É certo que cada pessoa tem suas próprias características, seus próprios valores e suas próprias atitudes. Mas aqui do que vamos tratar são as características fundamentais que marcam a passagem da vida infanto-juvenil para a vida adulta. Não me refiro às características físicas, sobre as quais um bom manual de anatomia basta para delineá-las: diferenças em tamanho, musculatura, desenvolvimento cerebral, produção hormonal etc., são visíveis e, dadas as condições mínimas de cuidado e alimentação, inevitáveis. Por outro lado, tampouco me refiro às características sociais, como levar uma vida independente e produtiva, mesmo porque tais traços também são de certa forma visíveis e sobre as quais restam poucas dúvidas. Me refiro às características psicológicas, por definição invisíveis, que devem estar presentes para que uma "criança grande" possa adentrar à vida adulta e buscar sua realização pessoal.
23 de novembro de 2022
As características fundamentais da vida adulta
É certo que cada pessoa tem suas próprias características, seus próprios valores e suas próprias atitudes. Mas aqui do que vamos tratar são as características fundamentais que marcam a passagem da vida infanto-juvenil para a vida adulta. Não me refiro às características físicas, sobre as quais um bom manual de anatomia basta para delineá-las: diferenças em tamanho, musculatura, desenvolvimento cerebral, produção hormonal etc., são visíveis e, dadas as condições mínimas de cuidado e alimentação, inevitáveis. Por outro lado, tampouco me refiro às características sociais, como levar uma vida independente e produtiva, mesmo porque tais traços também são de certa forma visíveis e sobre as quais restam poucas dúvidas. Me refiro às características psicológicas, por definição invisíveis, que devem estar presentes para que uma "criança grande" possa adentrar à vida adulta e buscar sua realização pessoal.
18 de novembro de 2022
Trágica vs. moral: as visões sobre a natureza humana
O economista alemão Ernst Schumacher dizia em seu Guide for the Perplexed que há no mundo dois tipos de problemas: os convergentes e os divergentes. Os convergentes são aqueles que se resolvem mediante o emprego de inteligência e tempo. Problemas desse tipo encontramos nas engenharias, por exemplo, nas quais um dispositivo, máquina ou equipamento é construído com inversão de horas, mão-de-obra e capital.
Os problemas divergentes não são assim. Eles tocam temas complexos que não se referem ao mundo material, mas ao mundo imaterial, interior, espiritual. Exigem experiência, profundidade, ponderação, maturidade, tato, compromissos. Lidam com o imponderável, com o arbítrio, com sonhos, com visões de mundo, com relacionamentos. Aqui a mentalidade lógica, simplória e concreta da ciência e da tecnologia não os alcançam, e não é incomum que ofereçam soluções simples e erradas para problemas complexos. As abordagens dos problemas divergentes normalmente se cristalizam em polos, que podem ser dois ou mais, e a solução do problema, se é que há uma, frequentemente passa por ponderar qual polo, ou quais aspectos de cada polo, podem ser aplicados em dado momento. Schumacher cita como exemplo a questão da educação infantil. Qual o melhor método para educar uma criança? Devemos ser liberais ou rígidos? A pedagogia nos oferece alguns caminhos, mas a resposta será sempre "depende". O mesmo vale para hipertrofia muscular, alimentação, ensino de idiomas, gestão de pessoas, entre outros. A vida é maior do que a lógica.
O cientista político americano Thomas Sowell também notou esse fenômeno e em sua obra-prima A Conflict of Visions tratou precisamente de apresentar quais são esses polos, ou "visões", que dominam o âmbito da política. Vejamos como ele se sai.
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Sowell fala de "visões", não de ideologias. As ideologias, diz ele, se derivarão logicamente das visões, mas as visões em si são produto de uma maneira de enxergar o mundo, a história, a sociedade e, acima de tudo, a natureza do homem. Em outras palavras, não há uma maneira precisa ou "científica" que garanta que as duas visões apresentadas por Sowell sejam de fato aquelas que predominam na ciência política. É uma questão de experiência, bom senso e, claro, conhecimento histórico.
As visões são como premissas de um conjunto de pensamentos. São elas que os moldam, digamos. Por trás dos conflitos de interesses, das conspirações, das alianças, dos subornos, das chantagens, dos discursos -- por trás de tudo isso estão as duas visões, ou duas categorias de visões, que de maneira invisível, sutil, mas decisiva, conduzem os rumos politicos do concerto das nações.
As duas visões são a visão restrita e a visão irrestrita. Nenhuma é melhor que a outra. Nenhuma é mais precisa que a outra. Ambas coexistem, ambas se comunicam, ambas se misturam em determinados autores, mas ambas podem ser claramente identificadas.
Os adeptos da visão restrita em geral enxergam a natureza humana como egcêntrica, moralmente limitada, essencialmente corrupta e imperfectível. O desafio não está tanto em aperfeiçoar o comportamento dos homens, pois este tende a mover-se dentro das limitações de sua natureza, mas em procurar extrair o melhor dentro de suas possibilidades. O progresso social se dá mediante permutas e o incentivo de valores que promovam a coesão social como honra e nobreza. O prorgesso está no processo. Exemplos de pensadores desta visão: Adam Smith, Thomas Hobbes, Edmund Burke, Oliver Wendell Holmes, Milton Friedman, Friedrich Hayek.
Os adeptos da visão irrestrita em geral enxergam a natureza humana como altruista, moralmente aperfeiçoável, essencialmente benevolente e perfectível. O desafio não está tanto em aperfeiçoar as sociedades, pois estas tendem a impedir o desenvolvimento dos homens, mas em procurar libertá-las o mais que possível. O progresso social se dá mediante a aplicação de soluções que promovam a liberdade de ação e pensamento dos homens. O progresso está no resultado. Exemplos de pensadores desta visão: Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Condorcet, Thomas Paine, Holbach, Saint-Simon, Robert Owen, George Bernard Shaw, Harold Laski, Thorstein Veblen, John Kenneth Galbraith, Ronald Dworkin, Earl Warren.
Há dois grandes pensadores que não se encaixam claramente em nenhuma das duas visões: John Stuart Mill e Karl Marx.
Na visão restrita, o conhecimento de um indivíduo, ou de um conjunto de indivíduos, jamais suplantará a experiência transmitida pelas instituições sociais, seja mediante um sistema de preços, seja pelas diversas tradições incorporadas na sociedade. Há muito mais inteligência presente no sistema de regras de conduta do que na inteligência de um homem, ou mesmo de alguns homens. A experiência dos povos está condensada nos sentimentos, formalidades e até mesmo preconceitos de sua cultura e comportamentos.
Na visão irrestrita, a razão é o elemento primordial. É o poder racional de uma mente culta que tem, ou deveria ter, predominância na sociedade. Somente pelo poder da ponderação e da meditação racional que podemos alcançar verdades gerais de benefício social. A validação deve ser algo direto, individual, intencional. As pessoas de mente estreita, aquelas cujo horizonte de consciência é limitado, não podem ser comparadas às pessoas cultas, sábias e inteligentes. A missão social dessas pessoas é infundir visões sociais justas nos membros bem educados e formados da sociedade, que, por sua vez, servirão como guias e instrutores do povo em geral.
Os membros da visão restrita tendem a criar condições que impeçam o surgimento de desigualdades de poder que uma elite governante possa acumular.
Os membros da visão irrestrita tendem a criar condições sociais e econômicas equalizantes, mesmo que isso implique em desigualdades no direito individual de decidir sobre essas questões.
Na visão restrita, o elemento moral central é a fidelidade ao seu dever na sociedade. O empresário deve ser fiel aos acionistas, o juiz deve ser fiel à lei, o inteletual deve ser fiel à promoção intelectual de seus alunos e leitores. Na visão irrestrita, o elemento moral central é a sinceridade e dedicação ao bem comum, em especial nos indivíduos sábios e conscientes.
Na visão restrita, os velhos são incomparavelmente superiores aos jovens em sabedoria e experiência, daí serem eles os elementos mais valorizados na sociedade. Na visão irrestrita, os jovens apresentam inegáveis vantagens sobre os velhos, pois as enfermidades do mundo são produto das crenças e instituições existentes, e o fato de eles terem sido pouco expostos a elas os tornam elementos importantes no melhoramento social. Preconceito e avareza, eis as características típicas dos velhos.
Em termos comportamentais, os defensores da visão irrestrita da natureza humana afirmam que os comprometimentos intertemporais não são imparciais, ou seja, a lealdade, as promessas, o patriotismo, a gratidão, os precedentes, os juramentos de fidelidade, as constituições, os casamentos, as tradições sociais, os tratados internacionais, tudo isso são restrições impostas no passado, quando o conhecimento era inferior, sobre o conhecimento contemporâneo, que é necessariamente superior.
Os membros da visão restrita da natureza humana veem com enorme desconfiança as "ciências sociais", que seriam um delírio pretencioso de fazer ciência onde os pressupostos para uma ciência não existe. Similarmente, um juiz de direito jamais deveria tentar fazer "justiça social" na aplicação das leis.
A abordagem que dão à liberdade é marcadamente distinta em ambas visões. Na visão restrita, a liberdade é um processo caracteristico: é a ausência de impedimentos externamente impostos. Na visão irrestrita, a liberdade é abordada assim, mas com um acréscimo: também é a ausência de limitações circunstanciais que reduzem o leque de escolhas.
Quanto à igualdade, para os adeptos da visão restrita basta que o processo garanta tratamento igual a todos os membros. Mas os adeptos da visão irrestrita não encaram assim: os resultados também devem ser equalizados. Veja que "igualdade de oportunidade" ou "igualdade perante a lei" também são conceitos diferentes entre as visões: para a visão restrita significa que os membros da sociedade são tratados igualmente; para a visão irrestrita, é igualar as probabilidades de alcançar resultados desejados, seja na educação, no emprego ou na justiça.
A guerra, na visão irrestrita, é uma catástrofe resultado de desentendimentos ou emoções paranóicas, cuja resolução deve provir da influência de membros intelectual e moralmente capacitados. É causada pelas instituições. Na visão restrita, a guerra é resultado da natureza humana e deve ser evitada mediante o preparo militar generalizado e o consequente aumento de custos nela envolvido. É mitigada pelas instituições.
Similarmente, os membros da visão restrita veem o crime como algo natural, ou seja, como algo parte da natureza humana, que tendem a elevar os ditames do ego acima dos interesses e sentimentos alheios. O castigo é um fator necessário, digamos, e ademais não tem o objetivo de recuperr o preso. Mas para os defensores da visão irrestrira, o crime tem necessariamente uma causa social, seja na forma de injustiças, insensibilidades ou brutalidades sociais. O castigo é uma vingança desnecessária, digamos, e ademais pode ter o objetivo de recuperar o preso.
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A título de conclusão, ou comentário geral, embora Sowell não o diga, fica claro que a visão restrita é típica dos conservadores e a visão irrestrita é típica dos progressistas. No entanto, e como já havia dito, ambas visões estão corretas e incorretas a depender do contexto em que se encontram. Não há uma "visão melhor" que a outra, mas parece que há algo na visão restrita que escapa aos conservadores.
Se o conhecimento disperso na sociedade na forma de tradição, instituições, preços, direito etc. é superior ao conhecimento individual, atomizado, das "mentes cultas" -- como pregram os ideólogos conservadores -- e se foi no seio dessa mesma sociedade tradicional que se formaram os processos revolucionários que deram origem aos regimes democráticos liberais, socialistas e demais modelos modernos e pós-modernos, então que sentido tem uma volta ao passado, um reacionarismo monárquico, um conservadorismo retrógrado? O conservadorismo só tem sentido como diferença de grau em relação ao progressismo, e não de tipo. É um "progressismo light", na melhor das hpóteses.
O consrvadorismo perdeu no seu próprio terreno e com suas próprias regras.
Fonte: Thomas Sowell, A Conflict of Visions, Basic Books, Nova York, EUA, 2007.
14 de novembro de 2022
Alguns conceitos filosóficos de Józef Bochenski
Filosofar é preciso. É até mesmo inevitável. Embora o uso da autoconsciência (noûs) seja algo que exija esforço intencional, um certo distanciamento do turbilhão de impressões e pensamentos que trafegam pela consciência, há momentos na vida de todos os homens que questões alheias aos interesses imediatos, laborais, familiares e sociais se apresentam de maneira imperiosa, que demandam respostas sem as quais perdemos a capacidade de nos orientar. São questões ou "problemas" cuja resolução é necessária como uma bússola é necessária a um navegante. Navegar é preciso, e orientar-se nessa navegação é ainda mais preciso.
9 de novembro de 2022
A metafísica do inferno
Segundo o historiador americano Matthew Raphael Johnson, o nominalismo é o grande inimigo da raça humana e, em especial, da Igreja. A natureza, explica Johnson, não é uma força cega, um cenário neutro, mas uma "habitação" de Deus e Seu poder. Em outras palavras, Deus não está "lá" no céu, mas existe imanente na criação, embora não se identifique com ela. As palavras escondem mais do que revelam, ou seja, elas são veículos ineficientes para expressar a ação da graça. A doutrina sempre será algo incompleto porque se manifesta em palavras. Eis porque a Igreja usa expressões artísticas para suplementar os canais da graça.
"O Pai está sempre ontologicamente distante e para além de Sua criação. O Logos é o princípio "ativo", que Se manifesta na lei natural e na consciência humana. Neste sentido Ele não está de forma alguma distante. O Espírito Santo é a manifestação dessa graça especificamente na igreja e em seus membros. O Espírito não tem outra função que não a de agir como o "andaime ontológico" da igreja. Fora dela, o Espírito não funciona de maneira tão íntima. O "mundo" é matéria morta do ponto de vista da humanidade degenerada.O Pai é inacessível ao pensamento humano. Isso porque o Fundamento (Ground) do fundamento do ser (ground of being) não é um objeto entre muitos e, portanto, não pode ser descrito na linguagem dos homens. Ninguém é capaz de experienciar intelectualmente o Fundamento do fundamento, ou a realidade fundamental do fundamento de todos os seres. Se pudesse ser experienciado de alguma maneira humana então não seria o fundamento supremo. O Pai é acessível somente pela presença do Logos possibilitada pela ação do Espírito. O Logos é necessário porque Ele é Deus sob o ponto de vista da atividade [cf. E.F. Schumacher e as progressões do ser]; o movimento da lei natural no sentido biológico e químico, mas também no sentido ético de nosso arbítrio, uma liberdade que somente existe na igreja, já que fora dela não há espírito.Portanto, o "livre arbítrio" é algo a ser conquistado e com o qual ninguém nasce. Os homens nascem totalmente dependentes e determinados; somente com a maturidade e a graça o potencial para o livre arbítrio pode despertar, e mesmo assim será um grande esforço pensar e agir livremente. Conformar-se é muito mais fácil. Somente os santos têm livre arbítrio, no sentido normal do termo. O salário do pecado é a determinação natural, que é uma outro maneira de dizer "a morte". A humanidade degenerada não pensa livremente, mas conforma-se a um partido, paixão ou carreira, concentrando sua atividade de acordo. O santo vive em outro mundo, no mundo numênico inacessível ao mundo".