9 de agosto de 2021

O misticismo do templo


Nesta obra a pesquisadora Margaret Barker apresenta um conjunto de análises e interpretações, baseados em uma grande coleção de escritos antigos, que apontam à hipótese de que o objetivo principal da ecclesia, tal como apresentada não somente por Jesus Cristo e seus apóstolos, mas pelos Padres, historiadores, fiéis e cronistas das primeiras décadas e séculos da era cristã, é retomar o misticismo do templo, vigente durante o período do Primeiro Templo e abandonado no Segundo Templo. Em outras palavras, o Cristianismo seria uma "religião de mistério", um herdeiro do templo original. “Misticismo do templo” é aqui usado uma expressão sinônima de “ver o Senhor”. No caso do Cristianismo, segundo a interpretação de Barker às palavras do Apóstolo João, o templo não é mais necessário para o vero o Senhor porque o próprio Senhor veio ao mudo. Cristo, portanto, teria abolido a necessidade de um templo. 

A principal fonte de Barker é, claro, a Bíblia. No entanto, muitos trechos utilizados por Cristo e os apóstolos correspondem à versão Septuaginta do VT da Bíblia, que embora outrora considerada insubstituível foi posteriormente condenada pelos judeus no século II d.C. e substituída por uma versão editada para justamente suprimir e/ou alterar trechos que mencionavam explicitamente o misticismo do templo bem como o papel central de Jesus Cristo nele. Mais tarde a tradução latina de São Jerônimo, feita com base no VT alterado, acabou por contribuir ao ocultamento do misticismo do templo, e evidentemente os reformadores protestantes, ao assumirem tal versão como base de suas doutrinas, igualmente sufocaram a verdade do misticismo do templo. No entanto, Barker entende que o que os primeiros cristãos chamavam de “mistérios” é uma referência à tradição do templo. Isso se pode ver, por exemplo, em Santo Ignácio de Antioquia, Clemente de Alexandria, Orígenes e outros já nas primeiras gerações de cristãos. Há menções explícitas de Cristo como o Sumo Sacerdote que assumiu o santo dos santos, por exemplo. Ou declarações de Orígenes de que os mistérios foram transmitidos aos sumos sacerdotes e ficaram registrados sobretudo nas liturgias, não em escrituras. O mesmo se pode dizer das cartas do Apóstolo Paulo: seu conteúdo esclarecia questões pontuais, temas gerais que poderiam ser tratados à distância. Barker entende que a religião não se registrava nas cartas, mas nas liturgias.

Há alguns conceitos que Barker considera fundamentais para que se compreenda a religião do templo e seu misticismo:

(1) Um. Em outras palavras, Unidade. Quando o Um se manifestava, tal manifestação a chamavam de “reino” ou “santo dos santos”, no sentido de que se transmitia a santidade. Portanto, os místicos que adentravam o santo dos santos se tornavam santos, também chamados “anjos”.

(2) Muitos. Em outras palavras, Pluralidade. A unidade e a pluralidade se expressam na literatura do misticismo do templo, bem como no Cristianismo primitivo, como fogo e luz. Os místicos viam a luz invisível. E também ouviam a música inaudível. Aliás, a capacidade de ouvir a música celestial teria sido perdida por Adão, e eis que os pastores de Belém puderam ouvi-la outra vez quando do nascimento de Jesus. Na Igreja a ideia de restaurar a música angelical era algo muito importante (p.ex.: São João Crisóstomo, São Basílio, São Gregório de Nissa, São Dionísio Areopagita). Infelizmente os elementos-chave da música angélica e seu significado - a visão de Deus, o trono, as hostes, a música e o chamado do Senhor ao templo, a expiação - estão ausentes dos escritos deuteronômicos. Seus relatos acerca de Moisés recebendo os mandamentos nega que o Senhor tenha sido visto (Deuteronômio 4.12); sua descrição do templo em 1 Reis nada diz sobre o trono (cf. 1 Crônicas 28.18); eles nada falam sobre os levitas e sua música; eles negaram que o Senhor pudesse habitar no templo (1 Reis 8.27); eles removeram os 'Exércitos' do título “Senhor dos Exércitos” (Is 37.16, cf. 2 Reis 19.15); não havia dia de expiação em seu calendário (Deut. 16); e eles negaram que alguém pudesse expiar os pecados de Israel (Êxodo 32,31-33). Os primeiros cristãos, por outro lado, guardavam todas essas coisas e adoravam como os levitas. Com sua música eles louvaram ao Senhor, deram graças (‘eucaristia’) e clamaram ao Senhor para que viesse.

(3) Trono. Representa a Senhora. Não é possível dizer se a Senhora do templo de Jerusalém era a personificação do trono ou se o trono era seu símbolo. O que se tem certeza é que quando Ezequiel descreveu o trono da carruagem partindo de Jerusalém, ele descreveu a partida de uma figura feminina na qual a glória do Senhor estava entronizada. A Senhora não é algo que apareça nas traduções porque os tradutores não esperavam encontrá-la e, quando tiveram que escolher entre várias possibilidades para palavras difíceis, o fizeram sabendo o que o texto deveria dizer e o que não. O trono como a Mãe do Senhor é um elemento que aparece no Cristianismo também, e por todas as partes, o que sugere que se trata de algo original, não local.

(4) Servos. Eram os místicos propriamente. Em inúmeros trechos do VT os homens de Deus, os grandes em honra e glória, os homens que viram a Deus, são chamados de “servos”. Não por acaso “servo” era o título preferido da Igreja primitiva de Jerusalém para se referir a Jesus. Isso pode ser visto nos Atos dos Apóstolos, na carta do Apóstolo Paulo aos Filipenses e no Didaquê, por exemplo.

Em suma, Barker conclui que o misticismo do templo foi ocultado por quatro grandes movimentos ou fenômenos: (a) pelos deuteronomistas, (b) pela necessidade de distinguir a ecclesia da gnose, o que acabou por jogar a água do banho fora com a criança, (c) pela pressão da ecclesia para que os cristãos não praticassem os costumes judaicos, e (d) por muitos Bible scholars modernos que insistem, movidos por seu preconceito classicista, em purgar elementos “neoplatônicos” ao invés de identificá-los como elementos próprios da tradição do templo e, portanto, do Cristianismo.

Por fim, cabe mencionar alguns conceitos interessantes expostos por Barker:

Adão significa “o Homem”, no sentido de ser humano. Ele era o sumo sacerdote original, o Filho de Deus. Portanto, são “Filhos do Homem” todos aqueles que alcançam a theosis, ou seja, todos aqueles que alcançam a mesma condição do Homem, todos aqueles que se tornam Adão antes da queda, que se tornam servos (místicos). Enoque, por exemplo, descreve sua transformação em um Filho do Homem, ou seja, descreve sua theosis.

Quando lhe é dito a Adão para dominar o mundo, animais etc., isso não significa dominar a natureza, domar animais, praticar agricultura nem nada do gênero. O que se quer dizer é que Adão deve expiar, ou seja, restaurar os laços rompidos da aliança, ou seja, que Adão deve reatar a terra. Aliás, este mesmo entendimento é usado pelo Apóstolo Paulo para se referir a Jesus Cristo.

Quando lhe é dito a Adão e Eva “frutificai e multiplicai-vos” o que se quer dizer é que o casal deve buscar a glorificação (frutificai) e que sejam grandes (multiplicação). Multiplicar aí não tem sentido aritmético, mas espiritual.

Fonte: Margaret Barker, Temple Mysticism, SPCK Publishing, Londres, Reino Unido, 2011.

21 de julho de 2021

Vidas secas


— Você é um bicho, Fabiano.

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Chegara naquela situação medonha — e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.

— Um bicho, Fabiano.

*****

Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais.

*****

Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia.

*****

Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos — exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.

*****

Uma das crianças aproximou-se, perguntou-lhe qualquer coisa. Fabiano parou, franziu a testa, esperou de boca aberta a repetição da pergunta. Não percebendo o que o filho desejava, repreendeu-o. O menino estava ficando muito curioso, muito enxerido. Se continuasse assim, metido com o que não era da conta dele, como iria acabar?

*****

Baleia voou de novo entre as macambiras, inutilmente. As crianças divertiram-se, animaram-se, e o espírito de Fabiano se destoldou. Aquilo é que estava certo. Baleia não podia achar a novilha num banco de macambira, mas era conveniente que os meninos se acostumassem ao exercício fácil — bater palmas, expandir-se em gritaria, seguindo os movimentos do animal.

*****

Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.

— Está aí.

Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.

*****

Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.

*****

Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se.

*****

Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?

Se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou — e partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos... Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.

*****

Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior.

*****

Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na catinga, roçando-se.

*****

Quando iam pegando no sono, arrepiavam-se, tinham precisão de virar-se, chegavam-se à trempe e ouviam a conversa dos pais. Não era propriamente conversa: eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto.

*****

Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os nego-ciantes furtavam na medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis.

*****

Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles viventes.

*****

Fonte: Graciliano Ramos, Vidas Secas, Editora Record, Rio de Janeiro, Brasil, 120ª edição, 2013.


12 de julho de 2021

There's no free market


O mercado livre não existe. A velha ideia de que os economistas de livre mercado estão apenas tentando defender o mercado das interferências políticas do governo é falsa. O governo está sempre envolvido de uma forma ou de outra, e os defensores do livre mercado são tão politicamente motivados quanto qualquer um. O mesmo mercado pode ser percebido como tendo vários graus de liberdade para diferentes pessoas. Se alguns mercados parecem livres, é apenas porque estão tão habituados com os regulamentos que os sustentam que se tornam invisíveis. Enxergamos um regulamento somente quando não endossamos os valores morais por trás dele. Reconhecer que as fronteiras do mercado são ambíguas e não podem ser determinadas de forma objetiva nos permite perceber que a economia não é uma ciência como a física ou a química, mas um exercício político. Quando os economistas de livre mercado dizem que certa regulamentação não deve ser introduzida porque restringiria a "liberdade" de um determinado mercado, eles estão apenas expressando uma opinião política. Seu manto ideológico é fingir que sua política não é realmente política, mas sim uma verdade econômica objetiva, enquanto a política dos outros é política. No entanto, eles são tão motivados politicamente quanto seus oponentes. Romper com a ilusão da objetividade do mercado é o primeiro passo para compreender o capitalismo.

Fonte: Ha-Joon Chang, 23 Things They Don’t Tell You about Capitalism, Penguin Books, Londres, Reino Unido, 2010, trechos do capítulo 1.

11 de junho de 2021

Reflexões

 

O ciúme não é prova de amor. Costuma acompanhá-lo, mas os ciumentos são os que estabelecem mais dependências práticas, e não os que mais amam. Assim, não cabe a excessiva tolerância de alguns para com esse sentimento. Trata-se de uma emoção inevitável, mas que deve ser objeto de administração e máximo controle justamente a fim de preservar os legítimos direitos do amado.

[...]

As pessoas que com mais frequência sentem ciúme não são, como regra, as que mais intensamente amam, mas as que mais temem perder o parceiro, o que corresponde, antes de tudo, à fraqueza pessoal e ao medo de lidar com frustrações, dores e perdas práticas de todo tipo.

[...]

O medo da felicidade corresponde à sensação de iminência de tragédia que acompanha nossos melhores momentos. É como se a grande desgraça viesse a se repetir: estávamos no útero, felizes, em harmonia e simbiose com nossa mãe; à situação paradisíaca seguiu-se a dramática e dolorosa ruptura do nascimento.

[...]

A revolta contra fatos irreversíveis é imaturidade emocional e autocondenação à infelicidade eterna. A aceitação de como somos nos permite elaborar os rumos que deveríamos seguir.

[...]

Entre amor e individualidade, opto pela segunda. Faço isso ciente de que ela implica a morte do amor romântico, a meus olhos o grande vilão da história. O final é feliz porque determina a supressão de uma gama enorme de sofrimentos inúteis e dilacerantes. Libertos do anseio de fusão – que entendo como algo que aponta para o passado, e não para a frente –, indivíduos podem seguir seu caminho na direção da autonomia e da liberdade.

[...]

Individualismo é um termo que costuma provocar uma reação negativa na maior parte das pessoas porque parece sinônimo de egoísmo, o que não faz o menor sentido, uma vez que o egoísta costuma ser a favor dos grupos exatamente para poder encontrar alguém a quem parasitar.

[...]

Muitos são os que se entristecem o tempo todo com sua aparência física, com a falta de habilidade para práticas esportivas, com a pouca competência para atividades manuais, com os dotes verbais escassos ou o senso de humor precário, e várias dessas propriedades correspondem a uma forma peculiar da atividade cerebral que, creio, não convém pretender modificar. Nesse caso, mudar significa aceitar os fatos, não lutar contra eles. Mudar significa, portanto, alterar o modo como pensamos para que possamos aproveitar melhor a vida, viver com mais harmonia e serenidade – e isso está longe de ser pouca coisa.

[...]

Aqueles que vivem sós por certo período aprendem a se tornar independentes e a cuidar melhor de si mesmos. Desenvolvem prazer e orgulho por ser capazes disso. Avançam assim na direção da justiça, abandonando tanto o egoísmo como a generosidade originais.

[...]

Buscar a verdade é um indicador de coragem para a introspecção, condição indispensável para conseguir avançar para o autoconhecimento e para a liberdade.

[...]

Muitas de nossas verdadeiras propriedades, como a inveja, a vaidade e a agressividade, são negadas e vão para o porão do inconsciente, de onde influenciam dramaticamente a conduta real da maior parte das pessoas, mesmo daquelas que se pretendem mais idealistas e despojadas.

[...]

Poderíamos nos satisfazer com uma única regra moral para as questões da vida prática: temos de atribuir a nós mesmos e aos outros direitos iguais.

Fonte: Flávio Gikovate, Reflexões que Permanecem, MG Editores, São Paulo, Brasil, 2017.

23 de maio de 2021

Contra a religião


Algumas obserevações acerca de Against Religion, de Christos Yannaras.

Religião

A religião é fruto do instinto humano de preservação de seu eu individual, de seu ego, face à ameaça do desconhecido. A partir daí se abrem três vertentes para aplacar o problema: (1) a criação de uma doutrina metafísica, ou seja, de um conjunto a priori de axiomas que explicam o mundo sobrenatural a partir de observações do mundo natural e que não podem ser questionados nem pela razão, nem pela experiência comum; e (2) a criação de um conjunto de sacrifícios, sejam eles externos (sacrifícios de coisas ou pessoas), internos (abstinência de comida ou sexo) ou expressões e cerimônias (adoração, hinos, poesia, arquitetura), cujo objetivo é em última instância subornar a Deus e colocá-Lo contra a parede; (3) a criação de um código moral, ou seja, de um conjunto de comportamentos, alguns obrigatórios, outros proibidos, que assegurem ao individuo que ele é bom aos olhos de Deus.

Todas essas vertentes refletem ao fim e ao cabo o esforço do ego em ganhar sua salvação por meio do mérito, seja por fidelidade mental a um conjunto de doutrinas e dogmas, seja como pagamento pela consecução de sacrifícios, seja como fruto da chantagem em parecer uma pessoa boazinha.

Quanto à primeira vertente (apego racional a doutrinas e dogmas), as proposições metafísicas, não importa quais sejam, estarão sempre e constantemente sob ataque de novas objeções. Portanto, o intelectualismo metafísico só poderá sustentar-se lançando mão do recurso da autoridade, ou seja, a doutrina metafísica precisa provir de uma fonte irracional ou a-racional (líderes religiosos, revelações, insights, experiencias existenciais etc.). Aqui observa-se uma vez mais o elemento da escolha individual, da preferência atomizada, típicos da vida do ego. É por isso que se observa em tais grupos o comportamento ilógico, mas perfeitamente compreensível, de se construir um cerco fechado em torno das autoridades que protegem a doutrina metafísica: em face à ameaça externa o grupo se blinda e se enrijece em torno da fonte que lhes confere a certeza.

Evento eclesial

Enquanto a religião se caracteriza por mover-se dentro das limitações impostas pela natureza, a ekkesia se caracteriza precisamente por livrar-se dessas limitações dadas pela natureza. É por isso que se diz que Cristo não veio para fundar uma nova religião, mas uma nova criatura, um novo modo de existência. A este novo modo de existência Cristo chamou amor. Amor não é, portanto, um “gostar muito”, uma afeição carinhosa, um sentimento romântico, uma virtude altruísta. Amor é livrar-se da existência individualizada e atomizada, é livrar-se da vida do ego, é livrar-se das limitações impostas pela natureza.

Quando se diz que “Deus é amor” o que se quer dizer é precisamente que Deus não está limitado pelas condições e determinações naturais. Em outras palavras, Deus não “tem” amor, mas “é” amor, ou seja, ele se define precisamente por sua ausência de individualidade, atomicidade, por Seu modo de existência. Por isso Deus não é Deus no sentido das doutrinas metafísicas (“Ser”, “Ser Supremo” etc.), que se caracterizam precisamente por tomar as definições naturais como fundamento de sua lógica interna, mas é Pai, Filho, Espírito, ou seja, hipóstases (existências reais) em livre comunhão entre si, isto é, em comunhão não imposta por nenhuma condição natural ou criada. Observe que Pai, Filho e Espírito vivem um para o outro em liberdade hipostática, ou seja, em uma liberdade que parte exclusivamente da vontade de existir em comunhão, e não de existirem de modo que se autocompletem de maneira independente, nem de existirem por uma espécie de compulsão ou predeterminação de sua “natureza divina”. Este ponto é fundamental, vale a pena insistir: Pai, Filho e Espírito não estão predeterminados por nenhuma natureza ou essência, mas se autodeterminam por sua liberdade de relação entre si. Por isso Pai, Filho e Espírito são hipóstases, não indivíduos ou “pessoas” no sentido que naturalmente atribuímos a essa palavra. O efeito de autocompletar-se, a propósito, é o típico modo de existência autista, atômico, egocêntrico. É por isso que as doutrinas metafísicas, por mais que se cerquem de certa linguagem intelectualizada, são ao fim e ao cabo produto do instinto da religião natural.

É a este modo de existência, a esta nova criação, que os sinais operados por Jesus Cristo apontam. Esses sinais não devem ser interpretados como uma demonstração espetacular do poder de Cristo para que, a partir daí, nos entreguemos de maneira submissa à autoridade. Tal seria a resposta tipicamente religiosa. O que Cristo demonstra, não somente em si mesmo, mas em muitos outros à sua volta, é um novo modo de existência, um modo de existência a qual somos chamados para superar as limitações naturais, a uma verdadeira liberdade existencial, a uma liberdade de relação. Este é o sentido do evangelho, da boa nova. É a pregação do amor, desta nova vida, dessa nova, real e verdadeira existência.

Quando a vontade gnômica se liberta dos imperativos do ego, eis quando o pecado cessa. Pecar é errar o alvo, e o alvo é o modo de existência livre das limitações da natureza. Portanto, pecar é viver de acordo com as imposições do ego, de acordo com aquilo que interessa à sobrevivência e perpetuação do ego, à autoimagem, à vida natural, não uma infração a alguma regra moral. Há de ser muito claro

Ora, mas desapegar-se do ego não é algo que possa ser levado a cabo pelo próprio ego, pelo indivíduo, de maneira autista. Por isso falamos de “evento eclesial”, ou seja, de um esforço conjunto de pessoas em direção a uma vida em comunhão de amor, ou seja, que vivam conjuntamente o esforço de livrarem-se da vida egocêntrica. Haverá altos e baixos, e assim o esforço por eliminar os impulsos de autopreservação -- da preservação do ego -- será constante. Tal impulso, se porventura prevalecer, anulará o modo de existência relacional, e regressaremos ao estágio da vida natural.

O que acontece quando o evento eclesial se transforma em uma religião

Eis aqui alguns exemplos do que a religionização do evento eclesial causa:

(1) A fé se transforma em ideologia. A originalmente é a confiança que as pessoas que amam sinceramente experimentam. É uma experiência, e a linguagem que expressa essa experiência evidentemente pressupõe a existência dessa experiência e, obviamente, essa linguagem precisa ser controlada, ponderada, dirigida pela experiência que a originou. Mas a religião, escrava do ego e, portanto, desprovida da experiência proveniente do evento eclesial, toma o produto da linguagem que expressa essa experiência e o ideologiza por meio da introdução de uma falsa experiência a fim de conferir-lhe validação: a intelecção natural. No entanto, a intelecção é incapaz de garantir a certeza de seus encadeamentos lógicos porque os axiomas sobre os quais se baseiam são necessariamente arbitrários. Para esconder a dolorosa realidade dessa falta de certeza entra em ação um curioso mecanismo de defesa: o desejo de obter a certeza busca na imaginação, em “memórias vestigiais”, experiências emocionais passadas de euforia, excitação, alegria, autossuficiência etc., e substitui o objetivo real e original do desejo, que é a certeza da validade dos axiomas das doutrinas metafísicas, por essas memórias vestigiais. Por sua vez, a experiência subjetiva das memórias vestigiais é reaplicada na linguagem das doutrinas metafísicas, de maneira que o encadeamento lógico, em lugar de buscar a garantia de sua certeza na artificialidade dos axiomas, sub-repticiamente a buscará na invocação da certeza subjetiva que lhe conferem as memórias vestigiais. A fé se transforma em uma ideologia ou, em outras palavras, em uma construção psicológica. A religião não se interessa realmente por ontologia, mas por “psicologia”.

(2) A salvação em uma nova criatura se transforma em salvação do ego. O instinto religioso nega o evento eclesial, nega o modo de existência da comunhão em amor, nega o caminho para uma nova criatura. Assim que lhe resta buscar a salvação do que já existe. Em outras palavras, lhe resta salvar o ego psicológico individual. E essa certeza de salvação será construída mediante o cumprimento da lei. A lei, da qual o evento eclesial se opõe, é uma maldição porque é uma manifestação do poder do pecado, ou seja, do poder da vida natural, psicológica, do poder da escravização ao ego e seus ditames de autoestima, autossuficiência e respeitabilidade narcisista. Quando o Apóstolo sugere que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes (Atos 15:29) isso de forma alguma representa regras que, se cumpridas, farão parte da garantia da salvação do indivíduo. Tais são apenas sinais exteriores, objetivos, para distinguir os cristãos dos pagãos. Uma mera necessidade social circunscrita àquele ambiente em especial. No entanto, o instinto religioso, que sempre se espreitou e se manifestou aqui e ali na vida da ekklesia, ganhou enorme impulso a partir da proclamação da Ortodoxia em religio imperii e, em especial, ganhou forma nos cânones do Concílio Quinissexto de Constantinopla de 692, que publicou uma série de regras socias e morais, com especial ênfase à regulação da vida sexual dos fiéis. A elaboração desse e muitos outros códigos morais, e a respectiva exigência de seu cumprimento para a salvação do ego, impactou várias gerações, milhares ou milhões de seres humanos, que viveram sua única vida em um inferno de culpa imaginária, de desejos reprimidos, de ansiedade implacável, de autotortura narcisista. Gerações inteiras foram presas involuntariamente no tormento do legalismo, na existência deficiente de uma vida sem amor. Milhões de pessoas foram levadas a identificar no amor erótico o medo do pecado, na virtude a repugnância pelo próprio corpo e na expressão perceptível de afeto na repulsa. Tudo em nome da concessão humilhante à brutalidade da natureza humana.

(3) A assembleia eucarística se reduz a um ritual mágico. Jesus Cristo, na Última Ceia, apresentou uma realidade ontológica imageada no pão e no vinho. Os participantes ali presentes, assim como os participantes presentes nas subsequentes assembleias eucarísticas, devem evidentemente apresentar os mesmos pressupostos eucarísticos: a abnegação de seus egos individuais em prol da vida em comunhão amorosa. A realidade ontológica originalmente apresentada por Cristo só poderá ser “reproduzida” cumpridas tais condições. No entanto, de maneira lenta e imperceptível, o instinto religioso perverteu essa realidade em uma possessão individual do pão e do vinho que, milagrosamente, como num passe de mágica, se “transubstancia” (há outras expressões igualmente absurdas) em Corpo e Sangue de Cristo. Os participantes, agora transformados em “paroquianos”, se aproximam do pão e do vinho magicamente, como se fosse possível apossar-se do Corpo e Sangue objetivamente. O fetiche egocêntrico manifestado por esse entendimento é escandaloso: a ideia de purificar-se da culpa a fim angariar mérito para a salvação individual não tem absolutamente nenhuma relação com o modo de existência do evento eclesial. Todo o espaço eucarístico se preenche de expressões artísticas (orações, hinos, iconografia, arquitetura, idiomas eclesiásticos, indumentária) para impressionar o indivíduo, para conduzi-lo, como em uma sessão de hipnose, a sentimentos, emoções, euforias, imagens, cujo objetivo final será, evidentemente, satisfazer o ego.

(4) O sexo como fonte de alegria se transforma em sexo como fonte de neuroses. A perspectiva eclesial sobre as relações entre homens e mulheres atinge seu clímax em Paulo com a famosa passagem de sua Epístola aos Efésios onde ele vê na união amorosa de um homem e uma mulher e na “partilha de toda a vida” a imagem da relação de Cristo com a Igreja, uma imagem que não é metafórica ou intelectualmente alegorizada, mas é uma imagem/manifestação do poder dos seres humanos para realizar a relação vital do Filho Encarnado com a humanidade (vital porque é o provedor de vida ilimitada) como um evento existencial por meio de sua natureza psicossomática criada. É um poder que define aquilo que a Igreja chama de mistério, aquilo que distingue nitidamente o casamento eclesial da instituição natural/social /legal do casamento (cf. Ef 5, 21-33). Dentro do contexto do relacionamento mutuamente autotranscendente de marido e mulher, Paulo exige da esposa que ela cultive ativamente o respeito por seu marido, esteja sujeita a seu marido “em tudo”, como a Igreja o é para Cristo. Ele pede correspondentemente aos maridos que eles devem amar suas esposas “como eles amam seus próprios corpos” e muito mais, “assim como Cristo amou a igreja e se entregou por ela”. Essas demandas não constituem princípios reguladores do comportamento social; são os termos da transformação da instituição natural em mistério eclesial, em luta pela renúncia à vontade egoísta, luta de autotranscendência e oferta de si realistas. É apenas em termos de mistério (o modo de existência eclesial) que essas demandas podem ser julgadas, não de acordo com os padrões dos “direitos do indivíduo”, os padrões do moderno individualismo democrático de massa.

Há também a preferência claramente expressa de Paulo pela vida celibatária, que pode ser interpretada de várias maneiras: como um senso de reserva, depreciação e desprezo em relação à sexualidade, ou como uma busca pela liberação mais plena possível das leis naturais que regem natureza humana. O próprio Paulo não esclarece sua preferência analiticamente, mas também não pode ser discernido no que ele diz qualquer disposição ou sugestão de uma depreciação do sexo feminino - não há nada neles que nos permitiria atribuir a Paulo uma demonização das mulheres e de sexualidade.

Paralelamente a isso, podem-se discernir duas sugestões indiretas de que o instinto sexual natural pode cooperar com a meta da salvação humana (a meta de que o ser humano pode ser salvo, tornar-se sadio ou íntegro, com seus poderes existenciais totalmente integrados). A primeira sugestão diz respeito ao homem que é ajudado pela instituição natural do casamento a "deixar seu pai e sua mãe" (Ef 5:31), a romper com a garantia que reforça o ego de sua proteção, a fim de ousar aceitar o risco de atingir a vida adulta. A segunda dica diz respeito à mulher que “será salva por ter filhos” (1 Tm 2:15). A função natural da maternidade ajuda também a mulher a compartilhar seu ser, seu próprio corpo, a comunicar sua individualidade corporal, por meio da renúncia e da oferta de si que a maternidade acarreta. Ambas as dicas que encontramos em Paulo referem-se a potencialidades que são características da função generativa, não a preceitos reguladores que a "ética" de Paulo quer impor à natureza. É precisamente esse mal-entendido que causou (e ainda causa) muita desumanidade - atormentou (e ainda atormenta) gerações de seres humanos ao longo de muitos séculos.

Quando o evento eclesial é religioso, são esses textos do apóstolo Paulo que são idolatrados e proclamados (não apenas pelos protestantes) como sendo divinamente inspirados ao pé da letra. Mesmo seus elementos circunstanciais e historicamente condicionados são tratados como princípios reguladores obrigatórios para os cristãos de todas as épocas.

Leia: Christos Yannaras, Against Religion, Holy Cross Orthodox Press, Brookline, MA, EUA, 2013.

8 de maio de 2021

Como amar Cristo


Como São João, o Teólogo, conseguiu atingir um amor tão elevado pelo Senhor e se tornar um modelo de amor para todos nós? Acho que ele fez isso da mesma forma com que as pessoas começam a se amar. Elas veem a beleza e a bondade de uma pessoa e se sentem atraídos por ela de todo o coração. Da mesma maneira, São João viu a beleza do Senhor e foi atraído por Ele. Ele sentiu o amor especial do Senhor por ele e da mesma forma foi inflamado com amor por ele. Ele viu as grandes, maravilhosas e frutíferas obras do Senhor e, movido por uma piedade fervorosa, tornou-se totalmente devotado a Ele. Ele provou a doçura do amor por Ele e, imerso de todo o coração neste amor, descansou nEle. Aqui segue o caminho da ascensão no amor ao Senhor. Entremos nele e, ao final, conseguiremos adquiri-lo.

 Primeiro: São João viu a beleza do Senhor e foi atraído por ela. Da mesma maneira nasce o amor entre as pessoas. Elas veem a beleza de alguém, espiritual ou física, e começam a amar umas às outras. Levantemos nossa mente para a contemplação da beleza do Senhor, e certamente não permaneceremos frios e indiferentes para com Ele. A beleza do Senhor é a soma total de toda a Sua perfeição. “Olhe e observe, o que falta ao Senhor?” diz São Ticônio de Zadonsk. Tudo o que você deseja pode ser encontrado no Senhor em plenitude indescritível e ilimitada. Você busca bem-aventurança? Ele tem bem-aventurança eterna e verdadeira. Você está procurando beleza? “Digno és Tu em formosura mais do que os filhos dos homens” (Salmos 44: 3). Você busca a nobreza? Quem é mais nobre do que o Filho de Deus? Você está procurando por honra? Quem tem mais honra ou é mais elevado do que o Rei dos céus? Você busca sabedoria? Ele é a Pessoa (Hipóstase) da Sabedoria de Deus. Você quer alegria? Ele é a alegria dos espíritos abençoados e dos escolhidos de Deus. Você precisa de conforto? Quem pode confortá-lo mais do que o Senhor Jesus? Você procura descanso? Aqui está o descanso eterno das almas que O amam. Você quer vida? Ele é a fonte da vida. Você tem medo de se perder? Ele é o caminho. Você tem medo do engano? Ele é a verdade. Você tem medo da morte? Ele é vida como Ele mesmo nos assegura: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Em suma, toda a perfeição, beleza e bondade que a alma humana poderia amar são encontradas nEle. Force sua mente a entender isso e você não será capaz de fazer outra coisa senão amar o Senhor. Santa Catarina, a Grã-Mártir, prometeu amar aquele em quem ela veria a mesma riqueza que possuía, a mesma beleza, a mesma sabedoria de que se gabava, esperando que em todo o mundo ela não encontrasse tal pessoa. Mas quando ela conheceu o Senhor, ela viu que comparada à Sua beleza, sabedoria e riqueza, ela não era nada, ela era desprezível. Ela então se entregou completamente a Ele, apegando-se a Ele e oferecendo-se a Ele como um sacrifício.

Em segundo lugar, São João, o Teólogo, sentindo o amor do Senhor por ele, ficou inflamado de amor por ele. O amor sincero e altruísta, quando experimentado de outra pessoa, sempre inspira um sentimento correspondente. Vamos experimentar o amor do Senhor e acender nosso amor por ele. “O que o Filho de Deus não fez por nós?” pergunta São Ticônio. “O que Ele não alcançou por nós? O que Ele não suportou e sofreu por causa de nossas pobres e necessitadas almas? Que labutas e sofrimentos Ele não tomou sobre Si a fim de levar-nos a nós, que havíamos caído, a Seu Pai Celestial? Ele desceu do céu para nos elevar, nós que que tínhamos sido expulsos do paraíso, ao céu. Para o nosso bem, Ele nasceu na carne a fim de nos trazer a Si mesmo por meio da regeneração espiritual. Ele se humilhou por nós, para nos elevar. Ele empobreceu para enriquecer a nós, desgraçados. Ele sofreu desonra e feridas para nos curar e glorificar. Ele morreu por nós para dar vida a nós que estávamos mortos. Veja a que condescendência e humildade Seu perfeito amor e complacente misericórdia O trouxeram”. Cada um de nós não experimentou este movimento do amor de Deus? Quantas vezes fugimos desse amor pecando? Todas as vezes, por causa de uma frase, “Eu sou culpado e não farei isso novamente”, nós nos reunimos por meio de Sua misericórdia. Quantas vezes O irritamos cedendo à tentação das delícias deste mundo? Então, quando nos voltamos para Ele novamente, fomos admitidos na mesa do Senhor, para participar de Seu Corpo e beber Seu Sangue. Não é este o abraço de Seu amor misericordioso? Cristo está entre nós em nossa vida cotidiana. Quem entre nós não experimentou Sua cuidadosa proximidade de nós, na libertação de infortúnios, doenças, tristezas, circunstâncias difíceis, em todas as necessidades espirituais e físicas? É possível não responder a um amor tão grande e voltar-se para Aquele que nos ama tão incansavelmente? É possível por causa da distração e desatenção esquecer o amor do Senhor por nós? Tendo conhecido e lembrado esse amor, é impossível não experimentar um sentimento de amor pelo Senhor, não importa quão calejado esteja o coração. Aquele que anda continuamente na presença do amor de Deus sempre será inflamado com amor por Ele. Essa é a natureza do amor!

Terceiro: São João provou a doçura do amor ao Senhor e com perfeita paz repousou em Seu peito. O amor é em si mesmo uma dádiva que não pode ser comparada a nenhuma outra. Ele traz uma bênção que é mais elevada do que qualquer coisa no céu ou na terra. O Senhor diz: Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele. Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo? Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada. (João 14:21-23). Quão consoladoras são essas palavras! Que grandes e exaltadas promessas o Filho de Deus oferece àqueles que O amam - que o verdadeiro amante de Cristo terá amizade com o Pai e Seu Filho! A mente humana não consegue compreender a bondade de Deus. Deus, que é grande, infinito e inatingível, deseja ter amizade com o homem que Ele criou e que é Seu escravo. Ele deseja ter amizade, desde que o homem não a rejeite ... ”a comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo”, escreve São João (I João 13). Onde estão o Filho e o Pai, também o Espírito Santo não está excluído. Veja o que o amor de Cristo alcança! Quem ama é digno de ser morada e morada da Santíssima Trindade. O Deus Tri-Hipostático - Pai, Filho e Espírito Santo - está bem disposto a habitar no homem pela graça. Deus é amor; e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele (I João 4:16). Bem-aventurado é esse coração! Mesmo aqui na terra, sente alegria que é abundantemente derramada nos corações dos escolhidos para a vida eterna. O coração prova a própria essência de “quão bom é o Senhor” e possui o que se entende pelas palavras “O Reino de Deus está dentro de você”. Pois lá onde Deus está, também está tudo o que Lhe pertence. Se Deus está dentro de você por causa do seu amor, então você terá Sua justificação para seus pecados, libertação de seu cativeiro, paz em vez de sua má consciência, alegria em vez de sua miséria, conforto em vez de sua tristeza, justificação no julgamento de Deus, assistência contra seus inimigos, sabedoria e inteligência em vez de confusão e ignorância, força em sua fraqueza. Se o Senhor habita em você por causa do seu amor, então quem pode ser contra você, que mal pode acontecer com você? Se Ele é a sua paz, quem pode perturbá-lo? Se Ele é a sua alegria e conforto, quem ou o que pode causar tristeza em você? Se Ele é a sua força, quem pode vencê-lo? Se Ele é o seu Rei, quem pode subjugar você? “Se Deus está conosco, quem pode ser contra nós”, exclama corajosamente São Paulo junto com todos os que amam o Senhor (Romanos 8:31). Assim é o amor, e veja o que ele traz consigo! Aqueles que entram no amor do Senhor sentem que estão cada vez mais plenos e perfeitos. Pois o amor é o vínculo da perfeição (Colossenses 3:14).

Se você deseja amar o Senhor, então se esforce para contemplar com sua mente Sua beleza, ou a plenitude de Sua perfeição, sinta o calor de Seu amor e experimente a doçura do próprio amor com seu coração. Não se pode aprender o amor, ele ocorre nos lugares escondidos do coração. É semeada em segredo e amadurece sem ser observada, como a semente lançada ao solo que brota sem o conhecimento do semeador, produzindo um caule, uma espiga do grão e uma semente na espiga. O amor semeia-se misteriosamente, sempre, porém, a partir do efeito sobre o coração, objeto de amor. Volte sua mente em seu coração para o rosto radiante do Senhor, cheio de amor e digno de amor, e de Seus olhos uma centelha descerá em seu coração e o acenderá com amor por Ele. Aquele que está perto do fogo é aquecido por ele, e aquele que se volta para o Senhor com sua mente e coração é aquecido pelo fervor de Seu amor, e ele mesmo começa a retornar uma disposição calorosa para com Ele. ... O amor de Deus está derramado em nossos corações ... (Romanos 5:5), ensina o Apóstolo Paulo. O amor é um presente, mas um presente preparado para todo aquele que o busca: apenas deseje e busque, e imediatamente você o receberá. Assim como o Senhor abraça a todos, é impossível não amá-Lo. No entanto, como nem todos se voltam para Ele e O buscam, nem todos O amam. Pois, de fato, Ele nos amou primeiro e, portanto, devemos amá-Lo.

Detenhamo-nos nestas coisas, irmãos, e nos esforcemos para amar ao Senhor com todo o nosso coração, toda a nossa alma e todas as nossas forças. Melhor ainda, vamos despertar o amor por Ele adormecido em nós e colocá-lo em ação para ser visto por nós e por todos. Amém.

8 de maio de 1864 – Festa de São João, Apóstolo e Evangelista.

Fonte: São Teófano, o Recluso, Road to Emmaus Vol. XV, No. 2 (#57).

26 de março de 2021

Gestão emocional: a essência da liderança


A sensibilidade racional

Reconhecer suas neuroses é bom; decidir fazer algo para resolvê-las é melhor ainda; mas fazer esse algo, concretamente, é uma coisa totalmente diferente. Cuidado, contudo, para que esses insights não se transformem em pensamentos do tipo: “Eu vejo com clareza que ando me comportando de maneira idiota, portanto sou um idiota!”

A solução? Adquirir sensibilidade racional. Em outras palavras, tornar-se sensibilizado, mas não sensível: em termos mais claros, ensinar-se como ser sensível sem ser vulnerável.

A sensibilidade racional consiste em empregar seus pensamentos e emoções de maneira que você se torne cada vez mais sensível e perceptível aos seus próprios erros e aos erros dos outros. Ao mesmo tempo, consiste em tornar-se infinitamente menos vulnerável, menos condenatório, quando você erra, ou quando os outros erram. É a capacidade de agir de maneira autêntica, e deixar que os outros ajam de maneira autêntica, sem condenar-se a si ou aos outros quando formos tolos, quando cometermos erros ou quando agirmos de maneira autodestrutiva.

Um dos pensamentos mais comuns nessas situações é que devemos ser castigados pelo que fizemos. Castigo, neste sentido, não significa apenas penalização. Se você continuar apresentando um mal desempenho o que poderá acontecer é que será penalizado: ou seja, você não será recompensado por ter sido bem sucedido, será criticado por cometer algum erro, não poderá continuar no projeto etc. Mas castigo significa penalização mais condenação. Significa que só porque cometeu um erro você tem que ser especialmente condenado a sofrer nesta terra, pois você supostamente violou a lei da natureza de que você deve, você tem que, você precisa ser bem-sucedido.

A sensibilidade racional lhe mostrará, de maneira explícita e eficiente, como desinventar os demônios e duendes que você idiotamente inventou e como substituí-los por filosofias de vida racionais: (1) “Não é horrível que meu departamento tenha tido um desempenho tão ruim este ano; é apenas muito inconveniente”; (2) “É claro que eu consigo aguentar esse tipo de fracasso. Nunca irei gostar de fracassar, mas sempre poderei lidar de maneira elegante com isso”; (3) “Não há, nem nunca poderá haver, nenhuma evidência de que eu seja uma pessoa indigna por ter tido um desempenho tão ruim”; (4) “Não importa se eu continuar cometendo erros, eu nunca merecerei ser castigado por meu comportamento ineficaz. Castigo significa condenação; e nem eu nem ninguém seremos condenados mesmo que façamos algo tolo ou irresponsável”.

A essência de praticamente todos os transtornos humanos reside em seu caráter ditatorial, grandiloquente, exigente, típico de criancinhas de dois anos de idade. As pessoas naturalmente, e facilmente, a causa de suas predisposições biológicas e ambiente familiar degradado, creem com devoção e intolerância que elas precisam o que elas querem, que elas precisam ter o que elas preferem, que é um horror se elas forem privadas.

A sensibilidade racional sensibiliza o individuo a suas próprias exigências pueris, bem como as dos demais. Ela lhe mostra como é completamente louco lamuriar-se, reclamar, choramingar e insistir que o universo foi feito especialmente para ele. O indivíduo que pratica a sensibilidade racional, por outro lado, não tem certeza de nada; ele aceita de bom grado o acaso e a probabilidade; ele percebe que nem ele nem ninguém é uma pessoa indigna.

 A sensibilidade racional e o executivo

De certa forma o executivo é um revolucionário nato. Ele naturalmente se conforma em grande medida às regras organizacionais vigentes: pois ele sabe perfeitamente bem que se não as seguir não conseguirá nem mesmo aproximar-se da direção da empresa a qual pertence.

Porém, o líder organizacional realmente dedicado às suas atividades está sempre, de maneira automática, procurando ineficiências por eliminar e eficiências por construir. Raramente fica satisfeito em seguir indefinidamente as mais “bem-sucedidas” e consolidadas políticas da empresa; de outra forma, seu trabalho se tornaria rotineiro e tedioso. Dado que “mudanças radicais” é outro nome para “revolução”, o executivo é sob vários aspectos (e não somente teoricamente) uma das criaturas mais revolucionárias da terra.

O executivo, ademais, é um ser essencialmente lógico e racional. Ou, pelo menos, deveria ser! Pois embora seja emotivo, líder e orientado por comportamentos, ele é forte em pensar, imaginar, planejar, estruturar e teorizar. Ele não apenas age; ele usa a cabeça. Talvez seu ponto mais forte esteja precisamente nisso: enquanto alguns são exímios pensadores, outros extremamente emotivos e alguns extraordinariamente impetuosos, o executivo tende a empenhar-se nessas três formas de comportamento.

Mas como? Bem, tente por um momento observar o homem, não apenas sua obra. Por que o executivo tem poder para executar? Em última instância, porque ele realmente quer. Ele quer, prefere, gosta imensamente de liderar os outros e dirigir empresas. Ele deseja intensamente a eficiência e o sucesso. Ele anseia apaixonadamente atingir os objetivos da empresa. Ele cobiça ativamente vários tipos de poder. Ele normalmente detesta, despreza e odeia a ineficiência, a fraqueza, a desordem e o desperdício. Ele sabe muito bem onde ele quer chegar na vida e está absolutamente determinado a chegar lá.

Mas será que seus desejos, gostos, vontades, ânsias, cobiças, ódios e determinações realmente representam a epítome do desinteresse, da pura objetividade e da frieza? Não tenha dúvida! Muitos de seus métodos podem ser incrivelmente frios e calculados. Ora, mas e as chamas da motivação, aquela motivação que ventila e promove esses métodos? Será que elas também são frias e calculadas?

O verdadeiro executivo é, portanto, naturalmente racional, mas é também naturalmente, no melhor sentido do termo, sensível. Ele não apenas sabe o que é, mas também o que deveria ser.

A sensibilidade racional é sensatamente dualista. Ela reconhece a existência das inclinações totalmente centradas no prazer, as tendências incrivelmente egoístas e maravilhosamente individualistas do cidadão saudável. Mas não se esqueça: as pessoas, em especial os executivos, trabalham com outras pessoas.

A sensibilidade racional o ajudará a que se sensibilize com você mesmo; com as pessoas mais próximas a você (esposa, filhos); a seus colegas de trabalho, a seus superiores e subordinados. Ela oferece a você uma chave para a humanidade: entender os comportamentos incrivelmente repetitivos das pessoas ao seu redor.

 Determinação

Antes de mais nada, o executivo competente é uma pessoa determinada, que decide. Ele pensa por meio de planos e cronogramas. Então é quando ele decide implementá-los com determinação.

Adiar deliberadamente uma decisão é sinal de uma necessidade terrível de aprovação.

Em primeiro lugar, desafie-se: as decisões são parte do processo gerencial; enquanto você for gerente, é você quem decidirá se deve ou não manter uma determinada pessoa na equipe. Quem disse que todos devem tratar você com isenção total? Sim, é triste mandar alguém embora; sim, haverá consequências à esposa e aos filhos do funcionário, que certamente sofrerão; mas não é você que está encorajando a miséria dele, mas ele mesmo.

Mas e o excesso de determinação, ou seja, a ânsia de decidir rapidamente? Não seria isso um problema também? Sim, pode ser. Se sua raiva, sua autodepreciação, sua baixa tolerância à frustração, se tudo isso foi a verdadeira causa de sua decisão impulsiva, açodada, e impetuosa de demitir o funcionário, então, sim, você maculou sua capacidade executiva, sua posição.

Quanto mais reativo você for em relação ao comportamento inadequado de um de seus subordinados, tanto mais será alvo de seu ressentimento e de seu enfrentamento. Dado que esta é a maneira que muitas (mas não todas) pessoas são, por que não aceitar tranquilamente esse fato e até mesmo usá-lo a seu favor?

Pois se você realmente for capaz de resolver o problema fundamental do “ego” e da “autovalorização”, você não apenas estará à frente no jogo da eficiência executiva, mas se tornará invulnerável à maioria dos golpes e “insultos” que certamente receberá ao longo de sua trajetória em outras importantes áreas da vida.

 Concentração

O elemento mais importante para a competência executiva é provavelmente a capacidade de concentração continuada.

Eis algumas regras gerais: Tente concentrar-se nas coisas mais importantes a serem feitas, por você e por outros, para cumprir os objetivos da empresa. Observe sua vida social – e a dos outros – no ambiente de trabalho.

O que está bloqueando a sua concentração eficiente? Ora, você. A principal cagada é provavelmente sua baixa tolerância à frustração, ou, em outras palavras, seu hedonismo de curto prazo. Sim, você sabe que não deve perder tempo com trivialidades, com socializar excessivamente com seu chefe, seus pares, seus subordinados, que você deve concentrar-se no que é realmente importante etc. Mas conhecimento não é ação.

Que tipo de merda está fazendo com você mesmo? Este deveria ser o principal aspecto sobre você: adiar o prazer presente em prol de um ganho no futuro.

 A relação com os outros

Um dos aspectos mais importantes a que o executivo deve prestar atenção é sua relação com os outros. É necessário manter uma relação amigável, embora não necessariamente intima, com eles.

Você sabe perfeitamente bem que há tarefas que deve executar, por mais chatas e inoportunas que sejam; que há pessoas com quem deve relacionar-se, por mais estúpidas e desprezíveis que sejam; que há prazos e processos a cumprir, por mais draconianos e arbitrários que sejam. O problema não é a respeito no quê você deve disciplinar-se, mas como. A falta de disciplina normalmente é causada por uma ideia irracional básica na qual literalmente milhões de indivíduos creem. Ela reza que é mais fácil evitar enfrentar as dificuldades e responsabilidades da vida do que assumir formas mais recompensadoras de autodisciplina.

 Autoaceitação

A característica humana mais valiosa talvez seja a autoaceitação plena.

Poucos psicólogos sabem o que é autoaceitação. Frequentemente confundem autoaceitação com “autoconfiança”, “autoestima”, “autoaprovação”, “amor próprio” e coisas do tipo, que em muitos aspectos não só são diferentes mais contrários à autoaceitação.

A autoaceitação incondicional significa exatamente o que parece significar: que o indivíduo se aceita completamente a si mesmo, a sua existência, a seu ser, a sua vivacidade, sem qualquer tipo de restrição ou condição. Por outro lado, o que normalmente chamamos de “autoconfiança” ou “autoestima” são conceitos altamente condicionados de aceitação. Pois se você confia em si mesmo ou estima-se a si mesmo invariavelmente o fará por alguma razão, porque faz algo bem. E se esse é o caso, então você imediatamente perderá essa confiança ou estima assim que começar a fazer coisas mal feitas. “Eu sou bom não porque eu faça algo bem feito ou porque eu seja amado pelos outros, mas pelo simples fato de que estou vivo. Minha bondade está em minha vivacidade. Ponto final.”

A autodepreciação frequentemente leva ao outro lado da moeda da insegurança pessoal: a exaltação compulsiva do ego. Se você acha que não vale nada enquanto pessoa somente porque fez coisas erradas ou mal feitas, então começará a tentar provar a si mesmo que você na verdade é, sim, uma pessoa digna e de valor; e a maneira com que fará isso é fazer coisas que supostamente inflem seu ego e dar-se tapinhas nas costas por ter feito elas.

As tentativas de inflar o ego são provavelmente os comportamentos mais destrutivos da eficiência organizacional.

 Sentimentos de hostilidade

A autoafirmação é um dos mais saudáveis objetivos no ambiente de trabalho, e um dos que mais o ajudarão a atingir (e manter) a eficiência executiva. Mas o problema é que é muito fácil confundir autoafirmação com hostilidade. Dado que a hostilidade, ou raiva, nos motiva a ser assertivos e às vezes a atingir bons resultados (ou ao menos resultados rápidos), então muita gente conclui que (1) a raiva é um elemento necessário da afirmação, (2) a raiva é uma demonstração de força, (3) a raiva é uma demonstração autêntica a respeito do que está acontecendo e (4) a raiva é altamente desejável.

A afirmação (ou assertividade) é saudável porque demonstra que você quer algo e que está determinado a fazer alguma coisa para obter esse algo, mesmo que algumas pessoas pensem diferente e queiram que você faça o que elas querem.

Mas a hostilidade é algo completamente diferente. A hostilidade não é apenas batalhar pelo que você quer; é depreciar, enquanto ser humano, àqueles que querem algo diferente de você.

 Depressão

Será que a sensibilidade racional ensina às pessoas que elas nunca, jamais, devem sentir-se deprimidas – nem mesmo quando alguém querido morrer ou quando uma empresa entrar em falência? Sim, é exatamente isso que ela ensina. Pois a depressão, quando corretamente definida, não significa apenas tristeza profunda, infelicidade ou luto; depressão significa também autodepreciação, autopiedade e um sentimento de total desesperança.

Pois sentir-se frustrado, contrariado, chateado, tudo isso naturalmente o encoraja a sentir-se triste e cabisbaixo. Mas sentir-se deprimido, desesperado, completamente melancólico, significa, acima de tudo, que você está torturando-se a si mesmo por ser torturado, que está exigindo e fazendo birrinha porque o mundo deveria ser arrumado de tal forma que você nunca seja frustrado, contrariado e chateado.

Quase todos os transtornos de personalidade resultam do mecanismo de culpa irrealista e exagerada – culpar a si mesmo, os outros, o mundo. Quando se comporta neuroticamente você flagela pessoas e coisas de maneira supergeneralizada somente porque algumas características delas são indesejadas. Ao invés de querer, desejar e preferir que essas pessoas e coisas tenham características melhores, você exige e ordena que elas melhorem completa e imediatamente.

Fonte: Albert Ellis, Executive Leadership, Institute for Rational Living, Nova York, NY, EUA, 1972. 

22 de março de 2021

Harry Potter: um clássico da literatura


                                   

1)  Invocação vs. Encantamento; ou Psíquico vs. Espiritual

A razão fundamental para a surpreendente popularidade dos romances de Harry Potter é sua capacidade de atender ao anseio espiritual pelas verdades da vida, do amor e da morte, que são negadas por nossa cultura secular. Os seres humanos são projetados para as verdades transcendentes, quer saibam disso ou não, e buscam a experiência dessas verdades e ao exercício de suas faculdades espirituais.

A magia em Harry Potter não é “feitiçaria” ou magia de invocação. Seguindo a longa tradição da literatura inglesa, a magia praticada em Harry Potter, tanto pelo herói quanto pelo vilão, é magia encantatória.

Invocar significa literalmente "chamar". A magia desse tipo costuma ser chamada de feitiçaria. As escrituras de todas as tradições reveladas alertam que “invocar” principados e potestades demoníacos para obter poder e vantagem pessoal é perigosamente estúpido. Encantar significa literalmente "cantar junto com" ou "harmonizar". É a diferença entre os reinos psíquico e espiritual.

O reino psíquico - acessível por meio da alma e incluindo os poderes da alma, desde as emoções e sentimentos até a razão e o intelecto - é o lar de seres demoníacos e angelicais e é predominantemente um lugar caído à parte de Deus. O reino espiritual é o "lugar de Deus" - a esfera transcendente dentro e além da criação e das restrições de ser, tempo e espaço.

Invocar os poderes do reino psíquico é universalmente proibido tanto nas tradições literárias quanto nas reveladas. No entanto, invocar o reino espiritual e buscar graças dele são as tarefas para as quais os seres humanos foram criados, na medida em que somos homo religiosus. A magia encantada diz respeito a harmonizar com a Palavra criativa de Deus por imitação. A magia invocacional trata de chamar espíritos malignos para obter poder ou vantagem – sempre um erro trágico.

Se a magia de Harry Potter é uma magia em harmonia com a Grande História, por que os vilões são capazes de usá-la? Assim como até mesmo as pessoas más na vida "real" são certamente criadas à imagem de Deus, então todos os bruxos e bruxas no mundo de Harry Potter, bons e maus, são capazes de usar magia encantatória. O povo mágico do mal escolhe por sua própria vontade servir ao Lorde das Trevas com suas faculdades mágicas, assim como a maioria de nós, infelizmente, empresta um talento ou poder próprio em momentos de descuido para a causa do Maligno.

As pessoas que pesquisam os grupos ocultistas explicam que, apesar de Buffy the Vampire Slayer e Harry Potter, a participação nesses grupos na Europa e nos Estados Unidos é minúscula e está em declínio, apesar de uma década de Harry, Buffy e assemelhados. Se quiséssemos evitar livros que possivelmente possam ser mal interpretados ou cuja mensagem pudesse ser invertida, incidentes como Jonestown sugeririam logicamente que as pessoas não deveriam ler a Bíblia. Um bispo cristão ortodoxo notou que os odiadores de Harry “perderam a floresta espiritual por causa de sua fixação nas imagens mágicas das árvores literárias”. (Bishop Auxentios, Orthodox Tradition 20, no. 3 (2003): 14-26.) Porque alguns cristãos confundiram magia ficcional com feitiçaria, eles interpretaram mal o que originalmente é um golpe no naturalismo ateu como sendo um convite ao ocultismo.

2)     Bem vs. Mal

É possível dizer, com bastante assertividade, que a magia nos livros de Harry Potter é na verdade um de seus aspectos menos importantes.

Uma das novidades dos livros de Harry Potter é que, embora cada livro seja uma história emocionante em si, há uma história acima de todas elas, que dá o contexto a cada uma dessas aventuras. Cada livro permite ao leitor entrar em outra parte do grande quebra-cabeça que esclarece as relações dos principais personagens.


A batalha entre Gryffindor e Slytherin é uma batalha entre o bem e o mal - um reflexo da batalha entre aqueles que servem a Cristo e aqueles que servem ao Maligno. Como W. H. Auden explicou em sua defesa de Tolkien, a diferença entre os bons e os maus na ficção se resume às escolhas que cada um faz. Os malvados não decidem fazer suas maldades após um período de ponderação; eles fazem quase que automaticamente, o que aumenta sua vantagem individual ou de grupo pois não precisam levar em conta os princípios. Os bons muitas vezes são tentados a fazer a coisa errada - podem até fazer a coisa errada - mas eles escolhem o certo ou se arrependem de seu erro à luz do certo e do errado. Os gryffindors optam por fazer a coisa certa - geralmente depois de alguns momentos de angústia e exame de consciência – mesmo que fazer a coisa certa provavelmente signifique a morte deles. Os slytherins fazem a coisa errada sem reservas ou restrições.

Gryffindor é o nome de seu fundador, Godric Gryffindor, cujo primeiro nome significa “piedoso” ou “adorador”. Gryffindor é a palavra francesa para "grifo de ouro" (griffon d'or) e o grifo é comumente usado como um símbolo de Cristo. A mascote nas bandeiras da Gryffindor é um leão vermelho, um emblema de Cristo que faz parte das imagens tradicionais e alquímicas. O mascote de Slytherin é uma serpente, o nome de seu fundador - Salazar Slytherin - está cheio de sons de serpentes sibilantes e sugere o movimento que uma cobra faz no chão (rastejando; ver Gênesis 3:14), e seu líder é o Senhor das Trevas e seus chegados são chamados de “comensais da Morte” (mortífagos). Os leitores familiarizados com a Bíblia reconhecerão a compreensão de São Paulo do mundo como sendo caído (Romanos 8:22) e governado pelo diabo (2 Coríntios 4: 3-4), contra quem tudo e todos os bons estão em guerra - e cujo governo e corrupção Deus se fez homem para destruir (Colossenses 2: 13-15; 1 Coríntios 15: 24-27, 54-57).

Os livros satisfazem e apoiam nosso projeto de experiência espiritual e nosso desejo de resistir ao mal e servir ao bem.

3)      O amor vence a morte

Os livros de Harry Potter são apresentados de acordo com uma fórmula usada desde histórias épicas antigas a romances de aventura modernos: o amor vence a morte e que ressuscitaremos dos mortos em uma ressurreição tornada possível por e em Cristo.

 Nos épicos antigos e medievais (Odisseu, Enéias, Dante), os heróis viajam ao submundo para enfrentar a morte (geralmente para obter informações), entrando e saindo sem provações muito maiores do que as dificuldades da viagem e o choque do que veem. Não é assim em Harry Potter. Invariavelmente, ele tem uma morte figurativa. Harry não morre apenas nessas histórias, é claro; ele ressuscitou dos mortos. E este não é apenas um “grande retorno”, mas uma referência da Ressurreição: Harry nunca se salva, mas é sempre salvo por um símbolo de Cristo ou pelo amor.

O maior medo humano é da morte, e compartilhar a vitória reiterada e final de Harry Potter sobre um inimigo cujo nome significa "morte voluntária" (Voldemort) atrai os leitores por conta do prazer vicário de derrotar a própria morte. O amor transcende a morte e derrota aqueles que adoram no altar da morte. A mensagem da imortalidade pessoal e da vitória do amor sobre a morte ressoa no coração humano como uma esperança universal e explica em grande parte a popularidade generalizada desses livros.

4)      A alquimia do crescimento espiritual

Há outra maneira de ver as histórias de Harry Potter: a transformação alquímica de Harry de metal comum em ouro espiritual.

Para nossos propósitos, a alquimia pode ser definida simplesmente como a transformação de algo comum em algo especial. Se os historiadores da religião e da arte sacra devem ser acreditados (mais notavelmente, Titus Burckhardt e Mircea Eliade), a alquimia era um caminho espiritual dentro das grandes tradições reveladas para devolver o homem decaído à sua perfeição edênica. Os símbolos alquímicos são uma grande parte da literatura inglesa clássica. E se não entendemos a ideia da alquimia, podemos facilmente perder a profundidade, amplitude e altura das peças de Shakespeare, da poesia de Donne e Eliot e dos romances de Lewis e Tolkien. Rowling usa a alquimia em Harry Potter como uma metáfora para a mudança e como um recurso para imagens poderosas.

Shakespeare e Benjamin Jonson, entre outros, usaram imagens e temas alquímicos porque entenderam que o trabalho do teatro na transformação humana era paralelo, senão idêntico, ao trabalho da alquimia. Por meio de métodos e símbolos tradicionais, o artista alquímico oferece o deleite da alma e uma liberação dramática por meio de experiências arquetípicas e purificadoras.

O trabalho alquímico purifica um metal comum dissolvendo e coagulando o metal usando dois reagentes principais, ou catalisadores. Esses reagentes refletem os pólos masculino e feminino da existência. O enxofre (súlfur) alquímico representa o pólo masculino, impulsivo e vermelho, enquanto o mercúrio alquímico representa o complemento feminino e frio. Juntos e separadamente, esses reagentes avançam a purificação do metal de base em ouro. Os dois amigos mais próximos de Harry são Ronald Weasley, o garoto ruivo e impetuoso, e Hermione Granger, a jovem inteligente e impassível. Eles também são símbolos vivos do enxofre alquímico (Ron) e do mercúrio (Hermione). Juntos, e mais obviamente em suas desavenças e separações, as amizades de Harry com Ron e Hermione o transformam de chumbo em ouro. Enxofre e mercúrio são frequentemente chamados de “o casal que briga”, um nome adequado para os sempre contenciosos Ron e Hermione.

As três etapas da alquimia são ilustradas no ciclo de cada livro. O primeiro estágio do trabalho alquímico é a dissolução, geralmente chamado de nigredo, ou estágio negro. Neste estágio negro, o corpo do metal impuro, ou o velho e antiquado estado de ser, é morto, putrefato e dissolvido na substância original da criação, a prima materia, a fim de que possa ser renovado e renascer em uma nova forma. O padrinho de Harry, Sirius Black, leva o nome desta fase da obra porque o livro que é o nigredo de toda a série apresenta Sirius e termina com sua morte. O segundo estágio é a purificação, geralmente chamada de albedo ou trabalho branco. Segue-se a ablução, ou lavagem, da prima materia, que a torna branco brilhante. Quando a matéria atinge o albedo, ela se torna pura e imaculada. Albus Dumbledore (albus em latim significa “branco, resplandecente”) é nomeado para este estágio do trabalho. Os símbolos mais usados ​​do estágio de albedo da obra incluem a lua e um lírio. Luna, a palavra latina para lua, é o nome de uma amiga de Harry no quinto livro, e Lily é o nome de sua mãe, que deu sua vida para salvar a dele. O Príncipe Mestiço é o romance de albedo da série, que apresenta o diretor do colégio e termina com sua morte. O terceiro e último estágio do trabalho alquímico é a coagulação ou perfeição, geralmente chamado de rubedo, ou estágio vermelho. A matéria purificada agora está pronta para ser reunida ao espírito. Com a fixação, cristalização ou incorporação do espírito eterno, a forma é concedida à matéria pura, mas ainda sem forma. Nessa união, o casamento químico supremo, o corpo é ressuscitado para a vida eterna. Rubeus Hagrid (rubrum significa “vermelho” em latim) pode ter sido nomeado para este estágio. Um símbolo comum da obra vermelha é o leão vermelho.

Cada livro é uma viagem por essas três etapas. O trabalho negro, ou dissolução, é o trabalho feito em Harry em Privet Drive pelos Dursley e na sala de aula de Hogwarts por Snape, o professor que parece odiá-lo. O trabalho branco, ou purificação, ocorre sob o olhar atento do alquimista branco Albus Dumbledore durante o ano de Harry em Hogwarts. Isso geralmente ocorre em combinação com a separação dolorosa de Ron, Hermione ou ambos. A obra vermelha, ou rubedo, é a cena culminante do cadinho, sempre subterrânea ou em um cemitério, em que Harry morre uma morte figurativa e é salvo pelo amor na presença de um símbolo cristológico. A ressurreição no final da história a cada ano é o culminar do ciclo e da transformação daquele ano. O ciclo então fecha com os cumprimentos e explicações do mestre alquimista (Dumbledore) e um retorno aos Dursley para mais uma viagem pelo ciclo.

A fase negra representa arrependimento, humildade, obediência e renúncia. O trabalho branco é iluminação e purificação. A obra vermelha, raramente realizada nesta vida, mas que é parte do projeto humano, é a santidade ou perfeição na glória de Deus por meio de sua graça.

Os grandes escritores da tradição inglesa usaram imagens alquímicas, desde o século XVI até este século XXI, porque funcionam para atrair a inteligência cardíaca de seus leitores, o chamado "olho do coração", e trazê-los para um lugar imaginativo de transformação.

A alquimia trabalha para nos conectar em forma de história com a transformação espiritual de três estágios do arrependimento, da purificação e da perfeição. Seja por conexão com arquétipos psicológicos ou com as realidades espirituais, esta é uma parte tão importante em nós que, embora tenhamos sido em grande parte imunizados à mensagem de arrependimento e purificação ou da realidade espiritual de qualquer tipo por nosso cultura e escolaridade, respondemos como leitores com alegria e desejo às sombras imaginativas dessa realidade espiritual.

5)      Uma pessoa com duas naturezas

Certamente, a jornada do herói e a fórmula alquímica são aspectos de grande importância, mas a característica mais importante surge quando começamos a falar sobre doppelgängers. Um doppelgänger é uma figura ou sombra complementar de um personagem ou criatura, que revela aspectos de sua personalidade de outra forma invisíveis. Especificamente, a relação Harry/Voldemort é a chave para entender o significado dos livros e por que eles são tão populares.

Harry tem uma dupla natureza, ou sombra, em sua ligação com Voldemort - e sua incapacidade de se voltar para dentro e enfrentar essa sombra é um tema importante da tragédia. A esquizofrenia literal de Harry com Voldemort realmente se evidencia em cada um dos livros.

Os grandes pensadores religiosos e filosóficos argumentam que a pessoa humana não é apenas um corpo com aspectos invisíveis, mas uma unidade corpo-alma (psicossomática), na qual a alma ou espírito é a parte superior ou maior. A morte para esses pensadores não é natural, mas um efeito da corrupção da alma, geralmente atribuída à queda do homem. A “mente carnal”, a alma de alguém sendo amarrada ao corpo e à vantagem pessoal, é morte, de acordo com São Paulo; a “mentalidade espiritual”, ou enfoque nas qualidades maiores e transcendentes da vida, é “vida e paz” (Romanos 8:6). Essa dualidade em cada pessoa humana e as tendências contrárias mais ligadas ao ego individual do que ao amor e ao espírito é a realidade que toda tradição explica e tenta transcender.

Quando Dumbledore recebe a mensagem de que Harry e Voldemort são um em natureza e dois em essência, o que devemos fazer com isso? Primeiro, podemos ver que Harry e Voldemort são um par doppelgänger, algo como imagens espelhadas um do outro. Eles têm a mesma natureza certamente - a natureza decaída que os cristãos acreditam que todos nós temos como resultado do pecado no Jardim. Em segundo lugar, podemos ver que Harry está se movendo em direção à resolução dessa luta de duas naturezas ao escolher a vida, não a morte; mente espiritual, amor e sacrifício, em vez de vantagem própria, conforto físico ou poder. Tom Riddle tem a mesma natureza decaída, mas escolheu o caminho da morte - uma diferença essencial.

Aprendemos ao longo dos livros que Harry tem um dos fragmentos de alma de Voldemort, cortesia da maldição que falhou em matá-lo quando criança. Porque ele usou o sangue de Harry para reconstituir seu corpo no final do Cálice de Fogo, Lord Voldemort forjou um vínculo com Harry (e o amor sacrificial de Lily, a mãe de Harry) em seu corpo. Como Dumbledore explica a Harry em King's Cross, o fragmento de alma em Harry protegeu Voldemort da morte enquanto Harry estava vivo, e o Laço de Sangue no corpo do Senhor das Trevas significava que Voldemort era reciprocamente a apólice de seguro de vida de Harry. "Lord Voldemort dobrou o vínculo entre vocês quando voltou à forma humana".

A resposta para este ciclo aparentemente sem fim é que um do par Harry/Riddle tem que se sacrificar ao outro para eliminar a falsa imortalidade de seu inimigo. Harry, é claro, já tendo morrido para si mesmo várias vezes na série, permite que Voldemort o mate no Bosque Proibido no final de Relíquias da Morte, e o fragmento de alma é destruído enquanto Harry sobrevive. O mal dentro dele tendo sido destruído e tendo sido salvo novamente pelo amor sacrificial de sua mãe, Harry prossegue para vencer o mal externo, o remanescente do mal já destruído.

Em outras palavras, Harry e Voldemort, com seus corpos e almas espelhados e magicamente unidos, são reflexos das unidades corpo-alma que todos somos e da escolha que cada um de nós faz entre a mente carnal e a espiritual. Por alguma razão, chame de queda, se quiser, nossos corações estão escurecidos e essa escolha não é fácil. Mas fazendo as escolhas certas e difíceis, podemos morrer para aquele mal interior e, tendo vencido a batalha interior, o inimigo exterior é derrotado quando escolhemos enfrentá-lo.

A resposta para nossos problemas internos, entretanto, é resolvida da mesma forma que Harry destrói seu Voldemort interior e exterior. Ao fazer escolhas difíceis para o bem, o amor e o sacrifício de si mesmo, transcendemos essa dualidade interior e nos tornamos andróginos como os alquimistas - e cristãos, que no amor sacrificial do Nazareno "não são judeus nem gregos, escravos nem livres, homem nem mulher, porque todos sois um em Cristo Jesus”(Gálatas 3:28).

Rowling coloca seu dedo nas questões de corpo e alma que dizem respeito a todos nós. Ela aponta para a resolução espiritual de nossos problemas como a vitória interna necessária e o início da resposta aos conflitos externos e ideologias contrárias que nos separam.

6)      O amor vence a morte II

Cada livro desenvolve o tema do amor que supera a morte.

No livro de abertura da série de sete livros, por exemplo, Rowling oferece um ensino explícito a respeito do que é a morte, e a importância do amor daqueles que partiram, que continua a nos proteger mesmo em sua ausência. Especialmente quando esse amor era um amor sacrificial. Dumbledore explica a Harry que “para a mente bem organizada, a morte é apenas a próxima grande aventura. [...] Sua mãe morreu para te salvar. Se há uma coisa que Voldemort não consegue entender, é o amor. Ele não percebeu que o amor tão poderoso quanto o de sua mãe por você deixa sua própria marca. Nenhuma cicatriz, nenhum sinal visível. . . ter sido amado tão profundamente, mesmo que a pessoa que nos amou tenha partido, nos dará alguma proteção para sempre”. Este é um eco da crença cristã de que no Amor, que é Cristo, os santos são uma “nuvem de testemunhas” que sempre envolve aqueles que estão unidos a Ele em sua Igreja (Hebreus 12:1).

No segundo volume, Harry, enfrentando a morte certa em combate com um bruxo mais velho e sábio, sem mencionar seu gigante e venenoso basilisco de estimação, triunfa pela lealdade a Dumbledore e a graciosa ajuda da fênix. Este é um ensinamento implícito e simbólico sobre como escapar da morte por meio do amor.

No sexto volume, Harry pode encontrar muito o que esperar na morte de Dumbledore: a saber, que a morte não é o fim, que uma existência sem alma é pior do que a morte, e que a morte pode ser transcendida pelo amor e pelo laço de sangue. Apenas bruxos covardes como fantasmas, com medo da morte, escolhem "ficar para trás" como uma "impressão de si mesmos". Harry é lembrado de que temos evidências de uma vida após a morte. Quando seu padrinho é morto em batalha na Câmara da Morte, ele literalmente “atravessa o véu”, uma expressão tradicional inglesa para morrer. Harry é lembrado de que, sim, a morte é definitiva, mas o fato de eles ouvirem vozes do outro lado do véu significa que há boas razões para esperar uma vida após a morte.

Voldemort, temendo a morte, busca a imortalidade pessoal por meio de seus horcruxes. Ele cria reservatórios em objetos materiais para fragmentos de sua alma que se separaram do todo no ato do assassinato. O Senhor das Trevas é apenas um modelo de homem decaído; ele afirma e busca a vantagem perante os outros (uma sombra de assassinato) e se imiscui em coisas e ideias temporais (idolatria e materialismo modernos) para fugir da morte e se imaginar imortal. Essa existência autocentrada e sem amor o separa ironicamente do amor dos outros e, em última análise, do Amor que derrota a mente carnal e a morte. Fugindo de uma morte humana, Voldemort se torna sua encarnação inumana e sem vida. Em contraste, quando dada a escolha de Dumbledore entre o que é bom e o que é fácil, Harry sempre escolhe o bom - mesmo que isso signifique a provável perda de sua vida física. Ele o faz no momento de crise de cada livro. O que poderia ser pior do que a morte? Uma vida egoísta sem verdade, amor e beleza - uma vida no Lado Sombrio, escolhida com medo da morte física, uma vida que não é realmente vida.

A guerra entre as forças do bem e do mal, Comensais da Morte e a Ordem da Fênix, que define os três romances finais da série é em grande parte entre aqueles que pensam que a vida física (existência) e vantagem ou poder são os maiores bens e aqueles que pensam que o que dá sentido à vida (a capacidade da alma de amar) é mais real e importante do que apenas o que é visível (ou seja, a existência física contínua). Novamente, “ter uma mente carnal é morte; mas ter uma mente espiritual é vida e paz” (Romanos 8:6). Harry (como São Paulo) sabe que a morte física não é o maior mal; viver uma existência sem alma com medo da morte é a verdadeira morte do espírito humano e o mal maior.

O que nos leva ao poder que Harry tem que "o Senhor das Trevas não conhece". Quando Voldemort diz a Dumbledore que não há nada pior do que a morte, o diretor diz que ele está errado. "Na verdade, sua falha em entender que há coisas muito piores do que a morte sempre foi sua maior fraqueza".

O que poderia ser pior do que a ausência de vida? Rowling nos diz (através de Dumbledore) que o que é pior do que a ausência de vida é a ausência de amor - e que o amor vence a morte assim como a luz vence as trevas. Dumbledore descreve o poder do amor como uma força transcendente dentro de Harry que é suficiente para derrotar o Senhor das Trevas: “Há uma sala no Departamento de Mistérios que é mantida trancada o tempo todo. Ela contém uma força que é ao mesmo tempo mais maravilhosa e mais terrível do que a morte, do que a inteligência humana, do que as forças da natureza. É também, talvez, o mais misterioso dos vários assuntos de estudo que ali residem. É o poder mantido naquela sala que você possui em grandes quantidades e que Voldemort não possui. Esse poder o levou para salvar Sirius esta noite. Esse poder salvou você de ser possuído por Voldemort, porque ele não suportaria residir em um corpo tão cheio da força que ele detesta. No final, não importava que você não conseguisse fechar sua mente a ele. Foi o seu coração que te salvou”. O amor está atrás da porta, o amor é o poder que Voldemort não pode compreender ou suportar, e é o amor, o amor sacrificial que salva Harry, que permeia o coração de Harry e lhe dá uma parte refletida de seu poder.

Paulo ensina que “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). A morte, em outras palavras, é a vida gasta na busca egoísta de vantagens, e não com o próprio Deus que é Vida e Amor. Essa pseudo-vida à parte de Deus é uma morte pior do que a morte física, porque promete uma eternidade nas trevas, fora da glória de Deus. Os seres humanos experimentam a verdadeira vida quando escolhem contra a morte e aceitam uma vida de amor em resistência ao egoísmo e ao mal, dedicado na busca da comunhão com Deus, na vitória sobre a morte tornada possível pela vida e a Ressurreição destruidora de morte de Cristo.

A vida não é um valor a ser perseguido em si mesma; o valor ela tem, nós criamos por nossas escolhas - o que é certo sobre o que é fácil.

7)      A identidade vem das escolhas

A escolha é a capacidade humana de decidir entre duas opções. Se for bem treinada, a pessoa é capaz de discriminar ou escolher bem entre as opções do bem e do mal, do certo e do errado, da vantagem e da desvantagem. Em cada uma das histórias de Harry Potter, podemos ver o que constitui uma "boa escolha".

A primeira dimensão da escolha é o nível implícito. Harry faz dois tipos de escolha em cada livro - sobre que tipo de pessoa ele é e sobre o que fazer em uma crise - e ele sempre escolhe o que é certo em vez do que é fácil. Harry tem a opção de ser leal a um padrão elevado e difícil versus vantagem pessoal. Ele escolhe a lealdade para com o bem. As escolhas de Harry transmitem a mensagem implícita “Faça a coisa certa e difícil; não escolha o caminho fácil e vantajoso”.

Em seu tratamento de escolha, Rowling nos envolve não na escolha per se (como foi quando “morremos” com Harry), mas na bondade que experimentamos quando escolhemos a opção mais difícil, virtuosa e abnegada com Harry. Rowling faz eco a C. S. Lewis no uso da arte para auxiliar nosso crescimento na virtude. Participamos imaginativamente com os personagens quando eles fazem boas escolhas - e essa experiência de leitura influencia positivamente a tomada de decisões em nossas próprias vidas.

As escolhas que fazemos refletem o caráter que temos e moldam o caráter que teremos. Esta é a mesma ideia de manter sua casa limpa; reflete o valor que você atribui à ordem e molda e confirma essa prioridade em sua vida.

Se as escolhas de Harry são boas e boas escolhas significam boas mudanças, então devemos ver Harry mudando por meio de suas escolhas e experiências de uma criança para um “animal humano” mais maduro, autocontrolado e autoconsciente ao longo do curso de cada ano em Hogwarts. Harry se transformou de uma criança impulsiva que tem pressa de julgar e punir em Privet Drive a jovem adulto capaz de grande discernimento e misericórdia semidivina.

Harry, ao que parece, tem um destino maior do que a vida (derrotar Voldemort; salvar o mundo), mas ele pode realizar esse destino apenas fazendo as escolhas certas e se tornando o tipo de pessoa - uma personificação do amor, o poder que o Senhor das Trevas não conhece - capaz de derrotar Voldemort. Ele tem que transcender as preocupações de seu ego, até mesmo de seus preconceitos herdados e das dúvidas que interpõem razões significativas para não acreditar ou obedecer.

Os seres humanos em todos os lugares sabem que eles também têm um fim profetizado no qual são suas escolhas cotidianas, as escolhas a favor ou contra se tornarem pessoas mais amorosas e mais semelhantes a Deus, que determinarão seu destino. Os cristãos nos dizem que cada pessoa nasce como imagem de Deus, criada para uma vida eterna em Sua presença. Temos uma escolha, entretanto, por causa do livre arbítrio que nos foi dado por ele; podemos nos tornar imagens à semelhança de Deus escolhendo o amor em vez da morte e compartilhando a própria Ressurreição do Amor - ou podemos escolher o caminho fácil da vantagem e do conforto pessoal (uma metáfora em nossos corações para imunidade à dor e à morte). São as nossas escolhas diárias que fazem essa diferença: imagem ou semelhança? Amor ou morte?

Ao ler esses livros e se identificar com as boas escolhas do herói, os leitores ganham um impulso por meio de sua imaginação para fazer eles próprios a coisa certa em circunstâncias difíceis. Nossas circunstâncias podem tornar essas escolhas relativamente difíceis ou óbvias, mas as escolhas de Harry nos apontam para aquelas que devemos fazer a fim de realizar nossos destinos profetizados como filhos de Deus e herdeiros do verdadeiro Grifo de Ouro.

8)      Simbolismo e a divisão da alma

O simbolismo é o aspecto mais importante em termos de nossa capacidade de entender a popularidade de Harry Potter, de entender o significado especificamente cristão dos livros e até mesmo de entender as razões certas para os pais se oporem às histórias que seus filhos estão lendo. Uma vez que entendemos os símbolos, podemos entender melhor o que significa ser humano. Como cristãos que acreditam que somos criaturas feitas "à imagem de Deus" (Gênesis 1: 26-27), temos que levar a sério a ideia, pelo menos quando estudamos a literatura inglesa, de que somos de fato símbolos tridimensionais, no tempo e espaço, da Trindade.

O mundo em que vivemos é incompreensível, exceto à luz dos símbolos. Como escreveu Martin Lings, amigo de C. S. Lewis: “Não existe doutrina tradicional que não ensine que o mundo é o mundo dos símbolos, pois não há nada que não seja um símbolo. O homem deve, portanto, compreender pelo menos o que isso significa, não apenas porque ele tem que viver no aqui e agora, mas também e acima de tudo porque sem tal compreensão ele não conseguiria entender a si mesmo, ele sendo o símbolo supremo e central no estado terrestre”. (Martin Lings, Symbol and Archetype: A Study of the Meaning of Existence (Cambridge: Quinta Essentia), vii.)

Simbolismo não é algo que “substitui” outra coisa. Uma alegoria é uma história ou conjunto de palavras em que algo existente na terra é representado por outro personagem ou imagem terrestre. Como leitores, não “interpretamos” alegorias, mas as “traduzimos”; alegorias, ao contrário dos símbolos, são apenas a tradução de uma história para outra língua ou história. Os símbolos tampouco são simples signos, ou pelo menos não são como as placas das ruas, que são simples representações de instruções ou coisas terrenas.

Muitas histórias que são simbólicas, no entanto, são frequentemente explicadas (e descartadas) erroneamente como alegorias. Poucos coisas perturbavam mais C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien quanto a explicação crítica de sua ficção como “alegórica”. A razão pela qual seus livros nos tocam tão profundamente e perduram em popularidade por tanto tempo é por causa de seu significado simbólico.

Os símbolos, em vez de analogias para outros eventos terrestres, são transparências por meio das quais vemos realidades maiores do que podemos ver na terra (ver 1 Coríntios 13:12 e 2 Coríntios 3:18). O oceano, conforme se estende até o horizonte distante, é um símbolo do poder infinito e da amplitude da realidade espiritual que os seres humanos chamam de Deus. Ao ver um, podemos sentir o outro. O oceano, como uma massa de água, não tem poder em si mesmo para mexer com o coração; é apenas uma banheira de grandes dimensões. Mas como um símbolo de Deus, uma forma de ver o invisível, pode nos tirar o fôlego ou trazer lágrimas aos nossos olhos.

Os símbolos também são janelas por meio das quais realidades sobrenaturais (poderes, graças e qualidades) se intrometem no mundo. Como Lings escreveu, este é o entendimento tradicional da Criação - que todas as coisas e eventos terrestres testificam “as suas coisas invisíveis desde a criação do mundo” (Romanos 1:20). Esse testemunho inclui o poder da beleza e grandeza naturais (pense em cadeias de montanhas, um campo de flores ou um leão na savana). Também inclui arte sacra, arquitetura e liturgia, que são, por definição, simbólicas em sua representação de realidades maiores do que as terrenas.

Cristo, é claro, também fala em símbolos por meio de suas parábolas. Ele sabe que não podemos entender a verdade como ela existe, então ele envolve essas verdades em histórias edificantes ou janelas através das quais podemos olhar para experimentar alguma semelhança da verdade.

As grandes tradições reveladas ensinam que o homem, como imagem e semelhança de Deus, é um símbolo vivo - tanto no sentido de transparência através da qual olhamos como de abertura através da qual Deus entra no mundo. A humanidade foi criada à imagem de Deus para que o mundo reverencie o Deus que não pode ser visto (ver 1 João 4:20 e a sequência dos Grandes Mandamentos em Marcos 12:30-31). A humanidade também foi projetada para ser um veículo da graça, do poder e do amor de Deus se intrometendo no mundo do tempo e do espaço. A tragédia da “queda” do homem é que, porque a maioria das pessoas não acredita mais que são símbolos de Deus, moldados em sua semelhança, é mais difícil ver Deus em nosso próximo, e muitas vezes é negado ao mundo o acesso a Deus por meio de seus vasos escolhidos.

Ainda somos movidos, no entanto, pelos símbolos na natureza e os símbolos que experimentamos na literatura. Este é o poder do mito: podemos experimentar realidades espirituais invisíveis e verdades maiores do que as coisas materiais visíveis em forma de história. Tolkien descreveu o Cristianismo como o “Mito Verdadeiro”, a intrusão final de Deus no mundo por meio de sua Encarnação como Jesus de Nazaré. A explicação de Tolkein desta ideia foi fundamental na conversão de C. S. Lewis ao Cristianismo; é essa compreensão do propósito e do poder da história que dá à sua ficção profundidade, amplitude e altura.

Os símbolos da literatura, assim como os símbolos da natureza, da arte sacra e dos mitos edificantes, são capazes de nos colocar em contato com uma realidade maior do que aquela que podemos sentir diretamente. Eles fazem isso por meio de nossa imaginação. O poder da escrita de Lewis e Tolkien é encontrado em seu profundo simbolismo; O Senhor dos Anéis não é uma alegoria forçada ou uma maneira de contar a história da Segunda Guerra Mundial, mas um símbolo dinâmico da luta cósmica entre o bem e o mal, da qual a Segunda Guerra Mundial também foi uma representação do mundo real.

Visto que nós, como seres humanos, somos projetados para a experiência de Deus, as histórias que recontam a Grande História de nossa vida maior no Espírito satisfazem o desejo que estamos programados para sentir e responder. Ao contrário da maioria dos romances contemporâneos, que retratam morais realistas ou alegorias terrenas, Harry Potter é muito mais um mito que aponta para o Mito Verdadeiro.

Considere, por exemplo, os personagens principais Harry, Ron e Hermione. Escritores tão diferentes como Dostoyevsky e Tolkien, produtores de televisão e cineastas, todos usaram esse simbolismo específico - porque funciona. O homem é obviamente uma imagem de Deus no sentido de que sua alma é composta por três partes; tem três faculdades ou poderes que simbolizam as três pessoas da Divindade. Chamamos esses poderes de "intestino", "cabeça" e "peito" ou, mais comumente, "corpo", "mente" e "espírito".


Em vez de tentar mostrar como essas três faculdades principais respondem às situações como uma soma em cada personagem, os artistas podem criar personagens que representem uma dessas faculdades e mostrar na história como esses poderes da alma se relacionam uns com os outros. Harry, Ron e Hermione podem ser facilmente conectados com suas faculdades correspondentes. Ron é o resmungão focado no conforto físico; Hermione, a pensadora; e Harry, o coração heroico que conduz a aventura. Harry está claramente no comando. Hermione é a melhor pensadora. Ron é o líder de torcida e agitador de bandeira (em seus melhores momentos). Quando eles seguem o exemplo de Harry e estão alinhados com ele tudo vai bem.

Hermione quase tem colapsos nervosos durante seu tempo longe de Harry e Ron e durante as brigas de Ron com Harry e com ela. Isso não é fraqueza feminina, mas sim uma imagem da fragilidade de um intelecto desencarnado e sem coração. Parte do brilho de Hermione é sua dependência determinada de seus amigos; ela entende que sua brilhante inteligência é gloriosa no cenário correto e quase desumana por si só.

A boa literatura nos treina e nos abastece de "estoque de respostas " e nos permite ver e nos padronizar de acordo com o alinhamento correto dos poderes da alma. Quando nossos desejos estão de acordo com nossa vontade, e tanto a vontade quanto os desejos obedecem às instruções do coração ou do espírito, estamos operando da maneira que fomos designados para ser.

Algo que chama muito a atenção é que o significado transcendente mais especificamente cristão em Harry Potter se encontra no significado dos símbolos. As principais criaturas e figuras mágicas são o grifo, o unicórnio, a fênix, o veado, o centauro, o hipogrifo, a Pedra Filosofal e o leão vermelho. Cada um é um símbolo tradicional das artes e letras na tradição inglesa usada para apontar as qualidades e a pessoa de Cristo.

Alegorias são substitutos ou traduções de histórias de um personagem, qualidade ou evento mundano em uma figura ou história imaginativa. Pode haver apenas uma figura representando a outra, consequentemente, ou será difícil de traduzir; não posso ter duas figuras de Hitler se estou escrevendo uma alegoria da Segunda Guerra Mundial, ou a alegoria fracassa.

Os símbolos, em contraste, podem ser empilhados. Se estou contando uma história de ficção com um significado transcendente, até mesmo uma mensagem cristã, posso incluir personagens e bestas e eventos que apontam para as várias qualidades, ações e promessas de Cristo. Se os símbolos correspondem a essas qualidades, mesmo que não sejam conscientemente entendidos como símbolos de Cristo, eles nos abrem para uma experiência imaginativa dessas qualidades sobrenaturais. Uma variedade desses símbolos entrelaçados em uma história que ecoa a Grande História vai mexer poderosamente até mesmo a alma inconsciente ou que nega o espírito, porque o coração do homo religiosus está sintonizado com essas frequências espirituais específicas que não podem ser totalmente desligadas. Nossos rádios de inteligência cardíaca estão sempre sintonizados com a frequência dos símbolos carregados espiritualmente transmitidos através da história.

As histórias de Harry Potter, em suas jornadas estereotipadas que terminam a cada ano com o triunfo do amor sobre a morte na presença de um símbolo de Cristo, encontram seu poder e popularidade na ressonância que criam em nossos corações. Nós nos conectamos com eles porque eles apontam para o Mito Verdadeiro que nos eleva acima das preocupações mundanas do ego.

Outro eco do ensino cristão no final de Quirrell/Voldemort está na queimadura das mãos e da pele de Quirrell quando eles fazem contato com Harry; Quirrell queima e morre em agonia. Rowling conta aqui em forma de literatura a doutrina cristã tradicional sobre o julgamento de Deus e a natureza do Céu e do Inferno. Um teólogo cristão explica desta forma:

“Deus é verdade e luz. O julgamento de Deus nada mais é do que entrar em contato com a verdade e a luz. No dia do Grande Julgamento, todos os homens aparecerão nus diante desta penetrante luz da verdade. Os “livros” serão abertos. O que são esses “livros”? Eles são nossos corações. Nossos corações serão abertos pela penetrante luz de Deus, e o que há nesses corações será revelado. Se nesses corações houver amor por Deus, esses corações se alegrarão em ver a luz de Deus. Se, ao contrário, houver ódio a Deus nesses corações, esses homens sofrerão ao receber em seus corações abertos esta luz penetrante da verdade que eles detestaram por toda a vida”. (Alexandre Kalomiros, River of Fire (Montreal: Monastery Press, 1982), 18.)

Outro teólogo explica:

“O próprio Deus é recompensa e punição. Todos os homens foram criados para ver Deus incessantemente em sua glória incriada. Se Deus será para cada homem o Céu ou o Inferno, recompensa ou punição, isso dependerá da resposta do homem ao amor de Deus e da transformação do homem do estado de amor egoísta e egocêntrico para o amor semelhante a Deus que não busca seus próprios fins. [...] O propósito principal do Cristianismo Ortodoxo, então, é preparar seus membros para a experiência que todo ser humano terá, mais cedo ou mais tarde”. (John Romanides, Franks, Romans, Feudalism, and Doctrine (Brookline, Mass .: Holy Cross Orthodox Press, 1982), 46.)

Fonte: John Granger, How Harry Cast His Spell, Tyndale House Publishers, Carol Stream, Illinois, EUA, 2008.