A logoterapia se parece a uma psicoterapia convencional, mas procura diferenciar-se desta mediante o tratamento a partir do lado “especificamente humano”, como dizia Frankl, ou seja, tratar as questões que surgem, ou se manifestam, no espírito humano, e não meramente no corpo humano ou na psique humano. Daí tais questões serem chamadas de “noogênicas”, ou seja, engendradas no noûs (espírito).
Frankl
apela para duas capacidades humanas no âmbito da logoterapia: a autotranscedência
(capacidade para apontar para algo/alguém/sentido que está fora do próprio ser
humano) e o autodistanciamento (capacidade para observar seu corpo e
psique com certa impessoalidade). Ambas as capacidades surgem, ou se
pronunciam, em meio ao sofrimento. Assim como me dou conta melhor da capacidade
da visão quando tenho um glaucoma, assim também me dou conta melhor da
capacidade da autotranscedência e do autodistanciamento quando tenho um
problema existencial. Ao contrário dos animais, os instintos e pulsões não nos
dizem o que temos de fazer. Ou seguimos
a manada (conformismo), ou seguimos o líder ou grupo (totalitarismo),
ou encontramos um sentido que preencha nosso vazio existencial. Esse sentido
nunca é dado pelo terapeuta: é o próprio paciente o responsável por encontrá-lo.
O sentido é
encontrado quando, nos “bastidores da realidade”, entrevemos uma possibilidade
para mudá-la. Não importa se o sujeito é “simples” ou “sofisticado”: graças à
sua autocompreensão ontológica pré-reflexiva (compreensão intuitiva de
sua humanidade), o homem é capaz de ajustar sua postura e sua atitude ante os
inevitáveis golpes do destino, ante os incontornáveis fatos da vida, e a partir
deles criar uma axiologia (escala de valores).
As duas
principais técnicas da logoterapia para tratar as neuroses psicogênicas são a intenção
paradoxal (mobilização do autodistanciamento mediante desejar aquilo que
teme ou fazer aquilo que teme; humor é a essência da técnica) e a derreflexão
(mobilização da autotranscedência).
Na intenção
paradoxal, o paciente aprende a permitir a intenção (paradoxal) irônica no
lugar do medo, o que resulta no corte do combustível que move seus temores.
Enquanto a intenção
paradoxal faz com que o paciente fique apto a ironizar as neuroses, com a ajuda
da derreflexão ele é capaz de ignorar os sintomas. O paciente ignora a si
mesmo. O neurótico quer “fazer” tudo com conhecimento e vontade. Uma educação para a confiança em relação ao
inconsciente seria necessária nos casos de neurose obsessiva, uma confiança em relação
à espiritualidade inconsciente, à superioridade cognitiva e determinante
das coisas do ânimo e do sentimento no ser humano em relação às coisas da razão
e do conhecimento. Resumindo: aquilo que temos de ensinar ao neurótico obsessivo,
devolver-lhe, deixar que ele reencontre, é sua confiança na espiritualidade
irrefletida.
O psicoterapeuta
só deve alcançar uma conscientização total de maneira temporária. Ele deve
tornar o inconsciente (e também o inconsciente espiritual) consciente para
depois permitir que ele se torne inconsciente de novo: ele deve conduzir uma potentia
inconsciente a um actus consciente, com o único objetivo de criar
novamente um habitus inconsciente. O psicoterapeuta precisa restabelecer
o caráter espontâneo de operações inconscientes.
Por sua
vez, há três padrões de reações patogênicos: (1) neuroses de angústia
(agorafobia, medo de sentir medo, “ansiedade antecipatória”, fuga da situação),
(2) neuroses obsessivas (medo de si mesmo, luta contra ideias obsessivas), (3)
neuroses sexuais (medo da impotência, hiperintenção do prazer, hiper-reflexão,
incapacidade de se entregar, de se esquecer).
* * *
A tabela
acima mostra a causa (corpórea ou anímica) e o efeito (no corpo ou na psique)
das psicopatologias. Alguns dados: a psicose tem origem somática, as neuroses
podem ter efeito na psique (neurose) ou no corpo (neurose orgânica). As
“doenças comuns” são aquelas tratadas pela medicina convencional, de causa e
efeito corpóreos.
Evidentemente
a etiologia nem sempre é rígida e tão bem delineada como sugere a tabela. Eis um
gráfico que ilustra bem a proporcionalidade da primariedade da etiologia das
patogêneses.
Há outra
interessante maneira, muitíssimo utilizada por Frankl em seus livros, de
classificar as patologias de acordo com seu efeito. Veja:
No eixo
vertical encontram-se as três partes do composto humano e no eixo horizontal o
tipo sintomatológico: simples efeito psicogênico ou noogênico, desencadeamento
psicossomático cerebral-neurológico (ou seja, como um “gatilho” psíquico de uma
doença corpórea, tal como nas psicoses), doença funcional somática (do tipo
vegetativo ou endócrino) ou efeito retroativo (iatrogênica, ou seja, causada
por erros médicos, ou outras reações).
Psicoses
Embora
ditas “psicossomáticas”, as psicoses endógenas são claramente somatogênicas,
embora haja uma psicogênese parcial. Em função de sua somatogênese, as psicoses
são frequentemente racionalizadas, ou seja, os traumas, complexos e conflitos
sofridos pelos psicóticos são tratados como patogênicos, e eis a confusão: são,
na verdade, patognomônicos, ou seja, fazem parte da sintomatologia e denotam a presença
da psicose, mas não são eles mesmos a causa da psicose. Como diz Frankl,
assim como a maré vazante não é causada pelo recife que surge, a psicose
também não é causada por um trauma psíquico, um complexo ou um conflito.
Ademais, como já disse acima, a psicose é desencadeada (gatilho, condição) por
fatores psíquicos, mas não é causada por eles.
Quanto à
patoplástica (a maneira como se apresenta a patologia) temática e individual
das psicoses, nota-se claramente a presença de ideias delirantes que se repetem
“como a agulha que fica presa no sulco de um disco”. Assim, é mérito da
psicanálise investigar a temática desses pensamentos delirantes, perseguindo-os
até a infância. Em termos coletivos, pode-se falar de uma sociogênese,
ou seja, o espírito da época também desempenha papel importante na temática do
delírio. Ademais, em termos de patoplástica pessoal (humana), não devemos nos
esquecer que o indivíduo acometido por essa patologia não é um simples animal
selvagem ferido, mas um ser humano. Isso parece óbvio, mas não é: o paciente
vivencia sua insuficiência como culpa perante sua consciência e/ou a Deus, e a
pessoa, que é espírito, está além de ser saudável ou doente. Ora a análise
existencial deve entrar aqui como um elemento que evidenciará o aspecto pessoal
da psicose e eventualmente evidenciará algum elemento de religiosidade
inconsciente. Quanto a isso, diz Frankl muito acertadamente:
No geral, porém, continua tão evidente quanto antes que um organismo psicofísico de bom funcionamento seja a condição para que a espiritualidade humana se desenvolva. Não podemos esquecer que o psicofísico, independentemente de quanto possa condicionar o espiritual, não tem qualquer efeito, não consegue criar tal espiritualidade. Também não deveríamos esquecer que é sempre unicamente o organismo psicofísico que é afetado – por exemplo, no sentido da doença psicótica. De qualquer maneira, um distúrbio funcional psicofísico pode fazer com que a pessoa espiritual que está por trás desse organismo psicofísico (e de alguma maneira também acima dele) não consiga mais se expressar, se manifestar: é esse – e não mais nem menos – o significado da psicose para a pessoa. A doença impede a pessoa em sua automanifestação. O espírito humano está condicionado à funcionalidade de seu corpo.
A
logoterapia só é adequado no caso de psicoses leves a moderadas. Mais grave que
isso, torna-se contraproducente.
A análise
existencial almeja descobrir e despertar a humanidade intacta e invulnerável do
indivíduo. São três “existenciais” a serem descobertos: a espiritualidade, a
liberdade e a responsabilidade. Para a logoterapia, um fato biológico como a
psicose está longe de ser, apesar dos pesares, um fato biográfico. Em suma, o
paciente deve aprender a enfrentar e rir na cara de coisas como a angústia e a
obsessão (método da intenção paradoxal). Em outras palavras, temos de garantir
que os debates entre o humano na doença e o doentio no homem aconteçam. Temos
de nos lembrar que um animal não tem alternativa, ou seja, ele se rende à
afetividade patológica; o homem, por outro lado, pode se ocupar com tudo isso:
não estou falando de reações psíquicas, mas de atos espirituais. Mas esse feito
não acontece de maneira reflexiva, acontece de maneira muito mais implícita,
sutil, silenciosa.
Doenças
psicossomáticas
Como disse
acima, são as doenças desencadeadas, e não causadas, pelo anímico. O fato de um
asmático ou de alguém que sofre de crises de angina só ter ataques quando está
nervoso é uma trivialidade e apresenta nada de novo. No mais, isso não quer
dizer que a asma ou a angina como tais, em seu todo – ou seja, não no episódio
singular da crise, mas como doenças de base –, sejam psicossomáticas ou
psicogênicas. A angina ou asma podem acontecer por meio de um resfriado, mas
também pode ser causada por uma excitação, ou seja, desencadeada pelo psíquico.
Em suma, o nível de imunidade depende, entre outros, do estado afetivo.
Doenças
funcionais
Elas são
“funcionais” porque não há uma alteração estrutural em órgãos ou sistemas
orgânicos, e sim meros distúrbios de suas funções, motivo pelo qual podemos
classificar essas doenças como funcionais. Estamos falando dos sistemas
vegetativo (respiração, circulação sanguínea, controle de temperatura, digestão
etc.) e endócrino (produção de hormônios). São, portanto, na opinião de Frankl,
“pseudoneuroses” enquanto as psicoses são cerebrais e neurológicas.
Neuroses
reativas
Os efeitos
psíquicos de causas somáticas das doenças funcionais (pseudoneuroses) produzem,
por sua vez, efeitos psíquicos reativos, ou seja, reações neuróticas (neuroses
reativas). O denominador comum dessas reações é a ansiedade antecipatória
(medo do medo, como a colapsofobia, a infartofobia e a insultofobia). O círculo
vicioso tem de ser quebrado em ambos os polos (somático e psíquico). O medo do
medo é um medo secundário que tem um motivo (ou seja, motivo psíquico, que se
acopla ao primário), enquanto o primário tem uma causa (ou seja, causa somática,
a disposição vegetativa de angústia).
Há tipicamente
dois padrões de neuroses reativas: (a) neurose obsessiva: o medo de si
mesmo se expressa em ocorrências obsessivas e a partir daí o paciente exerce
uma pressão contra elas, o que naturalmente reforça a pressão original; em
particular, a obsessão de repetição é causada por uma insuficiência da sensação
de evidência, enquanto a obsessão de checagem se deve a uma insuficiência de
segurança dos instintos; há uma vontade pelos cem por cento, pelo absoluto,
pela totalidade do conhecimento; o tratamento passa pela condução do paciente
do mundo do absoluto para o mundo do pseudoabsoluto, convencendo-o que o mais
razoável e não querer ser razoável; (b) neurose sexual: a ansiedade antecipatória
se estabelece a partir da promoção do fracasso sexual único como sendo o
primeiro; o caráter de exigência de potência tem um efeito patogênico e o
paciente se sente inferiorizado, foge de situações em que a potência sexual poderá
apresentar-se, como motéis, encontros de fim-de-semana etc. e foca muito no
prazer em si (carpe horam, e não carpe diem) e acaba se perdendo;
o prazer não é um efeito que pode ser agarrado, exatamente como o sono, e não pode
ser colocado como intenção; a sexualidade não pode ser considerada um simples
meio para um fim (prazer, orgasmo), mas uma expressão da aspiração amorosa (a emoção
do sexo sem amor é inferior, como apontam inúmeras pesquisas); a sexualidade tem
de desenvolver-se em três estágios: (1) mera masturbação (com ou sem parceiro,
tanto faz), (2) o parceiro é abarcado em sua humanidade, (3) o amor
vivenciado também envolve singularidade e unicidade.
Neuroses
iatrogênicas
O médico é
o fator patogênico mediante sua incompetência para uma anamnese minimamente
aceitável (não deixa o paciente falar, por exemplo) e uma diagnose minimamente
detalhada (banalizar o que diz o paciente e realizar um diagnóstico a todo
custo para mostrar que algo foi feito, por exemplo).
Neuroses
psicogênicas
Diz Frankl
que o fato de um trauma anímico, ou seja, uma experiência grave, ter sobre
alguém um efeito danoso e prejudicial a longo prazo, depende da pessoa, de toda
a estrutura do seu caráter, e não da vivência em si pela qual ela teve de
passar. A imensa maioria das vidas humanas passa por traumas e,
curiosamente, essas situações são acompanhadas por uma diminuição de doenças neuróticas
e uma melhora na saúde mental. Por isso uma liberação de uma carga psicológica longa
e intensa são perigosas do ponto de vista da higiene mental, exigindo-se assim
uma espécie de “ortopedia psíquica”. De qualquer forma, as neuroses
psicogênicas orbitam em torno de dois polos: medo e culpa, cujas
origens encontram-se respectivamente em duas condições ontológicas: liberdade
e responsabilidade.
Doenças
noogênicas
Refere-se a
doenças da terceira dimensão humana, ou seja, a espiritual. É a dimensão verdadeiramente
humana, e precisamente aquela que o psicologismo não quer aceitar.
Caracteriza-se pelas chamadas “crises existenciais”, isto é, crises engendradas
pela tensão de um conflito de consciência ou pela pressão de um problema espiritual.
Nota-se claramente a necessidade metafísica, ou seja, a necessidade do
ser humano de perguntar-se sobre o sentido de sua existência. O médico e
psicólogo, que hoje é levado a assumir a função que anteriormente cabia ao
sacerdote e ao filósofo, podem chegar a um diagnóstico errôneo de uma doença
mental, julgando-a psicogênica quando a noogênese já está aí instalado muito
antes.
As neuroses
noogênicas exigem uma terapia que comece onde a neurose está enraizada: uma
logoterapia. Trata-se de uma terapia essencialmente orientada à educação para
a responsabilidade. O paciente precisa avançar de maneira autônoma a partir
dessa responsabilidade e alcançar o sentido concreto de sua existência pessoal.
Enquanto a psicanálise deu voz à vontade de prazer, a psicologia individual
apresentou a vontade de poder e a logoterapia evidencia a vontade de sentido.
Enquanto o
somatologismo ignora o espiritual, o psicologismo projeta o noético no
puramente psíquico, procurando apenas pelos motivos emocionais do desespero,
tentando “desmascará-los”. Os problemas e conflitos em si não são doentios. Mesmo
conflitos insolúveis. Segundo Frankl, “assim como há verdade apesar da doença,
há sofrimento apesar da saúde”. O
desespero humano em relação à sua falta de sentido não tem nada de patológico,
nem necessariamente patogênico. Nem mesmo o suicídio é patológico.
Não existe “doença
espiritual”, mas apenas um engate da afecção somática à frustração existencial.
Falamos, portanto, de neuroses noogênicas, mas nunca de neuroses noéticas. E,
evidentemente, há o erro do noologismo, ou seja, afirmar que toda neurose é
noogênica. Dessa maneira, a logoterapia representa uma complementação noética
da terapia somatopsíquica.
Neuroses
coletivas
Frankl entende
que não há propriamente um aumento das doenças neuróticas, mas um aumento da
necessidade de tratamento psicoterápico. Isso está claro na velocidade aumentada
da vida moderna, que em si representa uma tentativa de autocura, de
autoentorpecimento: a pessoa está fugindo da monotonia interior e, nessa fuga,
acaba caindo num turbilhão. O homem de hoje mal sabe de onde veio – muito menos
para onde vai. E seria possível acrescentar: quanto menos ele conhecer seu
objetivo, mais vai aumentar sua velocidade ao percorrer esse caminho.
Quando a
vontade de sentido permanece insatisfeita, a vontade do prazer serve para anestesiar
a insatisfação existencial do ser humano, ao menos para sua consciência. A líbio
sexual prolifera, populariza-se o entorpecimento sexual. Similarmente, entre os
executivos, a vontade de poder (e sua versão mais banal, a “vontade de dinheiro”)
reprime a vontade de sentido. O homem existencialmente frustrado não sabe como
ele pode preencher esse tempo livre. O tédio se tornou causa de primeira ordem
da doença mental, ainda mais nos locais onde as questões sociais estão
resolvidas.
Fonte: Viktor Frankl, Teoria e Terapia das Neuroses, É Realizações Editora, São Paulo, Brasil, 2016.