questões candentes da vida social russa.


3. O fato de Kireyevsky ter criticado o racionalismo ocidental e sua influência já foi mencionado. Mas o que ele entendia por racionalismo? Podemos dizer que significou, para Kireyevsky, a exaltação da razão, no sentido de entendimento, ao status de único órgão de apreensão da verdade. O racionalista divide a psique humana em faculdades ou poderes distintos, razão, vontade, sentimento, imaginação, e por razão ele quer dizer o entendimento como dedicado a compreender as conexões lógicas entre conceitos abstratos. A razão, neste sentido, é o único juiz do que é verdadeiro. Outras faculdades ou poderes do ser humano, como o "coração" de Pascal, são considerados irrelevantes a esse respeito. Além disso, a razão não reconhece nenhuma autoridade exceto a sua própria. O que a razão não pode provar ser verdade, o racionalista se recusa a aceitar como verdade. Em outras palavras, a razão é vista como onicompetente, no que diz respeito à apreensão da verdade. Certamente, o racionalista não pretende saber tudo. Ele não afirma ser onisciente. Mas ele afirma que o entendimento humano é o único árbitro da verdade.

Observando o assunto historicamente, Kireyevsky viu Aristóteles como a grande personificação do espírito do racionalismo no mundo antigo. Mas não era simplesmente uma questão do mundo antigo. O pensamento de Aristóteles veio a dominar o da cristandade ocidental na Idade Média. O pensamento medieval estava, é claro, sujeito à "autoridade externa" da Igreja Católica, no sentido de que os filósofos não podiam chegar a conclusões incompatíveis com a doutrina da Igreja. E havia também a influência de Santo Agostinho, o mais latino e menos grego dos grandes Padres. Mas a escolástica medieval era basicamente uma continuação do racionalismo aristotélico, mesmo que os medievais tivessem uma compreensão unilateral do pensamento do filósofo grego. "Aristóteles, nunca totalmente compreendido, mas interminavelmente estudado em detalhes, foi, como se sabe, a alma da escolástica, que, por sua vez, representou todo o desenvolvimento intelectual da Europa da época e foi sua expressão mais clara". [23]

Após a Idade Média houve uma reação contra Aristóteles, mas isso não significou um repúdio ao racionalismo, a não ser por indivíduos como Pascal. Pelo contrário, o racionalismo triunfou no Iluminismo do século XVIII. Além disso, Kireyevsky engenhosamente encontra uma conexão entre o racionalismo e o Protestantismo. Dada a falta de um entendimento comum da doutrina cristã e das Escrituras no Protestantismo, o fator que unia as mentes dos homens tinha que ser a razão, o funcionamento lógico comum do entendimento. De acordo com Kireyevsky, o racionalismo tende a florescer especialmente em territórios protestantes. (Ele está, sem dúvida, pensando em grande parte em Hegel, que era luterano.)

A inadequação da razão abstrata para desempenhar o papel de único árbitro da verdade foi, de fato, vista e expressa de várias maneiras. Por um lado, foi vista pelos empiristas, que enfatizaram o papel da experiência sensorial. Por outro lado, foi vista pelos filósofos alemães que distinguiram entre uma razão superior e inferior, Vernunft e Verstand, ou entre funções superiores e inferiores da razão. Mas o espírito de Aristóteles não estava morto. Reapareceu com Hegel. Em seu ensaio de 1856 sobre novos princípios em filosofia, Kireyevsky afirma que “as visões básicas de Aristóteles – não aquelas que seus comentaristas medievais atribuíram a ele, mas aquelas que emergem de suas obras – são completamente idênticas às de Hegel”. [24] É verdade, “Hegel construiu outro sistema, mas (era) como o próprio Aristóteles teria construído, se ele tivesse nascido em nosso tempo”. [25] Esta última observação mostra uma notável perspicácia por parte de Kireyevsky. Em outra parte do mesmo ensaio, no entanto, ele omite Aristóteles e afirma que “os escolásticos foram os primeiros racionalistas; seus descendentes são chamados de hegelianos”. [26]

Podemos supor, portanto, que por racionalismo Kireyevsky entende a afirmação de que o entendimento humano é o único árbitro da verdade, e que o entendimento está preocupado com as conexões lógicas entre os conceitos. O alcance da razão nesse sentido foi limitado na Idade Média pela crença na revelação divina, mediada pela Igreja; mas a autoridade da Igreja, segundo Kireyevsky, era "externa", imposta de fora. Quando essa autoridade externa foi rejeitada, a razão ficou livre para afirmar sua independência e onicompetência. O hegelianismo representou a culminação desse processo. Em vez de a razão estar subordinada a uma autoridade externa, a da Igreja alegando mediar a revelação divina, o hegelianismo subordinava a fé à razão.

Dizer, no entanto, o que Kireyevsky entendia por racionalismo não é a mesma coisa que explicar por que ele o atacou. Pois seria possível aceitar seu conceito de racionalismo, pelo menos em linhas gerais, e ao mesmo tempo afirmar que os racionalistas estavam certos, que o raciocínio lógico é de fato o único critério de verdade.

Kireyevsky não nega, é claro, que a razão humana seja capaz de apreender as conexões lógicas entre ideias ou conceitos, o que Hume chamou de “relações de ideias”. Ele está perfeitamente ciente de que pode haver um raciocínio silogístico válido, e que existem demonstrações matemáticas. O que ele contesta é a afirmação, seja feita explícita ou implicitamente, de que o exercício do raciocínio lógico no sentido de apreender as conexões lógicas entre conceitos abstratos é a única maneira de alcançar a verdade. E por verdade, neste contexto, ele obviamente quer dizer verdade pela qual se pode viver, uma verdade apreendida pelos poderes ou faculdades do ser humano trabalhando em uníssono. Referindo-se à escolástica (em seu ensaio de 1852 sobre o caráter da cultura europeia), ele afirma que esse “jogo interminável e cansativo de conceitos que continuou por setecentos anos, esse caleidoscópio inútil de categorias abstratas girando incessantemente diante da visão da mente, inevitavelmente produziu uma cegueira geral em relação às convicções vivas que estão acima da esfera da razão e da lógica, convicções às quais o ser humano não pode chegar por meio de silogismos. Ao contrário, ao tentar fundamentá-las na inferência silogística, o ser humano apenas as distorce, quando não as destrói completamente”. [27] Essas convicções vivas só podem ser alcançadas por uma “união de todas as forças espirituais”, [28] reunindo os poderes distintos da psique humana “em um todo indivisível”. [29] Por exemplo, a experiência ou percepção estética tem um papel a desempenhar na apreensão da verdade, não como uma atividade isolada da psique, mas em um estado de união orgânica com a razão e outros poderes mentais. Em outras palavras, a apreensão da verdade que pode nos guiar na vida é uma função não de qualquer poder ou faculdade isolada, seja raciocínio lógico ou imaginação ou qualquer outro, mas de todo o espírito humano, o ser humano considerado como uma unidade. Pascal teve um vislumbre disso quando sublinhou as limitações da razão em suas funções analíticas e dedutivas abstratas e fez sua famosa afirmação de que "o coração tem razões que a razão não compreende". [30] Segundo Kireyevsky, “o pensamento de Pascal poderia ter sido um embrião frutífero para esta nova filosofia do Ocidente”, [31] sendo a referência a uma filosofia nas linhas sugeridas por Port-Royal e por Fénelon. Mas não foi desse jeito que as coisas acabaram se desenvolvendo.

Para esclarecer a questão, convém explicar que um dos principais temas em que Kireyevsky está pensando é a relação da filosofia com a fé religiosa. A filosofia, ele nos diz em seu ensaio sobre novos princípios em filosofia, "não é uma das ciências, nem é fé". [32] Mas é “o fundamento comum de todas as ciências e o guia do pensamento entre elas e a fé”. [33] Kireyevsky não quer dizer que é tarefa da filosofia provar as verdades da fé. Ele quer dizer que se “novos princípios” vierem a prevalecer na filosofia por meio de uma superação do racionalismo e uma recuperação da “completude mental”, [34] uma integração de poderes psíquicos em uma unidade, a filosofia poderia ser um caminho para a fé e para as convicções vivas, em vez de afastar-se da fé, como faz o racionalismo.

O conceito de filosofia como caminho para a fé não expressa o ideal de Kireyevsky. O que ele deseja é o desenvolvimento do pensamento filosófico dentro, por assim dizer, da área da fé. Se for adotado um sistema filosófico que é alheio à fé, resulta em conflito. A filosofia tentará expulsar a fé, enquanto a fé rejeitará a filosofia. O que é necessário é uma filosofia que parta da fé e permaneça em harmonia com ela. Pode-se sentir inclinado a comentar que os pensadores medievais criticados por Kireyevsky tinham o ideal de que a filosofia estivesse em harmonia com a fé religiosa. Mas Kireyevsky, sem dúvida, replicaria que, embora os escolásticos realmente tentassem harmonizar a filosofia com a fé, a filosofia em questão era basicamente um sistema de pensamento importado que era, em si mesmo, racionalista e estranho à fé, e que essa característica se tornou evidente quando a “autoridade externa" da Igreja não podia mais ser efetivamente imposta. O que Kireyevsky realmente quer é o desenvolvimento de uma filosofia russa proveniente dos Padres gregos e permanecendo dentro da Ortodoxia. Ao mesmo tempo, ele acredita que, se não se trata de simplesmente repetir o que os Padres disseram, é necessário algum ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento filosófico russo. "Acho que a filosofia alemã, na totalidade dos desenvolvimentos que recebeu no último sistema de Schelling, pode nos servir como o mais conveniente trampolim do pensamento de sistemas emprestados para um amor independente pela sabedoria." [35] A palavra 'independente' é importante. Kireyevsky não está pedindo simplesmente a adoção do pensamento posterior de Schelling. Ele quer dizer que a reflexão sobre a odisseia intelectual de Schelling pode apontar o caminho para o desenvolvimento do filosofar russo dentro da Ortodoxia. Se fosse contestado que uma filosofia puramente nacional não seria filosofia genuína, ele provavelmente responderia que era vocação da Rússia mostrar a outras nações o caminho para a sabedoria autêntica, para o conhecimento integral, em oposição ao racionalismo. A tarefa do pensamento na Rússia é “elevar a própria razão acima de seu nível costumeiro...a um acordo solidário com a fé”. [36] Mas "a primeira condição para tal elevação da razão é que o homem se esforce para reunir em um todo indivisível todos os seus poderes separados que na condição comum do homem estão em estado de descoordenação e oposição". [37] Se esta condição pudesse ser cumprida no mundo ortodoxo e se a razão pudesse ser elevada, isso serviria como um estímulo e um farol para os pensadores ocidentais que se afastaram da fé e depositaram sua confiança apenas na razão abstrata.

Essa confiança, no entanto, foi seriamente enfraquecida. O racionalismo, segundo Kireyevsky, privou o homem ocidental não apenas da fé religiosa, mas também da poesia, que se tornara um divertimento vazio. Em outras palavras, a hipertrofia da razão levou ao definhamento de outros poderes psíquicos, como a imaginação. De fato, o racionalismo privou tanto o homem ocidental que, no final, ele ficou com a indústria como sua única preocupação séria. A indústria “é a verdadeira divindade na qual as pessoas acreditam sinceramente e à qual obedecem”, [38] ela “governa um mundo sem fé e poesia”. [39] Vimos apenas o início da era industrial, mas já é evidente que, embora a indústria possa dar origem a tratados e acordos e unir os povos, e embora estimule a pesquisa científica, também pode dar origem a guerras, intensificar divisão e conflito, e determinam as estruturas políticas. Kireyevsky, como outros eslavófilos (e, de fato, ocidentalistas como Herzen), não gostava muito da civilização burguesa e industrializada ocidental e esperava que a Rússia não tivesse que experimentar em si mesma o desenvolvimento de tal sociedade. Mas sua principal linha de pensamento no presente contexto é que a indústria é a atividade característica de um mundo que perdeu a fé religiosa e o reconhecimento de outros valores que não os relativos ao homem em sua “natureza física”. [40] Isso é fruto do racionalismo, que acabou levando a crer que industrialização e progresso são sinônimos.

Um comentário natural é que Kireyevsky não faz justiça à complexidade da história europeia e que suas declarações sobre escolástica, Catolicismo, Protestantismo, Iluminismo e industrialização são muito abrangentes. Ao mesmo tempo, ele certamente expressa pontos de vista que valem a pena considerar. Quanto às suas ideias sobre a indústria, ele deve receber crédito por ver para além da afirmação de Saint-Simon de que a sociedade industrial seria pacífica e a confiança excessivamente otimista de Comte de que o desenvolvimento da sociedade industrial seria acompanhado de regeneração moral. O que é óbvio para nós hoje não era tão óbvio na época em que Kireyevsky estava escrevendo.


4. Em seu ensaio de 1852 sobre o caráter da cultura europeia, Kireyevsky contrastou pensadores orientais e ocidentais. “Os pensadores orientais”, afirmou, “preocupam-se acima de tudo com a correta condição interna da alma pensante; pensadores ocidentais mais com a ligação externa de conceitos. Para alcançar a plenitude da verdade, os pensadores orientais buscam a totalidade interior da mente, o ponto médio ou foco, por assim dizer, dos poderes mentais, onde todas as atividades separadas da alma são fundidas em uma unidade viva e mais elevada”. [41] Essa ideia da integração de todos os poderes da alma foi reafirmada no ensaio de 1856 sobre a necessidade de novos princípios na filosofia. Kireyevsky explicou que quando rejeitou a crença de que a razão em sua atividade de discernir relações entre ideias abstratas era o único órgão para alcançar a verdade, ele não pretendia insinuar que o sentimento, desde que fosse forte o suficiente, fosse um guia infalível para a verdade, nem que a experiência estética, tomada em si mesma, fosse um critério confiável da natureza da realidade, nem que o amor, considerado isoladamente, devesse ser considerado como apontando infalivelmente para o bem supremo. Nenhum poder ou faculdade da alma, tomado simplesmente por si mesmo, poderia legitimamente reivindicar ser o único meio de alcançar a verdade. O que ele estava insistindo era que o homem deveria "buscar constantemente nas profundezas de sua alma aquela raiz interior de compreensão onde todas as forças separadas (da alma) são fundidas em uma visão viva e total da mente". [42]

É possível objetar que Kireyevsky pressupõe que existam faculdades separadas da alma ou psique, e que essa é uma teoria obsoleta. Mas em sua fala sobre poderes ou faculdades da alma, Kireyevsky foi influenciado, pelo menos até certo ponto, por escritores como Máximo, o Confessor (século VII), que pertenciam à tradição platônica. Para os presentes propósitos, entretanto, é suficiente reconhecer que existem operações psíquicas ou mentais conceitualmente distinguíveis. Por exemplo, ver que uma proposição implica outra ou que uma certa conclusão segue logicamente de um determinado conjunto de premissas claramente não é a mesma coisa que experimentar um sentimento de atração por alguém ou alguma coisa e refletir sobre a natureza do valor-julgamento não é a mesma coisa que dar ordens a um pelotão de soldados ou orar a Deus. Se estamos preocupados principalmente com a questão de saber se há alguma verdade na teoria do conhecimento integral de Kireyevsky, não é necessário discutir a fala de Platão sobre "partes" da alma ou a teoria posterior de faculdades realmente distintas. O reconhecimento de operações mútuas conceitualmente distinguíveis servirá.

Se, com Kireyevsky, entendemos 'razão' como referindo-se à atividade de discernir relações lógicas entre conceitos abstratos, certamente podemos dizer que ela não é, por si só, suficiente para nos fornecer um conhecimento positivo do mundo, inclusive dos seres humanos. Vamos supor que seja verdade dizer que toda consciência é intencional, consciência de (um objeto). Dizer isso equivale a dizer que, se há consciência, ela é intencional. Mas esta afirmação não nos diz que há consciência, que o conceito é exemplificado. Que existem seres conscientes no mundo é conhecido pela experiência. Para colocar a questão em termos humeanos, para alcançar um conhecimento positivo do mundo, precisamos de conhecimento de 'questões de fato' e não apenas de 'relações de ideias'.

Não seria verdade dizer que o ponto exposto não tem relevância para o que Kireyevsky tinha em mente, pois ele interpretou o racionalismo como afirmando que a razão analítica e dedutiva é o único órgão para alcançar a verdade, e ele observou que os empiristas viam a insustentabilidade desta tese, e enfatizou o papel da experiência sensorial. Kireyevsky certamente não acreditava que a mera dedução de conceitos abstratos fosse capaz de nos dar um conhecimento positivo do mundo. É verdade que na física teórica moderna o raciocínio dedutivo desempenha um papel proeminente; mas se adotarmos uma visão realista da ciência e considerarmos a astronomia, por exemplo, como fornecendo-nos um conhecimento positivo do mundo, não podemos razoavelmente afirmar que ela o faz simplesmente e unicamente discernindo as conexões lógicas entre conceitos abstratos ou procedendo de uma forma puramente a priori.

O que isso sugere, pode-se dizer, nada mais é de que precisamos de um conceito ampliado de razão. Em vez de confinar a razão ao discernimento de relações lógicas entre ideias abstratas, precisamos encará-la como preocupada também com "questões de fato". Afinal, o historiador está preocupado com questões de fato, [43] mas a historiografia é uma atividade racional. Não afirma Kireyevsky, por exemplo, que além da razão, outros poderes ou forças da alma, como o sentimento e a experiência estética, também podem nos guiar no caminho da verdade? Se assim for, a alegação parece ser altamente questionável. Como o sentimento e a experiência estética se relacionam com a obtenção da verdade?

Se procurarmos em Kireyevsky uma resposta clara a esta pergunta, ficaremos desapontados. Por um lado, ele fala da concorrência (ou mesmo 'fusão') dos poderes da alma na busca da verdade. Tomado em si, esse modo de falar não implica a afirmação de que a percepção real da verdade é compartilhada por um poder diferente do intelecto. Poderíamos talvez dizer que, em relação à verdade sobre os fatos, a sensação concorre ou tem um papel a desempenhar em sua obtenção, sem afirmar que a sensação é um meio independente de saber o que é verdadeiro. Por outro lado, no entanto, a rejeição de Kireyevsky da afirmação de que a razão é o único órgão para alcançar a verdade sugere que outros poderes ou atividades da psique podem ser caminhos para a verdade, embora nenhum seja o único caminho.

Obviamente, muito depende de como a palavra 'verdade' é entendida. Se entendemos por verdade o que foi descrito como verdade proposicional, é natural afirmar que é a razão que discerne a verdade das proposições. Quanto a outras operações ou atividades psíquicas, elas podem ou não ser úteis na obtenção da verdade. Se não gostamos sinceramente de alguém, se temos um sentimento de hostilidade em relação à pessoa, isso pode atrapalhar nossa visão dos pontos positivos da pessoa. Da mesma forma, embora o amor possa nos ajudar a discernir as boas qualidades de uma pessoa, pode nos cegar para as deficiências da pessoa ou nos levar a formar uma visão injustificadamente rósea do caráter da pessoa.

Se, no entanto, interpretarmos Kireyevsky como afirmando que outros poderes psíquicos além da razão podem atingir a verdade, precisamos de um conceito amplo de verdade que não limite a verdade à verdade proposicional. Alguns escritores falaram, por exemplo, da verdade na arte e da experiência estética como conquista da verdade. [44] Que uma obra de arte pode ser verdadeira (independente da questão se é uma representação fiel de uma cena, pessoa ou objeto) é uma visão que tem sido defendida seriamente. O presente escritor não se sente competente para discuti-lo. Mas parece claro que a visão requer algo mais do que um conceito de verdade como propriedade das proposições. Uma teoria 'ontológica' da verdade é necessária, o que torna possível falar de algo diferente de uma proposição como verdadeira. Em outras palavras, devemos considerar 'verdade' como um termo análogo.

Seria compreensível que as reflexões precedentes tenham deixado o leitor impaciente, por serem pedantes e pouco relacionadas com o ponto principal de Kireyevsky. Kireyevsky, pode-se dizer, certamente está pensando principalmente na verdade "existencial", no sentido de verdade pela qual uma pessoa pode viver e que pode ter um efeito formativo e benéfico na sociedade. Sua objeção ao racionalismo é que não se pode viver de proposições que expressam as relações lógicas entre ideias abstratas e que, se esta for aceita como a única ideia de verdade, a sociedade relevante fica sem uma verdade ou conjunto de ideias que possam inspirar seu desenvolvimento. Acima de tudo, ele está pensando na verdade religiosa, em uma fé que não pode ser reduzida, digamos, a proposições analiticamente verdadeiras, nem, é claro, às da ciência empírica. No mundo moderno, Kireyevsky obviamente se oporia à tendência de reduzir a filosofia a estudos lógicos, não com base no fato de que as proposições lógicas são falsas, mas no fato de que uma filosofia que se limita a investigações lógicas se afastou das preocupações importantes da vida humana, pessoal e social. Além disso, quando Kireyevsky fala sobre a concorrência dos poderes da alma na obtenção da verdade, seu significado básico é certamente que a resposta à verdade religiosa e aos valores é uma resposta da pessoa como um todo, não de alguma faculdade particular dentro da pessoa. Para o reconhecimento das conexões lógicas entre conceitos abstratos, a 'razão' é bastante suficiente. Ou seja, é apenas a pessoa em sua capacidade mental analítica e dedutiva que está engajada. Mas não é assim quando se trata de responder eficazmente à verdade como determinante da vida, das atitudes e das condutas. Por exemplo, um assentimento meramente "racional" a proposições sobre uma realidade divina transcendente é inadequado do ponto de vista religioso. Mais está envolvido. Deve haver uma resposta da pessoa inteira, do ser humano que pensa, quer, sente e age. Além disso, para tal resposta são necessárias condições morais. Por fim, mesmo se prescindirmos do tema especificamente religioso e considerarmos o aspecto psicológico da questão, é claro que o ideal de Kireyevsky era o da integração harmoniosa dos poderes do ser humano, o ideal de uma personalidade integrada. A pessoa não pode ser reduzida à razão lógica e dedutiva, assim como não pode ser reduzida à sensação ou ao comportamento instintivo. O conceito de integridade mental é o de uma personalidade integrada. E certamente não há nada de errado com esse ideal.

As reflexões anteriores são, sem dúvida, substancialmente verdadeiras. Sua verdade, no entanto, não altera o fato de que, embora em seus escritos Kireyevsky certamente tenha indicado as linhas nas quais ele acreditava que a filosofia deveria se desenvolver, ele próprio não elaborou essa filosofia. Nem expôs as ideias básicas com a clareza e precisão que a maioria dos filósofos modernos consideraria desejável. Pode-se dizer que ele estava sentindo o seu caminho. Mas este é precisamente o ponto. Kireyevsky pediu 'novos princípios' na filosofia e para o desenvolvimento de uma filosofia que fosse fiel ao espírito ortodoxo sem ser teologia. Alguns provavelmente argumentariam que isso não é possível. Seja como for, a prova mais convincente de sua possibilidade seria o próprio desenvolvimento de tal filosofia. Kireyevsky não produziu uma. A tentativa sustentada de fazê-lo foi deixada para pensadores posteriores, como Vladimir Solovyev.


Notas:

[1] A excentricidade de Konstantin Aksakov não deve, é claro, ser tomada como típica dos eslavófilos em geral.

[2] É difícil pensar em qualquer outra palavra em inglês que não seja a costumeira 'nacionalidade' que pode ser usada para traduzir Narodnost. Narod significa povo ou nação. Quando os eslavófilos atribuíam virtudes especiais ao povo russo, pensavam principalmente nos camponeses simples e supostamente profundamente devotos.

[3] Como Ivan IV (o Terrível) conduziu o que equivalia a uma campanha contra os boiardos, seu reinado criou uma dificuldade para aqueles que enfatizavam o conceito de czar e boiardos no período moscovita. Mas eles poderiam contrastar a primeira parte do reinado de Ivan com a segunda.

[4] Na 'World's Classics Series' há traduções para o inglês de J. D. Duff; Anos de Infância (1916), A Autobiografia de um Estudante Russo (1917) e Um Cavalheiro Russo (1923).

[5] Khomyakov fez algumas invenções tecnológicas.

[6] Polnoe sobranie sochinenii (Obras Completas), 1, p. 297 (8 vol., Moscou, 1911). Khomyakov também observou que entre Hegel e seus sucessores de esquerda, ele preferia "errar com Hegel" (ibid.).

[7] Ambos deveriam estar envolvidos com os preparativos para o decreto de emancipação de 1861, sob Alexandre II.

[8] Quando o nome Kireyevsky é usado sozinho neste capítulo, refere-se a Ivan Kireyevsky. Suas relações com seu irmão Peter eram muito próximas, mas Peter, um colecionador de canções e contos populares russos, não nos interessa aqui.

[9] Ver europeu e moscovita. Ivan Kireevsky and the Origins of Slavophilism (Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1972). O autor, Abbott Gleason, trata do assunto em seu segundo capítulo, pp. 33-4.

[10] Zhukovsky não gostou do ensaio, em parte porque expressava a influência da filosofia alemã e em parte porque a Rússia realmente não tinha nada de próprio para se gabar.

[11] Russischer Intellekt em Europdischer Krise. Ivan V. Kireevskij (1806-1856) por Eberhard Müller, p. 129 (Bohlau Verlag, Colônia, 1966).

[12] Polnoe sobranie sochinenii (Obras Completas), editado por M. Gerschenzon, (2 vols., Moscou, 1911), vol. 1, pág. 104. Esta edição será referida em notas como CW.

[13] CW, l,p. 110.

[14] Ibid., p. 113.

[15] Deve-se acrescentar que, de acordo com Kireevsky, o racionalismo foi introduzido na Igreja Ortodoxa em um Concílio da Igreja de 1551. Ele acreditava que o racionalismo era estranho ao espírito ortodoxo.

[16] Khomyakov se opôs ao catolicismo como autoritário e ao protestantismo como individualista. Ele contrastou ambos com a concepção ortodoxa de comunidade. O indivíduo não era a medida da fé, mas participava da fé da comunidade, e a comunidade não estava sujeita a uma autoridade ‘externa’, isto é, a uma autoridade que se apresentava acima da comunidade, ditando-lhe .

[17] Europeu e moscovita, p. 203 (vide nota 1, p. 50).

[18] CW, l,p. 152.

[19] Ibid., pág. 154.

[20] Ibid., pág. 162.

[21] Ibid.

[22] História da Filosofia Russa, p. 17 (International Universities Press, Nova York, 1951).

[22] Por exemplo, era necessário resolver questões como se os servos deveriam ser libertados com terra ou sem terra e se e como os proprietários deveriam ser indenizados.

[23] Quando a emancipação realmente ocorreu sob Alexandre II, houve, de fato, muitos casos de desordem. Pois quando descobriram os termos da emancipação, os camponeses acreditaram que haviam sido enganados. Isso também era, é claro, o que pensadores como Herzen acreditavam, e não sem justificativa.

[24] CW, 1, p. 194. Do ensaio de 1852 sobre o caráter da cultura européia.

[25] CW, 1, p. 233.

[26] Ibid., p. 234.

[27] Ibid., pág. 226.

[28] Ibid., p. 195.

[29] Ibid., p. 249. Do ensaio sobre novos princípios em filosofia.

[30] Ibid.

[31] Pensées, 4, 277 (p. 458 na edição de Leon Brunschvicg, 7ª edição, Paris, 1914, reeditada em 1934). O presente escritor discute o que Pascal quis dizer com 'coração' no capítulo vii de sua História da Filosofia, vol. 4, Descartes a Leibniz.

[32] CW,l,p. 231.

[33] Ibid., p. 252.

[34] Ibid.

[35] Ibid., p. 275.

[36] Ibid., p. 264.

[37] Ibid., pág. 249.

[38] Ibid.

[39] Ibid., pág. 246.

[40] Ibid.

[41] CW.

[42] Ibid., p. 201.

[43] Ibid., p. 249.

[44] Não podemos discutir aqui o conceito de 'fatos históricos'. O senso comum considera que os historiadores estão preocupados com "fatos", embora essa não seja sua única preocupação. E o veredicto do bom senso terá que servir para os propósitos presentes.

[45] Ver, por exemplo, Truth and Art de A. Hofstadter (Columbia University Press, Nova York, 1965) e On Truth. Uma Teoria Ontológica por Eliot Deutsch (University Press of Hawaii, Honolulu, 1979).

 

Fonte: Frederick Copleston, Philosophy in Russia, Search Press, Royal Tunbridge Wells, Reino Unido, 1986.