19 de setembro de 2013

A origem da cultura


A primeira queda após a perda do Paraíso foi quando Caim matou Abel. Todavia, Deus disse a Caim: o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar (Gênesis 4:7). Mas Caim matou seu irmão. A esta primeira queda seguiu-se a primeira eleição, isto é, a de Sete e sua prole. Os filhos de Sete são os "filhos de Deus": eles invocam o nome de Jeová e um deles, Enoque, "andou com Deus" e talvez tenha sido levado com corpo e tudo ao Paraíso. Os descendentes de Caim, por outro lado, são apenas filhos do homem, tragicamente entregues à morte (Eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar, disse Lameque). Amaldiçoados a cultivarem a terra cuja boca sorveu o sangue de Abel, foram eles os primeiros cidadãos, os inventores das artes e das técnicas. Com eles surge a civilização; que imensa compensação pela ausência de Deus! Urge esquecer ou substituir Deus. Por exemplo, esquecê-Lo mediante a fabricação de metais, submetendo-se ao peso da terra e ao poder opaco que ela confere: assim ocorreu com Tubalcaim, o "mestre de toda a obra de cobre e ferro" (Gênesis 4:22); substituí-Lo pelo prazer da arte, pela consolação nostálgica da música: assim ocorreu com Jubal, o "pai de todos os que tocam harpa e órgão". As artes aparecem aqui como valores culturais, e não como culto; elas são como que orações perdidas por não serem dirigidas a Deus. A beleza que engendram volta-se a si mesma, acorrentando o homem em sua magia. As invenções inauguram a cultura, isto é, o culto a abstrações, vazias de toda Presença para a qual todo culto deveria voltar-se.

Fonte: Vladimir Lossky, Orthodox Theology, SVS Press, pág.86-87, Crestwood, EUA.

Imagem: Caim matando Abel, Daniele Crespi (1598-1630).